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Palmira Silva

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois, I – O Marquês de Pombal e os jesuítas

«Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos» Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal, em resposta à pergunta «E agora?» em 1 de Novembro de 1755, data em que ocorreu a maior catástrofe natural em território nacional. Imediatamente após o terramoto o brilhante governante organizou equipas de bombeiros para combater os incêndios e recolher os milhares de cadáveres, para impedir a eclosão de epidemias, o que evitou que a dimensão da tragédia atingisse proporções ainda mais catastróficas.

Em contrapartida, «no meio do cenário de devastação, a Inquisição manteve-se implacável, ordenando a evacuação dos seus prisioneiros para Coimbra, amarrados e transportados em mulas».

A reacção pragmática daquele que viria a ser um dos estadistas nacionais mais marcantes foi determinante no (doloroso) nascimento de um estado moderno dos escombros de um país atrasado e retrógrado, completamente subjugado à Igreja e seus ditames. A Lisboa pré-terramoto era uma cidade cosmopolita «à força», mercê da opulência proporcionada pelo ouro e diamantes provenientes do Brasil e da sua posição indiscutível de primeiro porto europeu, conferida pelo comércio proveniente das possessões ultramarinas. Mas era uma cidade com uma traça urbana medieval, com edíficios na sua maioria decrépitos e insalubres, em que existia uma resistência tenaz às novas ideias que despontavam na Europa, resistência ao modernismo imposta pela Inquisição e pelo poder quase ilimitado dos Jesuítas junto ao Rei. Poder ilimitado que era afrontoso aos olhos do futuro Marquês de Pombal já que para além das tarefas de cristianização os jesuítas controlavam boa parte dos interesses económicos nacionais. Assim os cofres do Estado não reflectiam a riqueza e o fausto da Igreja já que o comércio era de facto dominado pela Igreja e não pelo Estado.

Muitos cargos do governo eram ainda ocupados por membros da Companhia de Jesus e o ensino estava sob o controle dos Jesuítas que continuavam a seguir estritamente o sistema aristotélico (ou seja, tomista). Em 1746, quase no final do reinado de D. João V, agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV em recompensa da sua obediência estrita aos ditames do Vaticano, o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proíbia por decreto «…quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi teve mais sorte que Giordano Bruno e conseguiu sobreviver à recuperação do atomismo de Leucippus e Epicurus), Newton e outros».

Ou seja, o poder da Inquisição fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma, Inquisição cujo crivo censório impedia a dissipação das trevas obscurantistas, impostas pela Igreja católica, pelos ventos do Iluminismo que se faziam sentir nos círculos cultos do resto da Europa.

Os jesuítas constituiam assim um obstáculo intransponível a todos os projectos da reforma económica, política, militar e, principalmente, social do país pretendida pelo marquês de Pombal. Os jesuítas dominavam todos os aspectos da vida do país, ditando as normas sociais no confessionário, impedindo o progresso do país pelo monopólio da educação e reinando nas finanças pelas benesses e privilégios oferecidas por uma série de devotos reis e pelos bons ofícios da Inquisição.

Não obstante a funesta influência jesuítica se efectivar em toda a Europa, atingia dimensões catastróficas em Portugal devido ao poderio incontestado dos jesuítas nas colónias, principalmente as da América do Sul. Poder absoluto verificado especialmente no Paraguai em que os jesuítas resistiram em ceder o seu domínio sobre o território à coroa portuguesa, como estabelecido em tratado entre a Espanha e Portugal. Foi necessário empreender contra a Companhia de Jesus medidas enérgicas para que os jesuítas cumprissem os tratados ibéricos, campanha dirigida pelo governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, com colaboração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Sebastião de Carvalho, na zona do Amazonas. O marquês de Pombal ordenou ainda aos governadores-gerais das colónias que investigassem os jesuítas. O resultado do inquérito foi deplorável para aqueles padres, nada abonando em favor da moral e bons costumes seguidos por estes. Face às provas da profunda corrupção da Companhia, Sebastião de Carvalho ordenou que os jesuítas fossem suspensos do exercício da confissão e da pregação em todas as dioceses portuguesas e obteve de Roma um visitador encarregue de proceder a um inquérito e de reformar os (muitos) abusos verificados na Companhia. Bento XIV nomeou para visitador o cardeal patriarca de Lisboa.

Tudo isto contribuiu para a convicção do marquês que Portugal só tinha a ganhar se se livrasse da influência perniciosa dos jesuítas, não só pela resistência que estes faziam às tropas portugueses no Paraguai e pelo seu faustoso poder económico mas especialmente pelo papel nocivo que detinham na educação que os tornava um obstáculo incontornável ao livre desenvolvimento do espírito humano, essencial ao desenvolvimento e progresso do país.

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.

31 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Contra o obscurantismo: O Legado de Einstein

O melhor antídoto contra o obscurantismo religioso é o conhecimento científico. E nada melhor que «O Legado de Einstein» para iniciar a divulgação de eventos científicos para o público em geral.

Aliás a promoção e divulgação da ciência e do pensamento científico para o público em geral é o objectivo deste ciclo de colóquios, integrado no Ano Internacional da Física 2005 e organizado pelo Centro de Física das Interacções Fundamentais, em colaboração com o Projecto QuantLog: Logic in Quantum Computation and Information, do Centro de Lógica e Computação, do Instituto Superior Técnico. Tomando como ponto de partida os trabalhos de Albert Einstein, tentar-se-á mostrar a evolução das ideias e conceitos em Física, as implicações daí resultantes para a compreensão da Natureza e para a vida do dia a dia, como consequência das aplicações tecnológicas resultantes.

O programa é o que se segue:

3 de Novembro
António Brotas, IST, Lisboa
Física clássica e relatividade: continuidade e ruptura

10 de Novembro
Hélder Crespo, FCUP, Porto
O fotão e a emissão estimulada: dois ingredientes para o laser

17 de Novembro
João Lopes dos Santos, FCUP, Porto
Condensação de Bose-Einstein: setenta anos entre previsão e realização

24 de Novembro
Yasser Omar, ISEG, Lisboa
Do desassossego de Einstein até à criptografia quântica

30 de Novembro
Vítor Rocha Vieira, IST, Lisboa
Movimento Browniano: átomos e flutuações

Local: Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais
Anfiteatro Prof. António da Silveira (EA5, Torre Norte), às 16:00 h

31 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Bush nomeia mais um teocrata para o Supremo

A «guerra» teocrática tomou novo fôlego nos Estados Unidos depois da renúncia de Harriet Myers para o Supremo Tribunal americano, em substituição da moderada Sandra Day O’Connor.

Os teoconservadores que pretendiam ser o nomeado alguém como Antonin Scalia ou Clarence Thomas, ambos devotos católicos, membros do Opus Dei, grandes defensores de óvulos e espermatozóides, da pena de morte, da discriminação de homossexuais e mulheres e de todos os ditames do Vaticano, estão esfuziantes com a nomeação de Samuel Alito.

Samuel Alito é conhecido por Scalito por mimetizar perfeitamente a ideologia de Antonin Scalia.

Depois da posse de John G. Roberts, se Alito passar no Senado, existirá, pela primeira vez na História deste país, maioria clara de teoconservadores no Supremo Tribunal americano. Muito mau augúrio para o futuro daquela que é actualmente a única superpotência mundial.

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City – II

No programa da Panorama podemos assistir a um exemplo elucidativo sobre o modus operandis da Igreja no terceiro mundo, que, mesmo em países em que o catolicismo não é a religião maioritária, se infiltra através de grupos de ajuda supostamente humanitária e impõe a sua cultura de morte através destas instituições. O Quénia é esse exemplo, um país em que apenas cerca de 28% da população é católica, mas em que a Igreja católica praticamente controla a saúde e a educação. Quando o governo queniano declarou a SIDA como um emergência nacional e tentou adoptar o uso de preservativos como uma forma de controlar a epidemia, a Igreja católica local reagiu violentamente contra tal medida, levando um dos membros do Parlamento local a declarar a Igreja católica como «o maior obstáculo na luta contra o HIV/SIDA». De igual forma a minoritária mas poderosa e influente Igreja Católica opôs-se vigorosamente e boicotou um programa de educação sexual nas escolas, apesar de a ONU recomendar esta como uma das formas fulcrais para evitar a disseminação da SIDA.

No programa é entrevistado o Cardeal Maurice Otunga, o responsável máximo da ICAR local, que conduziu várias manifestações de fé e devoção cristãs, com o ponto alto na queima de preservativos e folhetos educativos sobre a SIDA. Dignitário que considera e afirma publicamente sem qualquer prurido de consciência, tal como Raphael Ndingi Mwana’a Nzeki, o arcebispo de Nairobi, que o uso de preservativos dissemina a SIDA. Otunga mantém, tal como o piedoso cardeal Alfonso Lopez Trujillo, responsável pelo Conselho Pontifical da Família, que o HIV é suficientemente pequeno para passar através dos preservativos (que têm… poros!). Reafirmando que «os preservativos podem mesmo ser uma das principais razões para a disseminação do HIV/SIDA», ecoando o que a conferência dos bispos da África do Sul, um dos países mais flagelados pela doença, tinha afirmado uns anos antes.

Por isso, e apesar de todo o corpo de conhecimento científico em contrário e as recomendações da organização Mundial de Saúde, sustentadas em factos médicos e não em preconceitos religiosos, a propaganda anti-preservativo da Igreja católica no Quénia atingiu proporções desastrosas e teve um sucesso mortal. Um inquérito levado a cabo pela Kenyan Media Institute indica que 54% dos quenianos não acreditam que os preservativos sejam eficientes a prevenir a infecção com o HIV e concordam que «os preservativos encorajam a imoralidade que por sua vez expõe as pessoas ao risco de contraírem o vírus».

No programa assistimos ainda a uma visita de uma freira católica à família de um homem queniano infectado com o HIV, que não usa preservativo porque, de acordo com os piedosos ensinamentos cristãos, reiterados na visita, «sabe» que o preservativo deixa passar o vírus…

Mentira deliberada que podemos ver propagada pela Igreja católica em todo o mundo, da Ásia à América latina, via os seus 100 000 hospitais e 200 000 agências de serviço social, mantidos com o dinheiro de todos nós! E insatisfeitos em «apenas» disseminar mentiras, proíbir o uso e informação sobre os preservativos (ou qualquer método contraceptivo) nas instituições católicas, a Igreja usa todos os mecanismos de pressão política de que dispõe para que tal seja geral, mesmo em ONG’s seculares. Em Lwak, perto do Lago Vitória, o director de um centro de combate à SIDA afirma que não pode distribuir preservativos devido à oposição da Igreja. Gordon Wambi afirma no programa: «Alguns padres têm dito que os preservativos estão contaminados com o vírus HIV»

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Sex and the Holy City

Há uns dias tive oportunidade de finalmente ver o programa da BBC «Sex and the Holy City» do qual já lera algumas transcrições mas nunca tinha visionado. O programa é absolutamente devastador e deveria ser de visualização obrigatória para todos, especialmente os católicos, para todos se aperceberem da real dimensão da influência nefasta da Igreja Católica no mundo.

Na realidade muitos dos católicos que defendem mesmo as práticas mais desumanas da «santa» Igreja, como as que respeitam à posição em relação à contracepção, aborto terapêutico, uso do preservativo como profilaxia da SIDA e em geral tudo o que diga respeito à saúde sexual e reprodutiva, contrapondo como elemento que se sobrepõe a esta atitude retrógrada, com contornos criminosos, um suposto papel humanitário levado a cabo pela Igreja, no terceiro mundo em particular, não assistiram certamente a este programa esclarecedor.

Para além do mais convém não esquecer que se a Igreja tem dinheiro para levar a cabo este suposto papel social que, segundo os crentes, justifica as doutrinas mais abjectas, tal se deve exclusivamente ao facto de não estar sujeita a quaisquer obrigações fiscais. Assim, o dinheiro que é usado para convencer o mundo da estrita necessidade das instituições religiosas provem de investimentos e negócios que, no mundo inteiro, não contribuem um cêntimo para os estados respectivos assegurarem eles próprios o papel social para que as religiões se reclamam indispensáveis. A Igreja Católica, por exemplo, é a multinacional mais poderosa nos Estados Unidos, com negócios não taxados que vão desde a operação de parques de estacionamento, hotelaria, empresas de comunicação social a bancos. A tudo isto soma-se a contribuição monetária não despicienda dos governos estaduais e federal.

Ou seja, as religiões em geral e a católica em particular constituem um negócio extremamente lucrativo que, para além de não pagar impostos sobre os lucros dos respectivos investimentos, recebe contribuições significativas dos impostos que todos pagamos. O seu suposto contributo social (que não o é de facto) só é possível à custa do nosso dinheiro, quer o que contribuímos directamente via impostos quer aquele que não é colectado de actividades (muito) lucrativas e que seria melhor utilizado numa assistência social estatal!

E as supostas meritórias acções das instituições sociais religiosas, nos países do terceiro mundo e em todo o lado onde se instalam, não são fornecidas graciosamente: os receptores dessa «beneficiência» são livre e abundantemente proselitados, isto é, sujeitos a lavagem cerebral em doses massivas, e essa «beneficiência» é ministrada de acordo com os ditames «morais» do Vaticano.

Ditames de facto imorais como é perfeitamente ilustrado no supracitado programa da BBC. Onde acompanhamos o repórter Steve Bradshaw num périplo pelo mundo e assistimos à forma criminosa como a Igreja de Roma impõe os seus anacrónicos ditames (as)sexuais a todos, católicos e não católicos, usurpando o papel estatal na assistência médica e hospitalar em países sub-desenvolvidos. Ditames que resultam, por exemplo, numa cultura de morte nas Filipinas e contribuem para o alastrar da epidemia de SIDA no devastado continente africano.

30 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Humanismo e sociedade

Decorre até amanhã em Amherst, New York, um Congresso Internacional devotado ao tema «Toward a New Enlightenment» realizado no âmbito das comemorações do 25º aniversário do Conselho do Humanismo Secular. Entre os congressistas encontram-se Richard Dawkins e os prémios Nobel da Química Harold Kroto e Herbert Hauptmann. Harry (Kroto) é um ateu «militante» que tive o prazer de conhecer em finais dos anos oitenta e já nessa altura, antes do recrudescer dos fundamentalismos religiosos que hoje nos assolam, o seu tema favorito de conversa, tirando o C60, claro, cuja descoberta lhe valeu o Nobel em 1996, era a ameaça para a humanidade e para o seu desenvolvimento ético que as religiões representavam. Aliás, preocupação que não esteve ausente da sua autobiografia no site da Fundação Nobel, em que se pode ler:

«Depois de tudo isto, acabei sendo um apoiante de ideologias que advogam o direito do indíviduo falar, pensar e escrever em liberdade e segurança (certamente a fundação de uma sociedade civilizada). Tenho problemas pessoais muito sérios quando confrontado com indíviduos, organizações e regimes que não aceitam que essas liberdades são direitos humanos fundamentais. (…) Assim sou um apoiante da Amnistia Internacional, um humanista e um ateu. (…) Organizações que procuram influência política através de um esforço coordenado perturbam-me e por isso considero que grupos religiosos e grupos de pressão religiosos que operam desta forma o fazem anti-democraticamente e não deveriam ter qualquer papel em política.Também tenho problemas com aqueles que pregam ideologias racistas e relacionadas que quasi parecem indistínguiveis do nacionalismo, patriotismo e convicção religiosa»

As considerações de Harry sobre a religião e sua influência nefasta na Humanidade são reflectidas neste Congresso:

«Milhares de anos de história humana e as delapidações das guerras mundiais trouxeram a maior parte do mundo para o limiar da paz e proporcionaram a véspera do enlightenment (termo difícil de traduzir, talvez iluminismo no sentido de oposição a obscurantismo religioso). O último século em particular viu a emergência de tratados internacionais e instituições que constituiram passos em frente no desenvolvimento de uma verdadeira civilização internacional, liberta dos erros e preconceitos inerentes a culturas religiosas fundamentalistas. Foram propostos novos métodos de governo, nacional e internacional, e estabelecidos tratados internacionais reconhecendo os direitos humanos fundamentais. Os valores do Enlightenment europeu foram estabelecidos através destas novas instituições e tratados mesmo quando se verificam revezes quer no Médio Oriente quer em democracias ocidentais.

O fundamentalismo religioso em todo o mundo ameaça o nosso progresso de uma forma que a Guerra Fria nunca o fez. Duas visões escatológicas competitivas enfrentam-se agora em que a vitória mútua assegura o fim do mundo enquanto os sistemas económicos em competição na Guerra Fria asseguravam que a derrota mútua seria o fim inevitável do falhanço da paz. O fundamentalismo ameaça igualmente o progresso científico e cultural e as liberdades individuais, já que as religiões lutam por supremacia ideológica, sem qualquer respeito pelas verdades descobertas pela ciência ou pelas batalhas por liberdades individuais que foram travadas e ganhas contra o autoritarismo e contra o medo. Até à data os Estados Unidos e a Europa Ocidental têm sido faróis na marcha do progresso e dos valores do Enlightenment mas a maré parece estar a recuar. Enquanto as forças do fundamentalismo preparam e armam os seus seguidores para uma batalha contra os valores que abraçámos devemo-nos unir numa causa para defender mais veementemente que nunca esses valores.

Os valores do Enlightenment estão a ser ameaçados em todo o Mundo. A agenda fundamentalista quer no Ocidente quer no Oriente rejeita liminarmente esses valores. Estamos no limiar de uma nova obscurantista Idade Média. Poderemos aprender com as lições do Enlightenment francês e inglês e ajudar a construir um Novo Enlightenment

Os colaboradores do Diário Ateísta partilham as preocupações das associações humanistas internacionais que participam neste Congresso e tentarão ajudar, dentro das suas capacidades, a que a resposta a esta questão crucial para o futuro da Humanidade seja afirmativa. Continuaremos como sempre o fizemos a responder aos assaltos dos fundamentalismos religiosos ao que prezamos e defendemos: ciência, racionalismo, laicidade, livre pensamento e valores humanistas!

26 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Mais casos de pedofilia

O governo irlandês investigou mais casos de pedofilia no seio da Igreja católica, agora na diocese de Ferns em County Wexford. De acordo com o relatório de 271 páginas foram registadas mais de 100 queixas de abusos sexuais alegadamente cometidos por 21 padres da diocese entre 1966-2002. As queixas contra 6 deste padres foram provadas em tribunal. O relatório indica também que, no mui católico país, as investigações da polícia foram inadequadas, ou seja muito provavelmente os restantes 15 padres não foram condenados porque as acusações não foram devidamente investigadas.

O relatório é muito crítico especialmente do bispo de Ferns no período entre 1960 e 1980, Donal Herlihy, que considerava os casos de pedofilia na sua diocese como nada mais que um «problema moral». Ou seja, as crianças abusadas constituíam apenas um pormenor irrelevante, o problema grave era a imoralidade de um padre que não respeitava o voto de celibato e incorria em pecado «carnal». Com um total desrespeito pelas vítimas, os padres acusados de abusar sexualmente de crianças eram simplesmente transferidos para outra paróquia ou outra diocese por um tempo mas mais tarde regressavam ao seu «rebanho» inicial.

Como diz o Filipe no Oeste Bravio, referindo-se à análise de John Stewart sobre a aparente contradição de a ICAR por um lado defender os padres pedófilos e por outro estar lançada numa cruzada homofóbica em que acusa «os homens-sexuais de andarem a destruir a civilização ocidental»: para a Igreja Católica «a homossexualidade é uma doença incurável que não pode ser tolerada por nenhum bom cristão. A pedofilia é um problema conjuntural que se resolve mudando o padre de freguesia.»

25 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Cultura de morte nas Filipinas

Construída em finais do século XVI pelos espanhóis, a Igreja de Quiapo é um dos símbolos mais proeminentes do poder da Igreja Católica nas Filipinas. Poder que se manteve praticamente intocado até hoje, fazendo das Filipinas um dos últimos redutos da teocracia católica. Assim, nas Filipinas são seguidas (in)escrupulosamente as determinações da «santa» Igreja: os execrados métodos contraceptivos «artificiais» são anátema; a defesa de óvulos e espermatozóides absoluta em território tão dominado pela ICAR.

Na Igreja de Quiapo, situada no centro de Manila, todos os dias se podem encontrar centenas de filipinos que rezam a uma suposta milagrosa imagem de Jesus carregando a cruz. Provavelmente pedindo um milagre que os tire da miséria que caracteriza a vida da esmagadora maioria dos habitantes do país, um dos mais corruptos e com uma das maiores taxas de natalidade do mundo. Milagre que nunca acontecerá e os pobres, com proles numerosas que simplesmente não conseguem sustentar, continuarão miseráveis e ignorantes, dependentes da «boa-vontade» e «boas acções» que a Igreja, com dinheiro alheio, magnanimamente distribui, sem qualquer hipótese sequer de aprenderem a controlar a sua fertilidade. E a «santa» Igreja, que actua activamente na política do país, influenciando e determinando não só resultados eleitorais mas destituições de presidentes que não se ajoelharam convenientemente face à Igreja, já fez saber que negará comunhão a qualquer político, e dados os antecedentes fará certamente campanha contra ele, que tente promover políticas de controle de natalidade.

Mas centenas de mulheres filipinas dirigem-se à Igreja de Quiapo em busca de outro tipo de milagre, um milagre muito mais prosaico e muito mais eficiente a resolver os problemas causados pela miséria que assolam a população: uma forma de terminar uma gravidez indesejada.

Os principais pontos de venda de produtos abortivos nas Filipinas situam-se nas imediações de igrejas e a de Quiapo não é excepção. Os locais habituais de venda destes produtos situam-se a poucos metros do Monumento às crianças não nascidas, uma representação de um feto fora do útero, querubins, as mãos estigmatizadas do mítico fundador do cristianismo e uma mãe a chorar. Estátua inaugurada em 1979, ano dedicado às crianças não nascidas pela delegação local da ICAR e ano em que o Cardeal apropriadamente chamado Sin (pecado) considerou os famigerados contraceptivos os principais culpados (?!) da elevada taxa de aborto que já nessa altura se sentia no país e que, de acordo com o piedoso prelado, introduziram uma cultura de morte nas Filipinas.

«Poder-se-ia dizer que nós fornecemos milagres instântaneos às mulheres» afirmou uma das muitas vendedoras que desde há anos vendem ervas e determinados produtos abortivos em Quiapo. Assim, e ironicamente, a Igreja de Quiapo tornou-se sinónimo de aborto, um anátema punido automaticamente com excomunhão, como lembrou o porta voz da Igreja Católica local, Pedro Quitorio, em relação à famigerada pílula RU 486.

No entanto as ameaças de condenação eterna não parecem demover as mulheres filipinas, sem acesso a contraceptivos, cuja distribuição pública foi proíbida pelos bons ofícios da Igreja, com mais filhos que os que podem alimentar e cada vez mais mulheres recorrem ao aborto clandestino. E cada vez mais mulheres morrem devido às sub-humanas condições em que estes abortos são realizados. Em 2002 estimava-se em 400 000 o número de mulheres que recorreram a abortos de vão de escada e cerca de 100 000 necessitaram ser hospitalizadas na sequência de um aborto. Actualmente estima-se em 750 000 o número de abortos anuais e as complicações causadas por abortos deficientemente realizados são a 4ª causa de morte das mulheres filipinas!

Apesar do auxílio precioso de organizações internacionais, muitas mulheres não conseguem ajuda num pós-aborto problemático já que os mui católicos médicos filipinos se recusam a tratar estas pecadoras mulheres, muitas esvaindo-se em sangue. Alguns, mais «caridosos», efectuam a sangue-frio os dolorosos procedimentos necessários, dilatação e curetagem, um «apropriado» e cristão castigo do abominável pecado que cometeram.

Infelizmente, como se lamenta o Dr. Diego Danila que supervisiona este flagelo do aborto clandestino e as mortes maternais para o Departamento de Saúde filipino, todas as propostas de introdução de políticas de planeamento familiar têm sido vigorosamente boicotadas pela poderosa Igreja Católica! Que recentemente, via um grupo católico oximoronicamente chamado pró-vida, propôs uma lei que pretende proibir a venda da pílula e de dispositivos intra-uterinos nas Filipinas. Ou seja, não foram os contraceptivos mas a «santa» Igreja que de facto propiciou e continuará a propiciar uma política e uma cultura de morte para as mulheres filipinas com a sua posição inflexível, a do Vaticano, contra qualquer tipo de contraceptivos.

24 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Editor preso por blasfémia

O editor de uma revista afegã feminina, Haqooq-i-Zan (direitos da mulher), foi condenado a dois anos de prisão por um crime de blasfémia, neste caso por publicar artigos considerados anti-Islão. De facto, está em vigor uma lei da imprensa no Afeganistão, assinada pelo presidente Hamid Karzai em Março de 2004, que proíbe conteúdos considerados insultuosos ao Islão. Quando a lei foi assinada o governo afegão afirmou aos jornalistas que estes só poderiam ser detidos ao abrigo desta lei com a aprovação de uma comissão de 17 membros, que supostamente deveriam incluir representantes governamentais e jornalistas.

Mas no sábado apenas o tribunal principal de Cabul condenou Ali Mohaqiq Nasab por blasfémia e não houve qualquer comissão a apreciar o caso excepto o conselho dos clérigos islâmicos. Na realidade e nas palavras do juíz presidente Ansarullah Malawizada, Nasab foi encarcerado porque «O Conselho dos Ulamas enviou-nos uma carta dizendo que ele devia ser punido e por isso foi condenado a dois anos de prisão».

Ali Mohaqiq Nasab, um escolar islâmico progressista, foi preso em 2 de Outubro em Cabul, depois de clérigos locais terem considerado anti-islâmicos e um insulto ao Islão dois dos artigos publicados na revista. Os blasfemos, anti-islâmicos e insultuosos artigos que tanto indignaram os piedosos clérigos islâmicos questionavam o castigo atribuído a mulheres adúlteras, 100 chicotadas, e a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas…

23 de Outubro, 2005 Palmira Silva

Mais dilemas para os católicos

Mais dilemas morais, impossíveis de resolver através do sofismático «duplo efeito», esperam os católicos devotos. De facto a FDA, o organismo regulador dos medicamentos e práticas médicas nos Estados Unidos, aprovou na quinta-feira o primeiro transplante de células estaminais fetais em cérebros humanos, uma técnica que a conhecer sucesso permitirá num futuro próximo o tratamento de muitas doenças neuronais, genéticas e degenerativas.

Os pacientes a serem transplantados são crianças que sofrem de uma doença genética rara e fatal, denominada doença de Batten, que torna as infortunadas vítimas cegas, sem fala e paralisadas antes de as matar, na sua variante mais comum antes da pré-adolescência.

Os médicos do Centro Médico da Universidade de Stanford, Califórnia, implantarão os cérebros das de outra forma condenadas crianças com células estaminais neuronais, imaturas e saudáveis, retiradas de fetos abortados. Os médicos esperam que estas células estaminais prossigam o seu desenvolvimento nos cérebros hospedeiros produzindo o enzima impossível de transcrever (fabricar) dos genes defeituosos. Enzima que é necessário para processar o «lixo» produzido pelas células cerebrais, que sem tratamento se acumula e vai matando os neurónios da criança, diminuindo-lhe as funções biológicas até à morte. Não há qualquer outro tipo de tratamento para esta doença!

Fico na dúvida se o novo Papa, que já declarou que uma das prioridades do seu papado será exactamente a bioética, que prepara um novo documento sobre o tema, que debitou uma profusão de documentos, entrevistas e declarações sobre o assunto, irá instruir os fiéis da Igreja de Roma para deixarem morrer os seus filhos e não os sujeitarem a esta pecaminosa e imoral interferência no desígnio divino.

Aliás, existe um documento oficial do Vaticano dizendo explicita e inequivocamente que quaisquer tratamentos baseados em células estaminais embrionárias são absolutamente ilícitos. Parecer-me-ia complicado aos teólogos do Vaticano produzir um sofisma que os torne lícitos no caso de células estaminais fetais!

Mas aparentemente só em relação às mulheres «Não é lícito, mesmo pelas razões mais graves, fazer o mal para que se siga o bem, isto é, fazer ao objecto de um acto positivo da vontade algo que é intrinsecamente imoral, e como tal indigno da pessoa humana, mesmo quando a intenção é a salvaguarda ou promoção do bem estar individual, familiar ou social». E talvez como no caso das vacinas preparadas a partir de fetos abortados, o Vaticano consiga produzir um documento tortuoso permitindo práticas «imorais». De facto, embora ordenando os católicos a lutarem contra as companhias que produzem imoralmente tais vacinas, especialmente a vacina contra a rubéola para que não há alternativas «morais», o Vaticano permite a vacinação «imoral» de crianças católicas através de outro sofisma rebuscado.

Sofisma que afirma que a obrigação moral de evitar colaboração material passiva com um «crime»(ser vacinado com uma vacina ilícita) não é obrigatória se existir um inconveniente grave. Acrescentando que este é um caso de razão proporcional, uma extrema ratio, justificável num contexto de «coerção moral da consciência dos pais que são forçados a agir contra a sua consciência ou então pôr em risco a saúde dos seus filhos e de toda a população. Esta é uma escolha alternativa injusta, que deve ser eliminada tão cedo quanto possível».

Os desenvolvimentos científicos verificados no século passado tornaram impossíveis de aceitar pelos crentes posições como a do Papa Leão XII que durante uma epidemia de varíola em 1829, decretou que «aquele que permitir ser vacinado deixa de ser um filho de Deus» já que «A varíola é um julgamento de Deus e a vacinação é um desafio ao Céu» argumentando que a vacinação era uma interferência inadmissível na vontade divina.