Loading

Palmira Silva

20 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Do esgotamento dos oráculos: Relativismos

O carácter mutável da justiça epicurista, relativista se quisermos, uma vez que para Epicurus a justiça deve reflectir as convenções (ou modelos) sociais vigentes, ou seja as verdades de cada época, nunca permeou o cristianismo uma vez que este assenta em verdades «reveladas», os tais supostos «valores morais universais e absolutos». Aliás para a Igreja católica, pela voz do Papa actual, que afirma ser o catolicismo apenas as doutrinas emanadas do Vaticano e rejeita o catolicismo «faça você mesmo», o «relativismo», ou a «ditadura» do relativismo e concumitante ateísmo, são o grande inimigo da humanidade.

Na realidade, o relativismo como entendido por Epicurus é o motor da construção de uma sociedade melhor e mais justa. Mesmo na Utopia há escravos, pena de morte, castigos corporais e completa submissão das mulheres aos homens… Porque os nossos modelos sociais, as verdades porque se regem as sociedades, reflectem simplesmente valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, por exemplo «É legitímo matar um apóstata?», num determinado contexto social. Na Idade Média não existiam dúvidas sobre a verdade desta proposição, hoje em dia, nas sociedades ocidentais, ela é reconhecida como uma barbaridade. Ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição e esse conceito é determinado pela conjuntura do momento.

O relativismo que, na minha opinião, é pernicioso não é assim o relativismo inerente à nossa evolução ética mas sim o relativismo que, no léxico do quotidiano, designamos por «dois pesos, duas medidas» ou duplicidade de critérios. Relativismo que caracteriza muitas das posições actuais da Igreja Católica, em que a verdade de uma proposição é estabelecida de forma falaciosa ou sofismática, como exemplificado pela posição da Igreja em relação à mulher, ao aborto, à homossexualidade, ao uso profiláctico de preservativos, ao direito à vida e à liberdade de expressão, etc..

Outra instância em que a duplicidade de critérios da Igreja católica é notória tem a ver com a posição em relação aos pedófilos que grassam no seu seio. A semana passada decorreu em Washington uma conferência dos bispos católicos americanos em que o actual presidente, o Bispo William Skylstad, referindo-se ao escândalo da pedofilia no clero americano e pesadas indemnizações decorrentes, afirmou para os seus pares «não há dúvida, irmãos, que estes últimos anos exerceram um pesado tributo sobre nós» não só relegando para o passado os abusos sexuais de menores perpretados por padres mas sugerindo falaciosamente que a Igreja é uma vítima inocente dos seus próprios crimes. Ignorando as vítimas reais dos abusos realizados, as crianças brutalizadas e, em alguns casos, assassinadas para esconder o abuso, como Daniel O’Connell e James Ellison assassinados pelo padre Ryan Erickson, cujos antecedentes de pedofilia tinham merecido da hierarquia católica … aconselhamento psicológico!

Mas as dioceses continuam a lutar para esconder a real dimensão da pedofilia no seu seio, mantendo secretos arquivos que são necessariamente não religiosos, quiçá tentando passar a opinião do actual Papa que afirmou «Estou convencido que as notícias frequentes sobre padres católicos pecadores [pedófilos] fazem parte de uma campanha planeada para prejudicar a Igreja Católica», mas certamente obedecendo ainda às determinações do actual Papa, debitadas em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, ou seja, ameaçou de excomunhão todos os eclesiásticos que revelassem às autoridades civis quaisquer detalhes sobre casos de pedofilia. Talvez por isso o Cardeal Basil Hume, que foi o responsável máximo da hierarquia católica em Inglaterra e país de Gales a partir de 1976 até à sua morte em 1999, encobriu os muitos abusos de crianças, algumas com menos de 10 anos, colocadas à sua guarda no mais prestigiado colégio católico britânico, Ampleforth, no qual viveu a maior parte da sua vida e do qual foi abade no período 1963-1976.

20 de Novembro, 2005 Palmira Silva

De Defectu Oraculorum ou Do esgotamento dos oráculos

La verità é sola figliola del tempo (A verdade é filha do tempo) Leonardo da Vinci

Thomas More, (1478-1535) o escritor e estadista inglês canonizado em 1935 como mártir da Igreja Católica em defesa da liberdade de pensamento (católico, claro) e patrono dos políticos, foi lorde chanceler, o mais alto posto judicial em Inglaterra, de 1529 a 1532. More foi destituído do cargo de chanceler por ter discordado de Henrique VIII sobre a separação da Igreja inglesa da autoridade do Papa e foi preso e decapitado em 1535 por recusar-se a aceitar a intenção de Henrique VIII de divorciar-se da rainha.

A filosofia de More encontra-se exposta com maior clareza no seu livro Utopia (escrito em 1516), uma apresentação de uma sociedade ideal (segundo os padrões da época, claro), com tónica na existência de justiça e igualdade para (quase) todos os cidadãos. Igualmente inovador para a época é o facto de More, um católico convicto que não seguiu os seus princípios expostos na Utopia, ter preconizado utopicamente a tolerância religiosa. Assim, os habitantes da Utopia professam diferentes crenças, desde a adoração de forças da natureza até a crença num único Deus. Todas as religiões são respeitadas e não existe conflito entre elas porque, como não poderia deixar de ser, não há uma religião oficial do Estado, condição necessária (mas não suficiente) para o estabelecimento de tolerância religiosa.

O que a maioria dos nossos leitores não saberá é que a Utopia de More tem uma influência marcada do filósofo proscrito pelo cristianismo, Epicurus, redescoberto na Renascença. A redescoberta de Epicurus, possível graças ao texto De rerum Natura de Titus Lucretius Carus, propiciou o desenvolvimento da ética, do direito e da ciência tal como os conhecemos, esta última especialmente após a «cristianização» do atomismo epicurista por Pierre Gassendi (1592-1655) (enfim, no século XVIII os jesuítas nacionais que detinham o monopólio do ensino proibiram o ensino das teorias blasfemas de Gassendi, a par das de Descartes e Newton).

«O direito natural é uma convenção utilitária feita com o objectivo de não se prejudicar mutuamente» (Epicurus in Máximas Fundamentais), ou seja, esta máxima de Epicurus, transmitida por Diógenes Laercio, afirma o carácter relativo da justiça, dependente das convenções sociais e, por isso mesmo, essencialmente mutável. O carácter convencional que o epicurismo atribui à justiça e às leis positivas, muito mais que um cepticismo relativista, foi o percursor da teoria do contrato social. Este é o aspecto principal do carácter jurídico do epicurismo que o situa assim entre os primeiros contratualistas e, talvez, os positivistas fenomenólogos do direito.

Em Thomas More, especialmente na Utopia, encontramos assim o retorno do epicurismo (e também da filosofia estóica) no sentido ético e do direito que não no científico. More cristianizou Epicurus, ignorou o seu ateísmo temperando a ética e o direito epicuristas com contribuições platónicas – Platão era o seu filósofo favorito, há muito cristianizado por Agostinho de Hipona. De facto, a rejeição de qualquer divindade, ou pelo menos da sua intervenção no mundo sensível, é a pedra basilar do epicurismo que explica o mundo sem transcentalidades, a partir dos átomos que o integram, sujeitos a leis naturais.

A morte nada significa para os epicuristas «A morte não é nada para nós, pois o que se dissolve está privado de sensibilidade e o que está privado de sensibilidade não é nada para nós.» (Epicurus, Máximas Fundamentais). Também por isso Epicurus foi proscrito e vilipendiado pela Igreja Católica a tal ponto que ainda hoje epicurista é um termo pejorativo, um desregramento de costumes, como podemos encontrar em alguns dicionários. Na realidade, no contexto da moral epicurista a virtude não é um fim, mas o meio de o atingir, sendo que o fim é a felicidade humana e a justiça, uma virtude, é um instrumento indispensável na obtenção dessa felicidade. Assim, o direito deve prescrever as acções que propiciem a felicidade ao maior número de pessoas, e proibir aquelas que são prejudiciais ao bem estar colectivo.

19 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Iguanas da evolução

De Londres chega-nos a notícia que a efígie inconfundível de Darwin se revelou no fundo de uma frigideira de uma post-doc inglesa. Cientistas de todo o mundo (uma em Portugal, outra em Londres e um em Princeton, Estados Unidos) interrogam-se sobre o significado (sobrenatural?) deste desenho inteligente de Darwin em tão improvável objecto. A dona, que o pretende vender e reverter o valor da venda para a organização American Civil Liberties Union, associação muito empenhada em combater a epidemia de IDiotia criacionista nos Estados Unidos, não especificou se a última refeição cozinhada antes de tão auspicioso fenómeno foi esparguete com almôndegas

E falo em auspicioso fenómeno porque abre hoje as portas ao público a mais completa e ambiciosa exposição devotada a Charles Darwin, no Museu de História Natural em New York. A exposição, que inclui items das coleções da Universidade de Cambridge, da família Darwin e da Down House, onde o naturalista viveu os seus últimos 40 anos, será apresentada no Museu de História Natural de Londres no início de 2009, data em que se celebrará o bicentenário do nascimento de Darwin e os 150 anos da publicação da Origem das espécies. Disseminados pela exposição os visitantes podem encontrar tartarugas gigantes das Galápagos, iguanas e rãs cornudas, expostas em habitats que se assemelham aos encontrados por Darwin nos pontos de paragem da sua viagem no Beagle e que o levaram a propor a selecção natural e a evolução das espécies.

Não obstante abrir as portas numa altura em que as guerras da evolução estão ao rubro nos Estados Unidos e sendo certo que muitos dos IDiotas cristãos a encararão como uma retaliação dos ateus cientistas, a exposição «Darwin» foi pensada há três anos e integra uma série de exibições sobre pensadores, cientistas e exploradores famosos neste prestigiado museu nova-iorquiano.

19 de Novembro, 2005 Palmira Silva

David Irving na cadeia

O escritor de extrema-direita e auto-denominado historiador David Irving, conhecido pela sua negação do Holocausto, foi preso em Hartberg, Áustria, acusado exactamente pelos seus discursos de negação do Holocausto proferidos em território austríaco, onde tal constitui crime punível com uma pena até 20 anos de prisão.

A única educação formal de Irving consiste na frequência do curso de Física no Imperial College em Londres, no período 1957-1959, onde colaborou no jornal escolar Phoenix, tendo sido ainda o editor do jornal do London University Carnival Committee, o Carnival Times. Foi destituído desta posição após ter publicado num suplemento especial do jornal cartoons racistas, uma defesa veemente do regime de apartheid na África do Sul, um artigo elogioso da Alemanha nazi e uma alegação de que a imprensa britânica era posse de judeus. Numa entrevista da época ao The Daily Mail Irving afirmou: «Não pertenço a algum partido político. Mas pode chamar-me um fascista moderado se quiser. Acabei de regressar de Madrid (à época da ditadura de Franco) … voltei através da Alemanha e visitei o ninho de Hitler em Berchtesgaden. Considero-o como um templo».

Desde essa época que as posições de Irving em relação à Alemanha nazi e ao Holocausto têm motivado não só reacções de indignação mas também processos judiciais. Em 1992 foi multado em 6 000 dólares por um tribunal alemão após ter afirmado que as infames câmaras de gás de Auschwitz nunca foram usadas, uma afirmação recorrente que incluiu em alguns dos seus livros sobre o período. Outras afirmações polémicas, muito aclamadas por grupos neo-fascistas e neo-nazis de toda a Europa, contestam o número de vítimas judaicas do Holocausto que Irving afirma serem muito inferiores ao aceite por todos os historiadores sérios.

Em 2000 Irving processou a historiadora Deborah Lipstadt e a sua editora britânica , a Penguin, devido ao livro Denying the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: o assalto crescente à verdade e à memória) em que Lipstadt afirma ser Irving «um dos mais perigosos advogados da negação do Holocausto» porque «ele está no seu melhor pegando em informação precisa e moldando-a para a adaptar às suas conclusões». Como seria de esperar perdeu não só processo mas o seu apartamento em Mayfair uma vez que não conseguiu pagar as 150 000 libras iniciais de custas do processo.

O revisionismo histórico e a desonestidade intelectual de Irving são características comuns aos que defendem acriticamente não só ideologias como também religiões. O rigor histórico e intelectual é o antídoto que no Diário Ateísta preconizamos para os atentados civilizacionais de branqueamento da História!

18 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Desonestidade intelectual

Philip E. Johnson, um dos «pais» da IDiotia e autor do livro «Darwin on Trial», descreve-se como um cristão conservador criacionista, que acredita que o evolucionismo é incompatível com a crença num Deus omnipotente, criador do céu e da Terra e do Homem à sua imagem. Para este IDiota a evolução é uma filosofia (fundamentalista) ateísta e naturalista considerando ainda que «Ser um cientista não é necessariamente uma vantagem, quando lidamos com um tópico tão abrangente como a evolução, que se entrelaça com muitas disciplinas científicas e também envolve toques de filosofia.» E considera que os cientistas deveriam esperar por autorização «superior» das instâncias religiosas antes de ousarem explicar algo já «explicado» pela religião (cristã, claro).

Mas Jonhson, o porta-voz não oficial da IDiotia e com uma ligação estreita ao seu templo máximo, o Discovery Institute, deixou muito claro numa entrevista que o objectivo da IDiotia é vender o criacionismo (mal)disfarçado de «teoria» científica. E, como o próprio afirmou, a polémica em relação à evolução «Não é de facto, nem nunca foi, um debate sobre ciência. Apenas sobre religião e filosofia». Ou seja, as hostes cristãs, recentemente reforçadas com Bento XVI, que se empenham fanaticamente nas chamadas guerras da evolução, não obstante os seus inconvincentes protestos em contrário, estão de facto empenhados numa guerra religião contra a ciência, tentando recuperar para a religião a autoridade perdida na explicação do mundo!

O presidente do Conselho de Educação do Kansas, Steve Abrams, que recentemente aprovou não só a introdução da IDiotia nos curricula de ciências do estado como também uma redefinição de ciência, proposta pelo Discovery Institute, claro, que na prática reduz a ciência ao método científico e a despoja da capacidade de elaboração de teorias naturais (ateístas para os IDiotas) de explicação do mundo, parece partilhar da desonestidade intelectual subjacente a todos os fundamentalistas IDiotas.

Num editorial publicado num jornal do Kansas o devoto cristão lança acusações contra todos os que, correctamente, criticam a sua introdução nas aulas de ciências do sobrenatural (com a redefinição de ciência) e do criacionismo disfarçado de IDiotia. Nesta elegia da desonestidade intelectual Abrams queixa-se dos (muitos) directores de escolas do Kansas que já fizeram saber que não acatarão as alterações quer nos curricula quer na definição de ciência impostas pelos iluminados cristãos IDiotas. Afirmando que tal comportamento não é de espantar já que os directores que se recusam a vender religião por ciência são os mesmos que, segundo Abrams, promovem «pornografia como literatura». Na realidade, olhando para a lista de livros recomendados para as aulas de literatura americana, fico na dúvida se serão os títulos Fallen Angels (Anjos Caídos) ou The Hot Zone (A zona quente) que mereceram tal designação. Embora em relação ao último não esteja a ver como o relato de uma epidemia de Ebola possa ser considerado pornográfico, não obstante o título…

De qualquer forma as torpes calúnias saídas da pena do piedoso Abrams sobre os que não aceitam introduzir religião nas aulas de ciências são moderadas face às insinuações de outro devoto (ex-)membro de um Conselho de Educação IDiota, este em Dover, Bill Buckingham que no julgamento ainda em decurso nesta localidade da Pensilvânia, perguntou a um dos promotores da queixa contra a decisão de introduzir a IDiotia nos curricula de ciências se este alguma vez tinha sido acusado de pedofilia

13 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Bento XVI entra nas guerras da evolução

Numa altura em que as guerras da evolução continuam acesas nos Estados Unidos, com uma votação no Conselho de Educação do Kansas de 6-4 a favor da introdução do ensino das IDiotias nos curricula de ciências e a não reeleição dos 8 conselheiros (republicanos) educacionais de Dover, Pensilvânia, que pretendiam tornar mandatório o ensino IDiota nas escolas do distrito, o papa Bento XVI vem ajudar a causa criacionista afirmando que o Universo e o homem foram criados por um «projecto inteligente» e criticando os «ateus» cientistas que os veêm como resultado de uma evolução casuística.

Citando um «santinho» do século IV, Basílio o Grande, Bento XVI afirmou que algumas pessoas «enganadas pelo ateísmo que têm dentro de si, imaginam um Universo livre de propósito e ordem, como se estivesse à mercê do acaso» continuou com a interrogação «Quantas dessas pessoas existem hoje em dia?» e concluiu que «Essas pessoas, enganadas pelo ateísmo, acreditam e tentam demonstrar que é científico pensar que tudo é livre de propósito e ordem».

Todos nós já sabíamos que Bento XVI considera os cristãos como pessoas simples (de espírito?) que devem ser resguardadas das influências maléficas dos intelectuais (certamente ateus perigosos…) e que se preparava para uma ofensiva às ciências biológicas, nomeadamente tentando restringir a investigação em células estaminais (embrionárias e adultas), mas estas declarações do Papa são extremamente preocupantes. Indicam que, na conjuntura actual, o Vaticano se sente com força política para iniciar uma guerra contra a ciência e os ateus cientistas que, se não for travada imediatamente, terá como desfecho um retrocesso civilizacional que nos fará regredir ao obscurantismo medieval tão aclamado pela «santa» Igreja. Ou seja, a ciência, completamente incompatível com quaisquer revelações divinas, é extremamente perigosa para a fé já que pode dar respostas «materialistas» sobre os «mistérios» da vida. A ciência, os «ateus» cientistas e os seus produtos como sejam o execrado «humanismo ateu», são, como há vários meses previ, o inimigo em que assestam as baterias do Vaticano, já que ameaçam a sua hegemonia integrista.

De facto, considerando que nem o velho Continente se mostrou imune a esta ameaça IDiota e já testemunhámos tentativas (frustradas) de introduzir religião sob a forma IDiota nas disciplinas de ciências, estas declarações de Bento XVI fazem prever que as guerras da evolução em breve serão ateadas na Europa. Cabe a todos nós, ateístas, crentes em outras religiões e cristãos que não seguem acritica e cegamente as barbaridades ditadas do trono do Vaticano, lutar para que o fim desta história não seja o retorno da história, isto é, da militância católica em guerras «santas» contra a ciência e, por conseguinte, contra o progresso ético da humanidade.

Para a sobrevivência da humanidade urge que a tolerância seja um facto e não a ficção que hoje é! E a tolerância, contrariamente ao que muitos dos nossos mui católicos (e intolerantes) comentadores advogam é simplesmente a «atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo». Ou seja, é o respeito pelas pessoas e não pelas ideias! Ou seja ainda, na real acepção do termo todas as religiões são intrinsecamente intolerantes, porque não admitem nem ideias nem formas de agir diferentes das que preconizam e, via Direito, tentam impôr a todos, crentes e não crentes, comportamentos que sigam os seus dogmas anacrónicos e via a sua influência política tentam sufocar tudo, incluindo a ciência, que contrarie as suas absurdas «verdades absolutas» !

Quasi de propósito, no próximo dia 16 decorrerá no Salão Nobre do Instituto Superior Técnico um debate moderado pelo professor Jorge Dias de Deus sobre Ciência e Religião em que estarei na mesa conjuntamente com o padre Resina, professor jubilado do Departamento de Física do IST, e o João Vasco Gama. Certamente que este será um dos temas que levantarei para discussão…

13 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Mais dislates de Pat Robertson

Pat Robertson volta a merecer, pelas piores razões, grandes parangonas nos jornais norte-americanos. De facto, depois de ter sugerido o assassinato do presidente eleito da Venezuela, de ter atribuído a homossexuais e ateístas a culpa pelos atentados de 11 de Setembro, de ter afirmado que os terroristas que perpetraram o 11 de Setembro são apenas «alguns terroristas barbudos que voam contra edíficios» e que os juízes federais que não partilham os seus pontos de vista são uma ameaça maior para a América que os terroristas, Nazis durante a segunda Guerra Mundial ou a Guerra Civil no século XIX, de afirmar que uma proposta de atribuir direitos iguais às mulheres as encoraja a «matar os seus filhos, praticar feitiçaria, destruir o capitalismo e tornarem-se lésbicas», Pat Robertson debitou mais uma das pérolas de raciocínio que caracterizam tão piedoso cristão.

Desta vez as diatribes de Robertson dirigiram-se contra os eleitores da Pensilvânia que «votaram Deus para fora da sua cidade» votando contra os conselheiros escolares que pretendiam introduzir o criacionismo cristão, disfarçado de IDiotia, nas escolas de Dover. O piedoso pastor ameaçou os ateus eleitores com a vingança divina e desafiou-os a recorrerem a Darwin quando a «justa» retribuição divina se abater sobre Dover na forma de uma qualquer catástrofe natural.

Esta ameaça de «castigo divino» sobre cidades em que os seus habitantes não seguem os ditames preconizados pelo cristianismo é recorrente em Robertson, que já em 1988 avisara os cidadãos de Orlando, Flórida, do risco iminente de furacões, terramotos e ataques terroristas que a sua decisão de permitir que organizações homossexuais içassem bandeiras multicolores em apoio da diversidade sexual certamente mereceria do «Deus» do cristianismo…

4 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Joseph Smith – I: o início da lenda

Começa hoje em Palmyra, New York, a conferência que celebra o bicentenário do nascimento de Joseph Smith, o fundador da versão do cristianismo que dá pelo nome de Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

Conhecidos em Portugal graças aos «Elders», os jovens mormons que, como parte integrante da sua fé, passam uns anos fora do seu Utah natal em quasi mandatórias tarefas de evangelização, tentando converter «gentios» para a verdadeira fé, os LDSs (ou SUDs, santos dos últimos dias, como devem ser conhecidos os fiéis dos disparates debitados por Smith) contabilizam cerca de 12 milhões em todo o mundo.

Neste data em que os LDSs celebram 200 anos sobre o nascimento do fundador da respectiva seita o Diário Ateísta não poderia deixar de dedicar umas linhas a tão devoto cristão e tão disparatada seita.

Nascido aos 23 de Dezembro de 1805 em Sharon, Vermont, numa família pouco dada a religiões organizadas mas prenhe de indíviduos atreitos a visões celestiais e comunicações pessoais do panteão celeste, Joseph Smith teve um início de vida algo atribulado, mercê da incapacidade familiar em assegurar proveitos para alimentar a prole.

De facto quando o profeta tinha cerca de 15 anos a família foi expulsa de Sharon, de acordo com algumas fontes por serem considerados vagabundos indesejáveis. A família estabelece-se então em Palmyra, na zona ocidental do estado de New York. Aparentemente a mudança não alterou significativamente as condições da família e os rendimentos familiares continuaram parcos até à súbita eclosão de capacidades paranormais no jovem rebento.

De acordo com algumas fontes a presciência de Smith com pedras «mágicas» surgiu durante a adolescência de Joseph em Palmyra quando um mágico itinerante, que pretendia localizar água e tesouros escondidos pelos indíos, ofereceu os seus préstimos nesta especialidade pela módica quantia de 3 dólares diários. As capacidades sobrenaturais do charlatão eram supostamente conferidas por pedras «mágicas» e fascinaram o jovem Smith. Quando os serviços oferecidos pelo «adivinho» se revelaram infrutíferos e este foi convidado a abandonar (rapidamente) a localidade já o jovem «profeta» dominava q.b. o hocus pocus indispensável à arte de bem enganar os incautos. Outras fontes indicam que essa arte foi uma herança paternal…

Independentemente da origem da aprendizagem é certo que um certo Josiah Stowell, impressionado com relatos da clarividência e artes mágicas do jovem, o convidou a deslocar-se para o outro lado do estado, para a propriedade de Isaac Hale em Susquehanna Valley, com o objectivo de Smith «adivinhar» o paradeiro de um tesouro supostamente aí escondido pelos espanhóis.

Como assalariados de Stowel e Hale, pai e filho deslocaram-se para a quinta do segundo onde, como «adivinhado» por outro perscrutador de cristais «mágicos», e de acordo com o contrato firmado com os dois crédulos empregadores, os Smith deveriam encontrar uma «mina valiosa de ouro ou prata e também … moeda cunhada e barras ou lingotes de ouro ou prata» (Salt Lake Tribune, 23 Apr. 1880). O presciente adivinho procedia ao seu «trabalho» enterrando a cara num chapéu contendo as indispensáveis pedras «mágicas» e adivinhando localizações para o precioso tesouro; a parte menial de escavação cabia a uma equipa de esperançosos e crédulos caçadores de tesouros. Infelizmente Smith não conseguiu localizar o tesouro devido, segundo ele, a um «encantamento» lançado sobre o tesouro, tão poderoso que nem a magia de Smith o conseguia quebrar, e Smith, que se tinha apaixonado pela filha de Hale, Emma, caiu em desgraça aos olhos do decepcionado futuro sogro.

Na Primavera de 1826, alguns caçadores de tesouros desiludidos acusaram Smith de «conduta desordeira» e de ser um «impostor». Este foi julgado e considerado culpado de ambas as acusações num tribunal de Bainbridge, New York com a ajuda de Hale que se incluía nas testemunhas de acusação. Não existem registos da pena imposta ao jovem charlatão mas sabe-se que em Janeiro de 1927 Joseph Jr conseguiu subtrair Emma das mãos do recalcitrante Hale e fugir com ela.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , III – A Modernização

Talvez a acção mais marcante do Marquês se tenha verficado nas inestimáveis reforma e laicização do ensino nacional, concretizadas na reformas pombalinas do Ensino, iniciadas em 1759, data da expulsão dos jesuítas que monopolizavam o ensino até aí. Reformas onde se incluiu a remodelação da Universidade de Coimbra, nas suas palavras «uma Universidade onde as teimas, os sofismas e os maus livros fazem grande figura».

A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.

A reforma pombalina incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas, até aí blasfémias proscritas dos campi universitários. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, introduzindo investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches, o que levou à fundação do Teatro Anatómico e do Dispensatório Farmacêutico, e à criação de duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento experimental que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral, e à construção do Laboratório Químico e do Jardim Botânico.

O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era também uma ambição de Sebastião José. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizarem a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.

De facto, Sebastião de Carvalho e Melo foi providencial não só para a indústria mas também para o comércio nacionais. Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês, para além de ter utilizado toda a sua enorme capacidade diplomática para conseguir acordos comerciais muito vantajosos para Portugal. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto, a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional.

Procedeu igualmente à Reforma pombalina da Administração Financeira do Estado (Lei de 22 de Dezembro de 1761), em que cria o Erário Régio ou Tesouro Real, o precursor no actual ministério das Finanças e altera radicalmente a organização económica e financeira portuguesa. São introduzidos, formal e completamente, os princípios e regras que não mais deixarão de guiar a administração orçamental do Estado moderno, iniciando a ruptura com o antigo regime e começando a desfazer a confusão entre património nacional e património da Coroa. Cria ainda o cargo de Intendente Geral da Polícia, medida que constituiu o primeiro combate contra o banditismo.
Deve-se igualmente ao Marquês de Pombal a reforma da nossa legislação civil, reforçada com a publicação da Lei da Boa Razão, que tornava necessário todas as futuras leis serem fundamentadas numa razão justa, senão tornar-se-iam inválidas.

E não podemos esquecer que foi por acção do Marquês de Pombal que a Inquisição perdeu o seu poder absoluto, tendo sido suprimida a censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória, mas de qualquer forma um progresso em relação à situação até aí verificada) e, com a única excepção de Malagrida, acabaram os autos de fé inquisitoriais em que os supostos hereges eram queimados em orgias de fé, como aconteceu durante o reinado do Fidelíssimo João V ao dramaturgo António José da Silva, o Judeu. Os autos de fé regressaram brevemente depois da queda em desgraça do marquês verificada após a morte de D. José I e da ascensão ao trono de D. Maria I, que pretendeu «reparar as ofensas do reino a Deus». Os últimos autos de fé em território nacional realizaram-se em 1781, tendo sido queimadas dezassete pessoas em Coimbra e oito pessoas em Évora.

Finalmente convém recordar que foi por sua ordem que foi abolida a distinção entre cristão-velhos e cristãos-novos, entre canarins e europeus na Índia e promulgada a abolição da escravatura na metrópole.

Em suma, não obstante o seu pendor ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado negro manifestado na brutal retaliação com que puniu os seus adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhante que retirou Portugal das trevas obscurantistas e do atraso para onde o poder da Igreja o tinha desterrado. Não mais a Igreja, apesar das tentativas para tal verificadas no reinado da piedosa Maria I, comandou e determinou todos os aspectos da vida nacional. As sementes da laicidade, que tardam em fruir plenamente neste cantinho à beira mar plantado, foram lançadas irreversivelmente em solo português pela mão do controverso mas brilhante Marquês de Pombal!

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.

1 de Novembro, 2005 Palmira Silva

250 anos depois , II – A Reforma

Como forma de contrapôr o poderio económico dos jesuítas, Sebastião de Carvalho e Melo criou em 1755 a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, encarregue do transporte de produtos procedentes desta região, como ouro e «drogas do sertão» (como eram conhecidas na Europa as essências e frutos desta zona, como sejam, por exemplo, a pimenta-do-reino, anil, urucum, baunilha, âmbar, canela, cravo, pau-brasil, pau-preto, e, principalmente, o cacau) e do transporte de mercadorias e escravos destinados aos vales Guaporé-Madeira, comércio até aí monopólio da Companhia de Jesus. Em 1757, Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal, ministro todo-poderoso do rei D. José I, cria os «Directórios dos Índios», aldeamentos que visam assegurar a liberdade dos índios e libertá-los do jugo dos jesuítas.

Um atentado contra o rei verificado em 13 de Setembro de 1758 deu ao marquês de Pombal a desculpa perfeita para se ver livre dos perniciosos jesuítas. Depois de ter conseguido, com muita dificuldade, permissão do Papa para processar os jesuítas acusados de cumplicidade neste atentado, ignorando os rogos do Papa em contrário, expulsou-os de Portugal por decreto de 3 de Setembro de 1759, e em breve seguiu para Itália o brigue S. Nicolau carregado de jesuítas.

Com Portugal finalmente livre da influência nefasta dos jesuítas, o marquês de Pombal empreendeu uma reforma profunda do estado português visando a sua modernização e seguindo os modelos de que acompanhara de perto a implementação durante a sua anterior carreira diplomática, nomeadamente entre 1738 e 1743 na sua qualidade de ministro plenipotenciário em Londres, onde assistiu à modernização da monarquia britânica levada a cabo por Jorge II e pelo seu primeiro-ministro, Robert Walpole. Mas a experiência mais inspiradora viveu-a em Viena, onde chegou em 1745 como Enviado Especial-Ministro Plenipotenciário, mediador numa discórdia relativa aos direitos de nomina da cúria entre as cortes de Viena de Áustria e de Roma, isto é um braço de ferro entre o imperador Francisco I e o papa Bento XIV. Nesta época o conde von Kaunitz, ministro da arquiduquesa Maria Teresa de Habsburgo, reformava a administração austríaca e reduzia consideravelmente o poder da Igreja no Estado. Igreja que despoletara a guerra da sucessão austríaca (1740-1748) reconhecendo como imperadores Maria Teresa e o seu marido Francisco I (de acordo com os desejos do falecido imperador Carlos VI expressos e reconhecidos na Sançao Pragmática de 1713) e Carlos Alberto da Baviera. A guerra da sucessão só foi resolvida, a favor de Maria Teresa e seu marido, pelo Tratado de Aix-la-Chapelle ou Aachen, em 1748.

Assim e depois do papel crucial assumido pelo marquês de Pombal no pós-terramoto, a primeira vez na história em que um governo chamou a si responsabilidade de organizar e coordenar a resposta a uma catástrofe, este passou a deter a confiança ilimitada de D. José. O seu enorme poder político, praticamente absoluto, permitiu-lhe concretizar a sua ambição de modernização e laicização do Estado nacional, que na realidade se traduziu numa renovação moral nacional.