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Palmira Silva

30 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Faz hoje 70 anos que morreu o poeta

(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)

(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara,?… Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos…
Poderia julgar que o sol
Alumia e que a trovoada
É um barulho repentino
Que principia com luz.
Ah, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde de existir
Das árvores e das plantas!)
(…)
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, aqui estou!
(…)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
(…)
Só a natureza é divina, e ela não é divina…

Se às vezes falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nomes às cousas.

Fernando Pessoa in O Guardador de Rebanhos

29 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Uma religião de aparências

Após o recente sínodo dos bispos católicos fomos informados da piedosa recomendação da Igreja de Roma aos divorciados que casaram novamente ou mantêm uma relação de facto, uma faixa de mercado cada vez maior nas sociedades ocidentais e que por conseguinte a Igreja não quer perder. A dita recomendação, embora pedindo aos muitos católicos nesta situação que participem na missa dominical onde quiserem, aconselha-os a ir a uma igreja onde a sua situação «pecaminosa» não seja conhecida se desejarem comungar, para «evitar que alguém possa ficar escandalizado». Para a Igreja de Roma o importante é não escandalizar os outros, isto é, mais importante que seguir um código de conduta moral, é agir de acordo com o que os outros irão pensar.

Na realidade esta recomendação hipócrita está em plena concordância com uma religião que é apenas uma religião de aparências, sem qualquer coerência moral nas suas posições, contrariamente ao que muitos consideram. Aliás, um dos pontos que me irrita solenemente nalguns católicos com que tive o desprazer de discutir ética e moral é a pseudo superioridade moral com que condescendentemente me informam que têm princípios morais «absolutos», algo que eu como ateísta nunca poderei reinvidicar. E que o importante não é seguir esses princípios (afinal os homens são fracos pecadores) mas poder usá-los como arma de arremesso contra os «imorais» ateus, que até podem ser pessoas bem formadas, com princípios éticos consistentes e coerentes que de facto seguem à risca, mas estes são meramente «utilitários» já que não são divinamente inspirados. E, embora ajam de forma a respeitar os outros, como não afirmam ser a sua regra de ouro o impossível «amor ao próximo» essa é uma conduta imoral porque ateísta e como tal não merece respeito! Isto é, para os católicos o mal feito por quem acredita em Deus deve ser relevado (e é militância ateia recordá-lo); o bem feito por quem nem sequer considera válida a concepção de qualquer ser transcendental é por isso necessariamente considerado se não mal pelo menos um bem meramente utilitário e sem valor!

Na realidade, os muitos sofismas católicos a que alguns chamam doutrina são desenhados apenas para manter aparências e para enganar os mais incautos com uma suposta coerência moral que na realidade é inexistente. Um exemplo perfeito é o chamado «efeito duplo», invocado para permitir o aborto no caso de uma gravidez ectópica, cujo desfecho se não interrompida é a morte da mãe (o embrião a partir do momento em que se implanta nas trompas não tem qualquer hipótese de sobrevivência). Este requinte de imoralidade afirma ser perfeitamente legítima uma acção directa promovida por uma razão moral não obstante ter um efeito indirecto negativo. No caso da gravidez ectópica a aplicação deste sofisma resulta em ser imoral a ingestão de um simples comprimido mas ser moral a mutilação da mulher. Se aplicado no quotidiano poderia resultar em situações bizarras como, por exemplo, ser perfeitamente legítimo aos criadores de porcos de Leiria disporem dos resíduos da respectiva actividade na Ribeira dos Milagres uma vez que poderiam alegar ser o seu intento directo evitar custos que resultariam no despedimento de funcionários. Enfim, há o problema da poluição mas esse é um efeito indirecto, não desejado, negativo é certo mas não intencional!

Tudo isto a propósito de uma notícia a que cheguei via Renas e Veados que dá conta que uma escola católica nova-iorquina despediu uma professora de ensino primário por estar grávida e ser solteira. A demissão de Michelle McCusker, considerada pela escola uma professora com «elevado grau de profissionalismo», aconteceu dois dias depois de ter informado a direcção da escola que estava grávida e pretendia levar a termo a gravidez. As razões indicadas para a demissão explicitam que McCusker violou os princípios religiosos do centro escolar. Que se pressupõem ser ter ousado engravidar fora do matrimónio e não ter feito nada para terminar a gravidez, uma vez que se o tivesse feito continuaria a leccionar na escola Santa Rosa de Lima, no condado de Queens.

Entretanto a União de Liberdades Civis de Nova York (NYCLU), que ganhou uma acção semelhante há dois anos, outra piedosa instituição católica que despediu uma professora que decidiu ter um filho fora do matrimónio, moveu em nome da docente um processo contra a escola à Comissão Federal de Igualdade de Oportunidades no Emprego (EEOC) alegando, correctamente, que este despedimento católico é discriminatório e portanto ilegal.

Acusação que a Liga Católica nega: «A ideia de que a Igreja está a discriminar uma mulher grávida porque é mulher é ridícula, porque é óbvio que os homens não engravidam. Esse é um problema a discutir com a Natureza, não com a Igreja». E eu a pensar que a Natureza era uma invenção dos ateus evolucionistas…

Ou seja, mais uma vez para a Igreja Católica o que é importante são as aparências, e as aparências neste caso são um pouco difíceis de ocultar.

Ficaria agradavelmente surpreendida se a Igreja Católica tivesse reagido em coerência com os propalados valores que os seus devotos debitam abundantemente nas nossas caixas de comentários. Ou seja, uma reacção de amor pelo próximo (a vida da jovem professora não vai ser fácil, sem emprego e num estado em que lhe será difícil arranjar outro num futuro próximo), de perdão e compreensão e, especialmente, de aceitação de alguém, que embora tendo cometido um «erro» segundo os padrões da Igreja, aceitou as consequências desse erro em vez de as esconder.

Mas, claro, uma reacção dessas é impossível para a (i)moralidade católica, que reflecte uma religião apenas de aparências, sem qualquer substância. Aliás, como já o afirmei várias vezes, na minha opinião o grande obstáculo à evolução moral da Humanidade é a religião em geral e a católica em particular. Devido ao seu inegável poder e influência a Igreja de Roma mantém-nos reféns de um modelo social hipócrita, em que é mais importante parecer que ser, e que para além do mais está completamente desadequado da realidade. Enquanto os obsoletos e imorais paradigmas cristãos não forem substituídos por modelos humanistas, centrados na dignidade humana, será difícil ultrapassarmos a crise social que actualmente atravessamos!

29 de Novembro, 2005 Palmira Silva

E mais ventos de mudança

Uma iniciativa do governo do Liechtenstein que pretendia alterar a restritiva legislação sobre o aborto do pequeno principado alpino mereceu a forte oposição da Igreja Católica, que congregou esforços com grupos conservadores e apresentou um projecto de emenda constitucional que, conjuntamente com a proposta governamental, foi ontem a votos.

O projecto, intitulado «Pela Vida», que pretendia proteger a vida humana, incluindo «a vida ameaçada por manipulação» considerada particularmente em perigo (?), desde «a concepção até à morte natural», contou com o apoio e campanha entusiastas do arcebispo local. Projecto de emenda que na prática pretendia criminalizar quaisquer desvios aos ditames do Vaticano no que respeita a contracepção, aborto, eutanásia, terapia genética e investigação em células estaminais.

Como expectável, a campanha decorreu no habitual ambiente de terrorismo psicológico por parte da Igreja Católica, nomeadamente a contraproposta governamental, que enquadra quer a contracepção quer o aborto no século XXI, foi apelidada de «melodia de morte» pelo arcebispo Wolfgang Haas.

A aberrante proposta dos fundamentalistas católicos foi liminarmente rejeitada merecendo menos de 20% dos votos na eleição de ontem. Em contrapartida a proposta governamental foi ratificada por quase 80% dos votantes.

Esperemos que cá no burgo em relação ao referendo sobre o aborto que se aproxima a prevísivel campanha terrorista da Igreja católica para impor os seus anacrónicos e misóginos dogmas a todos, crentes e não crentes, seja igualmente contraproducente! Quer a contracepção quer o aborto são questões pessoais, de consciência como todos os nossos políticos reiteram, e ninguém deve ser dono da consciência de alguém!

28 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Ventos de mudança

Enquanto por cá a Igreja reage com indignação e tenta protelar a decisão, que só peca por tardia, de retirar das escolas públicas, supostamente laicas e não confessionais, os símbolos da religião cristã, em Inglaterra, um país que mantém uma religião de estado, alguns fazedores de opinião questionam se se deve manter um sistema educativo confessional.

Num artigo que recomendo, a colunista do Guardian Polly Toynbee considera que num país cada vez mais descrente o dinheiro dos impostos de todos não deveria ser usado para promover a religião de cada vez menos britânicos. E critica os políticos de todo o espectro partidário que populistica e irrealisticamente louvam o trabalho das «comunidades de fé». Crítica acutilante e certeira especialmente no que diz respeito às escolas públicas confessionais. De facto, num país em que uma sondagem recente da BBC revelou que 43% dos jovens na faixa etária 18-24 anos são ateístas qual a razão para o estado gastar desnecessariamente fundos públicos em proselitismo?

Certamente não será a «magia especial das escolas confessionais» tão elogiadas pelos seus resultados por David Blunkett (que foi forçado a demitir-se recentemente do governo britânico), muito bem desmontada no artigo de Toynbee. Porque esta magia é apenas selecção (não natural, já que certamente as escolas evangélicas considerarão Darwin uma incarnação do mafarrico), ou seja, as escolas confessionais filtram as crianças problemáticas já que é necessário a confirmação por parte de um responsável religioso de que a família da criança em causa frequenta regularmente a igreja ou mesquita, o que exclui à partida as famílias mais disfuncionais. Boa parte do insucesso escolar advem de crianças pertencentes a famílias com problemas de droga, álcool, problemas mentais e afins, que à partida são excluídas da esmagadora maioria destas escolas confessionais. E que se acumulam nas escolas laicas. O que gera um círculo vicioso já que as famílias funcionais não querem os seus filhos em escolas com uma população elevada de crianças problemáticas. E correm para os templos de forma a obterem as autorizações que garantem que os seus filhos frequentarão escolas com bom «ambiente» já que os que o poderiam conspurcar são rejeitados!

Não há assim nada de especial nas escolas confessionais a não ser elitismo no mau sentido. O dinheiro público em país algum deve financiar o proselitismo de qualquer religião mas deve ser totalmente canalizado para escolas (e serviços sociais) laicas. Cada um é livre de acreditar e praticar o que quiser mas as suas crenças devem manter-se afastadas das escolas públicas. Assim como os seus símbolos!

27 de Novembro, 2005 Palmira Silva

O exorcismo de Emily Rose

Já estreou em quase todo o mundo o filme que dá o titulo ao post, baseado num caso real passado há 29 anos na Baviera. Em 1976, Anneliese Michel, uma estudante de 23 anos que acreditava estar possuída por demónios, morreu após se ter submetido a 67 ritos de exorcismo durante nove meses. A jovem pesava pouco mais de 30 kg à altura da morte. Os pais e os dois padres que realizaram o exorcismo foram considerados culpados de homícidio negligente e condenados a seis meses de prisão efectiva e 3 anos de pena suspensa.

Para perceber as razões subjacentes à convicção da possessão demoníaca pela jovem é necessário saber que Annelise Michel cresceu num ambiente profundamente católico, três das suas tias eram freiras e o seu pai tinha considerado a ingressão num seminário. Mas a mãe de Annelise tinha cometido um «deslize» na juventude e dado à luz uma filha ilegítma, Martha, em 1948. Por essa razão casou-se com o devoto Josef Michel usando um véu negro e, praticamente desde que nasceu em 1952, Anneliese carregou a culpa da ilegitimidade da irmã, ilegitimidade que foi encorajada a expiar com constantes devoção e orações. A irmã morreu com oito anos e certamente que o ambiente familiar de fanatismo religioso propiciou um sentimento de culpa crescente na jovem Anneliese e uma necessidade de expiação dos pecados não só da mãe mas igualmente da «imoralidade» que via à sua volta, nos loucos anos sessenta.

Em 1968, com 17 anos, Anneliese teve os primeiros episódios de convulsões e foi diagnosticada com epilepsia. Mas o seu sentimento de culpa pelos «pecados» alheios aliado ao ambiente familiar (doentiamente) católico propiciaram que Anneliese experienciasse alucinações demoníacas quando rezava. Em 1973, data em que foi estreado o filme «O exorcista», sofria de depressão severa e considerava suicídio, uma vez que «vozes» na sua cabeça lhe anunciaram que estava amaldiçoada.

Certamente que a estreia do filme a sugestionou e pouco depois começou a apresentar comportamentos bizarros, muito semelhantes aos de Linda Blair, a Regan no «Exorcista». Em 1975 Anneliese estava tão convencida da sua possessão por demónios sortidos, possessão confirmada por dois prelados católicos, Arnold Renz e Ernst Alt, que identificaram, entre outros, Lúcifer, Judas, Nero, Caim e… Adolf Hitler, que recusou qualquer prescrição médica ou tratamento da Clínica Psiquiátrica de Wurzburg. Os seus sintomas, para além da já diagnosticada epilepsia, sugerem que sofria de esquizofrenia, ambas doenças perfeitamente tratáveis à época.

Mas a sua obsessão religiosa, certamente exponenciada pelo facto de que a Igreja Católica encoraja estas superstições anacrónicas, considerando não só reais a existência de mafarricos e afins como a possessão por demos, levaram-na a preferir a tratamento médico do século XX os exorcismos realizados de acordo com o manual de exorcismo então em vigor, o Rituale Romanum de 1614.

No filme, certamente ao agrado da Igreja Católica, o exorcista é representado como um herói e não como o criminoso que na realidade é. De facto, é absolutamente reprovável e incompreensível que a Igreja de Roma, no século XXI, esteja a recuperar e a exponenciar uma superstição absurda como é a possessão demoníaca.

Por todo o mundo, mesmo o primeiro mundo, assistimos a uma regressão medieval preocupante a crendices inesperadas numa altura em que os avanços científicos desmistificaram e esclareceram as razões biológicas e psíquicas dos comportamentos identificados como possessões demoníacas na época em que a Inquisição mandava para a fogueira bruxas e hereges.

Não faz sentido que a Associação Italiana de Psiquiatras e Psicólogos informe que todos os anos meio milhão de italianos recorram aos (maus) ofícios de exorcistas. Assim como não faz sentido a escalada de possessões demoníacas no mui católico México… Muito menos faz sentido a escalada de mortes devidas a exorcismos. A Igreja de Roma está implicitamente a dar o seu acordo a estes atentados civilizacionais quando encoraja estas palermices supersticiosas e potencialmente perigosas, com declarações bem recentes pelo papa que reconheceu o «importante trabalho ao serviço da Igreja» dos exorcistas.

25 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Daniela Mercury vetada no Vaticano

O Vaticano cancelou a participação da cantora Daniela Mercury no concerto de Natal do Vaticano do próximo dia 3 de Dezembro.

De acordo com o Vaticano, a decisão de retirar o convite efectuado há cerca de 5 meses deve-se ao facto de a cantora, embaixadora da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da UNAIDS (programa da ONU para o HIV/SIDA), ter participado em campanhas de combate à SIDA, em que defende o uso de preservativos como medida profiláctica deste flagelo.

A cantora, que se declara católica e lamenta a decisão do Vaticano, afirma o seu direito «de discordar da posição da Igreja no que diz respeito à utilização da camisinha como forma de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, como a SIDA». Como já referimos, a Igreja Católica é contrária ao uso de preservativos (e qualquer método contraceptivo), mesmo no caso de casais em que um dos cônjuges está infectado com o HIV.

Para a cantora, o uso de preservativos «é um instrumento de protecção à vida» e afirmou que «Não vou deixar de defender a luta pelo uso da camisinha em hipótese alguma enquanto houver pessoas com riscos de vida pelas DST.»

Comentando a notícia, muito divulgada no Brasil, o padre José Pinto, da Igreja da Lapinha, no centro histórico de Salvador, afirmou que a posição contra o preservativo da Igreja é uma questão «de moral cristã» mais concretamente considera ser a posição da Igreja uma postura de «mãe, de mestra, de querer preservar as pessoas através da moral cristã».

Continuo baralhada com esta suposta «moral cristã», que para mim parece mais uma imoral cristã, que em vez de preservar alguém corresponde a uma condenação à morte de incontáveis pessoas especialmente em África, onde o poder da Igreja nas infraestruturas de saúde efectiva para todos esta «postura suicida e homicida», nas palavras do antropólogo brasileiro Luiz Mott.

24 de Novembro, 2005 Palmira Silva

IDiotia na Universidade do Kansas

Uma disciplina oferecida no próximo semestre pelo Departamente de Estudos Religiosos da Universidade do Kansas (KU) tem o título «Tópicos especiais em Religião: Desenho Inteligente, Criacionismo e outras Mitologias Religiosas».

O presidente do departamento, Paul Mirecki, certamente incomodado com a conotação negativa que o estado do Kansas tem neste momento, já que as escolas secundárias são supostas introduzirem a IDiotia nos curricula de ciências, declarou: «O criacionismo é mitologia. O desenho inteligente é mitologia. Não é ciência. Eles tentam fazê-lo passar por ciência. Mas obviamente que não é.»

As reacções dos IDiotas não se fizeram esperar. John Calvert, o director da Intelligent Design Network em Johnson County, Kansas, teve um lapso de lucidez e afirmou : «Igualar o desenho inteligente a mitologia (…) é apenas outro exemplo da classificação como maluco religioso que se faz de alguém que propõe [a IDiotia] ».

Mirecki explicou que o curso, limitado a 120 estudantes, explorará a IDiotia como uma mitologia americana moderna. Vários membros do corpo docente da KU já se ofereceram para ministrarem algumas das aulas…

23 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Misoginia em acção

A Igreja Católica debitou um documento oficial de 10 páginas extremamente crítico da decisão da Igreja Anglicana não só em ordenar mulheres mas em elevá-las à posição de bispo, avisando que as projectadas reformas constituem um entrave às relações entre as duas confissões cristãs.

No documento é considerado que consagrar mulheres «é um risco tremendo e intolerável» que pode causar «danos irreparáveis» dentro e fora da Igreja Anglicana. Embora ressalvando que a Igreja Anglicana é livre para proceder como quiser, explicita que esta decisão está em contradição com os «textos e espírito» de propostas recentes de unidade entre as duas Igrejas. Ou seja, a Igreja Católica usa abertamente as suas habituais tácticas de chantagem política para impor a outra confissão cristã a misoginia que é a imagem de marca da ICAR.

É interessante notar que a decisão da Igreja Anglicana em ordenar padres assumidamente homossexuais, embora tenha criado algumas tensões entre as duas Igrejas, não mereceu um documento deste teor. E não obstante os católicos se considerem os únicos cristãos que mantêm a «pureza» dos ensinamentos dos misóginos pais da Igreja, isto é, não permitam qualquer tipo de método contraceptivo (nem sequer preservativos quando um dos membros do casal está infectado com o vírus HIV) ou permitam qualquer tipo de aborto (o caso de uma gravidez ectópica terminada com a ablação desnecessária da trompa não é considerado um aborto por um convoluto sofisma), as posições mais consonantes com o século XXI da Igreja anglicana nunca mereceram semelhante ataque da hierarquia católica.

Numa nota nos antípodas desta (mais uma) manifestação da misoginia da Igreja Católica, que considera ser a mulher um ser inferior (devido à dentadinha na maçã da impossível Eva), a Libéria elegeu a primeira mulher que alguma vez governará um país africano, Ellen Johnson-Sirleaf.

22 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Duplicidade de critérios

O vigário geral da Diocese de Phoenix , Arizona, Monsenhor Dale Fushek, foi preso ontem sob acusação de abuso sexual de menores.

Já em 2003 a diocese de Phoenix tinha pago 45 000 dólares para evitar que uma acusação de abuso sexual contra Fushek chegasse a tribunal, alegadamente para evitar os custos do processo. Pouco depois deste pagamento Fushek, que foi o fundador do maior movimento católico de adolescentes nos Estados Unidos, Adolescentes para a Vida (Life Teens) foi promovido à sua actual posição de segundo na hierarquia, posição imediatamente abaixo da de bispo. Ou seja, não só a diocese sabia das acusações que pendiam sobre o prelado como este foi recompensado pouco depois de estas virem a público!

Segundo os termos da acusação Fushek «usou uma relação de confiança para praticar actos criminosos, incluindo mas não limitados a actividades sexuais, discussões sexuais e contacto físico impróprios sobre menores vulneráveis e vítimas adultas».

A diocese de Phoenix tem sido inesperadamente colaborante com a acusação neste caso, prática inédita quiçá devida à substituição do Bispo Thomas O’Brien, que resignou após ter sido preso num caso de atropelamento mortal de um peão seguido de fuga do local do atropelamento.

Np entanto nem todos os responsáveis católicos de Phoenix acreditam na culpabilidade de Fushek «Nós acreditamos que as alegações contra o Monsenhor Fushek são completamente inconsistentes com o seu carácter e serviços honoráveis para a Igreja e os adolescentes nestes últimos 26 anos» afirmou o presidente dos Adolescentes para a Vida, Vince Roig, que acrescentou ser Fushek o visionário da organização.

Aparentemente o discurso do presidente da conferência dos bispos católicos americanos, o Bispo William Skylstad, falhou no tempo do verbo: o escândalo da pedofilia no clero americano e as pesadas indemnizações decorrentes são não algo do passado mas uma realidade bem presente. Por muito que o Papa tente fazer passar que tudo não passa de manobras para desacreditar a Igreja de Roma e as dioceses tentem esconder e abafar os casos…

Estes exemplos de relativismo da Igreja em relação a crimes bem reais em que as vítimas, crianças e adolescentes vulneráveis, são invariavelmente ignoradas pela Igreja Católica que apenas se preocupa com a respectiva imagem, são profunda e completamente inconsistentes com a actuação da Igreja em várias instâncias, por exemplo no caso do aborto, em que exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco.

Nunca conseguirei entender os «valores morais» absolutos e intemporais de uma instituição que protege ou mesmo recompensa quem comete um crime que considero dos mais abjectos e se acha no direito de exigir a criminalização de algo apenas porque contraria um dos seus anacrónicos dogmas!

21 de Novembro, 2005 Palmira Silva

Incumbências divinas

Augusto Pinochet, o ditador chileno, crente devoto considerado um católico exemplar por João Paulo II, considera que Deus o irá perdoar por todos os atropelos dos direitos humanos, incluindo o direito à vida, que cometeu durante os 17 anos da sua abençoada ditadura. A convicção do ditador advem do facto de que a sua actuação impediu que o comunismo tomasse conta do país e assim afirma que «Tudo o que fiz, tudo o que levei a cabo, todos os problemas que tive, dedico-os a Deus».

Parece que as incumbências «divinas» a devotos governantes pecam por omissão nos termos em que devem ser cumpridas. De facto, também G. W. Bush que afirmou estar a cumprir uma missão «divina» quando decidiu invadir o Afeganistão e o Iraque terá considerado que para triunfar em tão importante missão os meios são irrelevantes.

E são certamente ateus os que se insurgem contra a utilização de armas químicas no Iraque. A administração Bush admitiu ter usado fósforo branco no Iraque, uma substância pirofórica (entra em combustão em contacto com o ar) que arde também em água (se na presença de água com pouco oxigénio dissolvido produzindo o bloqueador respiratório PH3 ou fosfina) mas nega ter usado esta (e outras) arma química banida pela convenção de Haia contra a população civil. Aparentemente a RAI não sabe desta alegação americana e a semana passada passou um vídeo dos ataques químicos efectuados em Fallujah.

E apesar de oficialmente negado há demasiados relatórios que confirmam o uso no Iraque de napalm por outro nome, bombas incendiárias Mark77, que substituem as bombas incendiárias Mark47 usadas na guerra do Vietname. Aliás, a única diferença entre ambas é o combustível: querosene nas Mark47 e gasolina de jactos nas Mark77. Mas, como apontou o coronel Michael Daily, o combustível actual é mais «amigo do ambiente»…