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Palmira Silva

22 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Doutrina ou interesse económico?

Dos Estados Unidos chega-nos a notícia que o arcebispo de St. Louis, Raymond Burke, excomungou os seis membros do conselho de direcção da igreja de St. Stanislaus Kostka e o padre polaco, Marek Bozek, que estes tinham contratado recentemente, na sequência de uma longa querela com o arcebispo que se recusava a nomear um padre para a paróquia após ter retirado os anteriores.

Na origem do conflito está simplesmente um problema de dinheiro já que graças a uma disposição de 1891, um ano após o estabelecimento da paróquia, quer a propriedade quer o controle financeiro desta igreja está nas mãos do conselho (leigo) de direcção. Desde que foi nomeado o arcebispo exige ser ele a a controlar financeiramente a paróquia, o que inclui a propriedade da igreja.

Bob Zabielski, um dos membros da direcção agora excomungados e que o arcebispo convidou a reconciliar-se com a igreja cedendo-lhe o controle da igreja e do dinheiro que movimenta, afirmou «Isto é apenas a última de uma série de acções vergonhosas que nos foram feitas nos últimos anos. Ele quer a propriedade e é isso, e ele usa todas as armas do seu arsenal».

A reacção dos paroquianos parece indicar que as ambições imobiliárias do arcebispo não vão ter sucesso. Alguns paroquianos expressam a sua admiração pelo padre Bozek que segundo eles se sacrificou para garantir que a paróquia tinha o padre há mais de um ano negado pelo arcebispo. Porque, como afirmou um paroquiano, Stan Rozanski, as excomunhões eram «algo que sabíamos ir acontecer». Mas afirmou-se ainda espantado por uma situação que começou como «uma disputa de propriedade» ter terminado com excomunhão.

«Este é mais um exemplo das tácticas medievais usadas contra pessoas que apenas tentam ser bons católicos. Ele [o arcebispo] poderia ter excomungado toda a paróquia… Nós não vamos mudar».

21 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Neo-Criacionismo 0 – Ciência 1


80 anos depois: Fundamentalistas cristãos continuam a exigir que o evolucionismo seja apresentado apenas como uma teoria (no sentido não científico de palpite) não como o facto científico que na realidade é.

Na passada quinta-feira foi conhecida a decisão do juíz John Jones, um nomeado por Bush e como tal dificilmente acusável de ser um militante (esquerdista) ateu, em relação ao caso conhecido como o julgamento de Kitzmiller, o outro julgamento que agitou as guerras da evolução nos Estados Unidos. Numa decisão crucial, especialmente se considerarmos o sistema judicial americano em que decisões anteriores sobre um dado tema são utilizadas na determinação de sentenças posteriores, o juiz federal decidiu que o ensino do desenho (pouco) inteligente é inconstitucional já que viola a separação da Igreja e do Estado preconizada na Constituição americana. A decisão do juíz constitui assim uma vitória por knock-out da ciência contra os obscurantismos cristãos disfarçados de IDiotia, uma vez que não só foi banido definitivamente o ensino da IDiotia nas aulas de ciência de Dover como foi criado um precedente que permitirá que a normalidade e verdade científica sejam repostas a breve trecho em todo o país!

Que a IDiotia não passa de um subterfúgio para proselitar os estudantes é explicado pelo juíz na sua opinião de 139 páginas (pdf disponível), muito bem fundamentada e que não deixa margem de manobra ou apelo aos IDiotas, «Nós concluímos que não é [ciência] e para além disso que o ID não se consegue separar dos seus antecedentes criacionistas e como tal religiosos».

Podemos ler ainda a opinião do juíz sobre os membros do Conselho de educação que segundo ele disfarçaram os seus verdadeiros motivos (religiosos) para introduzir a IDiotia nos curricula de ciências do distrito de Dover, decisão classificada de «inanidade de tirar a respiração»: «Nós concluímos que os motivos seculares utilizados pelo Conselho não são mais que um pretexto para o verdadeiro objectivo do Conselho, que era a promoção da religião nas salas de aulas públicas».

Em relação ao velho* (e errado) argumento de que o evolucionismo é uma teoria e não um facto usado pelo Conselho de Educação na sua declaração de Outubro de 2004 que justificava o ensino da Idiotia como uma «teoria» alternativa, o juiz, evidenciando que de facto ouviu os muitos cientistas que testemunharam no julgamento e percebeu os motivos religiosos de pseudo-cientistas como, por exemplo, Michael Behe, que admitiu que a plausibilidade da IDiotia depende de se acreditar em Deus, declarou que:

«Na realidade a teoria da evolução de Darwin é imperfeita. No entanto, o facto de que uma teoria científica não consegue ainda explicar todos os pontos não deveria ser usado como pretexto para impingir nas salas de aulas de ciências uma hipótese alternativa não falseável e baseada em religião ou para denegrir propostas científicas bem estabelecidas».

As guerras da evolução nos Estados Unidos, felizmente com o final feliz que esta decisão indicia, deveriam alertar os mais complacentes para o facto que qualquer religião quando suportada pelo poder político mostra a sua verdadeira face integrista, prepotente e intolerante, tentando obrigar que as suas concepções anacrónicas e anti-científicas sejam «vendidas» a todos, via instituições públicas, como sendo «verdades absolutas».

Recordo que as guerras da evolução ameaçam extravasar para o Velho Continente, especialmente depois de Bento XVI ter afirmado que o Universo e o homem foram criados por um «projecto inteligente» e que tal só não é conhecimento comum porque algumas pessoas «enganadas pelo ateísmo que têm dentro de si, imaginam um Universo livre de propósito e ordem, como se estivesse à mercê do acaso». Perguntando falaciosamente «Quantas dessas pessoas existem hoje em dia?» e concluindo que «Essas pessoas, enganadas pelo ateísmo, acreditam e tentam demonstrar que é científico pensar que tudo é livre de propósito e ordem».

Claro que os nossos fiéis leitores crentes, que tanto se indignam com as nossas críticas das inanidades debitadas como verdades absolutas pela santa madre Igreja, não se apercebem da intolerância em relação aos ateístas que estas (e outras que abordarei brevemente) declarações da hierarquia da Igreja evidenciam. Claro que não esperaria que a Igreja demonstrasse qualquer respeito em relação à nossa forma de pensar. Contrariamente aos nossos leitores que reinvidicam que respeitemos a sua forma de pensar e nos mimam com epítetos de intolerantes, não advogo que tal aconteça já que tolerância é simplesmente «a atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo». As religiões são de facto intolerantes porque não admitem nem ideias nem formas de agir diferentes das que preconizam. Basta pensar no que se passa na vizinha Espanha em relação ao casamento de homossexuais e nas guerras da interrupção voluntária da gravidez que se avizinham cá no burgo para confirmar que o catolicismo não é excepção!

*A primeira versão do «teoria não facto» foi adoptada pelo Conselho de Educação da Califórnia em 1924-1925 em resposta aos estridentes protestos dos fundamentalistas cristãos em relação ao ensino da evolução neste estado. Em 1925 o Conselho aplicou esta decisão em relação a livros de texto rejeitando aqueles que se atreviam a tratar a evolução como algo mais que uma «teoria» coloquial.

16 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Retrocesso fundamentalista na Turquia?

As propostas do governo de Recep Tayyip Erdogan da imposição de uma lei seca no centro das cidades turcas, que exilariam para os subúrbios os locais onde se pode beber álcool, reacenderam os receios de um relapso fundamentalista na Turquia.

De facto, o partido do governo, AKP, tem sido repetidamente acusado por grupos seculares de tentar forçar um estilo de vida islâmico ao mesmo tempo que implementa reformas «ocidentais» desenhadas para facilitar o processo de adesão à CEE.

Como há muito alertamos, a conjuntura internacional de crise que vivemos torna as populações vulneráveis aos ataques fundamentalistas (de todas as religiões) que alocam a desvios ao integrismo religioso respectivo as razões da crise. Os grupos seculares de defesa da imprescíndivel para a paz e tolerância laicidade são assim essenciais para que não assistamos a um retrocesso civilizacional, já que os moderados de todas as fés desculpam por norma os excessos cometidos em nome da respectiva religião. Como o filósofo Sam Harris explica, a atitude complacente em relação às religiões é uma ameaça latente para o modelo de sociedade que queremos construir, uma sociedade justa, de paz e tolerante. Os exemplos que nos chegam de todo o mundo e de todas as confissões religiosas indicam claramente que precisamos despertar desta complacência e não transigir no mínimo desvio à laicidade!

12 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Crónicas do Cavaleiro da Pérola Redonda

J. C. das Neves brindou-nos hoje com mais uma das suas crónicas inenarráveis. Neste puro delírio tomista, o inefável cavaleiro da Pérola Redonda não defende directamente a sua dama, a Igreja de Roma e seus ditames, mas fá-lo indirectamente com um ataque ao «dragão» que, desde Agostinho de Hipona, ameaça a sua hegemonia e autoridade: o uso da razão, mais concretamente a ciência.

O fazedor de opinião do Diário de Notícias aproveita para o seu ataque inano à ciência o facto de que decorre ainda o ano Internacional da Física. Ano em que se celebra o centenário do Annus Mirabilis de Einstein. Denominado assim porque em 1905, ainda funcionário do gabinete de patentes de Berna, Einstein publica não quatro como o excelso professor indica mas sim cinco artigos memoráveis* que mudaram para sempre a ciência.

E aparentemente o professor estava um pouco baralhado quando debitou a opinação em análise porque não só Einstein não «concebeu em 1905, quase de raiz, a mecânica quântica» como praticamente até à sua morte manteve um conflito permanente com a mecânica quântica, MQ. Conflito cuja expressão mais conhecida é um artigo que escreveu em 1935 com Podolsky e Rosen, onde se propunham demonstrar a grande inconsistência da MQ. O assunto é conhecido, no meio científico, como o Paradoxo EPR (de Einstein, Podolsky, Rosen).

Depois deste pouco auspicioso começo, o «filósofo», ou melhor, «téologo» da ciência tenta incutir no seu leitor (nesta altura perdido de riso se tiver um mínimo de cultura científica) a dúvida sobre a bondade do conhecimento científico. Lançando-se em lucubrações sobre a a vontade de Einstein, que morreu a trabalhar na sua teoria unificada, em «desaprender» ciência, aparentemente por causa da bomba atómica. Lucubrações completamente sem fundamento e teria sido útil ao spin doctor do DN ler qualquer coisinha sobre Einstein antes de se lançar nas suas habituais efabulações.

Nas palavras de Einstein a um historiador «Sugere que em 1905 eu devia ter previsto a possível construção de bombas atómicas. Tal era impossível, dado que a possibilidade da reacção em cadeia dependia da existência de dados empíricos que não podiam ter sido antecipados em 1905… E mesmo que tal conhecimento estivesse disponível, teria sido ridículo tentar esconder uma conclusão particular da teoria da relatividade restrita. Uma vez que a teoria existia, a conclusão existia».

Uma dos mimos com que J. C. das Neves nos obsequia neste indescrítivel artigo é a promoção de um economista keynesiano a «um dos seus (ciência) mais astutos observadores». Nomeadamente um representante de uma ciência não exacta que se socorre de termos e conceitos de uma ciência exacta, a física, para elaborar uma versão «respeitável» da «teoria» dos ciclos que tenta explicar as crises que o mundo capitalista atravessa e conjecturar sobre as várias «forças» actuantes. Na realidade ainda hoje alguma economia pede emprestada respeitabilidade à física, sendo um dos campos da moda actualmente a econofísica, tema de um workshop na Universidade de Évora em 27 de Janeiro próximo. Parecer-me-ia um pouco arriscado propor como um astuto observador da «assustadora» (J.C. das Neves dixit) física alguém que se socorre desta para se impor no seu próprio campo…

Fiquei na dúvida se J.C. das Neves é frequentador do Diário Ateísta porque o seu parágrafo seguinte poderia ser debitado por um qualquer dos crentes que comenta todos os assuntos em apreço com alusões a Pol Pot, Mao ou Stalin. Ou seja, por uma razão qualquer obscura J. C. das Neves promove a ciência o marxismo-leninismo usando-o como mais um papão para denegrir a ciência, essa malvada relativista que ousou destronar as verdades «absolutas» da Santa Madre Igreja, por exemplo a insustentável leveza das almas nos limbos!

Os verdadeiros motivos de J. C. Neves na escrita deste conjunto de inanidades revelam-se quasi no fim da opinação. Num parágrafo em que mais uma vez mistura ciências exactas com ciências sociais (não exactas) o ilustre spin doctor tenta lançar a confusão sobre os temas «fracturantes» sobre que tantas vezes nos mimoseou com as suas pérolas redondas de raciocínio. Nomeadamente o aborto e a homossexualidade. Em que tenta menorizar os argumentos científicos a favor do aborto ou que desmistifiquem os preconceitos homofóbicos da Santa Madre Igreja.

Imediatamente antes do seu final apoteótico (ou apopléctico?), em que carpe ter a ciência no século XIX substituido a religião nas respostas às questões da humanidade e sugere que a ciência é mortal (!?) para o homem, J. C. das Neves tem um lapso de lucidez. Não obstante ter indicado o «culpado» errado, que na realidade é o ressurgimento de fundamentalismos religiosos anacrónicos, a sua análise do problema dos tempos modernos está certa: esta nova fase místico-religiosa traduz-se no crescimento do «desprezo pela atitude racional e avança o misticismo e a magia, prosperam os charlatães e a mixordice intelectual», como são exemplo a super abundância de milagres produzidos pelo anterior Papa ou a recuperação do exorcismo pela Igreja católica. E concordo em absoluto que «Estão em risco séculos de avanços do conhecimento». Mais concretamente todos os séculos que medeiam desde o Renascimento, em que saímos da longa noite obscurantista imposta pela Igreja de Roma, até hoje!

*Os cinco artigos são publicados a um ritmo alucinante. Assim, em Abril Einstein publica um artigo que será igualmente a sua tese de doutoramente sobre a determinação das dimensões de moléculas (e em que prova inequivocamente a existência destas, algo que não era consensual à altura); em Março foi publicado o artigo que lhe valeu o prémio Nobel em que explica o efeito fotoeléctrico; em Maio um artigo sobre movimento browniano; em Junho um artigo intitulado «Electrodinâmica dos corpos em movimento» em que apresenta aquilo que hoje em dia chamamos relatividade restrita e finalmente em Setembro um suplemento ao artigo da relatividade em que pela primeira vez aparece a equação que é talvez o ex-libris de Einstein: E=mc2.

11 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Primeira Presidente chilena?

O poder quasi absoluto da Igreja Católica no Chile, um país onde o divórcio só é possível desde o ano passado, está prestes a conhecer o seu primeiro contratempo desde o assassinato em 1973 do presidente Salvador Allende durante o golpe de direita, chefiado pelo general Pinochet, um católico exemplar.

De facto, o resultado das eleições de hoje é quasi o equivalente a uma revolução pacífica, inesperada neste país sob tão marcada influência da Igreja de Roma. Assim, os resultados preliminares indicam que Michelle Bachelet, mãe solteira, de 54 anos, que nas suas próprias palavras encarna «todos os pecados capitais – socialista, a filha do seu pai, divorciada e ateísta» será muito provavelmente a primeira presidente chilena, tendo neste momento, com cerca de 13% dos votos apurados, quase tantos votos como a soma dos votos nos dois candidatos de direita, o empresário Sebastian Pinera e o ex-presidente da câmara de Santiago o ultra conservador Joaquin Lavin. Amanhã saberemos se haverá segunda volta e quem disputará a presidência com Michelle Bachelet, que a manterem-se as tendências actuais e contra a maioria dos prognósticos e ajuda divina, será Sebastian Pinera.

O pai que ela menciona como um dos seus pecados capitais foi um general progressista da Força Aérea chilena que fez parte do governo de Salvador Allende em 1972 e que morreu de ataque cardíaco quando torturado pelos algozes de Pinochet, um ano depois do golpe de estado.

Michelle e a mãe foram enviadas para o infame centro de tortura Villa Grimaldi mas as suas ligações com os militares evitaram que tivessem o destino de tantos milhares de chilenos desta época negra do país e partiram para o exílio.

Em 2000 o presidente Ricardo Lagos, nomeou Michelle ministra da Saúde, cargo que abandonou dois anos depois quando passou a ocupar a pasta da Defesa.

Talvez a razão do sucesso inesperado de Michelle seja bem resumido pela apreciação de Isabel Allende, filha de Salvador Allende e prima da escritora com o mesmo nome «Michelle reflecte um realidade há muito escondida no Chile, não a falsa imagem da família perfeita ou do político modelo».

Realidade que se revelou no voto secreto que cada eleitor depositou na urna, fora do escrutínio dos devotos católicos que tentaram demover os chilenos do voto em Michelle Bachelet «denunciando» a sua afinidade com o infame, anti-católico e ditatorial(?) Zapatero!

11 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Guerras da religião acesas na Rússia

A vertente totalitária e intolerante da Igreja Ortodoxa russa ficou expressa numa carta escrita por um alto dignitário desta igreja, o arcebispo Nikon de Ufa e Sterlitamak, que descreveu Krishna, o deus máximo dos hindus, como um «demónio maligno» e «um lívido jovem lascivo».

A carta, dirigida ao presidente da câmara de Moscovo, Yuri Luzhkov, pretendia que este proibisse a construção de um templo a Krishna em Moscovo afirmando que tal seria «uma desgraça idólatra erigida à glória do perverso e malicioso ‘Deus’ Krishna». Alguns dos argumentos utilizados pelo prelado soam familiares já que na carta se faz igualmente um apelo à tradição e à cultura cristã do país e se invocam os sentimentos «feridos» do povo: «A construção do templo (uma obscenidade satânica que pretendem construir mesmo no coração da Rússia ortodoxa cristã) a Krishna ofende os sentimentos religiosos e insulta a cultura religiosa milenária da Rússia onde a esmagadora maioria das pessoas, cristãos e muçulmanos inclusive, consideram Krishna um demónio maligno, o poder personificado do Inferno que se opõe a Deus».

Sem qualquer surpresa, o teor da carta despoletou uma onda de protestos a nível internacional.

O Hindustan Times descreveu a carta como «evidenciando uma assombrosa ignorância sobre a religião mais antiga do mundo» para além de «ser evidente que a Igreja Ortodoxa Russa está ainda imbuída nos tempos negros da exclusividade religiosa, que não tem lugar na sociedade de hoje, cada vez mais pluralista».«Chamar satânico a Krishna não só é sacrílego aos olhos dos hindus como é claramente ridículo uma vez que, como qualquer estudante do hinduísmo sabe, Krishna é famoso como caçador de demónios»

Como contraste, Bimal Krishna, secretário geral do National Council of Hindu Temples britânico, frisa que os hindus respeitam o mítico fundador da religião cristã realçando que «Nós respeitamos todas as religiões. E achamos que o arcebispo poderia ganhar uma perspectiva nova da sua própria fé cristã se lesse as palavras de Krishna no Bhagavad-Gita (uma clara alusão à influência hindu na mitologia cristã).»

Ramesh Kallidai, secretário geral do Hindu Forum britânico afirma ainda «Os motivos para se espalhar semelhante ódio são claros – é uma tentativa de discriminar e perseguir a comunidade hindu na Rússia e impedi-la de construir um templo. É inacreditável que um líder de uma igreja tão poderosa possa fazer estas tentaticas tão infelizes e dogmáticas para instigar tensões entre diferentes religiões. Isto é completamente contrário a todos os princípios de coexistência e cooperação que religiões antigas e tolerantes como o hinduismo defendem».

Assim, para além da guerra dos crucifixos e demais símbolos cristãos com os muçulmanos que a parcialidade do governo russo em relação à religião cristã despoletou, a intolerância e totalitarismo cristãos russos conseguiram antagonizar mais uma religião. Esperemos que as chamas de (mais) uma guerra religiosa não tenham sido irremediavelmente ateadas!

11 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Rescaldo das eleições no Egipto

Allah is our objective. The Prophet is our leader. Qur’an is our law. Jihad is our way. Dying in the way of Allah is our highest hope. Muslim Brotherhood ou a Irmandade do Islão

A Irmandade do Islão revelou-se o maior partido da oposição nas recentes eleições realizadas no Egipto com 19% dos votos expressos, o que se traduz em 88 lugares num parlamento de 454 deputados.

O jornal pro-governamental Al-Gomhuria publicou um artigo de título «Os Mullahs estão a chegar!», afirmando que embora a Irmandade tenha realizado uma campanha baseada não em religião mas em assuntos práticos, o seu slogan «O Islão é a solução» indica uma agenda escondida de intolerância social, repressão das mulheres e hostilidade às minorias religiosas (como os cristãos coptas, alvos de violência muito recentemente).

Por seu lado a votação alcançada pela Irmandade mereceu um artigo congratulatório no Tehran Times, que assegura que os ventos de mudança despoletados por esta eleição assolarão todo o mundo muçulmano, e exponenciarão a «tendência de países árabes e islâmicos a olharem para soluções religiosas para os seus problemas».

Na realidade os resultados desta eleição são preocupantes, especialmente se atentarmos à história desta Irmandade, a grande fonte de inspiração de Osama bin Laden, nomeadamente através dos escritos de um fundamentalista desta organização, Sayyid Qutb, enforcado em 29 de Agosto de 1966, após uma tentativa de assassínio do presidente Nasser pela Irmandade. De igual forma, na Universidade Rei Abdel Aziz em Jiddah, Bin Laden, segundo colegas, foi muito influenciado por um dos seus professores, Abdullah Azzam, um palestino que foi um importante membro da Irmandade Muçulmana.

Quando da sua formação por um professor wahabita em 1928, Hassan al-Banna, a Irmandade era um movimento religioso, que se opunha ao domínio britânico do Egipto, mas que se ocupava essencialmente com programas sociais, de educação e de evangelização. Nas duas décadas seguintes ganhou um braço político, o partido da Irmandade do Islão, Hizb Al-Ikhwan Al-Muslimoon, que acusava o governo egipcio de ser muito brando com os sionistas. A sua actividade terrorista em território egipcio iniciou-se quando se demonstrou inevitável a formação do Estado de Israel. O movimento foi banido e em Dezembro de 1948 um membro da Irmandade assassinou o primeiro-ministro egípcio, Mahmud Fahmi Nokrashi.

O presidente Nasser, baniu o movimento em 1954, depois de uma (entre várias) tentativa de assassinato por parte de membros da Irmandade. Milhares de membros refugiaram-se na Síria, Jordânia, Líbano, Sudão e na Arábia Saudita. Onde continuaram a sua tarefa de evangelização e onde o grupo continuou a crescer agora também fora das fronteiras egípcias, sendo hoje um dos mais importantes movimentos islâmicos. Grupos como o al-Jihad e al-Gama’at al-Islamiyya no Egipto, o HAMAS na Palestina e vários grupos mujahideen no Afeganistão são spin-offs da Irmandade.

A Irmandade renunciou «oficialmente» à violência nos anos 70 (com uma «breve» interrupção em 1981 quando quatro membros assassinaram o presidente Anwar-as-Sadat) e desde então tem apresentado um discurso «moderado» de forma ao seu braço político poder integrar o processo democrático do Egipto, ainda a sua base principal. Por outro lado criou uma rede alargada de serviços sociais que lhe permitiu conquistar o apoio da população mais carenciada. A semana passada viu coroados de êxito os seus esforços… Agora que é a 2ª força política no Egipto iremos certamente assistir a uma radicalização do discurso dos seus representantes.

Não são necessários quaisquer dotes de presciência para prever um futuro próximo complicado naquela já conturbada zona do globo! Especialmente porque a Irmandade sempre afirmou ser o seu objectivo o estabelecimento da lei islâmica ou Sharia…

10 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Diocese de Oxford e pornografia infantil

O reverendo Richard Thomas, director de comunicações e conselheiro do bispo de Oxford, foi ouvido a semana que passou no tribunal de Didcot para responder a oito acusações de produção de pornografia infantil e oito acusações de posse de pornografia infantil. O prelado foi libertado sob fiança e deve voltar a tribunal dia 9 de Janeiro.

Um porta-voz da diocese de Oxford afirmou a tristeza da diocese por saber que «Richard Thomas foi acusado de fazer download de material indecente da internet» ressalvando que tal aconteceu «no seu computador pessoal na sua casa de Abingdon».

O referido porta-voz acrescentou que o prelado, suspenso das suas funções mal foram conhecidas as acusações, «trabalhou com dedicação e perícia em prol da Igreja», acrescentando que o dito prelado não tem estado «bem» e desde Junho que tem recebido aconselhamento.

9 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Plantação de igrejas

Enquanto em países europeus se instalam capelas em centros comerciais, nos Estados Unidos a estratégia parece ser outra. Num artigo da minha opinadora favorita do Find Law’s Writ, Marci Hamilton, não só descobri qual a nova táctica proselitadora dos teocratas cristãos norte-americanos como confirmei os meus piores receios em relação ao nomeado para o Supremo Tribunal Samuel Alito.

No referido artigo, Marci Hamilton critica a decisão tomada por um juíz federal de New York que decidiu a favor da Bronx Household of Faith, num caso contra o Conselho de Educação de New York, em que o referido juiz sustem que as escolas públicas de New York não podem proibir à referida instituição cristã o uso semanal das respectivas instalações para a realização das missas dominicais, das 9 da manhã às 2 da tarde todos os domingos do ano. Ou seja, o referido juiz considera que se as escolas permitem o uso esporádico das suas instalações por outros grupos então são obrigadas a transformar-se nos templos permanentes das igrejas que assim o desejarem.

Na realidade, os cristãos evangélicos nos Estados Unidos resolveram tomar de assalto os edifícios públicos, empreendendo uma campanha conhecida como «plantação de igrejas» e a ideia é «plantar» igrejas em edifícios públicos onde elas «crescerão». Com o apoio de um Supremo Tribunal onde predominam católicos teocratas certamente que conseguirão decisões federais que apoiem as suas decisões como o caso relatado no artigo indica.

A «plantação de igrejas» não só poupa dinheiro aos já obscenamente ricos movimentos cristãos como os aproxima da clientela a proselitar, no caso das escolas públicas os estudantes e respectivas famílias.

As escolas públicas são supostas serem aconfessionais, um ponto onde convivem de igual para igual todas as crenças ou falta delas. Com esta decisão, que ameaça generalizar-se, os filhos de ateístas, agnósticos, budistas, muçulmanos, hindus, etc., vão ver a escola de todos transformadas em templos de apenas alguns.

Como termina Marci Hamilton, o caso da Bronx Household acorrentou as crianças das escolas envolvidas às aspirações hegemónicas de algumas igrejas. Não foi de facto um caso de defesa do direito à liberdade de expressão mas sim uma nova variante de proselitismo.

Este é também um caso que realça algo para que há muito alertamos no Diário Ateísta: todas as religiões são intolerantes e quando em conjunturas que o permitam mostram a sua real vertente totalitária. Porque todas as religiões se afirmam as detentoras da verdade absoluta revelada e, especialmente as religiões do livro, consideram ser uma missão divina se não a conversão pelo menos obrigar todos aqueles que não acreditam nas suas mitologias a tornarem-se submissos às emanações destas!

8 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Evolução desenhada

No próximo número da revista Nature, disponível online ontem, é publicado o genoma da Tasha, uma cadela boxeur de 12 anos. Usando esta informação como referência, os cientistas envolvidos no projecto sequenciaram selectivamente partes do genoma de 10 raças caninas diferentes e de espécies relacionadas na árvore da evolução como o coiote e o lobo cinzento.

De facto, os nossos fiéis amigos são ideais para falsificar alguns detalhes do evolucionismo já que a espécie Canis familiaris, graças aos humanos que os «adoptaram» ainda na forma de Canis lupus e moldaram a sua evolução nos últimos 15 000 anos, permite traçar ao longo deste tempo as raízes genéticas das características que cada raça desenvolveu.

A descodificação do genoma do cão é fascinante de per se mas, não obstante os cães estarem mais distantes de nós na árvore evolutiva que outros mamíferos cujo genoma já foi sequenciado, como o chimpanzé, servirá principalmente para testar algumas hipóteses concernentes à forma como os mamíferos evoluiram.

Extremamente promissora é a análise de algumas sequências do ADN que continua a intrigar os cientistas, denominado «junk (lixo) DNA», no sentido que não é codificante, que são conservadas nos ratos, humanos e cães. O facto destas sequências serem muito semelhantes nas três espécies indica que podem funcionar como interruptores moleculares que ligam e desligam a actividade dos genes. A investigação do papel do «junk DNA» e a descoberta do que silencia e activa os genes são duas áreas da genética moderna ainda na sua infância.

Como disse Kerstin Lindblad-Toh, a líder deste projecto, «Estes sinais que decidem quando um gene é ligado e desligado são extremamente importantes. Agora nós estamos a olhar para a ponta do iceberg, mas quando tivermos dez ou vinte (genomas de) mamíferos poderemos cristalizá-lo ainda mais».

Ainda não são conhecidas reacções a mais esta evidência da macro-evolução por parte dos neo-criacionistas (ou IDiotas), certamente ainda a digerir o relatório da Fordham Foundation sobre o ensino de ciência nos Estados Unidos, mais concretamente sobre os padrões a serem seguidos nas escolas de cada estado. Como seria de esperar, o Kansas teve a nota mais baixa…