Loading

Palmira Silva

29 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Acontecimento científico do Ano

A revista Science escolheu a Evolução como a área em que se registaram os avanços científicos mais importantes do ano. Para celebrar o tema e, nesta altura em que os fanáticos religiosos travam um guerra IDiota com a evolução, igualmente para permitir que todos tenham acesso às descobertas mais marcantes que demonstram a evolução como a pedra basilar de todas as ciências biológicas incluindo a medicina, todos os artigos publicados nesta área têm acesso grátis até Março de 2006.

Embora ressalvando que o grande passo em frente se deu há um século e meio quando Charles Darwin publicou a Origem das Espécies, em que reconhece como a selecção natural moldou as diferentes espécies que hoje habitam o nosso planeta, a prestigiada revista científica elege 2005 como um ano emblemático para a evolução com a descoberta de detalhes sobre como de facto ocorreu a evolução, com a publicação dos genomas de espécies como o chimpanzé ou o cão, para além de uma série de descobertas que lançaram uma nova luz nos mecanismos com que populações evoluiram em novas espécies.

27 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

A sétima dimensão

A criação, basílica de São Marcos, Veneza, Itália.

«Pois eu vou ver os limites da Terra fecunda, e o Oceano, origem dos deuses, e Tétis, sua Mãe» Homero, Ilíada.

Segundo Teilhard de Chardin nada é inteligível fora do seu lugar histórico, assim a compreensão das sociedades actuais é inseparável da história da religião, da filosofia e da ciência e podemos acompanhar a evolução das religiões prevalecentes analisando a conjuntura cultural em que surgiram e como se desenvolveram. De facto, desde que os acasos da evolução permitiram ao Homem o desenvolvimento de um complexo sistema neuronal os seres humanos apresentam uma apetência inata por explicações. Esta é certamente uma das razões que explica porque a religião tem acompanhado o Homem ao longo da História, uma vez que as religiões se reclamam detentoras da verdade absoluta, global, completa, tanto no que respeita à natureza como ao homem.

Desde a Renascença que a Cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, está em declínio no Ocidente. O Humanismo, o traço dominante do Renascimento, venceu o teocentrismo medieval, com a sua redescoberta do homem, confiante no seu intelecto, poder e valor, em contraste com a Idade Média, que apenas considerara o homem como um ser pecaminoso e sem valor intrínseco. Libertação do homem renascentista bem representada no discurso «Da dignidade do homem» (Hominis Dignitate) de Picco della Mirandola.

A dignificação do homem traduz-se igualmente numa dignificação da vida: o homem medieval que morria para fazer viver Deus deu lugar ao homem da Renascença que ao viver plenamente a vida, não mais apenas uma passagem para outro mundo mas uma vida com valor intrinseco, deixa de olhar para o céu em mistícas contemplações divinas mas passa a escrutinar o seu mundo que descobre natural e sujeito apenas a leis naturais. O resultado último do naturalismo do renascimento é, pois, a ciência.

Ciência que contrapõe às «verdades absolutas» reveladas por um Deus criador um modelo da realidade, parcial, em permanente construção e no qual o homem não é mais do que um elemento da natureza, de que é o produto. Ou seja, para além da sua ambição comum de fornecerem uma leitura coerente do mundo sensível, a religião e a ciência ocupam o mesmo espaço: o do pensamento humano. Durante séculos, a religião manteve uma posição de preponderância, oferecendo aos homens uma verdade inquestionável e indispensável. Hoje verificamos exactamente o inverso e, apesar das tentativas IDiotas de recuperação desta hegemonia integrista, são poucos os que buscam na religião as respostas ao mundo sensível que estas durante milénios ofereceram ao Homem.

O argumento que a religião e a ciência operam em dimensões diversas e que estão preocupadas com questões diferentes, do mundo «espiritual» e do mundo material, não colhe, já que as religiões surgem e desenvolvem-se para preencher o papel hoje ocupado pela ciência. E por outro lado a ciência, mais concretamente as neurociências, negam a necessidade de invocar qualquer transcendência para explicar a «espiritualidade» humana.

Para uma ateísta como eu, para quem a mera concepção de um qualquer ser transcendente é absurda, a religião é completamente desnecessária e toda a minha «ligação» para além da física, isto é, a minha metafísica, se reduz à sua definição por William James, «apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza», isto é, sem arbitrariedade nem dogmatismo. Assim a minha hipótese metafísica, a natureza fundamental da realidade, assenta em quatro pontos que resumidamente são:

1) Ontologia,(a natureza da realidade ou do ser) O Universo é auto-suficiente na sua existência e rege-se por leis naturais que determinam a natureza do ser de todos os seus componentes. A introdução de uma qualquer entidade externa que o criou e de que é dependente é completamente absurda e desnecessária.

2) Epistemologia (a teoria do conhecimento) O conhecimento e interpretação do Universo estão contidos e derivam do próprio Universo. A interpretação do Universo assenta em princípios lógicos que derivam da razão humana, por sua vez explicável por leis naturais.

3) Ética e Moral O direito que rege as sociedades deve transcrever o progresso ético da humanidade e não «verdades absolutas» reveladas de uma qualquer mitologia. Verdadeiro e falso são valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição. Uma verdade de ontem pode não ser uma verdade hoje, porque o contexto em que essa verdade é avaliada mudou ou porque novos dados entretanto descobertos transformaram essa verdade em mentira.

A moral é simplesmente o conjunto de respostas automáticas do nosso sistema neuronal a estímulos exteriores e tem a ver não só com causas hereditárias e ambientais mas com os estímulos a que fomos sujeitos na infância, durante o período de desenvolvimento das conexões neuronais e crescimento dos «spindle neurons».

4) Teleologia Não há qualquer propósito no Universo. O Universo é simplesmente aquilo que vemos, é a única realidade existente e nós somos apenas um infíma consequência de processos naturais casuísticos. O significado da nossa vida é o que fazemos dela e não há qualquer causa última quer para nós quer para o Universo.

26 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Humor Católico: desenvolvimentos

Alertada pelos comentários de alguns dos nossos leitores da vizinha Espanha, aos quais aproveito para agradecer, especialmente à Ester, resolvi investigar um pouco mais o que se passava com este episódio de humor católico com contornos «racistas e colonialistas», como o designou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, Armando Loayza.

E de facto, em minha opinião, este não foi o episódio infeliz retratado em alguma imprensa mas sim um desafio deliberado lançado pela COBE (certamente com o amen dos seus donos, a Conferência Episcopal Espanhola) ao governo de Zapatero que se atreveu a afrontar a até aqui toda poderosa e intocável Igreja Católica.

Desafio catalizado pela decisão recente do Conselho Audiovisual da Catalunha (CAC), a autoridade reguladora do sector nesta comunidade autónoma cujos membros são designados pelo Parlamento autónomo, que concluiu num extenso relatório de 71 páginas (pdf disponível) que a emissora COPE «incorreu numa infracção dos limites constitucionais ao exercício legítimo dos direitos fundamentais à liberdade de informação e expressão» o que constitui «um incumprimento grave do regime de concessão». Decisão aplaudida pelo colégio de jornalistas catalão. De momento a emissora não sofrerá sanções porque, de acordo com a lei vigente, aprovada este ano com 90% dos votos, tem de incorrer em nova infracção para que tal aconteça. O que tendo em conta o teor das (des)informações transcritas no relatório, mentiras descaradas, insultos ofensivos gratuitos a membros do governo nacional e catalão e afins parece provável antes do final de 2005!

Este episódio de «humor» católico serve para ilustrar qual o tipo de «liberdade de expressão» que os empregados da Conferência Episcopal querem defender daquilo a que chamam a Inquisição Audiovisual da Catalunha. Ou seja, informar com responsabilidade e veracidade é algo que não consta dos padrões da rádio da Igreja Católica espanhola, padrões a que terão de se conformar quando for aprovado o ante projecto de lei anunciado há três dias pela vice presidente María Teresa Fernández de la Vega, a criação do Conselho Audiovisual Estatal que irá colmatar a falta de uma autoridade nacional sobre os media espanhóis (a Espanha é o único país da União Europeia em que esta autoridade não existe).

Que todo o abominável episódio não foi de facto uma partida «leve» e inocente é fácil de perceber lendo a resposta de Federico Jiménez Losantos à reacção de indignação dos governos espanhol e boliviano, que segue a habitual táctica de vitimização e acusações de perseguição da santa madre Igreja. Assim o o piedoso jornalista classifica de «grotesca palhaçada orquestada por Zapatero para chantagear os bispos e liquidar os programas críticos para a sua mísera política antinacional» a reacção do governo de Zapatero e em relação a Evo Morales, o piedoso jornalista considera que «merece, no mínimo, o mesmo tratamento que os seus confrades ditatoriais [o golpista (sic) Chávez e Fidel]: a oposição política e, desde logo, a sátira onde haja liberdade de expressão».

Acho estranho que para este funcionário da Igreja Católica espanhola, que tanto se congratulou com a reeleição de Bush, sejam ditadores estadistas eleitos livremente por uma maioria esmagadora da população. Enfim, pode estar simplesmente em total ressonância com Bento XVI, que afirma que à falta de crença religiosa se segue inevitavelmente o fascismo… Mas já acho mais complicado que considere legítimo apelar ao derrube do governo, eleito democraticamente, de Zapatero por todos os meios, de «unhas e dentes» incluindo «em última instância, o levantamento popular. E em ultissimo lugar, os militares». Claro que há precedentes em Espanha nomeadamente na Guerra Civil espanhola em que Franco teve uma inestimável ajuda de Pio XI, que em 1936 exortou os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com o Generalissimo na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

Certamente que esta última declaração, quasi um apelo a um golpe militar contra Zapatero não fora o próprio Losantos reconhecer que tal apelo não teria muito eco nos meios militares espanhóis, se enquadra na tal «liberdade de expressão» considerada ameaçada pela hierarquia católica espanhola. Mas já sabemos que para um cristão fundamentalista liberdade de expressão é sinónimo de liberdade de expressão apenas para as suas «verdades absolutas».

De qualquer forma a Conferência Episcopal espanhola segue à risca as recomendações do finado Papa: «Todos devem saber como fomentar uma vigilância constante, desenvolvendo uma saudável capacidade crítica no que diz respeito à força persuasiva dos meios de comunicação». Afinal liberdade de expressão para todos corresponde para a santa madre Igreja, como advertiu João Paulo II no seu último livro «Memória e Identidade: Conversações entre Milénios», a dar voz à «ideologia do mal» que ameaça insidiosamente a sociedade e que surge quando os governos decidem usurpar a «lei de Deus» como acontece com o de Zapatero.

26 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Projecto Steve

O templo dos neo-criacionistas disfarçados de IDiotas, o Discovery Institute, uma instituição sem problemas de financiamento, exibe como grande trunfo uma lista de 400 cientistas, na sua maioria ligados ao próprio Instituto, que segundo o DI apresentam grandes dúvidas em relação ao evolucionismo.

Nomeado em honra do paleontólogo Stephen Jay Gould e como paródia às pretensões dos IDiotas* de que a evolução é «uma teoria em crise», o National Center for Science Education (NCSE) criou o Projecto Steve que pretende tratar as inanidades debitadas pelos IDiotas, mais concretamente que existem sérias dúvidas na comunidade científica sobre a evolução, como a anedota que de facto são. Assim o Projecto Steve lista apenas cientistas chamados Stephen ou variações como Stephanie, Steven, Stefan, Esteban, etc. que se prontificaram a assinar o manifesto acima reproduzido. Neste momento há 687 Steves no Steve-o-Meter, incluindo os dois Steves prémios Nobel, Steven Chu e Steven Weinberg, para além de Stephen Hawking, claro!

Todos estes Steves são certamente «adoradores do ateísmo» na opinião dePat Robertson, o pastor evangélico ex-libris dos teoconservadores ou «religious right» e fundador da Coligação Cristã, conhecido pelas pérolas de raciocínio cristãs que debita.

Uma das mais redondas destas pérolas foi debitada durante a emissão de dia 15 do corrente mês no programa «The 700 Club» da CBN (Christian Broadcast Network) em que Robertson sugeriu que os defensores da evolução são «fanáticos» acrescentando que a evolução «é uma religião, é um culto» e como tal afirmou que o ensino da evolução é anti-constitucional, violando a primeira emenda que prevê a separação religião-estado.

Robertson é conhecido internacionalmente pelos piedosos dislates que debita mas este é de tal forma hilariante que lhe merece automatica e destacadamente o prémio na categoria «Anedota do Ano».

*Intelligent Design is Involved in the Origin of The Species

25 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Humor católico

O governo espanhol chamou o seu enviado ao Vaticano devido a uma «partida» feita por um jornalista de uma rádio da delegação espanhola da Igreja de Roma. Certamente foi coincidência a Igreja Católica estar empenhada numa guerra de vale-tudo contra Zapatero e o seu governo e sem dúvida também por coincidência o director do programa La Mañana que perpetrou a «partida», Federico Jiménez Losantos, é um dos mais acérrimos críticos de Zapatero.

Em directo aos microfones da rádio COPE, propriedade da Igreja Católica, e fazendo-se passar por Zapatero, um jornalista da equipa telefonou a Evo Morales, depois das eleições do passado fim de semana o líder da Bolívia, dando-lhe os parabéns por ter integrado o «eixo cubano-venezuelano» e instigando-o a fazer de Espanha a sua primeira visita oficial como presidente da Bolívia.

Jose Luis Rodriguez Zapatero mal soube da manifestação do que passa por humor católico telefonou a Evo Morales, parabenizando-o pela sua vitória eleitoral e pedindo desculpas pela «partida inaceitável» da emissora católica de que fora vítima.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, Armando Loayza, entregou ao embaixador espanhol em La Paz, Francisco Montalban, uma carta oficial de protesto dando voz à indignação do governo boliviano em relação à deplorável piada católica, que consideram «uma afronta aos cidadãos bolivianos» e um sinal de «carácter racista e colonialista» .

O governo espanhol na voz do secretário de estado da Comunicação, Fernando Moraleda, exigiu um pedido de desculpas formal da COPE ao presidente eleito da Bolívia.

Não obstante Moraleda ter falado com o presidente do conselho de administração da COPE, Bernardo Herráez, e com o porta voz da Conferência Episcopal Espanhola – proprietária da emissora – Juan Antonio Martínez Camino, que achou inaceitável o que se passou, até agora nenhum pedido de desculpas oficial quer da emissora quer da hierarquia católica de Espanha foi oferecido aos dois estadistas envolvidos. Isto é, o director-geral da COPE, Genaro González del Hierro, enviou uma nota ao embaixador boliviano em Madrid, Álvaro del Pozo, pedindo desculpa pelos «problemas que a partida poderá ter causado» e informou que já tinha comunicado aos humoristas católicos «a inconveniência deste tipo de acções».

Tal como o ministro da Justiça espanhol, Juan Fernando López Aguilar, que prometeu investigar o caso, considero que a mui católica partida denota «prepotência e arrogância» (algo a que a Aguilar já devia estar habituado já que são as imagens de marca da Igreja de Roma) e que é «moralmente reprovável, politicamente censurável e exige um pedido de desculpas». Mas suponho ser difícil vermos um pedido de desculpas formal da Conferência Episcopal Espanhola a Zapatero…

25 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Virgem dentro de preservativo

Uma das primeiras acções de Ratzinger como Bento XVI foi forçar a demissão do editor do periódico jesuíta «America», o padre Thomas Reese, com quem mantinha um historial de discórdia enquanto Ratzinger. Na realidade o então zelador pela pureza da fé católica discordava veementemente da opção de Reese em apresentar sobre todos os ângulos assuntos «fracturantes» como o uso profiláctico do preservativo , a ordenação de padres (publicamente) homossexuais, a posição dos católicos pró-escolha na ICAR, o secretismo nas medidas de disciplina na Igreja e outros assuntos que Ratzinger não queria discutidos.

Agora com outro editor a revista continua a merecer protestos dos meios católicos devido a um «escândalo» que «chocou» católicos no mundo inteiro, a publicação nesta revista de um anúncio a uma estátua do artista britânico Steve Rosenthal, que oferecia aos leitores a oportunidade de comprar «uma espantosa estátua de 22 cm da Virgem Maria em cima de uma serpente, usando um véu delicado de látex».

O editor da revista pediu prontamente desculpas aos seus leitores pela publicação do anúncio a esta «obra de arte religiosa contemporânea», que afirmou ter sido aceite pelo facto de o autor só ter enviado uma prova a preto e branco que tornava difícil apreciar que o véu de látex era de facto um preservativo e a serpente um espermatozóide…

O artista afirmou recentemente que tinha orquestrado o seu trabalho de forma à publicação do anúncio coincidir com o Dia Mundial de Combate à Sida a 1 de Dezembro, e que esta foi uma forma de protesto contra a posição do Vaticano em relação ao uso profiláctico do preservativo.

25 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Fim do multiculturalismo: a burka na Holanda

Mulher afegã usando uma burka

Depois de proibido em algumas cidades europeias, por exemplo Como no norte de Itália, Antuérpia e Ghent na Bélgica, o uso da burka parece prestes a ser banido na Holanda, que seria assim o primeiro país europeu a legislar sobre o tema. De facto, uma proposta visando a proibição do uso da burka em público na Holanda tem o apoio da maioria dos deputados no Parlamento holandês e, como tudo indica, será formalizada em Janeiro próximo, o que tem causado uma longa controvérsia neste país.

Rita Verdonk, a dama de ferro que tem a pasta da Integração, comprometeu-se a investigar onde e quando pode a burka ser banida dos locais públicos. Considerando que a ministra tem seguido uma linha dura com os grupos muçulmanos extremistas, não contemporizando com atitudes até há pouco tempo «desculpadas» em nome do multiculturalismo, por exemplo cancelou uma reunião com líderes muçulmanos que se recusavam a cumprimentá-la por ser uma inferior mulher, parece muito provável que esta «tradição» de vestuário, em minha opinião inaceitável, tenha os dias contados na Holanda.

Na Indonésia, pelo contrário, os fundamentalistas islâmicos, especialmente na província de Aceh, usam todos os meios para obrigar as mulheres a usarem os trajes «tradicionais» que as cobrem dos pés à cabeça, criando inclusive uma polícia especial, a Wilayatul Hisbah (ou Brigada de Controle) que procura entusiasticamente mulheres que se atrevam a desviar um milímetro da Sharia para as humilhar publicamente.

Porque, como vocifera Marluddin Jalil, um juiz fundamentalista, o tsunami que fustigou a área há um ano foi castigo de Deus pelos comportamentos «imorais» das mulheres da zona: «O tsunami aconteceu por causa dos pecados das pessoas de Aceh», indicando que com pessoas se estava a referir apenas às mulheres continuando «O sagrado Corão diz que se as mulheres forem boas então o país está bem».

23 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Momentos de humor do ano

Um dos prémios vai para Bento XVI e a sua explicação, debitada no dia 8 de Dezembro, de que não é um maçador insuportável quem segue estritamente os ditames do Vaticano. Apropriando-se da bondade como exclusivo dos católicos que seguem à risca as anacrónicas e anti-natura emanações de Roma, o Papa afirmou que ser bom não é sinónimo de ser maçador e pediu às pessoas que rejeitem a ideia de que estão a perder algo se não pecarem.

Considerando que para a Igreja católica praticamente tudo é pecado, com especial ênfase no sexo que é sempre pecaminoso excepto o com fins procriativos dentro do casamento, como indicado abundantemente nas 10 páginas do novo catecismo sobre os «pecados sexuais», e se considerarmos que a liberdade é o pecado maior, acho deliciosa esta frase do Papa, pronunciada na ocasião:

«A suspeita emerge em nós que uma pessoa que não peca é, no fundo, um maçador; que algo falta na sua vida: a dimensão dramática de ser livre».

23 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Árvore cristã do ano

E o prémio vai para a árvore oferecida por uma organização anti-aborto do Kansas a um ginásio local, decorada da forma que considero mais reveladora do espírito cristão da época: meias azuis e cor-de-rosa com bonecos de plástico representando fetos, com rótulos que os identificavam «entre 11 e 12 semanas». Para a chantagem psicológica ser completa a árvore oferecia ainda cupões para panfletos (incluindo um sobre a pílula do dia seguinte) e vídeos da organização, com especial destaque para um que detalha os procedimentos envolvidos num aborto.

22 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

De volta a 1633?


Agostinho de Hipona refutando os hereges, iluminura do século XIII, Morgan Library, New York

Quem pensa que os julgamentos por heresia são algo do passado e que o pedido de desculpas de João Paulo II pelo mui conhecido julgamento de Galileu indica que esse passado não se repetirá, está completamente enganado. Assim como está iludido quem acredita no discurso ecuménico da santa madre Igreja.

De facto, a diocese de San Bernardino, Califórnia do Sul, viveu há pouco mais de uma semana algo que os peritos indicam ser uma raridade na história dos Estados Unidos, um dos dois julgamentos por heresia da Igreja Católica neste país. Em ambos os casos os hereges em julgamento são dois ex-padres católicos (curiosamente da mesma diocese) que abandonaram a igreja em favor de movimentos católicos ecuménicos.

O padre agora julgado, Ned Reidy, que não nega as acusações que sob ele pendem, o facto de ter deixado a Igreja de Roma por outra religião e de advogar ensinamentos que violam a doutrina cristã, recusou participar da audiência que ele considera «medieval e totalmente não cristã» acrescentando «É como se a Inquisição tivesse voltado».

Mas não percebe certamente como no século XXI, o século da plena liberdade religiosa, é sujeito a um julgamento por heresia uma vez que a diocese de San Bernardino não tem qualquer jurisdição sobre ele ou a sua nova igreja, a Comunhão Ecuménica Católica. Aliás, Reidy foi excomungado automaticamente no momento em que aderiu a esta confissão católica «liberal», que, heresia máxima, não reconhece a infalibilidade papal, e diverge dos ditames do Vaticano em temas «fracturantes» como sejam o divórcio, contracepção, homossexualidade e celibato dos sacerdotes. Assim, esta igreja não só abençoa uniões homossexuais como ordena padres casados, divorciados, homossexuais para além de, horror dos horrores, mulheres!

De facto, as acusações de heresia (e cisma) ao ex-padre foram expressas numa carta do promotor de justiça da diocese, Stephen Osborn, que explicita entre as «ofensas contra os fiéis cristãos» e o ensino de «matéria contrária à lei divina e à lei universal da Igreja Católica» a recusa da Igreja Católica Ecuménica em aceitar a infalibilidade do Papa, a benção de uniões homossexuais e a ordenação de mulheres.

Não obstante Reidy, como evidenciado na página da paróquia ecuménica que preside, Pathfinder Community of the Risen Christ, afirmar que «Nós somos uma comunidade católica não romana» e pouco depois desta comunidade ter sido fundada a diocese de San Bernardino ter avisado os católicos locais por carta de que «sofreriam danos espirituais sérios» se participassem em qualquer actividade ecuménica, a diocese justifica a necessidade do julgamento para «clarificar oficialmente o seu estatuto dentro da Igreja». Pensar-se-ia que a excomunhão já o teria clarificado cabalmente…

Marc Balestrieri, o advogado que pediu a excomunhão por heresia de John Kerry quando este disputava a presidência dos Estados Unidos com G. W. Bush, congratula o bispo Gerald R. Barnes pela coragem e fibra moral demonstradas com este julgamento medieval. E espera que o seu exemplo seja seguido pelos seus colegas, ou seja, que se recupere essa prática tão salutar para a fé como o são os julgamentos por heresia.