Loading

Palmira Silva

26 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

O Vaticano e o Islão – I

No livro que viu estrategicamente a luz do prelo uns dias antes do concílio que rapidamente o elegeu, «Values in Times of Upheaval» (Valores em tempos de crise), Ratzinger expressava as suas preocupações sobre o futuro de uma Europa sob a ameaça da laicidade e do Islão. Em que basicamente advoga que a laicidade, a exclusão de Deus da vida pública, nos impede de responder convenientemente à ameaça islâmica.

Segundo Ratzinger «Para sobreviver a Europa precisa de uma aceitação crítica da sua cultura cristã» e, fazendo as delícias dos grupos de extrema-direita, referindo-se ainda à baixa taxa de natalidade europeia e à necessidade de mão de obra imigrante afirmou que «Na hora do seu maior sucesso a Europa parece ter ficado vazia interiormente, paralizada por uma crise que lhe ameaça a vida e dependente de transplantes».

Preocupações que foram ainda alvo de uma alocução, igualmente estratégica, que proferiu no convento da Saint Scholastica em Subiaco, Itália, na véspera da morte anunciada de João Paulo II, no primeiro de Abril de 2005.

Alocução em que Ratzinger identifica o racionalismo iluminista, herança da Renascença que retirou «Deus» (isto é a Igreja de Roma) do centro de decisões na Europa, como o grande perigo. Assim, afirmou que «de acordo com a tese do iluminismo e cultura secular da Europa, apenas as normas e conteúdos do iluminismo são passíveis de determinar a identidade europeia» o que tem como consequência que «esta nova identidade, determinada exclusivamente pela cultura iluminista, implica igualmente que Deus não participa de todo na vida pública e nos alicerces do Estado».

Em resumo, segundo Ratzinger a cultura do iluminismo é execrável porque pondo a sua tónica nos direitos humanos e não na «vontade» divina (interpretada e debitada pelo Vaticano), explicando cientificamente o mundo sem necessitar de Deus, desenvolvendo uma ética e uma moral à revelia do emanado de Roma, é a causa última dos problemas com que a Europa se debatia (e debate), nomeadamente a ameaça islâmica.

Como corolário da sua mensagem, o na altura Cardeal clamou que a sociedade ocidental assente nos direitos humanos era um erro que nos tinha conduzido ao «abismo» actual. Afirmando que «Uma ideologia confusa de liberdade leva ao dogmatismo» – em que esta ideologia «confusa» envolve, p.e., o fim da discriminação da mulher, divinamente ordenada, e da homossexualidade, uma «desordem objectiva» – Ratzinger urgiu a necessidade de todos, crentes e não crentes, viverem e regerem a sua vida como se Deus existisse, veluti si Deus daretur, ou seja, subordinados aos ditames e dogmas do Vaticano.

Ou seja ainda, aproveitando habilmente a conjuntura actual, Ratzinger decretou a falência dos valores de tolerância e respeito pelos direitos do homem, os responsáveis pela crise actual, e advogou que a única resposta ao fundamentalismo islâmico só pode ser o retorno à cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, isto é, ao fundamentalismo cristão!

25 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Um juíz muito católico

No passado dia 3 de Fevereiro, Rachel Bevilacqua, um membro activo do grupo satírico religioso/artístico intitulado The Church of the Subgenius, onde é conhecida como a Reverendo Maria Madalena, foi privada da custódia do seu filho, Kohl Jary, por um juíz de New York, após este ter apreciado as fotografias apresentadas pelo pai da criança, que retratavam Bevilacqua num festival Subgenius, o festival blasfemo X-Day (a que o filho não assistiu).

O juíz, um mui devoto católico, ficou completamente enfurecido quando viu as fotografias da Maria Madalena na paródia encenada sobre o filme de Mel Gibson «A paixão de Cristo» -especialmente a foto em que Jesus [Steve Bevilacqua] usa maquilhagem de palhaço e um crucifixo com um sinal de dólar em vez de uma figura pendurada e é espancado por uma multidão de SubGenii, incluindo uma mulher em topless com um «dildo». Igualmente ofensiva foi considerada a foto em que Rachel aparece com uma cabeça de cabra e especialmente ofensiva a resposta de Rachel à pergunta porquê uma cabra; Rachel respondeu que achava a palavra cabra divertida.

O juíz Punch perdeu completamente a compostura e começou a gritar com Rachel Bevilacqua, chamando-a uma «pervertida», «doente mental», «mentirosa» e participante em orgias. O juíz ordenou que Rachel não poderia ter algum contacto com o filho, nem mesmo por escrito, uma vez que as fotografias eram prova suficiente de «doença mental severa». Ou seja, o devoto juíz condenou a mãe por blasfémia!

Este incidente, em que uma mãe é privada de qualquer contacto com o seu filho devido às suas convicções (ou falta delas) religiosas, não é um caso isolado. O ano passado um juíz de Marion County, Indiana, na sentença de divórcio de um casal proibiu que os pais (ambos Wiccans) permitissem qualquer contacto do filho, que frequenta uma escola católica, com a sua religião. A sentença foi posteriormente revogada com o auxílio da ACLU, (American Civil Liberties Union), uma organização que luta pela defesa dos direitos consagrados dos americanos, com especial ênfase nos últimos tempos na defesa da liberdade religiosa (que inclui para a ACLU a liberdade de não professar alguma religião), o que lhe tem merecido epítetos de anti-cristianismo por parte dos claramente «perseguidos» e «discriminados» cristãos americanos!

Ambos os casos indicam o que alguns juízes cristãos americanos pensam sobre liberdade religiosa… Não parece implausível pensar que mais crianças sejam retiradas aos pais por juízes que se sentem ofendidos nas suas crenças cristãs pelas crenças, comportamentos ou palavras blasfemas dos pais dessas crianças! Esperemos que no caso de Rachel e em eventuais outros a ACLU consiga combater as tendências totalitárias do cristianismo!

25 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Casamentos humanistas

Desde Junho último, data em que se celebrou na Escócia o primeiro casamento humanista legalmente reconhecido, cada vez mais casais britânicos optam por este tipo de cerimónia. De facto, embora oficialmente apenas na Escócia estas cerimónias sejam legais, a par das cerimónias religiosas, a procura de serviços humanistas em ocasiões em que as igrejas tinham o monopólio tem crescido exponencialmente nos últimos anos.

Muitos casais, como Colin Arnott e Trisha Rankin, optam por um casamento humanista em alternativa à cerimónia civil, que consideram impessoal e burocrática uma vez que, não tendo convicções religiosas, consideram hipócrita um serviço religioso.

O humanismo, com o seu ênfase em valores morais e éticos de facto, sem qualquer «revelação» subjacente, é a escolha óbvia para aqueles que sem convicções religiosas pretendam celebrar acontecimentos importante da sua vida, de forma pessoal e personalizada, sem as banalidades hipócritas e anacrónicas e sem nada a ver com os celebrantes enunciadas por um qualquer padre.

O facto de cada vez mais jovens optarem por um casamento humanista, tornando-se automaticamente membros da sociedade humanista, é um excelente indício e uma esperança para o futuro. Espero que esta possibilidade de cerimónias humanistas, casamentos, funerais e, quiçá, celebrações de nascimento, seja rapidamente alargado a toda a comunidade europeia. As minhas filhas (e eu) pessoalmente adorariam celebrar os respectivos casamentos e o nascimento da nova geração de uma forma consentânea com os seus valores!

24 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Guerras da religião em escalada

Depois do ataque bombista que destruiu a cúpula da mesquita de al-Askari, um dos locais mais sagrados dos shiitas, o Iraque está mergulhado no que ameaça ser uma guerra civil entre shiitas e sunitas.

Também da Nigéria chegam notícias pouco auspiciosas de confrontos religiosos entre muçulmanos e cristãos, que, se não forem controlados, podem evoluir para uma guerra civil.

Como já tinha referido, desde 2000 a Nigéria tem sido palco de violentas confrontações entre muçulmanos e católicos que causaram milhares de mortes e de refugiados. Desde 2001, quando os mais violentos confrontos se verificaram, o norte da Nigéria, em que muitos estado adoptaram a Sharia em 2000 e onde se verifica um programa agressivo para forçar a lei islâmica (wahhabita) a todos os habitantes, tem assistido uma escalada de tensão entre religiões, que culminou no fim de semana passado em manifestações anti-cristãs que causaram a morte a cerca de 50 cristãos, incluindo dois padres, e resultaram na destruição de igrejas, casas e lojas pertencentes a cristãos.

A Associação Cristã da Nigéria (CAN) avisou há uns dias que os cristãos poderiam retaliar do sucedido, tendo o seu dirigente máximo, o arcebispo Peter Akinola, relembrado «Podemos nesta altura recordar aos nossos irmãos muçulmanos que eles não detêm o monopólio da violência nesta nação».

E de facto a violência da retaliação cristã abateu-se sobre os muçulmanos residentes no sul da Nigéria, onde são maioritários os cristãos, nos últimos dias. Multidões de cristãos em fúria assassinaram e queimaram mesquitas um pouco por todo o Sul do país. Na cidade de Onitsha cerca de 80 pessoas foram assassinadas e um bairro muçulmano com cerca de 100 casas foi completamente arrasado.

Nesta cidade, Ifeanyi Ese, um cristão de 34 anos, afirmou sobre os restos do que fora uma mesquita: «Nós não queremos mais estas mesquitas. Estas pessoas têm causado problemas em todo o mundo porque não têm medo de Deus». E escreveu no que restava de uma parede da mesquita «Maomé é um homem mas Jesus é divino».

Como o Diário Ateísta vem há muito escrevendo as guerras da religião, não guerras de civilizações, são a ameaça anacrónica da modernidade. E, como também escrevemos, todos os fundamentalismos são iguais; não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus. A reacção ao fundamentalismo islâmico não pode ser, como muitos advogam, o fundamentalismo cristão. Apenas na laicidade reside a esperança de paz neste mundo conturbado violentamente por guerras de religiões.

23 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Bloody Mary

Com a guerra dos cartoons aparentemente em fase de rescaldo seria interessante saber qual a reacção de alguns dos que tão indignadamente verberaram contra o ataque à liberdade de expressão se as televisões nacionais decidissem passar o episódio da série satírica South Park intitulado «Bloody Mary».

Nomeadamente aqueles que Fernanda Câncio num artigo imperdível no Diário de Notícias de 18 de Fevereiro, indica que «confundem os sentimentos religiosos de uma alegada maioria dos portugueses com uma identidade religiosa do Estado» e dos quais suspeita «até que (…) uma caricatura mais picante da mãe de Jesus desencadearia bastos autos-de-fé discursivos e exacerbados protestos de ultraje – pelo que o problema, para o CDS e para os como o CDS, estará em achar que o Maomé ‘deles’ não chega aos calcanhares da ‘nossa’ Virgem Maria».

O episódio em causa, cuja repetição foi censurada por grupo católicos americanos, que protestaram veementemente a sua primeira emissão, que juntando injúria à já abominável blasfémia, foi para o ar a 7 de Dezembro último, e exigiram um pedido de desculpas formal da Viacom, a empresa mãe da Comedy Central, a todos os católicos americanos (soa familiar?). Exigiram igualmente que o episódio fosse permanentemente retirado e que não fosse disponibilizado em DVD. Reinvidicações que conseguiram mas… o episódio está disponível para download para todos os que o desejarem (recomendo, o episódio é de facto um dos melhores da série).

O episódio envolve uma estátua da Virgem Maria, que, miraculosamente sangra … do recto. O «rebanho» congrega em torno da estátua para ser curado pelo sangue milagroso e o fenómeno toma tais proporções que Bento XVI é chamado a investigar o milagre. Este depois de descobrir que a estátua de facto está menstruada afirma «Uma miúda sangrando da vagina não é um milagre. As miúdas sangram sempre da vagina». O papa e os bispos são então agraciados com um duche inesperado com origem na estátua.

Entretanto na Nova Zelândia uma estação de TV transmitiu ontem o referido episódio, não obstante as ameaças de boicote da Igreja Católica a todos os canais da CanWest TV Works e aos produtos neles anunciados. De facto, sete bispos locais assinaram uma carta, lida durante a missa de domingo, exortando o «rebanho» a mostrar desta forma a sua indignação contra o que considera quebrar todos os padrões de decência e bom gosto.

Tal como Rick Friesen, o director de programação do canal, acho que «Existem muito mais problemas no mundo com que a Igreja Católica e outras religiões se deveriam preocupar e não com uma comédia satírica de meia-hora. É apenas televisão. Não é de facto nada de mais».

E sempre têm mais opções que as que foram oferecidas a todos os portugueses não católicos e sem TV por cabo no domingo passado: podem mudar de canal e não ver o programa que consideram ofensivo.

22 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Respeito pelos símbolos alheios

Esta madrugada em Samarra, uma cidade centenária nas margens do Tigre, um ataque bombista atingiu um dos lugares mais sagrados dos muçulmanos shiitas, o santuário al-Askari. O atentado, ao que tudo indica perpetrado por militantes sunitas, destruiu a famosa cúpula dourada que alberga os túmulos dos décimo, Ali al-Hadi, e décimo primeiro, Hassan al-Askari, imans, que os shiitas acreditam serem descendentes directos de Maomé.

O Ayatollah Ali al-Sistani, o líder espiritual dos shiitas iraquianos pediu uma semana de luto pela atentado.

Este é apenas mais um exemplo de que os muçulmanos, neste caso sunitas, que tanto se queixam da suposta insensividade religiosa ocidental que, horror dos horrores, vai ao cúmulo de permitir que se caricature os membros de panteões religiosos sortidos, não têm qualquer pejo em atacar os ícones religiosos de outrem, inclusive os de outras facções da mesma religião. Como a destruição das estátuas milenares de Buda em Bamiyan, Afeganistão, nos deveria ter feito reflectir…

19 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Reflexo do dia

Goya – O sono da razão produz monstros
18 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Fanatismo segundo a Igreja católica

Os escribas ao serviço da Igreja Católica, que tem aproveitado a «guerra» dos cartoons para não só frisar a «superioridade» do catolicismo em relação ao islamismo ,enfatizando o suposto estoicismo católico aos «ataques» à fé e aos símbolos cristãos, como também urgir o «respeito» às crenças religiosas, multiplicam-se a fazer passar a mensagem de que os culpados por tudo isto são os perigosos ateus e laicos.

De facto, depois de na segunda-feira J. C. das Neves nos ter agraciado com mais uma das suas pérolas redondas de raciocínio no Diário de Notícias, hoje foi a vez de outro opinador católico, Jaime Nogueira Pinto, lançar farpas no Expresso contra ateus e defensores da laicidade.

J. C. das Neves, com a «clareza» de raciocínio a que já nos habituou, opinou que «A principal diferença entre fanáticos é que os religiosos são desequilibrados mas fiéis à sua fé, enquanto os laicos violam o seu próprio dogma de tolerância», ou seja, sugerindo que os fanáticos religiosos têm desculpa porque o que fazem é devido à sua fé (ardente) enquanto os que defendem a laicidade são todos uns fanáticos que não seguem o conceito de tolerância da Igreja. Na realidade, com este comentário J. C. das Neves confirma que a ICAR ainda não foi permeada pela tolerância, que é simplesmente a atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo. Ou seja, para a ICAR e seus escribas quem não aceita de cruz os ditames do Vaticano é um fanático laico intolerante!

Que tal é verdade é confirmado pela indignação do opinador católico em relação a «Estes, para quem a liberdade é mais sagrada que Deus», ou seja, considerando ultrajante que existam indíviduos para quem sequer o conceito de Deus seja válido e que alguém se atreva a considerar que acima de qualquer mitologia estejam os direitos dos homens, sugerindo que são estes abomináveis «fanáticos» laicos, todos os que se atrevem a duvidar da superioridade da fé e que não reconhecem qualquer «autoridade divina», os responsáveis pelos desenvolvimentos da guerra dos cartoons já que «estão dispostos a incendiar o mundo pelo direito à caricatura».

Jaime Nogueira Pinto, na sua opinação intitulada «Guerras ‘religiosas’, não obrigado» (link reservado a assinantes, os restantes encontram o referido artigo no suporte celulósico do Expresso) vai mais longe e considera que «provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste» aqueles que defendem «o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante, os direitos do homem» são de facto as responsáveis por mais «uma guerra ‘religiosa’, provocada e chefiada por ateus»…

Ou seja, como já reiterado por nós, a polarização real nesta história, lá como cá, é entre laicidade e clericalismo, liberdade de expressão e delito de blasfémia. Os fundamentalistas católicos aproveitam e distorcem, também como previmos, este incidente para atacar não só a laicidade e a liberdade de expressão, como também os valores humanistas e os direitos fundamentais dos homens. Para estes fundamentalistas católicos todos os que não aceitam ser a religião a reger a res pública (apenas a res privada) são… fundamentalistas/fanáticos laicos! Na realidade qualquer dos termos é um oxímoro, um contradictio in terminus mas para os que combatem a laicidade não aceitar os ditames da respectiva religião é fanatismo, não se apercebendo que os únicos fanáticos são eles, que querem impôr a todos os dogmas e acompanhamentos dessa religião!

Assim o pretexto usado pelo opinador do Expresso de que «Os crentes no Deus do Livro – cristãos, muçulmanos, judeus -têm um sentido do sagrado que é, coerentemente, o seu primeiro valor. Respeitam e amam Deus sobre todas as coisas e os valores – políticos, de família, de amizade, de solidariedade – são para eles um reflexo e uma continuação dessa ligação ao divino» é na realidade um ataque claro à laicidade, que separa a res pública da res privada, e aos valores humanistas e laicos em que está assente a nossa civilização. Uma «receita» que segundo o fundamentalista opinador se esgotou, insinuando que apenas o regresso ao integrismo cristão evitará aquilo a que chama «guerra de civilizações» na realidade guerra das religiões.

Afirmar que «uma ofensa à religião (…) é uma ofensa pessoal ao que têm de mais querido» não só é um atentado contra a liberdade de expressão como um incitamento à intolerância em relação a ateus e laicos, que não respeitam «Deus sobre todas as coisas e os valores» e como tal a sua mera existência, especialmente se se atreverem a afirmar publicamente o seu ateísmo ou a sua laicidade, ou a defender os seus valores humanistas e a laicidade, constitui «uma ofensa à religião»!

Como o Diário Ateísta vem alertandomuitos meses, a Igreja Católica encontra na conjuntura actual as condições necessárias para restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com a integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do «poder espiritual» representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica, mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares.

Reitero as minhas expectativas já expressas de que a História recente nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça que estas constituem para o modelo de sociedade que queremos construir, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Que ameaça ruir se não pusermos um freio aos ensejos totalitários e intolerantes das religiões, nomeadamente da Igreja de Roma.

18 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Pedofilia e a Igreja Católica

Em Novembro último decorreu em Washington uma conferência dos bispos católicos americanos em que o actual presidente, o Bispo William Skylstad, afirmou que o problema da pedofilia no seio da Igreja era algo do passado. Mais concretamente, referindo-se ao escândalo da pedofilia no clero americano e pesadas indemnizações decorrentes, afirmou para os seus pares «não há dúvida, irmãos, que estes últimos anos exerceram um pesado tributo sobre nós» não só relegando para o passado os abusos sexuais de menores perpretados por padres mas sugerindo falaciosamente que a Igreja é uma vítima inocente dos seus próprios crimes. Ignorando as vítimas reais dos abusos realizados, as crianças brutalizadas e, em alguns casos, assassinadas para esconder o abuso, como Daniel O’Connell e James Ellison assassinados pelo padre Ryan Erickson, cujos antecedentes de pedofilia tinham merecido da hierarquia católica … aconselhamento psicológico!

Na realidade o problema mantem-se nos Estados Unidos (e provavelmente noutros locais sem que o público em geral tenha conhecimento) a tal ponto que alguns analistas pretendem que o Congresso atente neste desastre nacional e legisle, a nível federal, de forma a proteger as crianças de mais casos de abuso. Especialmente as limitações temporais, uma vez que uma criança abusada sexualmente e muitas vezes coagida ao silêncio pelo criminoso, precisa amadurecer para entender o que se passou, ganhar coragem e denunciar o abuso. Contrariamente ao que pretende a Igreja Católica nos Estados Unidos que, claro, advoga que não se altere as limitações temporais, uma criança não percebe o que lhe está a acontecer e precisa uns anos para conseguir lidar com o abuso (as que o conseguem), especialmente se este for perpetrado por alguém em quem deposita confiança.

Por outro lado são necessárias leis que punam o encobrimento de casos de abuso sexual, a prática corrente na Igreja Católica. As dioceses continuam a lutar para esconder a real dimensão da pedofilia no seu seio, quiçá tentando passar a opinião do actual Papa que afirmou «Estou convencido que as notícias frequentes sobre padres católicos pecadores [pedófilos] fazem parte de uma campanha planeada para prejudicar a Igreja Católica», mas certamente obedecendo ainda às determinações do actual Papa, debitadas em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, ou seja, ameaçou de excomunhão todos os eclesiásticos que revelassem às autoridades civis quaisquer detalhes sobre casos de pedofilia.

De facto, mais escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica vieram a lume recentemente, um dos quais particularmente grave, em Chicago, onde Cardeal Francis George se declara «muito triste» pela forma como tratou o caso do padre Daniel McCormack e promete (mais uma vez) alterar a forma como a arquidiocese tratará as acusações de pedofilia no futuro.

Considerando que uma freira (que pediu, pelas razões óbvias, o anonimato) denunciou em 2000 aos seus superiores hierárquicos o peculiar comportamento de McCormack e que no ano passado uma mãe o denunciou à polícia e que a resposta da arquidiocese foi, para além de lhe arranjar um colega de residência que garantisse que McCormack não ficasse sózinho com alguma criança, promovê-lo a reitor de uma série de paróquias em torno de North Lawndale a promessa do Cardeal parece um pouco oca…

De igual forma o padre Neil Doherty da arquidiocese de Miami foi preso por violar uma criança com menos de 12 anos. Os advogados da Igreja, comprovando os protestos de tolerância zero, argumentam que a criança foi abusada por… sua própria culpa, ou antes, o termo usado foi negligência, manifestada quando tinha 10 anos! Outro abusado pelo padre foi acusado de «encobrimento fraudulento» por… não se ter queixado antes!

Neste caso desde os finais dos anos 70 que há queixas do padre, cujo modus operandus aparentemente incluia drogar primeiro as crianças e depois violá-las e inclusive em 1994 a arquidiocese foi forçada a pagar 50 000 dólares num acordo para impedir que outra acusação de abuso sexual de Doherty chegasse a tribunal (e aos jornais). A arquidiocese recebeu igualmente em 1992 uma carta dos pais de um estudante violado por este padre…

Também em Joliet, nas imediações de Chicago, o bispo local, num testemunho em tribunal vindo a público recentemente, para grande consternação da Igreja católica, que tentou que estas declarações não se tornassem públicas, confirmou que, embora sabendo que vários padres sob as suas ordens eram abusadores sexuais, não só encobriu os casos como apenas transferia os padres abusadores. Completamente o oposto que declarou em 2002

Assim, não só a prática corrente da Igreja Católica continua a ser o encobrimento de casos de abuso sexual perpetrado por eclesiásticos, muitas vezes «recompensados» com promoções após serem de tal denunciados pelas vítimas, como aqueles que denunciam e tentam ajudar as vítimas de pedofilia são… suspensos, como aconteceu a Bob Hoatson, um padre de New Jersey, que num testemunho em Maio último afirmou que os responsáveis da Igreja católica têm mentido sobre casos de pedofilia!

15 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Grupo islâmico assume culpas na guerra dos cartoons

Enquanto a guerra dos cartoons continua a incendiar os países islâmicos, Ahmad Akkari, o libanês residente na Dinamarca que reclama representar 27 grupos islâmicos deste país, assumiu parte da responsabilidade nesta polémica.

Em declarações à Associated Press, Akkari assumiu um terço da culpa pela guerra dos cartoons, responsabilidade que quer igualmente repartida pelo governo dinamarquês, que não lhe deu a atenção a que achava ter direito, e pelo jornal Jyllands-Posten, que publicou os cartoons.

O grupo, que é acusado pelo governo de dar uma imagem errada da Dinamarca e que um inquérito recente indica ser culpabilizado pelos dinamarqueses pelos desenvolvimentos do incidente, irrelevante não fora a intervenção de Akkari, afirma que se foi «queixar» da «dupla» ofensa aos líderes da Organização da Conferência Islâmica porque o governo dinamarquês não lhe deu ouvidos nos protestos iniciais (quiçá por considerar que a questão deveria ser apreciada nos tribunais e não pelo governo…).

Assim, munido de um port-folio com os cartoons (inócuos) a que adicionou mais 3 (estes sim ofensivos) e alusões a uma proposta de censura ao Corão de um grupo de extrema-direita dinamarquês (cuja popularidade subiu com esta guerra), Akkari viu-se «forçado», com a preciosa ajuda dos líderes dos países muculmanos reunidos em Meca em Dezembro passado, a transformar um incidente local irrelevante no problema à escala mundial cujas consequências temos podido avaliar em todos os meios de comunicação, nacionais e internacionais!