26 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva
O Vaticano e o Islão – I
No livro que viu estrategicamente a luz do prelo uns dias antes do concílio que rapidamente o elegeu, «Values in Times of Upheaval» (Valores em tempos de crise), Ratzinger expressava as suas preocupações sobre o futuro de uma Europa sob a ameaça da laicidade e do Islão. Em que basicamente advoga que a laicidade, a exclusão de Deus da vida pública, nos impede de responder convenientemente à ameaça islâmica.
Segundo Ratzinger «Para sobreviver a Europa precisa de uma aceitação crítica da sua cultura cristã» e, fazendo as delícias dos grupos de extrema-direita, referindo-se ainda à baixa taxa de natalidade europeia e à necessidade de mão de obra imigrante afirmou que «Na hora do seu maior sucesso a Europa parece ter ficado vazia interiormente, paralizada por uma crise que lhe ameaça a vida e dependente de transplantes».
Preocupações que foram ainda alvo de uma alocução, igualmente estratégica, que proferiu no convento da Saint Scholastica em Subiaco, Itália, na véspera da morte anunciada de João Paulo II, no primeiro de Abril de 2005.
Alocução em que Ratzinger identifica o racionalismo iluminista, herança da Renascença que retirou «Deus» (isto é a Igreja de Roma) do centro de decisões na Europa, como o grande perigo. Assim, afirmou que «de acordo com a tese do iluminismo e cultura secular da Europa, apenas as normas e conteúdos do iluminismo são passíveis de determinar a identidade europeia» o que tem como consequência que «esta nova identidade, determinada exclusivamente pela cultura iluminista, implica igualmente que Deus não participa de todo na vida pública e nos alicerces do Estado».
Em resumo, segundo Ratzinger a cultura do iluminismo é execrável porque pondo a sua tónica nos direitos humanos e não na «vontade» divina (interpretada e debitada pelo Vaticano), explicando cientificamente o mundo sem necessitar de Deus, desenvolvendo uma ética e uma moral à revelia do emanado de Roma, é a causa última dos problemas com que a Europa se debatia (e debate), nomeadamente a ameaça islâmica.
Como corolário da sua mensagem, o na altura Cardeal clamou que a sociedade ocidental assente nos direitos humanos era um erro que nos tinha conduzido ao «abismo» actual. Afirmando que «Uma ideologia confusa de liberdade leva ao dogmatismo» – em que esta ideologia «confusa» envolve, p.e., o fim da discriminação da mulher, divinamente ordenada, e da homossexualidade, uma «desordem objectiva» – Ratzinger urgiu a necessidade de todos, crentes e não crentes, viverem e regerem a sua vida como se Deus existisse, veluti si Deus daretur, ou seja, subordinados aos ditames e dogmas do Vaticano.
Ou seja ainda, aproveitando habilmente a conjuntura actual, Ratzinger decretou a falência dos valores de tolerância e respeito pelos direitos do homem, os responsáveis pela crise actual, e advogou que a única resposta ao fundamentalismo islâmico só pode ser o retorno à cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, isto é, ao fundamentalismo cristão!