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Palmira Silva

27 de Março, 2006 Palmira Silva

Scalia rejeita direitos dos detidos de Guantanamo

Antonin Scalia, um dos juizes Opus Dei que integra a maioria católica no Supremo Tribunal americano declarou num discurso que proferiu para estudantes de Direito em Freiburg que os detidos em Guantanamo não têm o direito a serem julgados em tribunais civis.

Inquirido sobre se os detidos em Guantanamo têm alguns direitos ao abrigo de convenções internacionais, o mui católico juiz, grande paladino do direito à vida de óvulos e espermatozóides e defensor acérrimo da família «tradicional», respondeu:

«Se ele foi capturado no campo de batalha pelo meu exército é aí que ele pertence. Eu tinha um filho nesse campo de batalha e eles estavam a atirar contra o meu filho e eu não vou dar a este homem capturado na guerra um julgamento completo com júri. Seria loucura se o fizesse.»

O devoto Scalia declarou-se ainda atónito com a reacção, que considerou hipócrita, da Europa em relação a Guantanamo.

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Abdul Rahman libertado

De acordo com uma fonte oficial que pediu o anonimato, o caso de Abdul Rahman foi devolvido ao procurador geral devido a falhas processuais e Abdul Rahman será libertado muito provavelmente hoje, embora os detalhes da sua libertação sejam mantidos em segredo dadas as reiteradas ameaças da comunidade religiosa afegã em relação a esta possibilidade.

Enquanto o caso é reapreciado Rahman não necessita estar preso pelo que será libertado (e rapidamente reconduzido para um país ocidental, acrescentaria eu). À suposta insanidade mental de Rahman a tal fonte oficial acrescentou dúvidas (?) sobre a nacionalidade deste como as razões da libertação.

A solução fácil que não resolve algo foi a adoptada pelo governo afegão!

Entretanto os 300 «intelectuais» e clérigos muçulmanos que se reuniram no Bahrain decidiram um plano para nos educar, a nós infiéis, sobre o profeta. Um sheik influente exortou ainda a ONU a «produzir regras estritas que criminalizem a difamação da religião».

O autismo patente nesta reunião pode ser apreciado nas declarações de Saleh Sulaiman Al-Wohaibi, secretário geral da World Assembly of Muslim Youth (WAMY): «E nós queremos que a Europa respeite os direitos dos muçulmanos e perceba os valores da sua fé».

A ironia que esta afirmação tenha sido produzida enquanto Rahman jazia numa cadeia pela ofensa capital de se ter convertido ao cristianismo passou completamente ao lado do ilustre «intelectual». Diria que a Europa de facto respeita os direitos dos muçulmanos mas, infelizmente, o mundo islâmico não tem nem sombra de respeito pelos direitos dos não muçulmanos, mesmo em países «moderados» como a Malásia .

Quanto aos valores da fé eu diria que por muita boa vontade que os ocidentais tenham é complicado ver qualquer valor numa religião que prevê pena de morte para quem repudie essa religião.

Os clérigos muçumanos podem bramar o que lhes apetecer sobre quão ignorantes sobre o profeta e o Islão em geral são os ocidentais mas não só as suas acções nos últimos tempos não têm contribuído para o tipo de respeito que exigem (e este respeito não se exige, merece-se) como têm demonstrado numa base regular a sua total incompreensão dos valores ocidentais

Se assim não fosse a guerra dos cartoons nunca teria acontecido, já que o conceito de blasfémia está essencialmente ausente das sociedades ocidentais actuais, não obstante os esforços dos fundamentalistas cristãos em o reintroduzir. Tão ausente quanto o conceito dos direitos dos indíviduos está das sociedades islâmicas.

Mas enquanto os islâmicos se insurgem contra a intolerável intromissão dos ocidentais nos assuntos internos do Afeganistão, nomeadamente nos seus «valores» religiosos, por outro lado acham que têm o direito de intervir nos assuntos internos e nos valores, nomeadamente no direito à blasfémia, não só da Dinamarca como do restante mundo ocidental. Ao extremo de se acharem no direito de nos impor uma idiota, anacrónica e alienígena resolução que criminalize a «difamação da religião». Resta saber se consideram igualmente um direito muçulmano inalienável exigir pena de morte a quem a tal se atreva!

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Nem só Deus é contra a cultura


Eugéne Delacroix (1798-1863), Atilla suivi de ses hordes, foule aux pieds l’Italie et les arts

Na noite de 10 para 11 de Março a Sorbonne foi ocupada por 12 horas. Para além de pelo menos 10 salas e escritórios da l’École des Chartres, localizada na Sorbonne e que forma pessoal científico responsável pela manutenção de património, terem sido saqueadas, dois anfiteatros e todas as cafetarias destruídos, um número indeterminado de livros raros e de elevado valor histórico e religioso foram mutilados, roubados ou destruídos.

Uma lista preliminar dos títulos em falta foi entregue pelo director da l’École des Chartes, Jérôme Belmon, ao reitor da Universidade. Confirmados como desaparecidos encontram-se os cartulários dos abades da Île-de-France, mais concretamente de Saint-Leu d’Esserent, de Saint-Christophe en Halatte, da abadia de Morienval, de Notre-Dame de Chartres, e dos priorados de Saint-Godon-sur-Loire e de Saint-Thomas d’Epernon. Os cartulários são livros nos quais eram inscritos todos os documentos oficiais ou de direito privado na Idade Média e são portanto indispensáveis para o estudo desta época. Alguns dos cartulários desaparecidos reproduzem documentos que se pensa serem do século X.

Quaiquer que sejam os motivos, a violência e a destruição de património histórico, indispensável para a análise da evolução cultural (que inclui como é óbvio a religião) do Homem são inadmíssiveis. O vandalismo perpetrado na Sorbonne é tão inadmíssivel quanto a destruição das estátuas milenares de Buda em Bamiyan, Afeganistão.

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Liberdades em perigo – Malásia

O ministro da Justiça de facto da Malásia, Nazri Abdul Aziz, ameaçou recentemente com prisão (até 3 anos) e multas elevadas os não islâmicos que se atrevam a fazer críticas ao Islão.

Nazri Aziz disse que todos os que criticarem o Islão serão julgados ao abrigo do «Sediction Act», um anacrónico legado colonial, que foi introduzido pelos britânicos antes da independência do país em 1957.

O ministro declarou-se ainda preocupado com artigos recentes sobre o Islão escritos por não-muçulmanos e avisou que existe um limite ao que pode ser escrito num país em que cerca de 60% dos habitantes são muçulmanos.

«Quero recordar aos não-muçulmanos que se abstenham de fazer comentários ao que não percebem [afirmação proferida com frequência pelos nossos leitores católicos] continuando «Nós não queremos retirar-lhes os vossos direitos [o que na realidade estão a fazer] mas a religião é um assunto importante, especialmente para os muçulmanos».

E quais são os assuntos cuja mera abordagem é vista como uma ofensa ao Islão proferida pelos ignorantes não islâmicos?

Bem, para além de assuntos tão «inócuos» como a determinação governamental de há uns dias que obriga todas as mulheres polícia a usar o lenço islâmico em cerimónias oficiais, os não muçulmanos têm sido muito críticos nos últimos tempos de uma adição à Constituição da Malásia, o artigo 121 (1A), e da legislação que regula disputas familiares, a Islamic Family Law Bill. Em suma, criticam a crescente islamização do país.

A Constituição bizarra da Malásia tem sido criticada internacionalmente nos últimos anos. De acordo com o artigo 3(1) , neste país de religião oficial muçulmana «outras religiões podem ser praticadas em paz e harmonia em qualquer parte da federação». O artigo 11 estabelece ainda que um cidadão pode seguir qualquer religião que escolha.

No entanto este artigo que reconhece a liberdade religiosa na Malásia foi anulado pelo artigo 121 (1A), introduzido em 1988. Este artigo estabelece que os tribunais civis não têm jurisdição sobre os Syariah Courts (tribunais da Sharia ). Como são os tribunais da Sharia que julgam casos de apostasia, na prática nenhum muçulmanos pode deixar o Islão e se o tentar fazer pode ser preso por «insultos ao Islão».

A tirania dos tribunais islâmicos, que existem em 13 estados da Malásia, significa que nenhum muçulmano foi alguma vez permitido a deixar vivo o Islão. Aliás, a única pessoa a que tal foi permitido foi uma budista de 89 anos, Nyonya Tahir, a quem foi concedido este privilégio após a morte.

Muitos estados adoptaram a igualmente controversa Control and Restriction Bill, que estabelece pena de prisão e uma multa de 10,000 ringit (cerca de 2 500 euros) para alguém considerado culpado de «persuadir, influenciar um muçulmano a deixar o Islão por outra religião».

Este mês, Marina Mahathir, feminista e activista dos direitos humanos, e também a filha de um ex-primeiro ministro da Malásia, Mahathir Mohammad, escreveu um artigo no Malaysia Star criticando a forma como o Islão está a a oprimir as mulheres malaias. De igual forma, o funeral muçulmano em Dezembro último de um herói nacional, um hindu que escalou o Evereste, M. Moorthy, declarado como convertido (postumamente) ao Islão pelos tribunais da Sharia, foi um escândalo muito criticado pela impensa escrita. A esposa de Moorthy, Kaliammal, que não sabia da possibilidade de alguém se converter ao Islão depois de morto, fez uma petição ao Supremo tribunal pedindo que o seu corpo fosse libertado para ela proceder ao seu funeral segundo os ritos da religião de ambos, uma cremação hindu. O Supremo Tribunal não pode fazer algo uma vez que não tem jurisdição sobre os tribunais da Sharia!

A islamização crescente do país é sentida como uma ameaça pelos 40% da população que não são muçulmanos. Trinta grupos hindu formaram a Hindu Rights Action Force (HRAF) para tentar que os efeitos da Sharia não se lhes apliquem, especialmente depois do caso Moorthy. De igual forma a Malaysian Chinese Association (MCA), pediu uma revisão do referido artigo 121 (1A) , que lê «os tribunais civis não terão jurisdição em relação a qualquer assunto dentro da jurisdição dos tribunais da Sharia». O primeiro-ministro, Najib Razak, prometeu em 14 de Janeiro que os tribunais iriam trabalhar para garantir que pudesse existir recurso para as decisões dos tribunais da Sharia.

Com a recente declaração do ministro da Justiça parece que o primeiro-ministro resolveu da forma totalitária habitual das religiões as petições dos não muçulmanos. Com a anunciada ameaça de mandar para a prisão todos os críticos do Islão e das leis islâmicas estes são reduzidos ao silêncio e acabam-se as petições contra a islamização do país. A risco de os seus subscritores, ignorantes de assuntos do Islão e que não percebem que é «uma religião de paz», irem parar à cadeia por um período prolongado!

Como Aziz afirmou em relação ao que é permitido aos não-muçulmanos escrever: «Há assuntos que não devem ser tocados». Um deles é a islamização da Malásia!

26 de Março, 2006 Palmira Silva

Liberdades em perigo – Yemen

Muhammad al-Asadi, o editor do Yemen Observer, foi preso depois de o jornal que dirigia ter publicado os cartoons da discórdia, traçados com uma cruz negra, na linha dos artigos que acompanhavam a publicação, em Fevereiro último.

Para além do caso público contra o jornalista vários advogados apresentaram casos civis contra o «crime» de al-Asadi, pelo qual pedem a pena de morte citando um precedente «histórico» que refere que o profeta louvou o assassino de uma mulher que o insultou.

A situação de al-Asadi não se alterou substancialmente depois da entrevista que concedeu à Newsweek em 17 de Fevereiro, uns dias depois de ser preso. O seu julgamento foi novamente adiado (pela terceira vez) agora para 19 de Abril.

A liberdade de imprensa assim como a liberdade de opinião e de expressão estão sob ataque pelos fundamentalistas, islâmicos neste caso mas não só. É imperioso que nós, todos os que prezam os direitos fundamentais do Homem, nos façamos ouvir em protesto pelo insulto que mais este julgamento por blasfémia constitui!

25 de Março, 2006 Palmira Silva

Insanidades mentais

Face por um lado aos crescentes protestos da comunidade internacional, incluindo dos lideres das nações mais envolvidas no auxílio financeiro à reconstrução do Afeganistão, e por outro lado às ameaças dos clérigos islâmicos o governo afegão trabalha afanosamente numa saída airosa para o julgamento aberrante de Abdul Rahman.

Mas, em minha opinião, a saída encontrada pelo governo afegão para o anúncio de que será libertado brevemente apresenta vários problemas. Supondo que esta saída é a prenunciada pelo anúncio na quarta-feira das autoridades afegãs de que Rahman sofreria supostamente de distúrbios mentais (só assim se justificando a sua conversão…) e que seria sujeito a observações do foro psicológico que decidiriam se ele seria apto para um julgamento, já que como Moayuddin Baluch, um conselheiro religioso do presidente afegão Hamid Karzai, afirmou à Associated Press «Se ele é mentalmente incapaz, o Islão decididamente não tem razão para o punir. Ele deve ser perdoado. O caso deve ser abandonado».

O problema reside não só no facto de que os clérigos afegãos não aceitarão o diagnóstico, negado pelo próprio Rahman durante o julgamento (a transcrição em vídeo das declarações de Rahman pode ser encontrada aqui) como foi confirmado à Associated Press por três pregadores sunitas e um shiita entrevistados pela AP nas quatro mesquitas mais populares de Kabul:

«Ele não é maluco. Ele foi aos media e confessou ser cristão. O governo tem medo da comunidade internacional. Mas o povo matá-lo-á se ele for libertado» declarou à AP Hamidullah, o clérigo chefe da mesquita Haji Yacob Mosque.

Opinião partilhada por Abdul Raoulf, membro do Afghan Ulama Council, que considera que «o governo está a brincar connosco. O povo não será enganado» e no pátio exterior da mesquita Herati acrescentou «Cortem-lhe a cabeça. Nós apelamos ao povo para que o desfaçam em pedaços para que não sobre nada dele».

Mesmo a sugestão deste «moderado» islâmico de que a única forma de Rahman sobreviver seria o exílio é negada pelo clérigo mor da mesquita shiita Hossainia, Said Mirhossain Nasri, que considera que «Se lhe permitem ir viver no Ocidente outros reinvidicarão ser cristãos para também o fazerem. Temos de dar o exemplo… Ele deve ser enforcado».

Hamidullah avisou o governo afegão de que perderá o apoio popular se libertar Rahman e que ocorrerá um levantamento popular idêntico ao que aconteceu nos anos oitenta contra a ocupação soviética.

Parece assim pouco provável que a solução prevísivel do governo afegão seja bem acolhida pela comunidade religiosa deste país, que já prometeu acirrar os ânimos populares contra o governo caso este persista em libertar Rahman. Mas admitindo que Karzai consegue de alguma forma apaziguar os ânimos islâmicos e que Rahman é libertado e consegue sobreviver à libertação. Em que resultará a indignação e pressão internacional em relação a esta barbárie? Passará a existir respeito pela liberdade religiosa no Afeganistão? Claro que não!

Como inúmeras vezes na História assistiremos mais uma vez a uma manipulação e perversão da ciência por parte de um governo. E se neste caso os fins desta perversão da ciência até podem parecer louváveis, salvar a vida de Rahman, é tão errada como as desculpas da ex-União Soviética ou da China de que as dissidências políticas correspondiam ou correspondem a doenças mentais merecedoras de internamento para «rehabilitação».

Por outro lado, a denúncia da conversão de Rahman às autoridades deveu-se a uma questão de custódia das suas filhas. Se ele for declarado mentalmente incapaz certamente que será igualmente considerado incapaz para educar as suas filhas. E será privado da custódia das suas filhas, actualmente com os seus pais, que já declararam que ele deve ser convenientemente punido pela apostasia.

E não esqueçamos que se esta for a solução airosa encontrada pelo governo afegão cria um precedente judicial que pode ser usado para declarar mentalmente incapazes todos os que se convertam (ou sejam denunciados por isso) ao cristianismo. O que pode ser facilmente utilizado como desculpa para retirar todos os (poucos) direitos a estes futuros convertidos ou mesmo justificar o seu internamento para tratamento. E existem mais dois afegãos presos pelo mesmo «crime», um terceiro foi barbaramente espancado e pelo menos cinco afegãos convertidos ao cristianismo foram assassinados nos dois últimos anos por mílicias islâmicas.

A contradição da Constituição afegã que se obriga a respeitar simultaneamente a declaração dos direitos do Homem, nomeadamente a liberdade religiosa, e a lei islâmica, completamente incompatíveis como este caso é apenas um exemplo, deve ser resolvida de raíz e exemplarmente. Retirando qualquer menção à anacrónica e anti-democrática Sharia da Constituição. Caso contrário dentro em breve estaremos a apelar aos nossos leitores para expressarem a sua indignação por outra qualquer mui islâmica barbárie…

25 de Março, 2006 Palmira Silva

Sentença de morte no Afeganistão -desenvolvimentos

O New York Times informa-nos que os clérigos afegãos utilizaram as orações de sexta-feira para clamarem pela morte de Abdul Rahman, o afegão que enfrenta a pena de morte pelo terrível crime de se ter convertido ao cristianismo.

A exigência da execução de Rahman foi a resposta dos religiosos afegãos face à crescente pressão internacional e aos protestos em relação a este caso, restritos ao Ocidente, tanto quanto me tenha apercebido nem uma única voz do mundo islâmico condenou a barbárie. Não obstante ainda esta semana 300 «intelectuais» do Islão se terem reunido no Bahrain, para discutir os ataques ocidentais ao Islão, mais concretamente para lançar mais achas para a fogueira, em rescaldo, da guerra dos cartoons, pretendendo mobilizar os muçulmanos em defesa do Profeta e do Islão, associado ignominiamente a violência pelos ocidentais.

Como recordou Mawlavi Habibullah a cerca de 1000 clérigos e jovens reunidos em Kabul «O Afeganistão não tem qualquer obrigação ao abrigo de leis internacionais» e «O profeta diz que quando alguém muda de religião deve ser morto».

Habibullah e outros devotos muçulmanos exigem que os políticos e juizes afegãos resistam á pressão internacional em relação ao caso já que, como enfatizou o Sheikh Asif Muhsini, um clérigo shiita, a constituição afegã estabelece claramente que «Nenhuma lei pode contradizer o Islão e os valores da constituição».

Esta é também a opinião de Mohammad Ayaz Niyazi, um egpício versado na lei islâmica que se deslocou a Kabul para participar na resposta a mais este ataque do Ocidente ao Islão, ou nas suas próprias palavras «Nos últimos tempos têm ocorrido ataques em série ao mundo islâmico, começando com insultos ao sagrado Corão [provavelmente alegações injustificadas de que contém incitamentos à violência e desrespeito dos direitos humanos], insultos ao profeta [paz seja com ele que determinou que um apóstata não tem direito a viver] e agora a conversão ao cristianismo de um afegão [insulto dos insultos]».

O Diário Ateísta reitera o seu apelo a todos, crentes e não crentes, para manifestarem a sua indignação pelo caso. Por exemplo assinando esta petição.

Mais desenvolvimentos: depois de ter escrito este post li no Washington Post que os clérigos afegãos, incluindo «moderados» como Abdul Raoulf, preso três vezes por oposição ao regime taliban, advertiram que, caso o governo afegão ceda às pressões internacionais e liberte (ou não execute) Rahman, incitarão os populares a «desfazê-lo em pedaços».

Porque como afirma o «moderado» Abdul Raoulf «Rejeitar o Islão é insultar Deus. Nós não deixaremos Deus ser humilhado. Este homem tem de morrer».

22 de Março, 2006 Palmira Silva

O único aborto moral é o meu

Já há uns tempos tinha escrito que um dos pontos que me irrita solenemente nas discussões de ética e moral com católicos é a pseudo superioridade moral com que condescendentemente me informam de que têm princípios morais «absolutos» (porque transcendentes), algo que eu como ateísta nunca poderei reinvidicar.

Com pessoas que conheço e me conhecem mais de perto é fácil desmontar o argumento comparando a praxis com a teoria, mas mesmo assim sou informada que o importante não é seguir esses princípios (afinal os crentes são fracos pecadores) mas aparentemente poder usá-los como arma de arremesso contra os ateístas, que até podem ser pessoas bem formadas, com princípios éticos consistentes e coerentes que de facto seguem à risca, mas como são ateus são automaticamente imorais ou amorais.

Isto é, para os católicos o mal feito por quem acredita em Deus deve ser relevado (e é militância ateia recordá-lo); o bem feito por quem nem sequer considera válida a concepção de qualquer ser transcendental é por isso necessariamente considerado se não mal pelo menos um bem meramente utilitário e sem valor!

Um dos temas em que a inconsistência dos apregoados valores cristãos e a incoerência entre o que se diz e o que faz me «tira do sério» tem a ver com um dos temas fracturantes da actualidade, o aborto.

Há uns tempos uma conhecida perguntou-me se a podia levar a Badajoz. Percebi instantaneamente a razão do pedido, bizarro considerando a nossa relação pouco íntima. A pessoa em questão e o marido, ambos muito católicos, tinham sido muito vocais contra o aborto à época do referendo e as suas amigas mais próximas certamente não entenderiam o pedido de quem perorou nos termos em ela o fez contra o aborto e contra as mulheres que a ele recorrem. Por outro lado e apesar de não sermos muito próximas ela sabia que eu não só não iria fazer julgamentos de valor sobre o seu comportamento como, principalmente, que comigo o segredo estaria seguro (até hoje suponho que nem o marido sabe).

Preenchi os quilómetros (muito matinais) até Badojoz com conversa amena, e chegada à clínica dos arcos e depois de ela ser chamada para o procedimento instalei-me na sala de espera com um livro. A esmagadora maioria das (muitas) mulheres que esperavam eram portuguesas, muitas jovens e adolescentes acompanhadas pelos respectivos pais.

No regresso a Lisboa, como a pessoa que eu acompanhei estava bem e eu não conseguia deixar de pensar na incongruência de toda a situação e nas muitas mulheres com menos recursos financeiros que se viram na mesma situação que ela e foram forçadas pelas circunstâncias a abortos de vão de escada, não consegui deixar de lhe perguntar se no caso de voltarmos às urnas para despenalizar o aborto ela votaria sim.

Para minha surpresa o discurso dela não se tinha alterado um milimetro. Quando eu disse que não conseguia perceber como ela conseguia, a menos de duas horas de ter feito um aborto, com a garantia que ninguém saberia do «deslize» é certo, achar que deveriam ir para a prisão as desafortunadas que não tivessem dinheiro para ir a Espanha como ela, retorquiu-me que o aborto é contra a lei divina, mas que «Deus é pai» e ela só tinha decidido pelo aborto depois de muitas conversas «com Deus», em que lhe explicou que não podia ter mais filhos, pela idade e por mais uma série de circunstâncias que Deus «entendeu».

Mais, explicou-me que se o aborto fosse despenalizado todas as «desavergonhadas» que «abrem as pernas» para uns e outros sem quaisquer problemas, poderiam ver-se livre, sem quaisquer problemas igualmente, de uma gravidez indesejada. O aborto não deve ser «facilitado» caso contrário escancaram-se as portas ao «deboche». O caso dela era diferente, o aborto dela era um aborto moral! Voltei a conversar sobre o tempo e outras banalidades depois de ela me ter retorquido que como eu era ateia logo não tinha valores e logo não podia perceber as subtilezas do raciocínio cristão. A pergunta inocente que mereceu esta resposta foi tão só uma afirmação minha que pessoalmente considerava linear que se alguém acha que o aborto é errado de per se, então deve considerar que é errado em qualquer circunstância, com as excepções previstas na lei actual, ou se não é errado, que não deve ser criminalizado, em qualquer circunstância igualmente.

Lembrei-me deste episódio quando li uma notícia que dá conta de um estudo do Center For Reason que, face à polémica instalada nos Estados Unidos em relação ao aborto, com os fundamentalistas cristãos, paladinos de óvulos e espermatozóides, a verberarem que o aborto é um assassínio (de meia dúzia de células) perpetrado pelos não cristãos (abomináveis esquerdistas e seguidores de Satã).

Face a esta retórica o The Center For Reason, um grupo de investigação privado, resolveu testar a premissa subjacente à conclusão esgrimida em alto e bom som (aos microfones das emissoras cristãs) pelos fundamentalistas cristãos americanos: «Os cristãos fazem menos abortos que os não cristãos».

O estudo, disponível para download, com todas as fontes de informação disponíveis assim como todos os dados não trabalhados, para confirmação dos mais incrédulos, indica que a hipocrisia cristã não se restringe a Portugal.

De facto, os dados dos 50 estados americanos, referentes a mais de um milhão de abortos/ano, indicam que a taxa de abortos é a mesma nos segmentos da população cristã e não cristã. Os católicos apresentam uma taxa de aborto significativamente superior

20 de Março, 2006 Palmira Silva

Três anos de Iraque

Com o Iraque à beira de uma guerra civil, não obstante os protestos em contrário de Bush, um pouco por todo o mundo milhares de pessoas manifestaram-se este fim de semana contra a guerra no Iraque e contra forma como Bush a conduziu, nos Estados Unidos inclusive, nomeadamente em Portland onde 10 000 pessoas se manifestaram, algumas com cartazes dizendo «Impeach the Evildoer».

De igual forma os níveis de aprovação de Bush em geral (34%) e em relação à guerra no Iraque em particular atingiram os mínimos absolutos na opinião pública americana, em que numa sondagem conduzida pela Princeton Survey Research Associates International em 16 e 17 de Março apenas 29% dos americanos (contra 69% no início da invasão) aprovam a forma como Bush conduziu a guerra no Iraque.

Mas estas estatísticas porque globais escondem que a popularidade de Bush não teve uma queda tão abissal, muito longe disso, numa faixa importante da população norte-americana: os evangélicos brancos. No número de Fevereiro da Christianity Today podemos ler que até Outubro, data em que uma sondagem foi efectuada pela referida revista, a percentagem de evangélicos brancos que apoiam a decisão do presidente em invadir o Iraque desceu de 77% em 2003 para 68%.

Para além de, claro, os evangélicos estarem mais interessados no que Bush faz para controlar a sexualidade alheia e para instalar uma teocracia cristã nos Estados Unidos, uma profusão de programas de apoio a Bush nas emissoras cristãs reforçam a mensagem do presidente de que esta é uma guerra divina contra «o eixo do mal», e para os cristãos tudo é válido, mesmo se baseado numa mentira, para combater as hordes do mal.

Um artigo de opinião do reverendo Jack R. Van Ens, pastor presbiteriano, explica de forma magistral porquê. Basicamente recordando as palavras de um seu antigo professor, o historiador George Marsden, no seu clássico «Fundamentalism and American Culture» (Oxford University Press 2005), que descreve o que acontece quando metáforas de guerra, abundantemente utilizadas no léxico do quotidiano dos cristãos já que a Bíblia é uma elegia à violência e à vingança, se misturam com nacionalismo. As causas da nação tornam-se sagradas. Alguém que questione Bush não só é não patriótico aos olhos dos devotos cristãos mas enferma de falta de carácter cristão. Não estão do lado do Senhor ou … do «Guerreiro divino», uma das formas bíblicas favoritas de referir Deus.

19 de Março, 2006 Palmira Silva

Sentença de morte no Afeganistão?

Um afegão que se converteu ao cristianismo está a ser julgado num tribunal de Kabul, e, segundo o juiz que trata o caso, pode ser condenado à morte.

O acusado, Abdul Rahman, foi preso o mês passado após a família o ter denunciado á polícia. Numa entrevista à Associated Press o juiz Ansarullah Mawlavezada declarou hoje que, durante a audiência, Rahman confessou ter-se convertido ao cristianismo há 16 anos quando trabalhava como auxiliar médico com refugiados afegãos no vizinho Paquistão.

No Afeganistão vigora a Sharia que indica que todos os muçulmanos que rejeitem a sua religião devem ser sentenciados à morte.

O juiz, aparentemente incomodado com o caso, especialmente depois de Rahman ter rejeitado a sua oferta de deixar cair o caso se o acusado se reconvertesse ao islamismo, afirmou que «Nós não somos contra alguma religião particular no mundo. Mas, no Afeganistão, este tipo de coisas é contra a lei. É um ataque ao Islão… E o procurador pede a pena de morte.»

Recordo que há uns meses, Ali Mohaqiq Nasab, um intelectual islâmico progressista, foi condenado a dois anos anos de prisão pelo crime de blasfémia. Com base na acusação de clérigos locais que dois artigos que publicara na revista de que era editor eram anti-islâmicos e um insulto ao Islão. Os blasfemos, anti-islâmicos e insultuosos artigos que tanto indignaram os piedosos clérigos islâmicos questionavam o castigo atribuído a mulheres adúlteras, 100 chicotadas, e a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas…

O Diário Ateísta apela a todos, crentes e não crentes, para manifestarem a sua indignação junto às autoridades competentes não só pelo julgamento, inadmissível no século XXI, mas especialmente pelo apedrejamento até à morte que será a prevísivel sentença deste anacrónico julgamento se a opinião pública internacional não se fizer ouvir.