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Palmira Silva

13 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

A campanha terrorista da Igreja Católica – II

Imagens tiradas do Calhamaço dos Embustes. Clique nas imagens para apreciar a demagogia e o «debate sério» sobre o tema da Igreja de Roma.

Um dos nossos leitores habituais digitalizou e reproduziu no seu blog todo o folheto ignóbil com que a Igreja Católica e seus apaniguados têm andado a conspurcar as caixas de correio de todos. De facto, o mailing católico foi massivo e mesmo em caixas de correio como a minha que ostenta um visível «Publicidade aqui Não» foi despejado o lixo em questão, quiçá por temerem que a distribuição do dito folheto nas igrejas atingisse uma faixa muito pequena da população – suspeito que se um inquérito análogo fosse feito cá no burgo, os resultados seriam muito semelhantes aos de França, em que a percentagem dos que se dizem católicos caiu para 51% dos quais apenas 8% vai regularmente à missa.

Mas este folheto vergonhoso é apenas uma pequena amostra da campanha de intimidação, completamente sem argumentos e, espero eu, contraproducente da Igreja Católica. De facto, ao restringir-se estritamente a argumentos religiosos torna-se óbvio para todos que vamos referendar apenas um dogma religioso, que não há uma única razão objectiva – científica, biológica, ética ou de Direito – para criminalizar o aborto.

O aborto é apenas uma questão religiosa, explícita neste folheto, implícita naqueles que se restringem a objecções misóginas, como aceitar o aborto por opção médica mas não por opção das mulheres – umas desmioladas em que não se pode confiar – e especialmente evidentes na ululação de que a despenalização do aborto «tira direitos» ao homem!

Que o que está em jogo é pesporrência da Igreja Católica, que se arroga ao direito de impor a todos como «crime» o que a sua hierarquia considera «pecado», é ainda evidente na peregrinação de hoje em Fátima – em que se coloca formalmente o referendo sob os auspícios da ICAR, em nome da «Senhora» de Fátima, e na organização de «marchas pela vida» um pouco por todo o país, com especial ênfase na que se realiza em Lisboa a 28 de Janeiro, com terminus na Fonte Luminosa, e para a qual a sua máquina bem oleada – e com recursos financeiros inesgotáveis que se mobilizam apenas para este tipo de iniciativas- está em marcha frenética!

Estou completamente certa que as nossas televisões, que têm ignorado a maioria das inicitativas do SIM, como o jantar de ontem no Mercado da Ribeira, vão estar em directo a transmitir todos os passos de mais esta campanha da Igreja Católica! Para os mais incautos, e como a Alameda é fácil de encher, especialmente agora com as obras do Metro e especialmente com os recursos da ICAR – que vai encher autocarros em todo o país -, com uma escolha judiciosa de ângulos é fácil de fazer passar a mensagem de uma adesão em massa à dita! Quando na realidade apenas se congrega num espaço pequeno os fundamentalistas católicos e alguns turistas religiosos – que aproveitam o passeio e refeições à borla – de todo o país!

Importa mais que nunca que todos os que não querem uma regressão civilizacional do nosso País esclareçam amigos, vizinhos e conhecidos que num país moderno e civilizado não se pode admitir esta imiscuição da religião na política e no Direito! Que o que vamos referendar de facto é a talibanização de Portugal ! O que vamos decidir nas mesas de voto é o modelo de sociedade que queremos seja a nossa, se queremos ou não uma teocracia!

Ninguém pense que se os pró-prisão vencerem o referendo a Igreja se contenta com tão pouco! De facto, o referendo é apenas um teste que se ultrapassado será o primeiro passo para a regressão civilizacional ao totalitarismo católico medieval por que o Vaticano tanto almeja!

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12 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

A campanha terrorista da Igreja católica


Imagens tiradas do Arrastão. Clique nas imagens para aumentar.

Ontem quando cheguei a casa tinha este lixo da Associação Acção Família plantado na minha caixa do correio. Um folheto de apelo ao voto no NÃO no referendo de 11 de Fevereiro próximo do mais primário, básico e imbecil que tive o desprazer de ler nos últimos tempos. Só faltava uma imagem do churrasco de fetos como o do folheto terrorista de há dois anos e meio para podermos apreciar em toda a sua glória ao que se resume o mentecapto argumentário da Igreja de Roma na sua campanha desesperada de manutenção de poder!

Acho interessante que uma organização que pela voz do bispo da Guarda ulula ser «indigno da maturidade política de um povo» que se vote SIM no referendo por ser «essa a orientação do seu partido ou do partido da sua preferência», apele desta forma desprezível ao voto de acordo com as orientações da Igreja! Será que consideram que em vez de uma democracia Portugal é uma teocracia em que o Direito e a política são determinados pela religião? Querem emular o Afeganistão dos talibans?

Que resquício da «objectividade» que tanto bramem ser necessária para discutir o tema se vislumbra neste folheto completamente imbecil? Será este tipo de anacronismos inaceitáveis numa sociedade moderna o que os pró-prisão consideram um debate sério? Será o recurso à irracionalidade, ao insulto dos que não aceitam as crenças dogmáticas da Igreja – apelidados de terroristas – e o apelo ao catolicismo mais jurássico um debate sério para a Igreja?

Que raio de argumentos «científicos» e «universais» são as lágrimas de um mito no nonagésimo aniversário da sua invenção?

Espero bem que Portugal e os portugueses, com a distribuição massiva deste folheto – já que o cerne da campanha do NÃO para além da religião parecem ser considerações económicas, gostaria de saber onde foram buscar o muito dinheiro necessário para um mailing destas dimensões -, percebam finalmente o que está em jogo neste referendo: a decisão sobre a sociedade que queremos seja a nossa, uma teocracia sob os auspícios de um estado estrangeiro, o Vaticano, ou um país moderno – necessariamente laico e pluralista- em que as concepções religiosas de cada um se remetem ao foro intímo e individual e não são impostas na letra da lei a todos!

Porque Portugal não é nem o Afeganistão nem a Nicarágua; porque uma democracia participativa moderna do século XXI necessita ter legislação afirmativa, leis positivas, o que significa que as pessoas possam optar sobre as suas convicções e decisões morais; porque a liberdade religiosa que Bento XVI exigiu na homilia de Ano Novo para os cristãos nos países em que estes são minoritários tem como contrapartida a liberdade religiosa dos não cristãos nos países em que o cristianismo é maioritário; porque uma Igreja que brame contra a perseguição e prisão dos que não aceitam as concepções religiosas islâmicas em teocracias muçulmanas não pode exigir a perseguição e prisão dos que não aceitam as concepções católicas nas democracias ocidentais, espero que as últimas sondagens sobre as intenções de voto no referendo se concretizem nas urnas.

Só nos países em vias de desenvolvimento ou sub-desenvolvidos encontramos teocracias e sociedades que não reconhecem a mulher como um ser humano de plenos direitos. A construção de um Portugal melhor passa pelo resultado do referendo: a vitória do SIM será igualmente a vitória do Portugal moderno!

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11 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Furacão Macedo

Versão melhorada do novo logotipo da DGCI, igualmente da Associação República e Laicidade

Os devotos do costume, que consideram estar acima da lei todos os que agem em nome de um mito, regurgitaram os comentários «piedosos» a que já nos habituaram no post que informava a clara violação da lei nacional cometida por Paulo Macedo, director-geral dos Impostos, que, para além de violar a laicidade do Estado, é igualmente intimidatória para todos os funcionários da DGCI que não frequentem missas e demais manifestações católicas. Para além, claro, de ser uma «estratégia manhosa do dr. Macedo para impor ao Governo a sua recondução com um vencimento superior ao de George Bush»!

A falácia encontrada para justificar a violação da lei cometida pelo devoto Opus Dei assentava nas supostas ética e eficiência profissionais exemplares que seriam o ex-libris do dito alto funcionário do Estado português, agraciado por obra e graça de espírito santo Manuela Ferreira Leite com poderes e salário inauditos (para além de beneficiar da revolução informática, que não obstante os seus esforços em contrário, agilizou as Finanças).

Por informação de um dos nossos leitores mais atento parece-me que as exemplares virtudes éticas e profissional apontadas se resumem ao proselitismo e devoção católicos de que deu provas q.b., nomeadamente na presteza com que interpretou da Concordata a isenção da Igreja em sede de impostos.

Por exemplo, em relação à «exemplar» ética fiquei a saber que:

«Paulo Moita de Macedo, o director- geral dos Impostos, a quem foi instaurado um ‘processo de execução fiscal’ por dívidas em contribuição autárquica referente a 2001, viu a sua propriedade na aldeia de Santo Estêvão, concelho de Benavente, avaliada em 70 mil euros, quando os preços de mercado ‘atingem algumas centenas de milhares de euros, de acordo com algumas fontes. É uma “casa de campo’, afirmam, que facilmente ultrapassa a quantia apurada para efeitos fiscais.»

Em relação à eficiência profissional parece-me muita parra e pouca uva, isto é, como confirma o Jumento, muita propaganda, poucos resultados:

«continuam por cobrar nos serviços de Finanças 13,98 mil milhões de euros, um valor que equivale a 9,5% do PIB português, noticia hoje o Jornal de Negócios.

Esta dívida tem vindo a crescer todos os anos, desde pelo menos 2001, e daria para pagar dois défices orçamentais. De acordo com o Relatório de Actividades da Direcção Geral dos Impostos (DGCI) de 2005 (…) Este valor cresce 4% em relação a 2004 quando a administração fiscal se tinha comprometido a reduzi-lo em 9,4% no período de um ano».

11 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

A laicidade das Finanças

Paulo Macedo, director-geral dos Impostos e quadro do BCP, encomendou uma missa de acção de graças pela DGCI e pelos seus funcionários, para que todos – independentemente da confissão ou falta dela – foram convocados. A cerimónia realizou-se ontem, às 18 horas e 30 minutos, na Sé de Lisboa.

Certamente que o quadro do banco do Opus Dei, que aufere de um vencimento bruto superior a 23 mil euros, terá muito que agradecer à «Obra divina» pelo facto de permanecer há mais de dois anos em flagrante violação da lei que determina não poderem ter salário superior ao do primeiro-ministro (5.360,58 euros) os altos dirigentes do Estado.

E, como afirma Eduardo Moura num artigo absolutamente indispensável no Jornal de Negócios:

«Visto por dentro da convicção religiosa, como é normal numa Missa de Acção de Graças, tudo se passa de acordo com os princípios e os credos próprios da Igreja Católica e ninguém que partilhe estas convicções se sente estranha ao agradecer e encomendar ao divino a sua sorte passada e sua futura fortuna. Nem tão pouco estranha que Deus tenha tanta coisa a ver com a cobrança de impostos, com a eficácia da máquina fiscal, com o cumprimento da lei de um Estado, que tanta outra gente julga ser laico».

Mas exactamente por o Estado ser laico (supostamente) e por estarmos numa altura em que a Igreja e seus apaniguados não olham a meios para conseguirem coagir os portugueses ao voto no NÃO no referendo que se aproxima, estas manobras inadmíssiveis do devoto católico devem ser denunciadas e protestadas! E não só devem ser exigidas explicações a quem de direito, o ministro das Finanças, como garantias de que uma aberração destas não se venha a repetir!

Como remata Eduardo Moura:

«Mas também é evidente que a quantidade de maus exemplos não só não legitima novos casos, como se trata de situações invisíveis para a comunicação social. Todas os actos religiosos praticados em nome do Estado são ilegítimos e como tal devem ser tratados.

É pois inaceitável que o Ministério das Finanças, dando cobertura ao sucedido, venha explicar que iniciativas como estas não põem em causa a laicidade do Estado.

Fernando Teixeira dos Santos terá de explicar como é que uma convocatória para uma missa que seguiu a cadeia hierárquica, transmitida de chefia para chefiados, não fere o princípio do Estado laico.»

11 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Pastoral do dízimo


Satã não é para brincadeiras e actua de formas misteriosas. Segundo o pastor evangélico Josué Yrion, um bem sucedido caçador de dízimos bruxas, converte os mais incautos ao satanismo via … os perversos filmes da Disney. Já sabem: Pocahontas é apenas mais um nome para o Mafarrico!

10 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

O cardiocentrismo do não


Na falta de argumentos, os cruzados pelo NÃO no referendo de 11 de Fevereiro próximo apostam numa dramatização demagógica e falaciosa da respectiva campanha, dramatização de que o primeiro cartaz, produzido em quantidades massivas e afixado profusamente pelo menos em Lisboa, é um exemplo acabado.

O cartaz, que interroga em letras garrafais «Abortar por opção quando já bate um coração?» é uma ilustração perfeita de um apelo à emoção primário que remete subliminarmente para o paradigma mariano da mulher e para as arcaicas e anacrónicas concepções cardiocêntricas do homem que se encontram na mitologia cristã.

Isto é, o cartaz que suplica uma resposta negativa do eleitorado, subentende que as mulheres são sub-humanos incapazes de opções morais e como tal deve ser a nossa sociedade (ainda) patriarcal, mais concretamente a classe médica, a única detentora da capacidade de decisão sobre a interrupção de uma gravidez. Ou seja, subentende-se do cartaz que o «crime» não é o aborto mas sim permitir que uma leviana e fútil mulher opte por ele!

Por outro lado, o cartaz remete a uma visão cardiocentrista do homem, completamente obsoleta como tive ocasião de relembrar em Outubro último:

Esta visão cardiocentrista induzida por superstições míticas que podemos fazer remontar aos antigos egpcíos é mantida no cristianismo e persiste até ao século XVII, não obstante os atomistas, nomeadamente Demócrito – que classificou o cérebro como a «cidadela do corpo», o «guardião do pensamento e da inteligência» – e outros pensadores como Hipócrates, Herófilo ou Galeno, terem colocado o cérebro como responsável pelo ser do homem.

Na realidade, é no cérebro e não no coração – como pretende toda a mitologia cristã, que na linha aristotélica privilegia a tese «cardiocentrista», aquela que confere ao coração o monopólio da razão e das paixões – que devemos procurar a explicação do «ser» do homem, em que este ser inclui o «ser» social e moral, que evolui com a encefalização do homem.

Isto é, o batimento do coração nem sequer traça a fronteira entre a vida e morte. De facto, a morte clínica é decretada actualmente pela ausência de actividade cerebral não pela morte do sistema cardio-vascular. É a morte cerebral que indica que uma pessoa morreu, não a «morte» cardíaca. Aliás, o coração vivo de um ser biológico que já não consideramos uma pessoa pode ser transplantado sem alterar a individualidade de quem o recebe, sem lhe alterar o «ser» que nos distingue dos restantes animais.

Se não é no coração que encontramos o ser do Homem, se é a vitalidade do sistema nervoso central que delimita a fronteira entre vida e morte de uma pessoa, porque razão os paladinos de óvulos e espermatozóides e cruzados contra a possibilidade de opção pela mulher, que insistem em não ter motivação religiosa a sua posição pró-prisão, recorrem à mitologia cristã e não à ciência no primeiro cartaz que debitam?

Não é o batimento do coração indicador que a ciência utilize para decretar a morte de uma pessoa. Porque razão consideram os pró-prisão que os parâmetros consensualmente aceites para delimitar o fim da vida de uma pessoa não são aplicáveis para delimitar o seu início?

9 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Sibilas do Apocalipse


O apresentador de televisão evangélico Pat Robertson, o mais famoso teocrata norte-americano – ex-candidato à presidência dos US, fundador da Coligação Cristã e director executivo da CBN (Christian Broadcast Network) – conhecido devido à sua fervorosa alucinação fé e às barbaridades pérolas redondas de raciocínio cristão que debita profusamente, insiste em não deixar os seus créditos por mãos alheias.

Desta vez não são os fanáticos evolucionistas, os tais que insistem em pregar nas escolas públicas o seu «culto», ou quaisquer dos culpados do costume – homossexuais, mulheres, ateus, hindus, muçulmanos, etc. – os alvos das diatribes e augúrios de retribuições divinas debitadas por Robertson no seu programa o Clube dos 700.

A fonte de hilariedade geral foi apenas a habitual profecia de início do ano debitada pelo presciente pregador – que recebe recados e recomendações divinas tão amiúde que sugeriu numa edição de Setembro de 1984 do «Clube» que todos aqueles que cometessem um crime por ordem do Deus cristão, tipo assassinar um médico abortista ou atacar à bomba as clínicas execradas pelos defensores incondicionais da vida, deveriam ser julgados por um tribunal religioso, que averiguaria da autenticidade da incumbência. Se o dito tribunal concluisse que afinal o criminoso era apenas um soldado de Deus deveria ter autoridade para lhe conceder total imunidade – e carta branca para continuar tão meritório trabalho.

Assim, no seu programa de 2 de Janeiro na CBN, Robertson asseverou à sua audiência ter-lhe comunicado Deus durante um retiro de oração que um ataque terrorista – provavelmente nuclear- nos Estados Unidos iria causar «mortes em massa» no último trimestre de 2007. Com a pequena ressalva de que «Deus disse que iria conter o mal, mas não o vai conter necessariamente no início. Muitas destas coisas podem não acontecer; temos apenas de rezar muito».

Não consigo sequer imaginar que vapores terá inalado a sibila Robertson para debitar tão «infalível» e indispensável oráculo mas que deviam ser potentes não tenho qualquer dúvida!

9 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De funerais e bonifrates

A recusa da Igreja de Roma em conceder um funeral católico a Piergiogio Welby, o italiano de 60 anos que sofria de distrofia muscular em estado terminal e que foi punido pela sua campanha pelo direito a morrer com dignidade – nomeadamente pelo direito a recusar tratamento médico – não é um caso isolado.

Há uns tempos a Mariana deu conta de um bispo de San Diego que recusou um funeral católico ao dono de dois bares gay, negócio «inconsistente com os ensinamentos católicos» e como tal «as pessoas ficariam escandalizadas se a igreja concedesse um funeral a alguém que se dedicasse a estas actividades». Claro que o facto de o mesmo bispo ter sido obrigado a indemnizar um ex-seminarista para evitar mais um mediático julgamento envolvendo abuso sexual perpetrado por um membro do clero católico não escandaliza alguém por tão corriqueiro

Esta ortodoxia na morte parece estar a tornar-se praxis comum em Itália, pelo menos por parte do padre Fernando Di Fiore – com todo o apoio da hierarquia católica local – que considera não serem católicos na morte aqueles que não seguiram estritamente os ditames do Vaticano em vida. Assim, não oficiou ao funeral de um homem que suspeitava ter ligações às Testemunhas do Jeová, não obstante os protestos em contrário da família, e recusou «encomendar a alma» de um homem que, horror dos horrores, tinha quebrado os «sagrados» laços do matrimónio e vivia em pecaminoso «concubinato» – isto é, se tinha casado civilmente após um divórcio.

Uma vez que o bispo local respondeu neste último caso confirmando que o padre Di Fiore tinha agido de acordo com as regulações da Igreja, fico na dúvida porque razão a Igreja consente em práticas «fora da lei» católica, isto é, pelo menos não repreende os padres que regularmente oficiam em funerais de quem ignorou as (muitas) proibições da Igreja e insistiu viver em «pecado».

Se estas regulações fossem obedecidas estritamente e fosse negada a «recomendação da alma» e concomitante missa a todos os que não seguiram à risca os ditames de Roma, nomeadamente no que respeita à sexualidade não abençoada num casamento católico ou com fins não estritamente procriativos -traduzidos no uso dos execrados contraceptivos, condenados como contrários à «moral» católica – deixaria de fazer sentido o quasi monopólio da Igreja no negócio da morte que se verifica cá no burgo.

E poderia ser que o nosso Estado supostamente laico se lembrasse de propiciar espaços condignos na morte aos seus cidadãos que não se regem pelas emanações da Igreja de Roma, isto é, respondesse finalmente à pergunta do Carlos:

«Os que em vida tiveram uma pituitária alérgica ao cheiro das velas, tímpanos avessos às orações e olhos apáticos às sotainas, não têm direito a local digno, liberto de iconografia religiosa, onde os familiares e amigos estejam ao abrigo do latim e do cantochão?»

4 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

O Irracional e o aborto

Transcrevo no Diário Ateísta o texto de uma amiga, com quem há uns tempos iniciei outra aventura blogoesférica, por falta de tempo completamente negligenciada. As reflexões da Teresa sobre o tema aborto constituem uma abordagem diferente das que temos apresentado nestas páginas, pelo que considerei relevante a sua transcrição no Diário Ateísta.

Há muito tempo enviei uma carta a um amigo reflectindo sobre os argumentos de João Pereira Coutinho num artigo sobre «Vida moderna», publicado no Independente a 28 Nov. 2003. Dizia mais ou menos assim.

Penso que é intelectualmente saudável tentar compreender os argumentos dos que estão situados do outro lado da nossa fronteira ideológica. A questão do aborto e do direito à vida serve exemplarmente para testar os métodos de raciocínio de ambos os lados, da esquerda e da direita. João Pereira Coutinho polemiza com base nos seus ideais da direita liberal e afirma que «o direito à vida – o direito a que uma promessa de vida cumpra o seu destino- deve ter prevalência sobre a expressão da nossa autonomia».

A questão essencial é a de saber qual o fundamento ético, científico, legal ou político – universal – que está na base da aprovação ou da criminalização de actos individuais. Racionalmente posso um dia vir a admitir que a minha opinião, contrária àquela, possa estar errada. Mas o autor não consegue convencer-me com o seu raciocínio.

Para mim é incompreensível pretender provar que a vida, ou o direito à vida, é anterior e superior à expressão da nossa autonomia. Porque não consigo discernir a existência de um ser, definido como humano, destituído de vontade. Admito que a prosa é bonita e de uma sensibilidade tocante, «o direito a que uma promessa de vida cumpra o seu destino», mas o raciocínio em que se fundamenta não está correcto.

Também não consigo entender que a única resposta a dar à questão metafísica da vida tenha de ser «radicalmente política», isto é, oriunda «do Estado constituído numa sociedade civilizada». Isto só seria correcto se admitissemos que os actos políticos são oriundos da ética, ou seja, que a ética e a política são uma e a mesma coisa. [Não necessitamos de ir muito atrás na História contemporânea ou na História das civilizações para compreendermos que os valores políticos não são imutáveis.]

Não se podem invocar razões secundárias baseadas nos «equilíbrios frágeis» de uma comunidade como suporte de leis que se pretendem universais. O direito à vida a inscrever como lei fundamental de um Estado é de aplicação restrita, aplicável apenas às mulheres desse Estado. Por outras palavras, a comunidade, o Estado, faz inscrever uma vontade em letra de lei a qual é superior a outra vontade, a das mulheres, penalizando-as por um acto autónomo da sua vontade.
Isto só é possível se os sujeitos da acção a criminalizar forem destituídos de vontade e de descernimento, isto é, politicamente não autónomos. Como diz o George Steiner, se um raciocínio é redutor, exemplificando aquilo que não consegue generalizar, é porque os argumentos não são universais.

Um exemplo deste tipo de raciocínio chegou-nos recentemente do Parlamento francês. Este legislou sobre as sancções a aplicar aos automobilistas que, involuntariamente, provocassem a morte de mulheres grávidas. De imediato se pretedeu que este raciocínio fosse extensivo a todas as grávidas. Pois se um acto involuntário do desgraçado de um automobilista era tão severamente penalizado então, por maioria de razão, seria penalizado o acto voluntário de uma futura mãe que abortasse. Este raciocínio abortou naturalmente.

O aborto é praticado desde a noite dos tempos, em todas as civilizações, sem regras e de forma aleatória. A Natureza às vezes apresenta-se-nos sem regras. O que deveria ser intelectualmente inadmissível é fazermos de conta que no decurso civilizacional, os únicos seres capazes de gerar ou interromper a vida tenham sempre pertencido à humanidade – essa humanidade de seres dotados de vontade autónoma e com direitos universais.

Só uma mãe pode decidir como, quando e com quem gerar ou não vida. É em nome desse dado de natura que as suas detentoras foram subjugadas. Foi o meio escolhido há séculos por uma civilização, «por forma a acautelar a satisfação dos seus interesses futuros».

Há uma classificação, e não só de género, explícita ou codificada, dos seres inteligíveis que cabem na humanidade e que podem ser nomeados. Não existem seres humanos sem crenças porque não existem seres humanos sem cultura. O direito à vida é uma crença, com base moral, que não se fundamenta em nenhum raciocínio empírico.

Naturalmente que se pode e deve discutir as crenças de cada um. Deve admitir-se que existem princípios morais fundadores, não sujeitos a transacções políticas, que constituem o espírito da nossa pertença à humanidade e que estão muito para além do nosso corpo, da nossa mente construída ou da nossa alma criativa.

Teresa Sá e Melo, Lisboa 20 de Abril de 2006

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1 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Bento XVI ensandeceu mesmo!


Tal como o Carlos, só consigo perceber as declarações de final e início de ano de Bento XVI pressupondo que ensandeceu de vez!

De facto, equiparar os cientistas a terroristas e as vítimas de terrorismo a embriões sem consciência de si nem do meio ambiente no mínimo não reflecte grande sanidade mental! E a afirmação de ser a Igreja «paladina dos direitos fundamentais de cada pessoa» corrobora o diagnóstico.

Bastaria a um Bento XVI na posse das suas faculdades mentais lembrar o Sílabo dos Erros do seu predecessor Pio IX– que reforça a enciclica Quanta Cura na condenação pela Igreja de tudo o que agora é suposta ser «paladina» – para não se atrever a debitar o monte de inanidades que constam na sua mensagem de Ano Novo!

Na realidade, é no mínimo bizarro que no mesmo texto em que condena o relativismo das inadmissíveis «concepções antropológicas do homem», Bento XVI declare ser a Igreja «paladina» de tudo o que num passado recente tão veementemente condenou!

Nomeadamente «as perversas opiniões e doutrinas» que «com Nossa autoridade apostólica as reprovamos, proscrevemos e condenamos; e queremos e mandamos que todas elas sejam tidas pelos filhos da Igreja como reprovadas, proscritas e condenadas» como sejam a democracia, a liberdade de expressão, que corrompe as almas, a liberdade de consciência e de imprensa mas especialmente a liberdade religiosa!

Não se percebe como em apenas algumas décadas a Igreja, segundo Bento XVI detentora da «verdade absoluta» e impoluta de abominados «relativismos», passou de repudiar e declarar loucura a pretensão de que «a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem» para reinvidicar, «de modo particular», «o respeito da liberdade religiosa de cada um»!

Mais bizarro ainda se lembramos a ululação de ser «contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres» « afirmar que ‘a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica’»

Já a existência de uma «tão grande conspiração de inimigos contra o catolicismo e esta Sé Apostólica» que carpia Pio XII na boa tradição de vitimização católica, foi reiterada na alocução de hoje em que Bento XVI saudou os «mártires» actuais, isto é, os fundamentalistas «católicos que mantêm a sua fidelidade à sede de Pedro» «à custa de graves sofrimentos» (infligidos pela imaginada guerra ao Natal?).

Fundamentalistas católicos que têm agora mais um item proibido a acrescentar à longa lista dos prazeres profanos de que se devem abster: as festas de réveillon, esses «ritos mundanos» que Bento XVI criticou no Te Deum de domingo.

Achei divertidissimo que o líder de uma Igreja que vende exorcismos, milagres e uma vida no Além como evasão deste «vale de lágrimas», critique os «ritos mundanos, marcados principalmente pela diversão e vividos frequentemente para evadir a realidade» e que só servem para «exorcizar os aspectos negativos» da vida e para «proporcionar sorte improvável».