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Palmira Silva

4 de Junho, 2006 Palmira Silva

Um alibi do outro mundo

Um dos nossos leitores brasileiros informou-nos de um caso absurdo que ocorreu na cidade gaúcha de Viamão em que uma mulher foi inocentada da acusação de mandante de um assassínio que sob ela pendia, através de … cartas psicografadas!

Aparentemente a justiça brasileira reconhece as palermices sortidas do espiritismo e cartas psicografadas servem de prova nos tribunais brasileiros, o primeiro caso ocorrido em 1979 em que cinco cartas psicografadas inocentaram um homem acusado de assassínio: «pela primeira vez em toda a história jurídica do mundo, um juiz de Direito apoia sua decisão em uma mensagem vinda do Além». (Diário da Noite de 10.09.79, pág. 13).

A psicografia é descrita como integrando a apelidada pomposamente de «sematologia espírita» pelo fundador e codificador daquela que é hoje em dia uma religião com implantação crescente no Brasil – país em que co-habita inesperadamente com o cristianismo – Hippolite Léon Denizard Rivail aka Allan Kardec, nome assumido pelo fundador do espiritismo após o espírito Z o ter «informado» que esse era o seu nome no tempo dos druidas (gauleses).

Segundo Kardec, num artigo na Revista Espírita de Janeiro de 1858, a psicografia ou escrita automática divide-se em directa e indirecta consoante a fraude prosa ditada «do Além» é transcrita directa ou indirectamente pelo médium.

O psicógrafo mais famoso no Brasil e quiçá no mundo é Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) que para além das cartas psicografadas na origem da primeira absolvição do outro mundo, supostamente psicografou mais de 400 livros, incluindo textos (e poemas) de João de Deus, Antero de Quental e Guerra Junqueiro.

Xico Vavier doou os lucros da sua profícua prosa «psicografada» à Federação Espírita Brasileira (FEB). Ambos ganharam notoriedade e manchetes dos jornais brasileiros quando 3 meses após a morte de Humberto Campos, a 5 de Dezembro de 1934, Chico Xavier começou a debitar crónicas do outro mundo do falecido. Manchetes redobradas quando em 1944 a viúva e os 3 filhos de Humberto Campos, moveram uma acção judicial contra a FEB, em relação aos direitos de autor sobre as obras psicografadas.

A psicógrafa que mais lucrou com prosa do outro mundo é a «médium» Zibia Gasparetto, uma escritora sem sucesso de policiais à la Agatha Christie até a inspiração espírita a ter catapultado para os tops de venda. Zibia montou por ordem do «outro mundo» um império editorial que atende pelo nome de Vida & Consciência.

Sobre a psicografia partilho da opinião de Agripino Grieco, crítico literário, que falava sobre textos psicografados atribuídos a autores famosos: «A psicografia é a prova cabal de que a morte faz muito mal ao estilo de um autor».

Como confirmação deixo para apreciação um texto do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) e uma passagem de um conto supostamente ditado pelo seu espírito a Zibia Gasparetto.

«O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia de Jesus precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregar aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses.»
Casa Grande & Senzala

«Irene olhou o relógio e suspirou angustiada. Faltavam dez para as oito. Armando saíra com amigos. Olhou-se no espelho mais uma vez. Como gostaria de ser linda, elegante, maravilhosa, para poder vingar-se dele naquela hora. Para ver em seus olhos o arrependimento por havê-la perdido! Mas ela não se achava bonita. Seus amigos diziam, era sempre muito requisitada pelos homens, mas era porque ela era independente, bem na vida, e indiferente.»
O Encontro, conto de Gilberto Freyre psicografado por Zibia Gasparetto em 1995.

3 de Junho, 2006 Palmira Silva

Cruise Wars: os mitos da Cientologia

Este é um excerto do episódio que satiriza a Igreja da Cientologia e as celebridades que acreditam nos disparates extra terrestres sortidos desta religião. «Trapped in the Closet» foi banido após Tom Cruise ter ameaçado processar a Paramount se o episódio fosse emitido outra vez.

De igual forma, o cientologista Isaac Hayes, a voz do «Chefe» em South Park abandonou a série uns meses depois da emissão do episódio. Divirtam-se!

3 de Junho, 2006 Palmira Silva

Igreja da Cientologia na Rússia

Um ex-deputado russo, coordenador local de educação em Skovorodinsk, foi condenado a dois anos de prisão por abuso de autoridade e utilização indevida de fundos públicos em prol da Cientologia, uma das religiões mais eficientes a extorquir dinheiro aos desgraçados que lhe caem nas mãos.

Boris Shalimov tornou-se membro da Igreja da Cientologia, mais concreta e apropriadamente da World Institute of Scientology Enterprises, cujo membro mais proeminente é Tom Cruise, em 2002. Para ser promovido na organização, Shalimov forçou os seus subordinados a estudar os disparates do escritor de (má) ficção científica e fundador da seita L. Ron Hubbard e utilizou dinheiros públicos na «formação» dos novos convertidos.

Relembramos que a base de operação da Cientologia é a «salvação» do ‘Thetan’ (espírito imortal), traumatizado por ‘engrams’ (memórias dolorosas) que devem ser erradicados da mente reactiva assim como os outros espíritos que a infectam (Body Thetans, os tais que vagueiam aos magotes pela Terra após o controle de população efectivado pelo malvado comandante da Federação Galáctica Xenu há 75 milhões de anos). O objectivo é o crente atingir o estado de OT (Operating Thetan), estado em que supostamente adoece raramente, é menos propenso a acidentes, tem memória total, QI superior a 135, imaginação criativa, vitalidade extraordinária, personalidade magnética, bom auto-controlo, etc. Alguns ex-adeptos da seita relatam estórias de membros OT’s que reclamam poder «voar» e «matar apenas com um pensamento».

Claro que não é barato chegar a este estado de «graça» OT, apenas possível pela frequência de inúmeros cursos da Igreja da Cientologia, a única competente para proceder à «limpeza» espiritual da pessoa, que «oferece» aos seus crentes um plano total de cura de custo astronómico.

Como em todas as religiões, as dúvidas não são bem-vindas dentro da Cientologia. Quem faz objecções é catalogado como subversivo, podendo mesmo ser considerado «Pessoa Supressiva», contra quem, não obstante as objecções inconvincentes de que é uma prática abandonada, tudo é válido, inclusive essa «Pessoa Supressiva» ser «privada dos seus bens ou ofendida impunemente, por todos os meios e por qualquer cientologista, podendo também ser vigarizada, atacada, ludibriada e destruída». Hubbard chamava a esta táctica «Fair Game» (Jogo Limpo) …

3 de Junho, 2006 Palmira Silva

A virgindade ou a vida

Há uns dias uma das minhas amigas biólogas perguntou-me se não queria ir ao Centro de Saúde da Lapa participar de um estudo sobre a vacinação contra o Human papillomavirus ou HPV, em mulheres de uma faixa etária superior àquela a que a vacina se destina. Este estudo, que precede a introdução desta vacina no esquema de vacinação nacional recordou-me um post que escrevi há uns tempos.

O HPV designa de facto mais de uma centena de vírus dos quais algumas estirpes causam uma doença sexualmente transmitida, incurável e a principal causa de cancro cervical (e a razão porque nós mulheres nos temos de submeter regularmente a testes Pap). A infecção com o HPV por outro lado não é evitada com o uso de preservativo o que faz com que seja a DST de eleição dos teocratas americanos na sua cruzada anti-sexo.

De facto, a HPV é uma arma de peso para os fanáticos fundamentalistas que querem obrigar todos às virtudes cristãs por excelência, abstinência e virgindade, a explicação dada pelo senador republicano Tom Coburn de Oklahoma para a sua pretensão de que os preservativos deveriam ter uma aviso em como não ofereciam alguma segurança contra esta doença sexualmente transmissível ou DST.

Assim não é de estranhar que estes teocratas, grandes defensores de óvulos e espermatozóides, confirmem que a sua cruzada em «defesa intransigente da vida» é na realidade uma cruzada contra a «ideologia do sexo» esgrimida por Ratzinger, e tentem evitar que a vacina entre no esquema de vacinação norte-americano. De facto, com o HPV eliminado dentro de poucos anos pela vacinação, que papão usariam estes fanáticos cristãos nas suas campanhas de demonização do sexo e coacção psicológica à abstinência?

Deve-se a Agostinho a demonização do sexo, a associação da sexualidade a algo maligno, humilhante, perversão e vício. Para os cristãos fundamentalistas o sexo é um discordium malum, a «prenda» do Mafarrico disfarçado de serpente à pecaminosa Eva que para sempre agrilhoou a carne à Terra e a afastou dos céus e de Deus! E para estes fundamentalistas o perigo para a alma tem feições femininas e como tal é legítimo tudo o que as reprima de «espalharem o mal», isto é que evite a assunção plena da sua sexualidade, mesmo que isso acarrete perigos mortais para a mulher.

«Vacinar jovens mulheres contra o HPV pode ser potencialmente perigoso, porque elas podem ver isso como uma licença para praticarem sexo pré-marital» opinou Bridget Maher da Family Research Council ao jornal britânico New Scientist. Isto é, os fundamentalistas cristão americanos consideram que morrer de cancro cervical é a punição adequada para quem não se «guardou» para o casamento.

Outros piedosos cristãos afirmaram que teriam a mesma oposição em relação a uma vacina contra a SIDA, se uma for descoberta. «Temos de olhar atentamento para isso», afirmou Reginald Finger, um cristão evangélico que foi conselheiro médico da organização política conservadora Focus on the Family, «Com qualquer vacina a desinibição [o termo médico para a ausência de medo] do HIV seria certamente um factor e é algo a que teremos de prestar atenção com uma dose muito grande de cuidado». Fingers faz parte do Centers for Disease Control’s Immunization Committee, que recomenda que vacinas devem ser disponibilizadas!

Isto é, a arma esgrimida por estes fundamentalistas cristãos contra o aborto e contracepção de emergência que consideram abortiva, afirmando que são cruzados em «defesa intransigente da vida» é completamente desmascarada pela sua oposição a programas de vacinação contra as DSTs, contra programas de educação sexual e contra qualquer tipo de contraceptivos.

Na realidade os fundamentalistas cristãos de todos os flavours estão-se nas tintas para a vida, querem simplesmente controlar o comportamento de todos e que todos sigam as recomendações agostinianas sobre o pecaminoso sexo, corroboradas pelo Responsum do Papa que inventou os sete pecados mortais, Gregório Magno (590-604), «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado».

Sexo é uma abominação que os fanáticos cristãos pretendem ser cumprida por todos no espírito de mortificação de quem sabe estar a cometer um pecado apenas admissível como um «duplo efeito», isto é uma acção directa promovida por uma razão moral (ter filhos) que tem um efeito inevitável, não intencional, indirecto e negativo: o prazer sexual.

30 de Maio, 2006 Palmira Silva

Então e o relativismo?

Goya – A razão adormecida produz monstros

O homem que odeia o que apelida de «secularismo ideológico», a separação entre a igreja e o estado, algo a que chama «profanidade total», o grande paladino na luta contra a «ditadura do relativismo» – lamuriando-se que os fundamentalistas católicos estão sob o «jugo» de uma «ditadura» que o impede, como representante mor desses fundamentalistas, de impôr a sua pseudo-moralidade a todos – o cruzado empenhado contra as (limitadas) liberdades em questões de família e sexualidade nos países ocidentais, consideradas uma abominação que urge eliminar, produziu declarações deveras paradoxais no decurso da sua visita à Polónia.

De facto, num show mediático que pretendia compensar o fracasso desta visita, Bento XVI, cujos dotes teatrais estão a milhas dos de João Paulo II, encenou um me(i)a-culpa, tirado a ferros e totalmente insincero, pelos erros do passado do cristianismo junto ao túmulo do Cardeal Stephen Wyszynski, Primaz polaco falecido em 1981.

Meia culpa mesmo assim inesperada já que, como afirma o jornalista e escritor espanhol Juan Arias, «Ratzinger não pediria perdão à ciência pelas perseguições durante a Inquisição. Ele acha que é o mundo moderno que tem de pedir perdão à Igreja».

E de facto embora recomendando «humilde sinceridade para não negar os pecados do passado», Ratzinger afirmou que é preciso evitar julgar «acusações fáceis» a «gerações precedentes, que viveram noutros tempos e noutras circunstâncias».

Isto é, o grande paladino contra o relativismo, afirma ser necessário relativizar os erros da Igreja já que pretende que não os podemos julgar de uma forma absoluta, mas sim relativamente à cultura da época!

Então e que acontece ao absolutismo das verdades morais da ICAR? São só verdades absolutas sob Ratzinger e não sob os anteriores papas? Mas isso não é relativismo? Estou baralhada com a coerência do actual Papa…

29 de Maio, 2006 Palmira Silva

Deus, alma e distúrbios mentais

Já tinha referido que casos em que mães extremamente religiosas matam os filhos por inspiração «divina» são recorrentes nos Estados Unidos.

Estas mulheres, que sofrem normalmente de doença mental grave, reclamam que as suas acções têm uma justificação religiosa, seja nos casos de Andrea Yates que afirmou ter recebido uma «ordem» do Demo para afogar os seus cinco filhos, Deanna Yates a quem Deus mandou apedrejar à morte os seus três filhos ou Dena Schlosser que quis poupar os filhos às agruras da vida terrena e entregá-los a Deus.

A recorrência do tema religião nas causas subjacentes a estes assassínios de crianças pelas mães levanta a questão se haverá culpa da religião nestes, pergunta que, nuns Estados Unidos cada vez mais próximos de uma teocracia, justificou vários estudos.

As conclusões dos peritos indicam que embora a religião não provoque distúrbios mentais per se, predisposições para este tipo de disfunções podem ser agravadas em ambientes religiosos. Para além de que certas doenças mentais são muito difíceis de identificar e tratar em seguidores de religiões para as quais o Diabo é o culpado pelos comportamentos associados a estas doenças, e que acreditam mais no poder da oração que na Ciência. Isto é, para os quais estes comportamentos devem ser tratados com rezas e/ou exorcismos e não por recurso a auxílio médico.

Os peritos sugerem ainda que em ambientes religiosos os sintomas de desordem psicológica, mesmo severa, podem parecer comportamentos normais aos fiéis: a obsessão (em relação a um líder religioso, fim do mundo, etc..) pode ser interpretada como fervor religioso e manifestações esquizofrénicas como visões religiosas.

Tudo isto porque em Oakland, São Francisco, mais uma mulher está a ser julgada por ter morto os filhos alegadamente por ordem de Deus. Lashuan Harris, diagnosticada com esquizofrenia paranóica, afirmou que matou os seus filhos Trayshaun Harris, seis anos, Taronta Ray Greely Jr., de dois anos e Joshua Greely de 16 meses porque a voz de Deus ordenou o seu sacríficio. Sacríficio perfeitamente plausível para uma pessoa muito religiosa, como afirmam os familiares, que cresceu numa religião, o cristianismo, que aponta como doutrina fundamental uma aceitação submissa da vontade de Deus, Deus que nas escrituras «sagradas» ordena a Abraão para assassinar o filho.

Outra questão levantada por estes casos de distúrbios mentais responsáveis por comportamentos criminosos, que a justiça da maioria dos países considera não serem imputáveis, isto é, que o doente não é responsável pelos seus actos, tem a ver com o castigo divino aos pecadores, que pecam devido a serem naturalmente perversos e recusarem a sujeição redentora à vontade divina, alijando o fardo do livre arbítrio, a origem do Mal do Agostinho tão do agrado do actual Papa.

Mas que livre arbítrio tem um esquizofrénico ou um maníaco-depressivo não medicados? Qual é a essência do seu «eu», aquilo a que os cristãos chamam alma? O «eu» medicado ou o «eu» não medicado? Que acontecia às «almas» destes doentes antes de a ciência ter identificado os distúrbios?

Parece-me um bocado bizarro que os católicos não achem estranho que o seu Deus supostamente misericordioso tenha condenado às profundas do Inferno milhões de seres humanos que «conspurcaram» as respectivas almas devido a distúrbios biológicos. E repudiaram a «salvação» devido aos mesmos distúrbios. Ou será que há um limbo especial para estes «pecadores»?

Talvez por isso a Igreja Católica esteja em franca recuperação do Diabo e tente vender esses comportamentos como possessões diabólicas e quejandos…

27 de Maio, 2006 Palmira Silva

Vaticano e Itália – I

O jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, criticou na terça-feira dois ministros do novo governo italiano que se manifestaram, respectivamente, em favor da pílula abortiva e da legalização das uniões civis.

A ministra da Saúde italiana, Livia Turco, foi criticada por relançar a pílula RU486, proibida em Itália desde Janeiro deste ano pelo governo do grande paladino de óvulos e espermatozóides Silvio Berlusconi, pouco depois de Bento XVI ter exortado os médicos a não prescreverem este medicamento e ter afirmado que o governo italiano não deveria «introduzir medicamentos que de uma forma ou outra escondem a grave natureza do aborto».

Como esperado, o Osservatore Romano não perdeu tempo a lamentar a atitude da nova ministra da Família, Rosy Bindi, que defendeu o reconhecimento das uniões de facto.

O jornal do Vaticano classificou como «desconcertante» a pressa com que o Governo de Prodi aborda «matérias particularmente delicadas» (para o Vaticano, claro).

Para se perceber no seu real enquadramento, que nem remotamente tem a ver com uma suposta «ortodoxia» (i)moral, este início das hostilidades entre o Vaticano e o governo de Romano Prodi, que com as suas primeiras medidas já mostrou não ser tão permeável aos «conselhos» do Vaticano como o seu antecessor, e porque estes ataques ir-se-ão certamente intensificar se Prodi ousar defrontar abertamente o ditador do Vaticano como o fez Zapatero, é necessário compreender o que está subjacente a esta guerra: poder político que por sua vez é necessário para manter os benefícios financeiros, nomeadamente total isenção de impostos, do Vaticano.

E a influência política da ICAR em Itália, como demonstrado pelas últimas eleições, já não é o que era. O Vaticano precisa com urgência de mostrar ao governo que não perdeu o ascendente político no país e nada melhor para isso que acirrar as guerras das ditas «questões fracturantes»! Caso contrário, o primeiro-ministro italiano, a braços com uma grave crise económica e a maior dívida da zona euro, pode ter ideias peregrinas para resolver de uma assentada a crise, como revogar a isenção de impostos aos negócios, completamente sem nada a ver com religião, do Vaticano.

Isto é, passarem a pagar impostos os muitos negócios e investimentos que o Vaticano detém em Itália, como a maior imobiliária italiana, a Società Generale Immobiliare, para não falar nas participações em multinacionais como a Morgan Guaranty, Credit Suisse, Chase Manhattan ou a Continental Illinois. Esta absurda isenção total de impostos foi concedida por Mussolini e nunca foi revogada, embora Aldo Moro tenha tentado. Mas foi assassinado, supostamente pelas Brigadas Vermelhas, antes de o conseguir

27 de Maio, 2006 Palmira Silva

Aviso aos fundamentalistas católicos

«Tolerância ilimitada leva necessariamente ao desaparecimento da tolerância. Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a tolerância. Assim, devemos reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. »
Karl Popper The Open Society and Its Enemies (1945)

Quando o Diário Ateísta, então Diário de uns Ateus, iniciou a sua experiência na blogosfera nacional pretendia fazer do espaço de comentários uma espaço completamente aberto, livre e democrático, onde crentes e ateístas pudessem debater no espírito que pretendemos seja a sociedade nacional: tolerante, plural e civilizada. Já contávamos com inevitáveis ataques, críticas e insultos dos crentes mais exaltados mas nunca pensámos que o fanatismo religioso tivesse atingido cá no burgo a virulência que alguns comentadores demonstram.

De facto, à medida que o DA foi ganhando mais leitores e alguma notoriedade, foi ganhando igualmente comentadores que baixam o nível do debate a extremos em que este é impossível. Os fundamentalistas católicos que entretanto pousaram no DA obrigaram-nos a meditar seriamente no paradoxo da tolerância de Karl Popper.

Mesmo após a panóplia de insultos pessoais, ameaças à integridade física e até uma ameaça de morte, com que temos sido mimoseados por estes fanáticos, optámos por não impôr qualquer restrição aos comentários. Todos nós, como ateístas assumidos há muitos anos, sabemos como reajem os católicos mais devotos à mera existência de quem se atreve a descrever a sua crença por aquilo que é: mais uma mitologia. Não nos esquivamos ao debate nem nos fazemos de virgens ofendidas e muito menos enfermamos da característica indissociável do cristianismo, a mania da vitimização e perseguição.

Mas estes fundamentalistas católicos foram usurpando o espaço de discussão, agredindo e insultando todos os comentadores ateístas, despejando lixo nas caixas de comentários a tal ponto que muitos dos frequentadores habituais deste espaço, que relembro se intitula Diário Ateísta, se queixam que é impossível ou pelo menos penoso comentar. De facto, os fundamentalistas, na falta de argumentos, resolveram recorrer às tácticas terroristas que caracterizam todos os fundamentalismos, neste caso sabotagem pura e dura: desde ataques constantes ao nosso server, passando pelos insultos mais vernáculos, multiplicação de nicks por uma mesma pessoa e pela utilização da assinatura de outros comentadores e de colaboradores do DA em comentários de nível abaixo de cano de esgoto.

Assim sendo, dizemos basta aos intolerantes! Reivindicamos, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Pelo menos neste espaço, obrigá-los-emos a respeitar as regras da sociedade tolerante, civilizada e democrática que é a nossa: é permitida a total liberdade de opinião, todos são bem-vindos a discordar do que escrevemos e a fundamentar como quiserem essa discórdia.

Não são permitidos insultos pessoais, ameaças à integridade física ou a utilização de nicks ou nomes de outrem. Os comentários que não obedeçam a estas regras simples serão apagados. Assim como serão substítuidos pelos links apropriados (à Opus Dei, Comunhão e Libertação, etc.) todos os muitos e extensos comentários copy&paste com que habitualmente nos mimoseiam.

Os nossos leitores, crentes e ateus, têm o direito a comentar neste espaço. Direito que lhes estava a ser sonegado por uns poucos fanáticos totalitários, inimigos da nossa sociedade aberta e tolerante.

26 de Maio, 2006 Palmira Silva

Relativismo moral – I

Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte
Tomás de Aquino, Suma Teológica II/II 11, 3c

Desde o início do seu pontificado como Papa, o discurso de Ratzinger tem sido pautado pela denúncia daquilo a que chama «ditadura do relativismo», ou seja, supremacia da tolerância, da razão e ciência em detrimento do obscurantismo e totalitarismo da fé. Ratzinger que se lamentava não ser «bom sinal que muitos ambientes cristãos se caracterizem hoje não pela fé na Trindade, mas na fé de uma tríade repetida como mágica: ‘Paz, justiça, respeito pela natureza’» e que praticamente declarou guerra à modernidade, liberalismo (entendido como a democracia moderna) e liberdade de pensamento e consciência na homilia que deu início ao conclave que o elegeu.

O discurso do Papa é ecoado por algumas das suas mais beatas correias de transmissão, que com um ar de pseudo-superioridade moral rematam qualquer discussão para a qual não têm argumentos com a estafada e falsa afirmação de que «sim, tudo isso é muito bonito mas eu tenho valores, absolutos e universais, assentes na verdade revelada por nosso senhor. Tu não passas de uma relativista moral sem nada em que apoiares as tuas posições». Lembro-me por exemplo de um momento na Sic Notícias em que Maria José Nogueira Pinto disparou esta afirmação contra o seu oponente num debate sobre o aborto.

Na realidade, muitos dos apregoados «valores morais e verdades absolutas» da ICAR são-no muito recentemente. Algumas verdades absolutas do passado da ICAR foram desmistificadas (com grande oposição e muitas fogueiras inquisitoriais pelo meio) pela ciência, como o geocentrismo ou o criacionismo bíblico, mas também alguns «valores morais universais e absolutos» foram, com grande resistência, abandonados pela Igreja de Roma.

O anti-semitismo, a defesa da escravatura, a perseguição e assassínio de bruxos, hereges e apóstatas, a defesa do uso de tortura, a legitimidade das guerras «santas», a negação dos direitos dos homens, a defesa de regimes de «direito divino» e a condenação da democracia, a condenação da liberdade de expressão, a luta contra a emancipação da mulher, enfim, uma série de «erros» morais por alguns dos quais, difíceis de apagar dos livros de História, João Paulo II fez me(i)a-culpa.

Mas todas estas ex-verdades absolutas católicas só são reconhecidas hoje como abominações morais após muita resistência da Igreja, muitos discursos e encíclicas condenando os erros da modernidade, em tudo menos no assunto idênticas às prelecções contra a «ditadura do relativismo» do actual Papa. Que autoridade e credibilidade para falar em «valores morais universais e absolutos» tem uma Igreja que tantas vezes impôs «valores morais universais e absolutos» que hoje repudiamos? Que perseguiu, torturou e muitas vezes queimou como hereges os que se atreveram a questioná-los?

Que (i)moralidade existe então nas posições actuais da Igreja?

25 de Maio, 2006 Palmira Silva

Código da Vinci: Igreja católica contra-ataca

Na Europa e em locais onde a laicidade do estado impede que a Igreja tenha sequer ilusões sobre o sucesso da sua pretensão de censurar o Código da Vinci, esta pretende uma indiferença (mal conseguida) e opta por supostamente desvalorizar «o fenómeno ‘O código Da Vinci’».

Apenas nos locais onde a conjuntura político-religiosa o permite, a verdadeira posição dos responsáveis católicos face ao fenómeno da Vinci é revelada. Já aqui indicámos o desvario católico em relação ao filme na Índia, em tudo análogo ao desvario muçulmano na guerra dos cartoons, agora actualizamos a informação com mais locais onde o poder político da Igreja de Roma impôs a proibição do filme.

Hoje foi noticiado que o presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapakse, ordenou à Comissão Nacional de Espectáculos Públicos (PPB) que proíbisse a estreia do filme nos cinemas do país.

Segundo o jornal local «The Daily News», a decisão do presidente cingalês atende a um pedido da Conferência Episcopal do Sri Lanka. Os dignitários católicos neste país consideraram o filme «produto de uma mente totalmente pervertida» e «uma apresentação odiosa, falsa, injusta e irreverente de Jesus Cristo e da Igreja Católica».

De igual forma, o filme foi banido na Samoa, o arquipélago considerado o «cinturão biblíco» do Pacífico, por pedido do arcebispo local, Alapati Mataeliga, e restantes dignitários integrantes do Conselho de Igrejas da Samoa.

Mataeliga afirma que o filme iria afectar as crenças dos jovens cuja fé não fosse forte, medo partilhado pelos representantes do Vaticano na vizinha Fiji onde a organização «Catholic League For Religious and Civil Rights Movement» pediu a proibição do filme.

«O filme destrói o cerne da crença cristã e o Conselho de Censura, dando luz verde à sua exibição pública, confirma a sua insensibilidade à nossa cultura».