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Palmira Silva

3 de Julho, 2006 Palmira Silva

Igreja Católica quer excomungar cientistas

Estátua de Giordano Bruno no Campo dei Fiori (Roma) erigida no local onde este foi queimado vivo pela Igreja Católica em 17 de Fevereiro de 1600. A partir de 1603, todo o trabalho de Bruno desapareceu sob ameaça da Igreja, que proibiu que as teorias avançadas pelo herético ateísta Bruno fossem sequer mencionadas. O trabalho de Bruno apenas voltou a ser citado um século depois por outro «herege», Newton. A ICAR ainda hoje recusa o trabalho de Bruno, por cujo assassinato nunca pediu desculpas, e o seu carrasco, o cardeal Bellarmino, foi canonizado em 29 de Junho de 1930.

A Igreja Católica, que nunca excomungou Hitler, que morreu católico, cujos representantes afirmam sem pudor que um aborto é equivalente aos ataques por bombistas suicidas, e assim excomunga liberalmente mulheres, quaisquer que sejam os motivos para o aborto, mesmo salvar a vida da gestante e mesmo que essa gestante tenha 8 anos (neste caso são os pais os excomungados), quer agora que sejam excomungados os cientistas que trabalham com células estaminais!

De facto, o cardeal Alfonso Lopez Trujillo, responsável pelo Conselho Pontifical da Família, o tal que diz que o HIV é suficientemente pequeno para passar através dos preservativos, afirmou a uma revista oficial do Vaticano, a Famiglia Cristiana, numa entrevista publicada na quinta-feira, que os cientistas que trabalham com células estaminais devem ser excomungados, da mesma forma que as mulheres que abortam e os médicos que as auxiliam.

O cardeal Trujillo pretende ainda que a excomunhão latae senentiae, isto é automática, seja estendida aos políticos que aprovem leis permitindo a investigação em células estaminais.

Numa altura em que a revista Nature torna acessível a todos o Stem Cell Insight para que os interessados neste campo fascinante de investigação possam apreciar os progressos nesta área emergente e as possibilidades que oferecem no tratamento de diabetes juvenil e deficiências imunológicas congénitas, desordens neuronais, cancro ou mesmo o envelhecimento, para além de permitirem a regeneração de tecidos para condições como ferimentos na coluna dorsal, etc., o Vaticano volta a demonstrar que a condenação de Galileu, Giordano Bruno e muitos mais cientistas não foi em «erro», é a imagem de marca de uma Igreja obscurantista e prepotente, completamente desligada da modernidade, a que se opõe ferozmente.

Não ficou claro se esta deve ser considerada a posição oficial da Igreja mas, conhecendo o pensamento sobre o tema de um papa que já criticou os «ateus» cientistas, que enquanto Ratzinger considerou pecaminosa qualquer manipulação genética, incluindo a clonagem terapêutica (quer usando células estaminais embrionárias quer adultas) e sabendo ainda que Bento XVI já tinha declarado que uma das prioridades do seu papado seria exactamente este tema, não é difícil prever que o será dentro em breve!

mais de um ano escrevi «este novo Papa considera que se uma célula adulta é alterada para se tornar totipotente (ou estaminal) então deve ser considerada um embrião. Ou seja, é expectável que brevemente pretenda proibir, na boa tradição inquisitorial a que já nos habituou, a investigação em células estaminais, embrionárias ou adultas, e todas as terapias envolvendo estas células, que serão certamente consideradas um pecado mortal».

Infelizmente mais uma vez parece que não me enganei na minha análise deste papa!

2 de Julho, 2006 Palmira Silva

Revisionismo histórico e cristianovitimização

O ditador croata Ante Pavelic, líder dos católicos Ustase, com monges franciscanos. Os franciscanos foram muito activos no genocídio de sérvios, judeus e ciganos na ex-Jugoslávia.

O texto «A Igreja é novamente a Igreja dos mártires», distribuído como suplemento do número de 8 de Dezembro de 2004 do jornal oficial do Vaticano, o «L’Osservatore Romano», afirma que no século XX o cristianismo experimentou a maior perseguição da sua história:

«Com segurança, posso afirmar que, desde sempre, o martírio formou parte da vida da Igreja», sublinha Novak no texto, citando por exemplo a perseguição do povo arménio, os mártires mexicanos e espanhóis (da Guerra Civil), o período nazista e o do comunismo, assim como o actual.

Este parágrafo, uma alusão à tentativa de lavagem da História do Holocausto pela ICAR, que considera que uma mentira muitas vezes repetida acaba por ser aceite como verdade, insere-se na linha de revisionismo histórico bem patente na carta apostólica Tertio millennio adveniente de 1994 em que João Paulo II, depois de dar o mote para o texto supracitado dizendo que «No nosso século, voltaram os mártires» afirma:

«Pio XI teve de medir-se com as ameaças dos sistemas totalitários ou desrespeitadores da liberdade humana na Alemanha, na Rússia, em Itália, em Espanha e, antes ainda, no México. Pio XII interveio no âmbito da gravíssima injustiça representada pelo desprezo total da dignidade humana, que se verificou durante a segunda guerra mundial».

Considerando que os regimes totalitários europeus, com a excepção óbvia do caso russo, foram instalados com a ajuda da Igreja Católica estas afirmações são no mínimo aberrantes. Com declarações completamente falsas como estas não admira a sanha com que o seu teólogo de estimação ataca os «cristofóbicos» intelectuais europeus que insistem em investigar a História e em provar como falsas as declarações do Papa.

Percebe-se que João Paulo II seja um revisonista histórico uma vez que teve de seguir o juramento anti-modernidade, instituído por Pio X em 1910 e em vigor até 1967, que, entre outras pérolas, rezava «Também condeno e rejeito a opinião dos que dizem que um cristão esclarecido deve assumir uma dupla personalidade – a de um crente e ao mesmo tempo de um historiador, como se fosse permissível a um historiador sustentar algo que contradiz a fé do crente».

Mas as barbaridades históricas proferidas quer por João Paulo II quer pela sua correia de transmissão George Weigel merecem uma análise mais profunda. É fácil comprovar que são barbaridades históricas com pouco mais que o recurso a encíclicas e restante tralha debitada profusamente pelo Vaticano, que a maioria dos crentes desconhece.

É sempre importante analisar a História, mas é especialmente importante nesta altura em que, despojados das máscaras de tolerância e laicidade impostas pelo vergonhoso papel desempenhado pelo Vaticano na II Guerra Mundial – cuja limpeza de imagem ditou o concílio Vaticano II – os censores moralistas de Roma retomaram as suas prelecções obsessivas contra os ideólogos do mal, protagonizados por todos os que não só não aceitam os dogmas que debitam, como se recusam a permitir que seja o Vaticano a ditar as leis que regem os respectivos países.

Tal como Marco Pórcio Catão, o objectivo dos pregadores é exponenciar o ódio das populações contra esses supostos ideólogos do mal. Os frutos da campanha de intolerância do Vaticano contra os que não acatam os seus ditames são bem conhecidos dos colaboradores do Diário Ateísta, considerados servidores de «Satanás e seus Demónios», por um piedoso leitor que mais nos informou por mail ser «Pena não haver nos dias de hoje o Santo Oficio, Jesus disse ‘arvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo’, a Inquisição, infelizmente mal sucedida, livrou alguns da heresia» – aliás, opinião «benevolente» em relação à Inquisição partilhada por alguns dos devotos do movimento «Comunhão e Libertação», emulador do Opus Dei, que comentam nestas páginas.

A democracia, indissociável do pluralismo, da liberdade de opinião e expressão e da tolerância, foi uma conquista árdua contra o totalitarismo e intolerância da Igreja. Urge a vigilância da intolerância religiosa para que o fim desta história não seja o retorno da história, isto é, da militância religiosa das guerras «santas» e da sanha persecutória da Inquisição, desejadas por muitos! E para isso urge o desmascarar das pretensões revisionistas da ICAR!

1 de Julho, 2006 Palmira Silva

Totalitaritarismo e vitimização: a invenção da cristofobia

Como já referi, as religiões alimentam-se de «mártires» e sem estes fenecem. Em particular a ICAR agita incessantemente a bandeira de supostas perseguições a cristãos, pois como afirmou Edward Novak, secretário da Congregação para as Causas dos Santos, «De um mártir» nascem «centenas, milhares» de novos fiéis. Isto é, para angariar clientela e inflamar os fundamentalistas é necessário inventar perseguições e glorificar os «mártires» que se «sacrificam» em nome de uma qualquer «causa» cristã, seja ela o aborto ou a Inquisição «anti-católica» que rejeitou Rocco Buttiglione.

O cúmulo do absurdo da cristianovitimização pode ser apreciado nas manobras e pressão exercidas pelo Vaticano para que seja aprovado um novo termo: a «cristianofobia».

Este termo recente foi rapidamente incorporado no léxico dos fundamentalistas que querem submeter todos aos ditames do Vaticano, com especial reprodução mediática após a publicação do livro «Política sem Deus. Europa e América, o cubo e a catedral» (Edições Cristandade), do teólogo católico George Weigel. De facto, desde a sua publicação que os fanáticos cristãos gritam «cristofobia» sempre que os poderes públicos não condescendem em transcrever na letra da lei os anacrónicos (e acéfalos) ditames da Igreja de Roma.

George Weigel, conhecido por ser o biógrafo de João Paulo II («Testemunho de esperança»), interroga-se sobre as razões que levam os intelectuais europeus a serem «cristianofóbicos» (sinónimo de laicos para os fundamentalistas católicos). Claro que a resposta óbvia é completamente ignorada e para conduzir os mais incautos à resposta convoluta e falsa que a ICAR pretende passar – e como subproduto alimentar a desconfiança em relação aos intelectuais de cuja influência perniciosa se devem afastar os «simples» cristãos – Weigel lança-se numa série de lucubrações erróneas.

Nomeadamente sobre a razão porque a «nata» da intelectualidade neste continente não reconhece que os males que assolaram (e assolam ) a Europa desde o início do século XX, proeminente entre esses males a II Guerra Mundial e concomitantemente o nazismo, se devem a uma «laicidade radical», ao «drama do humanismo ateísta», termo cunhado pelo jesuita Henri de Lubac no livro homónimo.

Lubac argumentava, na linha do revisionismo histórico Icariano, que a crise civilizacional que atravessou a Europa durante a II Guerra, isto é países católicos ou predominantemente católicos contra os aliados (países anglicanos, protestantes e ateus) se devia à rejeição de Deus em nome da liberdade humana. Na realidade, a série de posts (incompleta) sobre o que se passou na época revela como absurda a pretensão católica. Não foi a rejeição de Deus que motivou o Holocausto, Deus esteve presente em todos os discursos que convenceram os cristãos habitantes dos países do Eixo de que aquela era uma «guerra justa». «Guerras justas» que continuam a ser a praga anacrónica da modernidade.

A «guerra justa» movida pelo devoto teólogo é agora a desacreditação dos intelectuais europeus, incluindo católicos «liberais», que supostamente manifestam em elevado grau essa cristofobia porque assumem (correctamente) que o «único espaço público que garante o pluralismo, tolerância, civismo e democracia é um espaço público que é completamente ateu», isto é um espaço público laico, uma abominação aos olhos dos fundamentalistas cristãos.

Assim, Weigel identifica oito aspectos ou dimensões que, na opinião de Weigel, dissociam a «ética» cristã, especialmente na versão exegética do Vaticano, da ética expressa no direito da Europa, segundo ele comprometida com os direitos humanos, com a democracia e com o império da lei. Quais são então para o teólogo católico as 8 fontes de «cristofobia»?

Alguns das fontes identificadas são constatações de factos, históricos e político-sociais, embora com algumas omissões e distorções que pretendem conduzir um leitor menos esclarecido às conclusões (erradas) pretendidas, nomeadamente que todos os males do mundo advêm da rejeição de Deus da praça pública.

O ponto 1 é absolutamente certeiro e verdadeiro. Se abstrairmos o revisionismo histórico católico que persiste em lavar a História e tentar vender o nazismo como sinónimo de ateísmo, reproduzido em itálico, não podia estar mais de acordo com o teólogo:

1. [A primeira componente dessa cristofobia é] a experiência do Holocausto no século XX e a convicção que se tem em círculos intelectuais e políticos europeus de que as atrocidades genocidas da shoah foram consequência lógica do antijudaísmo cristão que atravessa a história europeia. Por conseguinte, uma Europa que grita «Nunca mais» ante a tragédia de Auschwitz e todas as outras, tem de dizer «Não!» à possibilidade de que o Cristianismo tenha algo a ver com uma Europa tolerante.

O ponto 4 é absolutamente cretino, isto é, o teólogo que esquece convenientemente quem deu o poder ou quem estava no poder nos países que se aliaram a Hitler e na própria Alemanha, carpe a «contínua quebra do papel dominante» dos «partidos políticos democrata-cristãos na Europa». Ou seja, para Weigel os eleitores que votam em outros partidos fazem-no não por razões políticas mas sim porque são «cristofóbicos».

Carpimento que continua na quinta dimensão em que Weigel considera cristofobia o facto de se «identificar o Cristianismo com a direita» e muitos descreverem a democracia cristã «como xenófoba, racista, intolerante, fanática, estreita de visão, de corte nacionalista e tudo o que Europa não deveria ser».

A sétima dimensão é um dos pontos, em conjunto com o primeiro, mais importantes da lista (porque revisonistas da História) já que neste ponto Weigel ulula contra os intelectuais que alimentam «uma visão distorcida da história europeia» que enraíza a «democracia no Iluminismo» raízes «que são as que alimentam o projecto democrático» e esquecem as raízes cristãs da «democracia na Europa cristã anterior ao Iluminismo». Não sei se o devoto católico inclui, como alguns dos nossos leitores, esse instrumento fundamental para a democracia (?) e tolerância cristãs medievais que foi a Inquisição…

28 de Junho, 2006 Palmira Silva

O Cardeal Heil Hitler

Mal as forças alemãs marcharam sobre Viena em Março de 1938, no início do Anschluss, o Cardeal Theodore Innitzer, arcebispo de Viena, entrou em contacto com Hitler. Três dias depois envia instruções aos seus subordinados: «Os crentes e aqueles que cuidam das suas almas, devem submeter-se incondicionalmente ao Führer e ao grande estado germânico. A batalha histórica contra a ilusão criminosa do bolchevismo e para a segurança da Alemanha, por trabalho e pão, para o poder e honra do Reich e pela unidade da nação germânica, têm manifestamente a bênção da Divina Providência».

Duas semanas depois o episcopado austríaco emite um comunicado de apoio ao plebiscito sobre a incorporação da Aústria no III Reich (que teve o apoio de 99,73% dos votantes) em que se pode ler «No dia do plebiscito é claramente o nosso dever nacional, como alemães, declararmo-nos em favor do Reich germânico, e esperamos igualmente que todos os crentes cristãos percebam correctamente o seu dever para com a nação».

No primeiro de Abril de 1938, a assinatura de Innitzer numa mensagem para o Cardeal Bertram, é precedida por «Und Heil Hitler!», a mesma saudação inscrita na carta dirigida a Gauleiter, Fritz Bürkel, que acompanha a declaração de júbilo dos bispos austríacos pela (próxima) anexação da Áustria. Nesta declaração os bispos reconhecem ainda «com alegria» «que o movimento Nacional Socialista realizou e continua a realizar excelentes resultados na área do desenvolvimento étnico e económico da Alemanha».

Innitzer era conhecido como o Cardeal Heil Hitler.

27 de Junho, 2006 Palmira Silva

Propaganda ateísta?


Propaganda croata. De notar que o Arcebispo de Zagreb, Alojzije Stepinac, beatificado por João Paulo II em 1998 era um devoto da «Virgem» de Fátima, que «prometeu» a conversão da Rússia. Stepinac era também um devoto de Hitler e Ante Pavelic, o criminoso lider católico dos Ustase, poglavnik (equivalente a führer) do Estado Independente da Croácia, criado depois de Hitler ter invadido a Jugoslávia em 1941.

«Deus, que dirige o destino das nações e controla o coração dos reis, deu-nos Ante Pavelic e inspirou o líder de um povo amigo e aliado, Adolf Hitler, para usar as suas tropas vitoriosas para dispersar os nossos opressores. Glória a Deus, a nossa gratidão a Adolf Hitler e lealdade ao nosso Poglavnik, Ante Pavelic.»
Carta Pastoral de 1941 do Arcebispo (agora santinho) Alojzije Stepinac.

Itália – Deus, Pátria e o Rei: Pio XI, Mussolini e o Rei

27 de Junho, 2006 Palmira Silva

Era Hitler um ateu?


«Assim, nós assumimos a luta contra o movimento ateísta, e não apenas com algumas declarações teóricas: nós eliminámo-lo»
Adolf Hitler, discurso em Berlim, 24 de Outubro de 1933.

«Escolas laicas não podem alguma vez ser toleradas porque escolas dessas não têm instrução religiosa; uma instrução moral sem fundação religiosa é construída no ar; consequentemente toda a formação de carácter deve ser assente na fé»
Adolf Hitler, discurso de 26 de Abril de 1933.

«Imbuídos do desejo de garantir para o povo alemão os grandiosos valores religiosos, morais e culturais enraízados nas duas confissões cristãs, nós abolimos as organizações políticas mas fortalecemos as instituições religiosas»
Adolf Hitler, discurso no Reichstag, Berlim, 30 de Janeiro, 1934.

«Porque os seus interesses [da Igreja] não podem deixar de coincidir com os nossos na luta contra os sintomas de degenerescência no mundo de hoje, na nossa luta contra a cultura bolchevique, contra o movimento ateísta, contra a criminalidade e na nossa luta por uma consciência de comunidade na nossa vida nacional». Adolf Hitler, discurso em Koblenz, 26 de Agosto de 1934.

Um artigo publicado no jornal Lansing State Journal (Lansing, Michigan) de 23 de Fevereiro de 1933 dá conta das intenções do nazismo em combater o ateísmo, via uma campanha contra o «movimento sem Deus».

Alguns discursos de Hitler, recheados de cristianismo, podem ser encontrados aqui. A colecção completa, incluindo as citações reproduzidas, pode ser apreciada em «The Speeches of Adolf Hitler», April 1922-August 1939, Vol. 1 of 2, Oxford University Press, 1942.

25 de Junho, 2006 Palmira Silva

Igreja Católica e Holocausto – Divini Redemptoris

À esquerda: Assim falou Cristo: primeira página da publicação nazi Der Stuermer. O cartoon representa a Juventude Hitleriana em marcha para escorraçar as forças do mal. Na legenda da figura lê-se «Com a vossa fé correrão com o Diabo da terra». À direita «Heil ao Führer de todos os alemães!» primeira página do German Deacons’ Gazette, Abril de 1939, isto é, depois da Krystalnach (noite de Cristal) e mais atrocidades do regime nazi terem sido cometidas.

É didáctico comparar a encíclica «Com ardente inquietação» com a Divini Redemptoris, «sobre o Comunismo ateu», publicada 5 dias depois.

Nesta encíclica não são necessários quaisquer dotes de imaginação (católica) para ler nas palavras do Papa uma condenação vívida «do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã».

Ameaça perante a qual «não podia calar-se nem de facto se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna».

No entanto, esta Sé apostólica com os predicados que Pio XI reclama não debitou uma única palavra de condenação quer ao fascismo quer ao nazismo, certamente por não constituirem ameaça para os «bens imortais» defendidos pela Igreja.

De facto, nenhum Papa se deu à maçada de fazer para as ideologias nazi e fascista o que ocupa as muitas páginas desta enciclica: uma exposição dos «princípios do Comunismo ateu, como se manifestam principalmente no Bolchevismo, e os seus métodos de acção» a que se segue a exposição da «Necessidade de Recorrer a Meios de Defesa» para combater o «satânico flagelo bolchevista».

Muito menos sentiu a santa madre igreja a necessidade de lançar em relação ao nazismo «um angustioso apelo às forças morais e espirituais» para o combate ao «mal de natureza espiritual» «fonte» de «que brotam, por uma lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo», combate para que a mesma Igreja a «bem da humanidade, exige que não se ponham obstáculos à sua actividade».

Isto é, esta encíclica, que denuncia os «erros dos comunistas» já condenados explicitamente pelos seus antecessores, reflecte a «Necessidade de Um Novo Documento Solene» que explique claramente que «O Comunismo é intrinsecamente perverso, e não se pode admitir, seja em que terreno for, qualquer colaboração com ele, da parte de quem queira salvar a Civilização cristã».

Nunca algo remotamente análogo foi dito em relação ao nazismo!

Assim, são muito pertinentes as questões levantadas por Alfredo Pimenta no seu artigo de 1944:

«Pergunto aos homens de boa fé, aos espíritos desapaixonados, às inteligências lúcidas e críticas: há comparação possível entre as duas Encíclicas? (…) Na luta actual, um católico não pode optar, sem perigo de consciência, pela vitória do Reich nazista, contra a Rússia comunista? Na luta actual, não tem o católico o dever de desejar a vitória da Alemanha contra a Rússia?

O Episcopado britânico proclamou, em 29 de Novembro de 1936: ‘um católico não pode ser comunista, e um comunista não pode ser católico’. Quando disse o Pontífice, em sua Encíclica ou fora dela, que um católico não pode ser nacional-socialista, e um nacional-socialista não pode ser católico?

O Episcopado alemão proclamou em 24 de Dezembro de 1936: ‘O Führer e Chanceler Adolfo Hitler viu vir de longe o Bolchevismo, e consagrou-se a afastar este perigo terrível para o nosso povo alemão e para todo o Ocidente. Os bispos alemães entendem que lhes cumpre ajudar nesta o Chefe do Reich alemão com todos os meios sagrados de que dispõem’».

25 de Junho, 2006 Palmira Silva

Igreja Católica e Holocausto: Com ardente inquietação

Eugenio Pacelli (depois Pio XII) assina a Concordata entre a Alemanha nazi e o Vaticano numa cerimónia formal em Roma, realizada em 20 de Julho de 1933. Na fotografia, à esquerda de Pacelli senta-se o vice-chanceler nazi Franz von Papen; à direita Rudolf Buttmann, o embaixador alemão junto do Vaticano.

«Ninguém pensaria em impedir os jovens alemães de estabelecer uma verdadeira comunidade étnica, [baseada] num amor nobre da liberdade e lealdade ao seu país. Aquilo a que objectamos é o antagonismo voluntário e sistemático entre educação nacional e dever religioso»(…)
«Praticada com moderação e dentro de limites, a educação física é uma benesse para a juventude. Mas tanto tempo é agora dedicado a actividades desportivas que o desenvolvimento harmonioso do corpo e do espírito é esquecido e a observação do dia do Senhor negligenciada. (…) Mas esperamos da juventude católica, nas organizações mais favoráveis do estado, que mantenha o seu direito à santificação cristã do domingo».

Este é o conteúdo do ponto 34 da encíclica Mit brennender Sorge, (Com ardente inquietação, restrita à situação da Igreja no Reich, mais nada é abordado nela) de 14 de Março de 1937, «sobre a situação da Igreja Católica no Reich alemão» – «uber die Lage der katolischen Kirche im Deutschen Reich», a tal que é suposta condenar «o racismo nazista de modo solene». Só mesmo uma ardente imaginação permite concluir algo remotamente parecido desta encíclica, que tal como a análoga italiana «Não havia necessidade», reflecte apenas as quezílias inevitáveis entre instituições totalitárias: a Igreja e o Estado, nazi e fascista, respectivamente na Alemanha e em Itália.

As nuvens que toldavam um entendimento de outra forma perfeito tinham a ver com o domínio absoluto e exclusivo sobre certos sectores da sociedade, nomeadamente a educação dos jovens, que quer Estado quer Igreja consideram da sua competência. Em ambas as enciclicas Pio XI reclama uma fatia maior na doutrinação dos jovens, que ele vê usurpada pelo Estado dos dois países, não obstante verberar que tal é garantido pelas Concordatas assinadas entre o Vaticano e a Alemanha nazi e Itália fascista.

A encíclica «Com ardente preocupação», que se inicia relatando as dificuldades encontradas pelo Vaticano nas negociações da Concordata, acusa as autoridades alemãs de violar os termos da dita, especialmente, claro, no que diz respeito à educação. Referindo que existe uma «campanha contra as escolas confessionais, garantidas pela Concordata» responsável pela «extrema gravidade da situação, e da ansiedade de todas as consciências cristãs» coarctadas «do direito de uma educação católica aos seus filhos». Isto é, o que preocupa Pio XI e ele denuncia vivamente, nem sequer remotamente tem a ver com a situação dos judeus ou outros grupos perseguidos, apenas com … o proselitismo católico, que considera ameaçado!

De qualquer forma, o Sumo Pontífice expressa a sua esperança de que se «retorne à fidelidade aos tratados [Concordata] e a qualquer arranjo que seja aceitável ao episcopado». Mas este arranjo aceitável ao episcopado tem a ver apenas com a situação da Igreja católica, não há qualquer condenação de doutrinas ou ideologias, nem qualquer declaração de incompatibilidade do nazismo com o catolicismo. Mais uma vez temos apenas uma condenação de situações pontuais, relacionadas com a Igreja, que o Papa espera serem obviadas com a encíclica.

Aliás, a encíclica, na realidade um longo queixume do Papa, nem sequer menciona ideologias políticas ou algo que não seja relacionado com a perda de poder da Igreja, são necessários grandes dotes de imaginação (católica) para ver nela qualquer combate, ataque ou condenação à ideologia nazi.

Como escreveu Alfredo Pimenta, num artigo publicado em «A Nação» a 16 de Março de 1944 (um longo excerto do artigo pode ser encontrado aqui):

«A Encíclica Mit brenennder Sorge termina por palavras de esperança em melhores dias que deverão ser aproveitadas ‘na luta contra aqueles que negam Deus e arruinam o Ocidente cristão’ – ou seja o Comunismo! E tanto que o Osservatore Romano de 22 e 23 do mesmo mês de Março afirma não acreditar que houvesse um alemão que não apreciasse o desejo do Pontífice de ver a Alemanha ‘no seu lugar de honra entre as nações cristãs contra o satânico flagelo bolchevista’».

(continua)
24 de Junho, 2006 Palmira Silva

Igreja Católica e Holocausto – Não havia necessidade

Mussolini com os pios Pios, versão Diego Rivera e versão ao vivo.

Para além da extinção da Acção Católica, a encíclica Non Abbiamo Bisogno – que se pode traduzir livremente por «Não havia necessidade» – carpe a diminuição da importância da igreja no proselitismo de crianças e jovens. Lavagem cerebral desde a tenra infância transferida para o Estado fascista, que segundo Pio XI, «monopolizando completamente os jovens, desde os seus mais tenros anos até à idade adulta, para o benefício exclusivo de um partido e de um partido baseado numa ideologia que claramente se revela numa verdadeira adoração pagã do Estado» «proíbe as pequenas crianças de irem para Jesus Cristo».

Ou seja, Pio XI, condena essencialmente Mussolini (e Hitler) por este pôr lado a lado a desejada idolatria da Igreja Católica com a «Estatolatria», expressa concisamente na máxima fascista: Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato (Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado). Ou seja ainda, é «uma injustificável pretensão que é irreconciliável com o nome e a profissão de fé católica, ensinar à Igreja e ao Papa o que é suficiente ou deve ser suficiente para a Educação e formação cristã da alma», isto é, decidir a quantidade de proselitismo que a Igreja pode levar a cabo nas instituições públicas, violando assim «outro direito da Igreja igualmente inviolável», o direito ao proselitismo exclusivo e ilimitado .

Relembrando que «é um erro grave e desastroso» acreditar e passar a mensagem que é suficiente «a instrução religiosa dada nas escolas e a presença de padres nas Associações de Juventude do Partido [Fascista]. As duas são certamente necessárias».

Mas «não são suficientes», apenas permitem à Igreja «o mínimo da sua efectividade espiritual e sobrenatural» já que são conduzidas numa «concepção de Estado que faz com que as gerações em crescimento pertençam a ele [Estado] inteiramente, sem alguma excepção» o que não pode «ser reconciliado com a doutrina católica ou com os direitos naturais da família», que reinvidicam esse privilégio para a Igreja, acrescentando que «não é possível a um católico aceitar a pretensão de que a Igreja e o Papa se devem limitar às práticas exteriores da religião».

Mas Pio XI esclarece que «Nós não dissemos que queremos condenar o partido [fascista]». Muito longe disso. De facto «Nós realizámos um bom trabalho em prol do partido [fascista]» e «Já dissemos que conservamos e conservaremos uma lembrança e uma eterna gratidão pelo que foi feito em Itália pelo bem da religião [católica, claro]».

O Papa queixa-se apenas da «ingratidão» dos fascistas italianos a quem, como Pio XI recorda, lhes concedeu todo o apoio, e agora querem limitar o poder da Igreja. Mas deixa o aviso que, para se impor num país de cultura católica como a Itália, o fascismo não pode hostilizar a Santa Sé. «Que interesse e que sucesso pode ter um partido, num país católico como a Itália, mantendo no seu programa, ideias e práticas que não podem ser reconciliadas com a consciência católica?».

Porque a alegação de que «A Itália é um país católico mas anti-clerical» é uma blasfémia já que «ninguém está nesta única Igreja de Cristo e ninguém nela permanece a não ser que, obedecendo, reconheça e acate o poder de Pedro e de seus sucessores legítimos». (Encíclica Mortalium animos, de 6 de Janeiro de 1928)

Assim, Pio XI expressa a sua «esperança confiante» de que tais ideias e práticas sejam abandonadas e assim seja devolvido à Igreja o que é dela por «mandado divino»: «a educação e formação cristã dos jovens» que ela [Igreja] «deve sempre reclamar com uma insistência e intransigência que nunca pode cessar ou enfraquecer».

Ou seja, a encíclica exprime o desejo de convivência do Vaticano com o regime fascista e expressa uma condenação não de doutrinas mas de acções pontuais que limitam a influência da Igreja Católica, «a depositária infalível da verdade».

Em relação às perseguições feitas a Judeus e outros grupos, as encíclicas Non abbiamo bisogno e Mit brennender Sorge e são completamente omissas, com uma «honrosa» excepção, na primeira, para louvar a perseguição movida pelos fascistas italianos ao «socialismo e organizações anti-religiosas» naquele país.

Pouco depois da publicação da enciclica «Não havia necessidade», Mussolini cede à pressão do Vaticano e à pressão internacional que a extinção da Acção Católica italiana despoletou e esta volta em força à cena política italiana.

Em 1932, Pio XI recebe Mussolini por ocasião da celebração do décimo aniversário da sua tomada de poder e confere-lhe a l’Ordine dello Speron d’Oro. Mussolini retribui agraciando Eugenio Pacelli, núncio apostólico na Alemanha de Hitler e futuro Pio XII, com o Collare dell’Annunziata, a mais alta condecoração da casa de Sabóia, abolida com a implantação da República em 1946.