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Palmira Silva

21 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De questões de consciência, boutades e embriões – II

Perto da boutade de Gentil Martins empalidecem as outras das excomunhões, dos avisos aos crentes de que o voto SIM implica que «não podem casar, baptizar-se e nem poderão ter um funeral religioso», das Marias que choram, das cruzadas de terços e até do dislate dos telemóveis do nosso cavaleiro da pérola redonda e opinador de segunda, JC das Neves!

Mas em relação à opinação deste último, na realidade uma sociedade tecnológica, moderna, é incompatível com uma sociedade que criminaliza a liberdade de consciência de metade dos seus membros! E é uma sociedade que nos lembra que o que nos distingue dos restantes animais é exactamente a capacidade do Homem em alterar o curso da Natureza, em modificar o Futuro (valioso ou não) pelas suas acções!

O que distingue o Homem dos restantes animais é a capacidade de alterar potencialidades «naturais» com a sua acção. Ninguém protesta por as acções contra natura do Homem evitarem que se morra de uma simples infecção ou permitirem a utilização de telemóveis!

Porque razão os pró-penalização se recusam em capitalizar Homem e pretendem manter a mulher, contra sua vontade, agrilhoada às leis da Natureza? Porque pretendem manter a mulher presa a uma animalidade «natural» em vez de a assumirem como integrante da humanidade, fazedora consciente de futuros improváveis?

Ninguém nega que se deixado entregue à Natureza, sem interferências humanas, a probabilidade de um embrião se desenvolver numa pessoa é elevada. Assim como é elevada a probabilidade de o mesmo acontecer se se deixar à Natureza o resultado de uma sexualidade «natural», isto é, sem contraceptivos nem abstinências contra natura.

O desenvolvimento de uma nova pessoa depende de acções humanas, há já muitos anos que não segue o curso da Natureza. E essa pessoa está tanto em potencial num óvulo como num embrião! A vontade e acção humanas determinam se essa potencialidade irá evoluir para uma pessoa.

Mas algo em potencial não é esse algo, como este fantástico comentário do Lino exemplifica: «Mas chega dizer-lhe que todos somos potenciais cadáveres, mas nenhum de nós gostava de ser cremado antes de morrer.»

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20 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De questões de consciência, boutades e embriões

Concordo plenamente com António Costa quando este, invocando as concepções de Direito de um Estado moderno, confirmou o que todos, cruzados pelo NÃO inclusive, admitem, que «a decisão de fazer ou não um aborto é uma questão de consciência pessoal que deve sair da esfera dos poderes de Estado».

«Aquilo que são questões de consciência não são susceptíveis de ser criminalizadas – não devem ser criminalizadas questões de consciência política, religiosa ou ética. São decisões íntimas, individuais e pessoais de cada um que o Estado deve escrupulosamente respeitar e não se deve intrometer.»

Que existam pessoas que por razões religiosas ou influenciados por preconceitos de género – inadmissíveis de serem transpostas para a lei numa democracia moderna – considerem ser um embrião uma «criança» é uma opinação subjectiva, de consciência, que não podem impor a toda a população! Mas não consigo perceber como podem achar legítimo meter na prisão quem não pensa como eles! Não consigo perceber que ignorem (ou pretendam) as consequências do aborto clandestino e as humilhações em praça pública das centenas de mulheres que nos últimos 8 anos foram investigadas por abortar!

Assim, fiquei chocada com as declarações públicas de Gentil Martins quando inquirido sobre a morte de uma mulher em consequência de um aborto clandestino:

«O que é a morte de uma mulher comparada com a morte de 20.000 crianças?»

Choca-me que alguém possa ser tão fanático que considere a vida de uma mulher irrelevante, choca-me que no meu país ainda existam representantes do catolicismo mais jurássico que considere ser a morte de uma mulher a justa punição por um «pecado»!

Como António Vitalino Dantas, bispo de Beja, admitiu na passada quinta-feira, o embrião «não é pessoa humana, porque não tem consciência dos seus actos. Não tem alma».

Eu, que não acredito em almas, concordo com o dignitário católico. O embrião é uma forma de vida humana mas não é uma pessoa! Aquilo que nos torna pessoas, que nos distingue de outras formas de vida biológica, não está presente no embrião. Que um dos mais proeminentes cruzados pelo NÃO se atreva a insultar as portuguesas desta forma não pode ser deixado em branco!

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(continua)
19 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Consortio daemoniorum

«o bom cristão deveria estar atento aos matemáticos e a todos aqueles que fazem profecias vazias. Existe o perigo de que os matemáticos tenham feito um pacto com o diabo para obscurecer o espírito e confinar o homem no inferno». Agostinho de Hipona, aka santo Agostinho

Aparentemente os devotos do NÃO seguem à risca os conselhos do teólogo de eleição do actual Papa e fogem do rigor matemático como do Demo. Esta capa do Correio da Manhã de 14 de Janeiro ilustra perfeitamente o horror aos números dos pró-penalização e anti-liberdade de consciência da mulher. O mesmo jornal que anunciou há uns tempos que 350 000 portuguesas já abortaram (número que, dada a clandestinidade do aborto, peca necessariamente por defeito) vem agora na linha de Vasco Pulido Valente tentar passar a mensagem falsa de que o aborto é uma questão residual. Que não é!

Como já abordei, a extrapolação do que se passa na Europa civilizada, em que a IVG por opção da mulher é despenalizada pelo menos até às 10 semanas, há acesso a contracepção segura e a educação sexual desde os bancos da escola, permite prever que no mínimo 1 em cada 2 portuguesas, em média, já interromperam uma gravidez.

No debate de ontem a recomendação de Agostinho de Hipona àcerca de previsões estatísticas foi seguida «escrupulosamente» pelos devotos do NÃO presentes, que afirmaram ir a despenalização a IVG conduzir a um aumento exponencial do número de abortos. Na realidade, criminalizada ou não, quando uma mulher considera não ter condições para levar a termo uma gravidez indesejada interrompe-a mesmo. Sujeita a riscos consideráveis para a sua saúde, às mais diversas humilhações na praça pública e a uma pena de prisão até 3 anos se o fizer em Portugal, ou em segurança e condições dignas se se deslocar a Espanha.

Por esta última razão, é falacioso tentar usar informação da vizinha Espanha não só comparando directamente dados de 1985, ano em que foi aprovada a lei da despenalização em Julho, com os últimos valores disponíveis. Como deveria ser óbvio para todos, os primeiros anos em que a IVG é despenalizada num país não devem ser incluidos numa análise de tendências.

Mas principalmente esquecendo que cada vez mais portuguesas se deslocam a Espanha para cumprir a sua opção de consciência no país vizinho. Relembro que apenas na Clínica dos Arcos em Badajoz, uma entre 120 análogas em Espanha, 4000 portuguesas interromperam a gravidez no ano passado. Os dados de Espanha não discriminados por nacionalidades, que indicam ter existido em 2006 um aumento de 6.5% em relação ao ano anterior, não podem ser analisados sem ter em conta este factor.

Por outro lado deve ser analisada a evolução global das estatisticas, não podemos apenas olhar pontualmente para os dados. Isto é, uma vez que factores económicos e de segurança de emprego pesam substancialmente na decisão por uma IVG, em tempos de crise – como os que actualmente vivemos, em Portugal especialmente – podem existir flutuações pontuais numa tendência de diminuição.

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18 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Campanha de excomunhão – II

As manobras intimidatórias e a chantagem emocional sucedem-se a uma velocidade alucinante. Para além dos folhetos mais indescrítiveis de puro terrorismo psicológico, descubro via Renas e Veados que o cónego de Castelo de Vide e Portalegre, Tarcísio Fernandes Alves, no seu quarto boletim semanal sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, distribuído aos fiéis na missa do passado domingo, avisa que serão excomungados os que votarem SIM e os «que se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo que os irá impedir de participar na missa».

Acho que, tal como o João Oliveira, vou aproveitar o ensejo para ser retirada dos registos que me consideram católica pelo facto de a minha mãe me ter baptizado com alguns dias de vida. Face ao que explicou o empenhado pároco, espero que a minha desbaptização seja automática mal o pároco de Santos-o-Velho receba a minha carta registada confirmando a minha excomunhão e concomitante pedido para ser retirada da contabilidade que a ICAR esgrime para contar espingardas e exigir benesses. E espero que, a exemplo do que acontece em Espanha, o meu pedido não seja recusado. Suponho ser pouco católico fazer ameaças vãs…

Mas a próxima ameaça anunciada pelo cruzado contra a liberdade de consciência da mulher induz-me um frémito expectante pelas suas consequências. De facto, o pároco afirma que o próximo boletim avisará as católicas que «quem fizer aborto não poderá ter um enterro religioso».

Olhando para as estatísticas internacionais disponíveis sobre a taxa de aborto, considerando que Portugal tem uma taxa de natalidade das mais baixas da Europa e que não há qualquer razão para considerar que cá no burgo a eficácia dos contraceptivos sobe vertiginosamente em relação à que apresenta no resto da Europa, diria que, com base no indicador médio europeu sobre o número de abortos por mulher, no mínimo metade das mulheres portuguesas não terão direito a um funeral religiososo. Por exemplo nos Estados Unidos, com uma taxa de natalidade em 2004 de 2,05, muito superior à nacional de 1,42, em média 7 em cada 10 mulheres faz um aborto.

Na realidade, embora a clandestinidade a que o condicionalismo católico remeteu o aborto não permita qualquer tipo de estatísticas, uma vez que o mesmo condicionalismo e falsa moralidade inibem a educação sexual e o planeamento familiar encontrados nos países livres das teias de aranha religiosas, – que curiosamente são os que apresentam maiores taxas de natalidade na Europa – diria não ser arriscado extrapolar que a taxa de aborto em Portugal deve ser substancialmente superior à verificada nos restantes países europeus – com excepção das ex-Repúblicas soviéticas – e estar mais próxima das estimadas para a América Latina. Países em que todas as mulheres realizarão em média entre 1 a 1,5 abortos ao longo da vida!

Assim sendo, e acreditando mais uma vez que estas não são ameaças em vão, seria útil que os nossos governantes começassem a pensar seriamente na construção de tanatórios em todo o país já que espero que os portugueses não se deixem coagir pelas manobras da Igreja de Roma e o resultado do referendo de 11 de Fevereiro mostre claramente a maturidade cívica e de cidadania nacional!

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18 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Campanha de excomunhão


Que a questão do referendo à despenalização da IVG é encarada pela ICAR como uma guerra sem tréguas, uma forma de pressão política para mostrar aos partidos quem manda em Portugal, é óbvio para todos sem precisarem de ler esta amostra de péssimo jornalismo, que mistura oráculos à la Pat Robertson com a contumaz vitimização católica.

Se alguém acreditasse no monte de disparates que passa por jornalismo no Semanário, só podia esperar de um José Sócrates, que a imaginação delirante do jornalista apresenta como profundamente arrependido, um mea culpa na Conferência o SIM RESPONSÁVEL – a realizar já no próximo sábado, dia 20, no Teatro Camões, Parque das Nações -, pela suposta perseguição à ICAR do seu governo manifesta no referendo que se avizinha! E será desenganado dessa ilusão quando as televisões transmitirem excertos da dita já daqui a uns dias!

Na realidade, a perseguição «implacável» carpida pelo jornalista ao serviço da ICAR e cruzado contra Vital Moreira reduz-se ao cumprimento (parcial) da Constituição. Nomeadamente traduziu-se na recente alteração do protocolo de Estado – episódio que o devoto jornalista descreve como lamentável e uma «humilhação da posição da Igreja Católica»- e na remoção de (alguns) crucifixos nas escolas públicas onde se registaram queixas pela sua presença. Mero cumprimento da lei máxima nacional que a Igreja Católica e seus cruzados, que se acham acima da lei dos homens, transformou numa guerra das cruzetas.

Mas especialmente, de acordo com o devoto jornalista do Semanário, a «perseguição» à Igreja Católica aduz-se da convocação do referendo de 11 de Fevereiro! Isto é, deixar os portugueses decidir sobre um problema de saúde pública e sobre o cumprimento da Declaração dos Direitos do Homem, nomeadamente sobre a liberdade de consciência da mulher, só pode ser uma «perseguição» à Igreja!!

Perseguição a que o Vaticano não podia deixar de responder e traduziu-se na recusa de Ratzinger em visitar o país, mais concretamente Fátima, em retaliação! Concordo plenamente que todos os episódios descritos sejam encarados como «perseguição» pela Igreja de Roma, que se acha no direito de impor a todos os seus dislates e se ulula perseguida quando coarctada nas suas ambições totalitárias e integristas. Mas parece-me um pouco bizarro que o mesmo Ratzinger que se deslocou com pompa e fanfarras à Espanha de Zapatero se recuse por estes motivos visitar o Portugal de Sócrates!

Mas suponho não necessitar a sucursal nacional da Igreja de Roma, que nunca se engana e sequer alguma vez tem dúvidas, da ajuda de Ratzinger para delinear a cruzada pelo NÃO ao referendo.

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17 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Debate sobre a despenalização da IVG

Amanhã, dia 18 de Janeiro, pelas 18:30, no Grande Auditório da Escola Superior de Saúde Egas Moniz.

Pelo sim irão estar presentes:

Miguel Duarte – Plataforma euvotosim.org
Palmira Silva – Plataforma euvotosim.org

Pelo não irão estar presentes:

Nelson Brito – Plataforma «Não Obrigada»
Catarina Almeida – Plataforma «Não Obrigada»

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17 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Pela liberdade de consciência da mulher

Os principais opositores à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, proeminente entre eles a Igreja Católica, concordam todos que o aborto é uma questão de consciência.

Porque razão, a um ano do sexagésimo aniversário da proclamação pela Assembleia Geral da ONU da sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz claramente no seu artigo 18º «Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião», a Igreja de Roma não reconhece esse direito à mulher?

Porque razão a Igreja, supostamente do concílio Vaticano II, permanece com o espírito de 1864 expresso na encíclica Quanta cura e no seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros, que condena como «loucura e erro» as liberdades de pensamento, de consciência e de religião?

Porque razão aqueles que comparam uma decisão de consciência à pena de morte, usando a recente execução de Saddam para a sua campanha terrorista, se arrogam donos e senhores das consciências femininas?

Porque razão aqueles que ululam ser uma pessoa um embrião ou feto, sem consciência de si nem do meio ambiente, abortado por opção da mulher – e apenas esse – não consideram serem pessoas as mulheres?

Ao que escreve Madalena Barbosa num artigo imperdível no Público de 4 de Janeiro acrescento que é tempo de Portugal entrar no século XXI quebrando as «condicionantes históricas» que formam «uma representação do feminino que lhe tira dignidade e o respeito do outro alimentando a «crença na irresponsabilidade das mulheres».

Se todos aceitam a IVG por decisão de uma comissão ética ou médica porque razão rejeitam tão veementemente a mesmissima decisão se tomada exclusivamente no feminino?

Como lembra Madalena Barbosa, Adão e Silva disse que, quando o Homem não decide, deixa de ser um cidadão e passa a ser um servo. No referendo de 11 de Fevereiro vamos todos e todas decidir, como cidadãos e não servos de qualquer religião, que sociedade queremos para Portugal: uma em que as mulheres são cidadãos plenos ou uma de servidão humana para a mulher!

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15 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Cruzada católica contra a liberdade de consciência

Imagens tiradas daqui.

Não obstante todas as prelecções do cardeal-patriarca de Lisboa de que na questão do referendo à despenalização da IVG a Igreja não está «em disputa com o resto da sociedade», todas as manifestações eclesiásticas indicam que esta disputa assume, como indica este folheto, os contornos de uma cruzada!

Para além de uma argumentação completamente imbecil, primária e irracional – uma vez que não têm um único argumento objectivo para se oporem ao alargamento das condições previstas na lei actual em que o aborto é permitido – a Igreja recorre a uma campanha terrorista de desinformação e a chantagem emocional, manobras inaceitáveis num estado de Direito, democrático e laico, para coagir os mais incautos ao voto pró-penalização!

Num estado de Direito democrático e laico não se criminalizam os pecados de uma qualquer religião, mesmo a que seja maioritária nesse país! A reparação do «Coração Imaculado de Maria» não é um argumento racional muito menos um argumento admissível num país civilizado!

Pode-se ler nesta carta:

«Como vos falei na circular de Outubro este é um problema que ameaça a paz no nosso país. O aborto é um pecado grave e é preciso reparar o Coração Imaculado de Maria».

Uma ameaça para a paz social são estas manobras divisionistas da ICAR, que disfarça o facto de estar em cruzada contra a liberdade de consciência das mulheres com comunicados inconsequentes de José Policarpo que alerta os párocos não poder ser a missa «lugar de campanha» – algo que nem o próprio Policarpo cumpre, já que foi o tema escolhido para as suas últimas homilias – uns dias antes de vários bispos se terem empenhado nas respectivas homilias na campanha pelo NÃO, por exemplo, o bispo de Angra, o bispo de Leiria ou o bispo da Guarda.

Acho revelador que o ataque desenfreado aos valores civilizacionais que devem reger um estado moderno por parte deste último dignitário da ICAR passe por um argumento económico, apelando ao egoísmo dos devotos, esgrimindo não deverem querer os «desinteressados» católicos que os dinheiros públicos sejam utilizados no combate deste problema de saúde pública!

Eu voto SIM por uma questão de valores e os meus valores não são negociáveis nem têm preço! Aparentemente o mesmo não se passa com muitos católicos, pelo menos assim o entende Manuel da Rocha Felício, bispo da Guarda!

Uma passagem por uma urgência de ginecologia, onde são remediados diariamente os muitos problemas resultantes de abortos de vão de escada ou de auto-aborto com Citotec, barato e fácil de adquirir no mercado clandestino, revelaria a profunda hipocrisia destes dignos representantes da Igreja de Roma que tanto se preocupam com o dinheiro que custará ao SNS a despenalização prevista no referendo mas ignoram os custos muito mais elevados, mesmo em termos económicos, do aborto clandestino!

Se «o aborto é uma questão de consciência», como afirmam estes dignitários católicos, algo que pertence ao «campo da liberdade pessoal e da consciência» acrescenta Policarpo, porque razão a Igreja se acha com legitimidade para negar à mulher quer a liberdade pessoal quer o direito à liberdade de consciência?

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14 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

8 perguntas

Estava hoje muito entretida numa prática há muito negligenciada – ler jornais em formato papel num local aprazível – quando me engasguei com o scone ao ler a página 7 do Diário de Notícias de hoje (link indisponível).

A reacção espontânea da minha glote deveu-se às três últimas respostas de Luciano Guerra, reitor do santuário de Fátima há quase 34 anos, como nos informa o DN, na rúbrica que dá título ao post:

«P: As pessoas não o confessam, mas fazem o aborto. A diferença [com a despenalização] é que deixa de ser clandestino.

R: Todos os pecadores pecam clandestinamente, mas estar na clandestinidade já é uma pena. Mas, se um marido engana a mulher é diferente ser no estrangeiro ou à sua frente.

P: É diferente porquê?

R: Evidentemente que não houve escândalo. Se faz o mal onde não há contágio, tem uma atenuante.

P: O problema é saber-se?

R: É menos mau.»

Confesso que fico completamente estupefacta com a moralidade católica advogada pelos seus responsáveis hierárquicos, os detentores da «verdade absoluta»! Não é a primeira vez que comento ser-me completamente impossível perceber a máxima católica «mais vale parecê-lo que sê-lo», aplicável não só à moral como à verdade! De facto, como já referi em relação às fraudes centenárias mantidas pela Igreja de Roma – o encorajamento da idolatria supersticiosa de «relíquias» que sabe serem falsas -, a Igreja considera não existirem problemas morais em encorajar a mentira, pelo contrário, é aconselhável perpetuar a mentira porque repor a verdade pode dar origem a «escândalos»!

Mas esta admissão de uma gradação do mal consoante se sabe ou não que foi cometido é uma confirmação indiscutível da hipocrisia da hierarquia católica! E confirma o que tenho escrito inúmeras vezes, que considero ser o grande obstáculo à evolução moral da Humanidade a religião em geral e a católica em particular. Devido ao seu inegável poder e influência, a Igreja de Roma mantém-nos reféns de um modelo social hipócrita, em que é mais importante parecer que ser, e que, para além do mais, está completamente obsoleto e desadequado da realidade actual.

Em relação à despenalização da IVG, sobre a qual vamos ser auscultados daqui a quatro semanas, relembro que vamos apenas responder se achamos que devem ou não ir para a prisão as mulheres que interromperem em Portugal uma gravidez até às 10 semanas que não esteja contemplada nas excepções da lei actual. Sem pruridos hipócritas como os demonstrados por Luciano Guerra a contaminar a decisão, muito menos considerações morais ou juízos de valor que não têm lugar no Direito de um Estado moderno, apenas determinam as leis em teocracias! A moral aplica-se nas nossas decisões individuais; apenas numa teocracia ou regime totalitário a liberdade de consciência é criminalizada e a moral é imposta a toda a população via Direito!

Isto é, já foi respondido em 1984, aquando da introdução da primeira versão desta lei, que Portugal não considera ser uma pessoa o embrião ou feto abortados. A discussão do estatuto ontológico do embrião está fora do debate subjacente a este referendo já que os Movimentos pelo Não, contrariamente ao que ainda pensei antes do lançamento da campanha, se declaram satisfeitos com a actual lei e não querem alterações a esta.

Ora a não ser que alguém tenha introduzido a pena de morte por razões eugénicas em Portugal quando eu estava distraída, a actual lei indica claramente que o país não confere o estatuto de pessoa ao embrião/feto até às 24 semanas (prazo até que se pode realizar um aborto por risco de malformação do feto)!

Que o aborto é um mal ninguém duvida, um mal que se deve evitar por todos os meios possíveis. Mas existem imensos males, o adultério por exemplo, que numa sociedade moderna não são criminalizados, os chamados crimes sem vítimas! E a actual lei – com a qual estão de acordo todos os movimentos pelo NÃO, que verberam ser ela tão excelente que deve permanecer inalterada – indica claramente que nem eles consideram existir uma vítima, isto é, nem os pró-penalização consideram ser uma pessoa o objecto de uma IVG.

Tirando ululações de que reconhecer à mulher a capacidade de exercer o direito à liberdade de consciência é um ataque aos direitos do homem – proferida por um homem com minúscula que ainda não capitalizou o «H» em direitos do Homem – não ouvi a algum mandatário do NÃO uma razão objectiva para quererem ver na prisão as mulheres que optarem por algo que reconhecem não ser um crime!

Isto é, não consegui ser esclarecida porque razão, no século XXI e em democracia, consideram os pró-penalização dever ser crime a liberdade de consciência da mulher e a concretização numa decisão dessa liberdade. Decisão sobre algo tão importante que está consagrado na Constituição: o direito a uma maternidade consciente!

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14 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Da incompreensão da ciência

Percentagem de pessoas que aceitam a evolução representada em função da posição política (conservador, moderado, liberal) e das convicções religiosas (fundamentalistas versus não fundamentalistas). Clique na imagem para aumentar.

Este gráfico pode ser encontrado na revista Science desta semana em que são analisados os dados de um inquérito a 3673 americanos que expressam uma verdade quasi à la Palice: quanto menor o grau de instrução, independentemente da posição política ou das convicções religiosas, maior a probabilidade de se rejeitar a evolução. Outro aspecto interessante desta análise é o facto de o conservadorismo político nos Estados Unidos – associado ao partido republicano, isto é aos religious right ou teocratas, se traduzir numa maior probabilidade de uma posição anti-ciência.

Isto é, como indica PZ Meyers no indispensável Pharyngula, é um dado preocupante que muitos americanos não aceitem a evolução – e a ciência em geral – apenas porque essa é a posição anti-ciência do seu partido de eleição. Aliás, posição anti-ciência que poderá ser apreciada em breve já que a Câmara dos Representantes – agora com maioria democrataaprovou uma nova resolução apoiando a investigação em células estaminais quemuito provavelmente irá ser mais uma vez vetada por G.W. Bush.

Como seria apenas expectável, William Dembski, um dos pais da IDiotia ou neo-criacionismo, insurge-se contra a análise de PZ Meyers em relação à correlação conservadorismo político e ignorância científica – sem sequer abordar a correlação entre o grau de instrução e a mesma – numa prosa completamente imbecil desmontada magistralmente por Larry Moran, o autor do livro pelo qual estudei bioquímica.

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