Loading

Palmira Silva

21 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem: moral

Durante muito tempo pensou-se que, embora a anatomia humana, nomeadamente a encefalização, tenha evoluído muito lentamente ao longo de milhões de anos, a evolução cultural e social apresentou um ponto de viragem há cerca de 40 000 anos, sem se perceber bem o que despoletou tal alteração cultural e inovação muito rápidas.

Na realidade, se analisarmos os dados da tabela do post anterior, verificamos que durante o Pleistoceno Inferior (1.8 milhões de anos a 750 000 anos) até ao Pleistoceno Médio (750 000 a 400 000 anos), o cérebro duplica de 440 para 900 cm3– modificando igualmente a forma do crânio, especialmente o frontal e o occipital. No Pleistoceno Superior, 400 a 100 mil anos, período em que viveram os últimos Homo erectus e os primeiros Homo sapiens, ocorreram as maiores alterações na reorganização das proporções cranianas. Desde há aproximadamente 100 000 anos que os nossos esqueletos cranianos e dimensões cerebrais não sofreram mudanças significativas.

No entanto, até recentemente, parecia que o homem moderno, isto é, não só moderno anatomicamente mas moderno em termos de comportamento, só apareceu há aproximadamente 40 000 anos, como parecia sugerir a datação dos primeiros artefactos que evidenciavam uma interpretação simbólica da realidade e a incorporação desse simbolismo no comportamento humano. Os artefactos simbólicos mais antigos encontrados até finais do século XX – de que as grutas de Lascaux, Chauvet ou de Altamira, todas com menos de 35 000 anos, são exemplo – pareciam de facto indicar que esta competência cognitiva surgiu relativamente tarde na evolução humana.

Mas recentemente, como já indiquei, com a descoberta da caverna de Blombos na África do Sul e as descobertas arqueológicas em Skhul, Israel, e Oued Djebbana, Argélia, começa a ser aceite que esta capacidade cognitiva evoluiu com o próprio homem, tendo estado presente no Neanderthal e nas populações Sapiens mais antigas.

Os estudos comparativos entre o comportamento social humano e o de primatas não humanos, se por um lado revelam traços comportamentais que nos distinguem, revelam igualmente semelhanças impressionantes. De facto, a primatologia evidencia que os primatas não humanos apresentam padrões de socialidade onde se podem reconhecer a empatia, a reciprocidade e a simpatia, o altruísmo, a obediência a normas sociais – que incluem evitar conflitos dentro de um grupo – o tratamento especial de inválidos e de doentes, entre outros elementos que tínhamos reservado para um dos nossos comportamentos mais específicos: a moral.

Assim, é possível observar noutras espécies comportamentos que evocam alguns dos fundamentos tradicionalmente imputados à moral humana, nomeadamente regras morais reinvidicadas por inúmeras religiões como revelação «divina». Do ponto de vista científico, é óbvio que a moral humana é uma consequência da evolução do homem, um sub-produto da evolução do cérebro humano, não só em dimensões mas em «qualidade», que permitiu o desenvolvimento de mecanismos cognitivos únicos ao homem. Não faz sentido postular mecanismos diferentes para o desenvolvimento de comportamentos semelhantes. Ou seja, não faz sentido postular a existência de um Deus, que nos criou «à sua semelhança», criação essa que justifica a diferença no ser do Homem em relação ao ser de outros animais.

Tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, únicas aos humanos decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única. Ou seja, evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, não nos foram concedidas por especial favor de um qualquer implausível Criador!

(continua)
20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem

Do ponto de vista neurofilogenético, a inteligência das espécies tem sido avaliada pela extensão das áreas associativas corticais, pela massa cerebral e especialmente pela relação massa cerebral/massa corporal ou índice de encefalização (I.E.), o indicador favorito da maioria dos antropólogos.

Apesar de este índice não ser um indicador absoluto de inteligência, especialmente se aplicado a pequenos animais, cujas massas corporal e encefálica são acentuadamente baixas – por exemplo um rato*, com uma massa cerebral de 0.4 g e uma massa corporal de 0.012 kg tem um índice muito superior ao do Homo sapiens – é interessante analisar a evolução deste índice na árvore filogenética humana. Na tabela que se segue são indicados valores médios usando uma das muitas definições de IE.

Espécie

Capacidade craniana /cm3

IE

A. afarensis

414

3.1

A. africanus

441

3.4

P. boisei

530

3.5

P. robustus

530

3.5

H. habilis

640

4.0

H. erectus (Java)

937

5.5

Homo sapiens neanderthalensisH. neanderthalensisHomo sapiens neanderthalensis

1450

7.8

H. sapiens

1350

7.6

P. troglodytes

395

2.6

Ou seja, uma análise desta tabela confirma que a evolução do homem é igualmente a evolução do cérebro, isto é, da encefalização. Este aumento da dimensão do volume craniano associado ao bipedalismo teve algumas consequências não despiciendas, nomeadamente no desenvolvimento do nosso comportamento moral e social.

Como escrevi há uns tempos, o homem é o mamífero superior cujas crias nascem mais impreparadas para o mundo, numa fase em que o seu cérebro mal começou a desenvolver-se. Isto é, nos humanos o cérebro continua a crescer com taxas próximas às fetais durante cerca de 1 ano; nos outros mamíferos (incluindo primatas) o crescimento rápido do cérebro ocorre apenas antes do parto.

De facto, o desenvolvimento de um cérebro (e crânio) maior não acarretou apenas vantagens. Por um lado, um cérebro maior necessita de mais energia – o nosso cérebro consome cerca de 1/5 da energia que produzimos – ou seja, implica a necessidade de uma dieta mais energética, e por outro para um bipedalismo eficiente a pélvis é necessariamente mais estreita.

O parto é assim um acontecimento muito arriscado apenas nos humanos pois para além de um crânio do nascituro comparativamente maior e uma pélvis materna menor, durante o nascimento a cabeça do feto tem de efectuar uma rotação complexa. Ou seja, mesmo com o nascimento numa fase que podemos considerar fetal, a cabeça do nascituro é muitas vezes demasiado grande em relação à pélvis da mãe.

Na realidade todos os nascimentos humanos, como qualquer estudante de biologia sabe, poder-se-iam considerar abortos de fetos viáveis. Esse é quiçá o acaso da selecção natural que resultou no maior trunfo da Humanidade, aquele que distingue o ser do Homem do ser dos demais animais, já que a selecção natural privilegiou os exemplares capazes de dar à luz fetos viáveis sensivelmente a meio do tempo de gestação «normal», fetos com poucas conexões neuronais estabelecidas mas a cujo nascimento uma maior percentagem de gestantes sobreviviam. E é um trunfo que a evolução proporcionou porque o desenvolvimento cerebral extra-uterino é muito mais rico em estímulos o que permite uma «programação» francamente mais diversa e flexível que a possível uterinamente.

Por outro lado, os perigos associados ao parto humano levaram ao desenvolvimento de comportamentos sociais únicos nos humanos, nomeadamente no que respeita à necessidade de cooperação entre as fêmeas de um dado grupo e à relação mãe-cria. Especialmente interessante de analisar no contexto da apologética cristã, no que concerne não só ao desenvolvimento moral como igualmente ao advento da dor no parto, atribuído ao castigo «divino» à mítica Eva depois da dentadinha no fruto da árvore do conhecimento!

(continua)

*O cérebro humano apresenta uma superfície convoluta muito rara – com uma área neocortical de ~2275 cm2 – que é a zona utilizada para a resolução de problemas. A superfície do cérebro do rato é lisa. Ou seja, não é apenas o IE que interessa mas igualmente a «composição» do cérebro.

20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem : Neanderthal

Árvore filogenética humana. Clique na imagem para aumentar.

O recente artigo da Nature que identifica uma zona do genoma humano que poderá ser co-responsável pelo desenvolvimento cerebral humano fez-me recuperar o post que escrevi sobre o projecto do Genoma do Neanderthal.

O que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. Perceber a evolução humana é assim perceber o processo de evolução do cérebro humano, ou encefalização.

O bipedalismo teve um papel crucial na expansão do neocortex humano já que não só a posição erecta possibilitava mais estímulos visuais – o que implicava o desenvolvimento de uma maior cérebro necessário para processar este aumento de informação – como a maior versatilidade de movimentos implicava uma expansão cortical, nomeadamente da área de Broca, para controlar estes novos movimentos.

Um estudo recente – que descreve que os macacos rhesus usam regiões do cérebro correspondentes aos principais centros de linguagem humanos, as áreas de Broca e Wernickes, no tratamento das vocalizações de macacos da mesma espécie – publicado na Nature NeuroScience (reservado a assinantes), propõe que os mecanismos neuronais necessários à evolução da linguagem humana estavam presentes no ancestral comum de humanos e restantes primatas.

Ou seja, corrobora não só Stephen J. Gould, que argumentava ser a linguagem um sub-produto do processo evolucionário e que boa parte do que nos distingue dos restantes animais são consequências colaterais do processo de encefalização, como a recente hipótese de Chomsky e colaboradores sobre a evolução da linguagem humana. Chomsky sugere que a maioria dos aspectos da linguagem humana são partilhados com os modos de comunicação de outras espécies mas que alguns pontos específicos são um produto recente da evolução do cérebro humano e são únicos ao Homo sapiens.

O nosso conhecimento da evolução do cérebro humano é, no entanto, rudimentar, e o pouco que sabemos deve-se a estudos comparados da neuroanatomia de espécies extintas. De igual forma, pouco se sabe sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas únicas aos humanos. A genética molecular é assim uma das poucas técnicas disponíveis para elucidar esta questão e por isso a sequenciação do genoma do Neanderthal será um marco importante, já que acredito ser a diferença entre os cérebros do Neanderthal e do sapiens a razão do sucesso da nossa espécie.

Já foram identificados alguns genes envolvidos no processo de encefalização que ocorreu durante a evolução humana. Dois desses genes são o microcephalin e o ASPM (abnormal spindle-like microcephaly associated). Uma examinação do polimorfismo destes genes indica que certas variantes surgiram há aproximadamente 5 800 e 37 000 anos respectivamente, ou seja, muito depois do aparecimento dos homens modernos, o que ocorreu há cerca de 200 000 anos. O aparecimento da variante da microcephalin coincide com o desenvolvimento da agricultura e o uso de linguagem escrita pelo que é tentador correlacionar este gene com a cognição humana.

O GLUD2 é outro gene «implicado» na evolução do cérebro humano. Este gene, que surgiu nos hominídeos há cerca de 18-23 milhões de anos, codifica a enzima glutamato desidrogenase (GDH), uma enzima que regula a concentração de glutamato e permite maior actividade neuronal.

A comparação dos genomas humano e do Neanderthal não irá elucidar as diferenças anatómicas ou funcionais entre o cérebro deste e o do sapiens, mas permitirá uma análise dos acontecimentos a nível molecular subjacentes à evolução do cérebro humano. Especialmente interessantes serão a análise e comparação não só de genes tais como o microcephalin, ASPM, GLUD2 ou HAR1F , como das sequências que regulam a respectiva expressão.

(continua)

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os perigos de uma educação universitária

gClique na imagem para aumentar

O número de Agosto da revista da American Family Association, uma organização de extrema-direita teocrata anteriormente conhecida como National Federation for Decency, contém um artigo que considero extremamente revelador da mentalidade obscurantista e castrante dos teocratas americanos.

No artigo, cujo objectivo me pareceu ser convencer devotos pais a não mandar os seus filhos para a Universidade, são apresentadas as razões que permitem à iluminada autora prevenir os ditos pais que «os ‘campuses‘ [a iletrada que escreveu o artigo não sabe que o plural de campus é campi] universitários funcionam como doutrinação no reino do liberalismo», fervilhando de ideias «blasfemas» derivadas do execrado secularismo que permeou os meios académicos norte-americanos. De facto, segundo a teocrata escriba, Rebecca Grace:

«As universidades modernas, tendo perdido as suas convicções morais, ligaram-se a doutrinas relativistas tais como tolerância e diversidade, o que significa, na prática, tolerância de tudo menos a fé bíblica e a moralidade tradicional».

Traduzindo por miúdos, Grace adverte os pais que se mandarem os filhos para a Universidade eles vão perceber que existem pessoas neste mundo que pensam e agem de forma diferente da preconizada pelo conjunto de delírios neolíticos que dá pelo nome de Bíblia e, horror dos horrores, que essas pessoas não só têm direitos, nomeadamente a existir, como a não serem perseguidos. E, tal como a autora, não tenho dúvidas irão descobrir que ser-se tolerante é necessariamente sinónimo de ser-se anti-cristão.

Esta diversidade e tolerância totalmente anti-bíblicas, a total desorientação espiritual do campus moderno, de acordo com J. Budziszewski, que escreveu sobre o tema num artigo da revista de outra organização teocrata, a Focus on the Family, citado por Grace, devem-se a:

«Métodos de doutrinação que incluem não apenas disciplinas mandadórias mas também a cursos de orientação de calouros, códigos de discurso, cursos obrigatórios de diversidade, normas de dormitórios, linhas para organizações estudantis e aconselhamento psicológico».

Como escreve PZ Meyers, para além das disciplinas anti-bíblicas como Biologia e afins, não se percebe como os pontos enunciados podem ser considerados anti-cristãos. Excepto, claro, as normas de discurso que proibem a mui bíblica vociferação contra homossexuais e restantes «pecadores» e o aconselhamento psicológico que pode tornar os cristãos renascidos «normais» e mentalmente sãos…

O gráfico apresentado como papão pela mui cristã Focus on the Family, que se esforça a convencer os fiéis que uma educação universitária é equivalente a pôr em perigo a salvação da «alma» – afinal estas organizações precisam de manter os seus generosos financiadores ignorantes e estúpidos para que continuem generosos e financiadores – é, tal como o artigo, completamente imbecil em termos estatísticos. Mas claro que quanto mais educadas forem as pessoas menor a respectiva possibilidade (e capacidade) para acreditar nos dislates debitados pelos fundamentalistas teocratas!

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Desenvolvimento cerebral humano e o HAR1

Esquema de um neurónio. As dendrites são receptores de estímulos, as «antenas» do neurónio. Os axónios são prolongamentos mais ou menos longos que actuam como condutores dos impulsos nervosos. O axónio entra em contacto com outros neurónios e/ou outras células (por exemplo células da glia) pelo terminal axonal. À região entre o terminal axonal de um neurónio e as dendrites do adjacente chama-se sinapse. Um neurónio pode estabelecer entre 1000 a 10000 sinapses.

Desde a recente publicação do genoma do Pan troglodytes ou chimpanzé, inúmeros cientistas têm analisado comparativamente a sequência genética do Pan troglodytes com o genoma humano em busca das alterações genéticas fundamentais que expliquem a evolução humana.

O comparação do genoma humano com o dos seus parentes próximos na árvore filogenética dos primatas tem sido até agora maioritariamente devotada à comparação dos genes codificantes de proteínas mas a maioria das alterações genómicas entre as duas espécies, cerca de 99%, verifica-se em zonas não codificantes (de proteínas).

A equipa de David Haussler da UCSC (Universidade da Califórnia Santa Cruz) decidiu olhar para todo o genoma à procura de zonas conservadas (isto é, com poucas alterações) noutras espécies mas com alterações significativas entre humanos e chimpanzés. Claro que com aproximadamente três mil milhões de bases no ADN humano a deriva genética durante os cerca de 6 milhões de anos que separam os dois ramos evolucionários, humano e do chimpanzé, é um factor não despiciendo que Hussler levou em consideração na sua análise.

Ontem foi publicado na revista Nature um estudo do consórcio em que Hussler se inclui, constituído por cientistas dos Estados Unidos, Bélgica e França, que identificam 49 zonas, as HAR ou «Região Acelerada Humana», em que a variabilidade genética entre as duas espécies é mais evidente. Na mais activa, identificada como HAR1, encontraram 18 diferenças numa sequência de 118 nucleótidos muito conservada entre chimpanzés e galinhas, duas espécies que se separaram do ancestral comum há 310 milhões de anos, e que apresentam apenas duas alterações na sequência.

A zona em questão pode ajudar a explicar a evolução do cérebro humano já que codifica ARN expressado em células que têm um papel crucial no desenvolvimento do córtex e pode lançar luz sobre o que confere ao cérebro humano as qualidades que nos distinguem dos outros animais.

O cérebro do chimpanzé tem apenas cerca de um terço das dimensões do cérebro humano e os factores responsáveis pelo desenvolvimento cerebral são um ponto fulcral na compreensão da evolução humana. Como David Hussler afirma, este gene, o HRA1, pode estar envolvido num passo crítico deste desenvolvimento, embora, como também indica, seja provável que mais genes estejam envolvidos.

O HAR1 faz parte de um novo gene de ARN, o HAR1F, expressado nos neurónios Cajal Retzius, que estudos anteriores indicaram serem determinantes no desenvolvimento cortical já que regulam a expressão da relina (uma proteína que regula a migração e crescimento neuronal; mutações no gene que a codifica podem dar origem a autismo, esquizofrenia, etc.). A equipa de investigação verificou que a relina e o ARN HAR1 são co-expressados em regiões muito específicas do cérebro entre as 7 e 19 semanas de gestação.

O córtex cerebral, sede de algumas das funções mais complexas do cérebro, como a linguagem e o processamento da informação, tem igualmente um papel muito importante no nosso comportamento moral.

18 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os novos planetas do Sistema Solar

A inclusão de novos planetas no nosso Sistema Solar, eventualmente oficializada na próxima semana, quando terminar a 26ª Assembleia Geral da International Astronomical Union, pode vir a ter consequências inesperadas.

Via o blog de ciência Pharyngula, descobri uma caricatura fabulosa dos criacionistas americanos, mas que pode reproduzir fielmente o que se passa na cabeça de alguns alucinados cristãos. No post em questão, uma imitação tão fabulosa dos argumentos IDiotas que enganou a maioria dos leitores, o escriba, um biólogo, recuperou a argumentação IDiota em relação à evolução agora para discutir geocentrismo versus heliocentrismo. Assim, tal como os IDiotas, pretende não perceber que o que está em causa no aumento da única população celestial reconhecida pela comunidade científica é simplesmente a definição de planeta, ou seja, como já referi, discute-se semântica e não ciência.

Mais, assume que a controvérsia em relação à definição de algo tão «fundamental» como planeta, significa que toda a física, nomeadamente a astrofísica está em dúvida e que o geocentrismo bíblico – aliás como toda a colecção de dislates do «livro», mitos da criação inclusive – vai em breve ser reconhecido como a «verdade absoluta» sobre o tema.

Ou seja, na mesma linha do que se passa na evolução, transforma, na boa maneira fundamentalista, uma questão de clarificação de uma definição na admissão por parte da comunidade científica de que as suas teorias, nomeadamente o heliocentrismo, são um nonsense contraditório.

Os criacionistas queixam-se amargamente que as teorias científicas estão em constante mutação (algo que por uma razão que nunca percebi irrita profundamente todos os fundamentalistas) e que os cientistas debatem infindavelmente entre si a interpretação dos factos, sendo as teorias aceites por consenso e não assentam, como deveriam, numa verdade absoluta «externa»!

O autor do post, recorrendo à verdade absoluta externa, a Bíblia, constante e imutável (reflectindo o pensamento neolítico dos alucinados que a debitaram ) que indica claramente que a Terra foi criada no 1º dia e o Sol apenas no 3º, deixa alguns conselhos para os cientistas: que expliquem em torno de quê a Terra orbitou nos três primeiros dias da Criação e que … larguem os telescópios e olhem para o céu, para confirmarem que é o Sol que orbita a Terra e que o heliocentrismo está errado!

E, que dada a controvérsia em torno de definições, que indica existirem dúvidas legítimas sobre o heliocentrismo, sugere que, tal como em relação à evolução, os livros de texto americanos passem a indicar no futuro que o heliocentrismo é uma teoria, não um facto.

Simplesmente brilhante!

18 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Mais planetas no Sistema Solar

Bem-vindos ao novo Sistema Solar

Durante décadas, não obstante a acesa controvérsia em relação a Plutão, o Sistema Solar tem sido considerado como constituido por nove planetas. A discussão sobre se Plutão é ou não um planeta é na realidade uma questão de semântica, isto é, depende da definição de planeta. A definição original de planeta foi devida aos filósofos gregos que chamaram «viajantes» a estes objectos que pareciam passear pelo firmamento.

Numa tentativa de resolver de vez a controvérsia, a International Astronomical Union, isto é, os mais de 2500 astrónomos reunidos em Praga na sua 26ª Assembleia Geral, vai votar a proposta elaborada pelo seu comité executivo que compreende, entre outras, uma nova definição de planetas e introduz oficialmente o termo plutonito para designar os planetas que orbitam o Sol para lá de Neptuno.

A proposta vai certamente ser aprovada, podem seguir o debate neste blog da conferência, pelo que a partir da semana que vem o Sistema Solar vai ser oficialmente constituido por 12 planetas, que para além dos 8 planetas «tradicionais», incluem os 3 plutonitos, Plutão, Caronte e o 2003 UB313 , para além do até agora asteróide Ceres.


Plutão faz parte da cintura de Kuiper, uma zona em forma de disco para lá de Neptuno, que contém milhares de cometas e outros objectos planetários. Desde a sua descoberta em 1930, a inclusão de Plutão como planeta no Sistema Solar permaneceu controversa já que, inicialmente considerado do tamanho da Terra, se descobriu posteriormente ser menor que a Lua. Por outro lado, para além de nos últimos anos se terem descoberto mais objectos nesta zona do espaço de dimensões próximas às de Plutão e de forma igualmente arredondada, Plutão apresenta uma série de características únicas: com a sua órbita muito eliptíca e um plano orbital peculiar comporta-se mais como os outros objectos da cintura de Kuiper que um planeta tradicional; a sua lua, Caronte, descoberta em 1978 por James Christy, tem apenas cerca de metade das dimensões de Plutão pelo que muitos astrónomos consideravam ser Caronte e Plutão um planeta duplo e não um planeta e a sua lua.

A recente descoberta do 2003 UB313 catapultou a já acesa controvérsia, já que o objecto descoberto por Michael Brown, do Caltech, é maior – e mais distante do Sol – que Plutão. De facto, o Hubble mediu o objecto brilhante a 14 mil milhões de quilómetros do Sol, oficialmente denominado 2003 UB313, e chegou a um diâmetro de 2 384 km, cerca de 112 km mais que Plutão. Brown chamou Xena à sua descoberta mas não é de esperar que a alcunha pegue.

Veremos como esta decisão da International Astronomical Union vai ser recebida por charlatães sortidos, astrólogos e afins, e se estes, como a charlatã astróloga russa Marina Bai o fez à NASA, vão intentar processar a IAU por… «danos espirituais»!

17 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Cartoons do Holocausto em exibição em Teerão

Em Fevereiro, como resposta à publicação dos cartoons sobre Maomé na génese da «guerra» dos cartoons – que trouxe mais violência a um mundo já abalado pela violência decorrente da intolerância das religiões – o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad – um crente fervoroso na proximidade do Yawm al-Qiyamah, o dia do Juízo Final – promoveu uma competição a nível internacional de cartoons sobre o Holocausto.

Cerca de 200 dos mais de 1100 cartoons dos fundamentalistas e neo-nazis que responderam ao convite, estão agora em exibição em Teerão, numa exposição que, segundo os seus organizadores, pretende testar a realidade da liberdade de expressão como um valor fundamental ocidental. Não sei exactamente que valor ocidental pretendem testar com o cartoon do indonésio Tony Thomdean que mostra a Estátua da Liberdade com um livro sobre o Holocausto na mão esquerda e tem o braço direito erguido na saudação nazi…

Suponho que a todos os participantes neste triste evento passou completamente ao lado o poder da sátira assim como o significado de liberdade de expressão. Aliás, é-lhes alheio quer o conceito de sátira quer o de liberdade de expressão! Para não falar no conceito de soberania, já que, como apontou o Ricardo, se acharam no direito de tentar condicionar a liberdade de expressão (e o decorrente direito à blasfémia) de países em que não vivem e que talvez nem saibam situar no mapa. Isto é, pretendem condicionar até sociedades em que os muçulmanos são uma pequena minoria, alienar os direitos fundamentais em que assenta a nossa sociedade!

Esta exibição, realizada imediatamente a seguir ao cessar fogo entre Israel e o Hezbollah não é um bom augúrio. Aliás, é um verdadeiro tiro no pé. Ao contrário desta exposição, que expressa tão sómente revisonismo histórico e anti-semitismo, os cartoons de Maomé apenas caricaturavam algo que é um facto experimental e violentamente comprovado nos últimos anos: associavam o Islão radical a violência.

Associação que foi e é feita não pelos cartoons mas pelas acções, como esta exposição, (e falta de reacção em alguns casos, como o do julgamento por apostasia de Rahman) dos muçulmanos mais fundamentalistas um pouco por todo o mundo. As caricaturas de Maomé foram injuriosas apenas indirectamente na medida em que foi também a campanha de intimidação e o assalto à liberdade de expressão ocidental orquestrados como manifestação «espontânea» de indignação aos cartoons que de facto contribuiram para que muitos se apercebessem de que o Islão é uma religião de violência.

Uma religião em que o teste de lealdade não é a fé mas o martírio na luta contra os incréus (47:4) – a única forma de salvação garantida (4:74; 9:111), já que apenas os «mártires» que morrem quando assassinam não crentes têm automaticamente todos os seus pecados perdoados (4:96).

Esta exibição pública de cartoons negando e caricaturando aquela que foi uma das maiores tragédias da humanidade, em que cerca de um terço dos judeus da época foram exterminados – genocídio apenas possível devido ao anti-semitismo instilado pelas restantes religiões do «Livro» – não é uma sátira: é apenas mais uma demonstração da violência do Islão e é claramente uma provocação, a Israel e a todo o Ocidente, com um timing tudo menos inocente.

Nas palavras de Yad Vashem, da Autoridade sobre o Holocausto, este evento, vindo de um país «O Irão, uma nação que aspira a poder nuclear e cujo presidente fez inúmeras declarações genocidas em relação a Israel [aliás considera que é necessário «limpar Israel do mapa» para que o seu Mahdi, o messias, seja enviado] é uma luz vermelha faiscante assinalando perigo não apenas para Israel mas para todo o mundo iluminado».

E concordo plenamente com a afirmação de Yad Vashem de que:

«A História demonstrou que silêncio face ao mal gera más acções»!

16 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os pergaminhos do Mar Morto

Qumran-The Pottery Factory, Yizhak Magen e Yuval Peleg, Biblical Archaelogy Review.

Desde a descoberta, a partir de 1947, dos Manuscritos do Mar Morto, um conjunto de papiros encontrado nas cavernas da região de Qumram – Khirbet Qumran, «ruína da mancha cinzenta», localizado na margem noroeste do Mar Morto, a 12 km de Jericó e cerca de 22 km a leste de Jerusalém na costa do Mar Morto – que os 930 fragmentos de manuscritos hebraicos, aramaicos e gregos encontrados em onze cavernas, datando de 250 a.C. ao primeiro século da era comum, têm despertado uma intensa curiosidade.

As escavações realizadas nas proximidades pelo padre francês Roland de Vaux, da École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém encontraram uma construção que, destruída e queimada no ano 68 da nossa era, o padre católico concluiu tratar-se sem dúvida de um antigo convento dos essénios. Os essénios são uma seita dentro do judaismo, cujo existência é conhecida por muitos outros textos da antiguidade.

Na verdadeira biblioteca encontrada nas cavernas há, entre inúmeros livros do Velho Testamento e outros relacionados com práticas sortidas dentro do judaísmo, alguns documentos específicos da seita, como o Manual de Disciplina, que era seguido pelos seus membros. Até agora, apesar de existirem mutos documentos contemporâneos do mítico Cristo, não há, como seria apenas expectável, alguma menção a Jesus. Pelo contrário, alguns documentos, incluindo um muito semelhante ao Sermão da Montanha, escrito umas décadas antes do suposto nascimento do Cristo, indicam que as lendas associadas a este não são inéditas, são apenas uma colagem de vários cultos messiânicos muito abundantes na época.

Mais livros e artigos têm sido escritos sobre Qumran que sobre qualquer outro ponto arqueológico no Médio Oriente. No entanto, têm sido os pergaminhos o foco das atenções daqueles que têm interpretrado a história de Qumran, essencialmente teólogos e historiadores da religião. A arqueologia propriamente dita e a análise arqueológica contextual do local foi até há pouco tempo um aspecto secundário.

No New York Times de ontem é apresentado o trabalho de dois arqueólogos da Israel Antiquities Authority, Yizhak Magen e Yuval Peleg, que trabalham no local há cerca de 10 anos, que asseveram que Qumran não tem nada a ver com essénios, conventos ou mesmo com os pergaminhos. Qumran, afirmam eles, era apenas uma fábrica de olaria, como a análise arqueológica do local indica.

Quando os romanos destruiram Qumran em 68, durante a revolta judaica, o local era o centro de uma indústria oleira pelo menos há um século. Antes disso, o local faria parte da cadeia de fortificações que se erguiam ao longo da fronteira leste de Israel.

«A associação entre Qumran, as cavernas e os pergaminhos é assim uma hipótese sem qualquer suporte factual arqueológico».

Opinião partilhada por Norman Golb, da Universidade de Chicago, que considera, dada a diversidade de seitas representada nos pergaminhos, que estes foram removidos de Jerusalém por refugiados da guerra com os romanos. Fugindo para leste, estes refugiados esconderam os pergaminhos na segurança das cavernas de Qumran, dentro dos potes lá fabricados, onde permaneceram durante séculos.

15 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Heresia ao longo da história II

Continuando com a análise da evolução «herética», na génese da maioria das diversificações cristãs, retomo o tema da divindade do mítico fundador da seita, estabelecida de forma tão rebuscada e ilógica que até hoje continua fonte de «heresias» sortidas.

De facto, há pouco menos de dois anos o actual Papa, então na pele de inquisidor-mor, redigiu um documento declarando como herética a obra do padre Roger Haight, Jesus Symbol of God, que segundo Ratzinger «continha afirmações erróneas, cuja divulgação constituía grave dano para os fiéis».

No livro, o padre jesuita comete várias heresias. Afirma que «hoje a teologia deveria ser realizada em diálogo com o mundo pós-moderno», estabelecendo uma «correlação crítica» entre os dados da fé e o pensamento pós-moderno, o que se traduz para o actual Papa «numa subordinação [inadmíssivel] dos conteúdos da fé à sua plausibilidade e inteligibilidade». Ou seja, a fé deve continuar misteriosa, ininteligível, implausível e descrita numa linguagem propositamente confusa.

Para além disso, o jesuita produz «afirmações contrárias às verdades da fé divina e católica pertencentes ao primeiro coma da Professio Fidei, relativos à preexistência do Verbo, à divindade de Jesus, à Trindade, ao valor salvífico da morte de Jesus, à unicidade e universalidade da mediação salvífica de Jesus e da Igreja, e à ressurreição de Jesus».

Isto é, como inúmeros pensadores católicos que se atreveram a tentar racionalizar o rídiculo, o «herege» Roger Haight chega à conclusão que o dogma da divindade de Cristo é uma palermice que não resiste a uma análise filosófica/racional – para além de, como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de História, saber da impossibilidade da sua existência histórica. Assim, o autor propõe uma interpretação simbólica para o mito em que assenta o cristianismo, isto é, «uma cristologia da encarnação, na qual o ser humano criado ou a pessoa de Jesus de Nazaré é o símbolo concreto que exprime a presença na história de Deus como Logos».

A aceitação de que Jesus de Nazaré é um símbolo, isto é, um mito, é algo claramente impossível à hierarquia da Igreja que reclama ser o seu representante na Terra, agora como ao longo da sangrenta história do cristianismo.

Ou seja, a Igreja católica está «amarrada» às limitações impostas pelos três padres capadocianos ao resolver «airosamente» a divindade do seu mito recorrendo ao conceito velho como as primeiras religiões, da trindade, ou três face da Lua. Que não causava problemas em religiões politeístas mas numa religião supostamente monoteísta esteve na base de guerras, torturas e um inacreditável desperdício de tempo, pergaminho ou papel e tinta ao longo dos séculos.

E inúmeras heresias surgiram dos esforços de aplicados teólogos, que se recusavam a aceitar o comando da igreja de deixar ser a «natureza» do seu mito um «mistério» da fé, e que discutiam o significado de essência, ousia, e pessoa, hypostasis, para tentar resolver o berbicacho que constitui uma pessoa com duas essências (humana e divina) e que por sua vez faz parte de uma entidade com três pessoas e uma essência!

(continua)