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Palmira Silva

31 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Hitler, Darwin e evolução

Carl Sagan sobre evolução num dos episódios da série Cosmos

O último ataque dos IDiotas à evolução é, para variar, um tiro no pé. Na total falta de argumentos científicos, os fundamentalistas cristãos recorreram à táctica habitual dos apologetas: a mentira pura e dura num revisonismo histórico que seria rísivel não fora essa mentira ser prodigamente transmitida não só nas inúmeras estações de televisão cristãs nos Estados Unidos como nalgumas estações públicas.

De facto, o documentário Darwin’s Deadly Legacy: The Chilling Impact of Darwin’s Theory of Evolution, produzido pelo teocrata James Kennedy, o tele-evangelista do Coral Ridge Ministries, em colaboração com os acéfalos apóstolos do Discovery Institute, nomeadamente o presbiteriano Philip Johnson e o católico Michael Behe, pretende mostrar «porquê a evolução é uma má ideia que devia ser descartada no caixote de lixo da História».

Isto é, não interessa que cientificamente a evolução seja inatacável, de facto seja a pedra basilar de todas as ciências da vida, a evolução deve ser substituida pela IDiotia ou neo-criacionismo porque… Hitler era, supostamente, um evolucionista!!

Para além de ser uma falácia óbvia, uma mistura de Apelo às Consequências (argumentum ad consequentiam) com um argumento ad hominem, o documentário é um tiro no pé porque na realidade Hitler era um criacionista! Ou seja, como Hitler é reconhecidamente um dos maiores monstros psicopatas que a humanidade produziu, os devotos cristãos deturpam a verdade histórica para usar o criacionista católico Hitler para advertir os mais ignorantes do perigo quer do ateísmo quer do evolucionismo, que ululam de dedo em riste terem sido as causas do Holocausto!

Na realidade, como indica Ed Brayton nos Despachos das Guerras Culturais, uma análise, por exemplo do Mein Kampf, mostra claramente que Hitler, como bom católico, não só acreditava ter sido o homem criado à imagem de Deus como negava como absurda a hipótese evolucionista de evolução do homem de um ancestral comum ao macaco.

Um artigo recente na revista Archaeology, que descreve como Heinrich Himmler criou um instituto de investigação chamado Deutsches Ahnenerbe – Studiengesellschaft für Geistesurgeschichte (Ancestralidade Germânica – Sociedade de Investigação e Ensino), destinado a fabricar evidências da superioridade ariana, a tal raça nórdica superior (e mítica) que Hitler achava ser «um pecado contra a vontade do Eterno criador» contaminar por miscigenação com «raças» inferiores. Assim, os arianos deveriam compreender que era uma missão divina «dar ao Todo Poderoso Criador seres como Ele próprio fez à Sua imagem», ou seja, «O Weltanschauung (visão do mundo) que baseia o Estado numa ideia racial deve ter sucesso na promoção de uma era mais nobre, na qual os homens não mais darão atenção exclusiva ao cruzamento e criação de cães e cavalos e gatos com pedigree, mas envidarão os seus esforços para melhorar a raça humana».

De acordo com o artigo, «Himmler também encontrou tempo num encontro para transmitir a Bohmers [um dos arqueólogos do Ahnenerbe] a sua posição pessoal no assunto evolução do homem. Deve ter sido uma conversa instrutiva. Como Bohmers depois indicaria, Himmler descartou imediatamente a hipótese de que a raça humana estava próxima dos primatas. Estava igualmente indignado com uma ideia avançada por outro investigador alemão que propunha ser o Cro Magnon descendente do Neandertal. Para Himmler, ambas as hipóteses [a evolução e a relação entre Cro Mgnon e Neanderthal] eram ‘cientificamente completamente falsas’. Eram igualmente ‘muito insultuosas para os humanos’».

Como termina Ed Brayton, os fundamentalistas cristãos distorcem as evidências históricas da mesma forma que distorcem as evidências científicas e tentam, em completa oposição e negação de todos os factos históricos e científicos, distorcer a realidade para impor a sua mundivisão patética, assente não na realidade mas em mitos. Fabricando o mito de um Hitler ateu e darwinista para suportar o seu mito de um Criador/Designer inteligente!

Infelizmente, as televisões públicas americanas que em tempos transmitiam programas como o Cosmos de Carl Sagan agora devotam-se a propagar mentiras e a envenenar a opinião pública, à boa maneira nazi, com lixo como o é este «documentário» cristão!

30 de Agosto, 2006 Palmira Silva

In memoriam: Vashti McCollum

Vashti McCollum, duas vezes presidente da American Humanist Association e uma activista ateísta (ou humanista, como preferia ser chamada) morreu dia 20 de Agosto, aos 93 anos, em Champaign, Illinois.

Uma mulher extraordinária, Vashti McCollum lutou pela separação da Igreja e do Estado numa altura em que ser-se ateísta não era socialmente aceite, em meados da década de 40, e o preço pessoal que pagou pela sua determinação foi muito elevado. A sua acção para que deixasse de existir educação religiosa na escola pública frequentada pelo seu filho, ostracizado e perseguido pelos colegas por se recusar a assistir às ditas aulas de religião, resultou numa resolução do Supremo tribunal que desde então protege a separação da Igreja e do Estado na educação.

A resolução de 9 de Março de 1948, com uma votação 8 contra 1 (impossível de obter hoje em dia com o Supremo Tribunal, graças aos bons ofícios de G. W. Bush, minado por Opus Dei), declarava que a educação religiosa em propriedade pública era inconstitucional, já que violava a 1ª Emenda.

O seu pai, Arthur G. Cromwell, um arquitecto apreciador de Spinoza e Thomas Paine, igualmente ateísta, foi presidente da Rochester Society of Free Thinkers e foi o responsável pelo fim da educação religiosa no único condado em que tal acontecia até à acção da sua filha.

No julgamento inicial da acção, antes de chegar ao Supremo, Arthur Cromwell foi responsável por um dos momentos mais dramáticos no julgamento histórico quando, depois de dizer que não acreditava em Deus, se recusou a jurar dizer a verdade em nome de um mito. O seu neto, James McCollum, afirmou o mesmo.

A Time magazine observou que ao pé deste julgamento o famoso julgamento da evolução, o Monkey Trial, tinha sido uma brincadeira de crianças. De facto, o caso de Vashti não foi julgado apenas nas salas dos tribunais. Durante os três anos que durou o processo, Vashti recebeu inúmeras ameaças físicas, foi despedida do seu emprego, alvejada com tomates e couves podres e viu o gato da família linchado.

Apesar de todo o «amor cristão» tão prodigamente dirigido para si, Vashti foi um exemplo de coragem e perseverança, pois como afirmou no seu livro A woman’s fight, «Temos de agarrar todas as oportunidades para defender a causa da liberdade».

Em total contraste, Katherine Harris, membro do Congresso e candidata ao Senado, que supervisionou em 2000 a recontagem de votos no estado da Flórida que deu a vitória a Bush, disse a semana passada que a separação da Igreja e do Estado é uma «mentira», que Deus não pretendia serem os Estados Unidos «uma nação de leis seculares» e que se os eleitores não elegerem políticos cristãos nas eleições para o congresso do Outono próximo permitiriam a «legislação do pecado».

Harris, muito criticada pelas suas afirmações, disse ainda que separar a religião e a política é «errado porque é Deus que escolhe os nossos governantes».

Uma homenagem adequada a Vashti ocorrerá com toda a probabilidade em 7 de Novembro próximo, data em que serão escolhidos os membros do Congresso norte-americano, Senado e Câmara de Representantes, assim como 36 governadores. Todas as projecções indicam que os teocratas republicanos serão duramente penalizados nestas eleições, iniciando o processo de recuperação democrática nos Estados Unidos. Recuperação democrática que inclui a efectiva separação estado-religião por que tanto lutou Vashti e que a administração Bush quasi destruiu!

29 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Síndrome de Estocolmo: Natasha Kampusch e Edgardo Mortara

Quando há uns tempos escrevi o post sobre o rapto de Edgardo Mortara pelo «último monarca absoluto da Europa», Pio IX, então reinando despoticamente nos Estados Pontificais, não faltou a defesa de mais um criminoso que a ICAR quer beatificar pelo nosso apologeta de serviço, o Bernardo.

Em defesa do crime do papa que inventou o dogma da infabilidade papal, o Bernardo invocou o testemunho de Mortara, então com dezanove anos, ou seja após 13 anos de clausura. O devoto do Comunhão e Libertação – que disse que na posição de Pio IX, se tivesse a sua…coragem(!?) faria o mesmo – apoia-se nesse depoimento para afirmar, já que «Estas palavras poderiam dar que pensar a certas cabeças, se porventura estas não acreditassem em contos de fadas acerca de ‘lavagens cerebrais’…» , que «Pio IX viu naquela criança algo de diferente» e por isso a raptou! Uma acção meritória que o testemunho do próprio Mortara após 13 anos de emprisionamento confirma!

Estou certa que Wolfgang Priklopil, o austríaco que raptou Natasha Kampusch quando esta tinha 10 anos (mais 4 anos que Mortara) e a manteve em cativeiro por 8 anos, sujeita a tortura psicológica e muito provavelmente abuso sexual, também viu «naquela criança algo de diferente». E, tal como Mortara, também Natasha defende o seu raptor e rejeita a família.

A única diferença é que Wolfgang Priklopil não é considerado um exemplo a seguir, como supostamente é o beato Pio IX. E ninguém, excepto Natasha, por enquanto pelo menos, alguma vez defenderá o seu crime, muito menos o reconhecerá como «um modelo de santidade»!

28 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Vaticano prestes a negar o evolucionismo

Segundo a Agência Ecclesia «Darwin e a Igreja têm encontro marcado entre 1 e 3 de Setembro, num colóquio promovido por Bento XVI» e lendo com atenção a notícia é fácil de perceber que, com Coyne – que antes de ser despedido por Ratzinger afirmou «Deus não é um designer e a vida é fruto de biliões de tentativas»- fora do caminho, o Vaticano se prepara para debitar como resultado desse dito encontro que o homem surgiu por «desenho inteligente».

De facto, as ideias de Ratzinger sobre o tema são bem conhecidas. A última vez que as manifestou, a 6 de Abril de 2006, num encontro com os jovens da Diocese de Roma, o papa rejeitou o evolucionismo pretendendo que a «ciência apoia uma estrutura inteligente da matéria, o desenho da Criação», o que é obviamente falso.

De qualquer forma, para a semana vamos poder confirmar as previsões do Diário Ateísta desde que o inquisidor-mor foi eleito, ou seja, vamos todos poder apreciar em todo o seu esplendor o autismo, arrogância e obscurantismo de uma Igreja que quer recuperar o poder absoluto que detinha na Idade Média. Totalitarismo despótico para o qual a ciência, com as suas explicações ateístas, é o principal obstáculo!

Como o teólogo anti-evolucionista Dominique Tassot afirmou «A maioria dos intelectuais católicos actuais estão convencidos que a evolução é uma verdade evidente porque a maioria dos cientistas assim o diz». Algo perfeitamente inadmíssivel porque, como afirma Christoph Schönborn «Se tudo for fortuito, a vida não tem sentido», pior se somos fruto da evolução caiem por terra todos os dogmas em que assenta o cristianismo!

A necessidade de pôr os cientistas no devido «lugar» é evidente para Schönborn que relembrou que já na década de 60 o então cardeal Ratzinger «sublinhou enfaticamente a necessidade de se voltar ao tópico da criação». Aproveitando a conjuntura actual, principalmente a desilusão generalizada com a política e os políticos e o clima de insegurança criado pelo terrorismo de inspiração religiosa, o Vaticano prepara-se para atacar as nossas bases civilizacionais, na sua tentativa de nos fazer regredir para a época medieval, tão elogiada por todos os fundamentalistas!

28 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Vaticano diz não às células estaminais

Monsenhor Elio Sgreccia, que preside à Academia Pontifícia para a Vida afirmou numa entrevista à Rádio Vaticano que o método para obter células estaminais desenvolvido por cientistas da Advanced Cell, em Alameda, Califórnia, «não resolve os problemas éticos» desta área de investigação.

Assim, o Vaticano contraria as expectivas dos mais ingénuos, nomeadamente de Rui Reis, presidente da Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular, que considerou que com esta técnica «caem assim por terra os argumentos contra a investigação em células estaminais embrionárias, porque mantém a integridade do embrião», a mesma opinião de Daniel Serrão, católico e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

O novo método – descrito quarta-feira na Nature – consiste em colher um embrião numa fase muito primitiva de desenvolvimento e retirar-lhe uma única célula, que pode dar origem a uma estirpe de células estaminais embrionárias. O embrião, excedentário de fertilização in vitro, não é destruído no processo e mantém todo o seu potencial de desenvolvimento, embora o seu destino mais provável seja o lixo. Contudo, notou Sgreccia, o novo método não tem em conta que mesmo aquela única célula removida, uma célula totipotente, pode evoluir para um ser humano totalmente desenvolvido.

Ou seja, segundo os iluminados do Vaticano esta técnica é ainda mais reprovável que a anterior porque… destrói pelo menos 2 embriões, possivelmente incontáveis embriões, tantos quantas as células produzidas. De facto, como apontei pouco depois da sua eleição, em que previ que a ciência seria o inimigo a abater durante o seu papado, Ratzinger considera que se uma célula estaminal adulta é alterada para se tornar totipotente então deve ser considerada um embrião. Ou seja, todas as células estaminais, qualquer que seja a sua origem, um embrião ou a ponta de uma unha, são consideradas embriões pelo Vaticano.

Ou seja ainda, é pecaminoso e proibido aos católicos qualquer tratamento que corresponda ao «assassínio» de incontáveis «embriões», isto é, célulais estaminais, quaisquer que sejam as suas origens. Claro que a esmagadora maioria dos católicos se está bem nas tintas para as muitas proibições impostas pelo Vaticano. Assim, como em relação ao resto das imbecilidades decretadas pelos ditadores papais, não é difícil prever que os católicos ignorarão as ululações de Roma e não se coibirão de utilizar tratamentos com células estaminais, se estes forem disponibilizados.

Por essa razão, é igualmente prevísivel que os fundamentalistas católicos tudo farão para impedir que a investigação nessa área prossiga. O primeiro passo já foi dado por Trujillo que pretende excomungar latae senentiae, isto é automaticamente, cientistas que trabalhem com células estaminais e os políticos que aprovem leis permitindo essa investigação.

Mais ofensivas contra a ciência são esperadas do seminário que Bento XVI conduzirá em Castel Gandolfo, devotado a examinar a teoria da evolução e o seu impacto no catolicismo…

28 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A ciência nos Estados Unidos

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Continuando a sua tradição de homenagear em selo cientistas americanos, o serviço postal americano acrescentou uma nova série à lista que já incluia John von Neumann*, Barbara McClintock, Richard P. Feynman e Jonas Salk entre outros. Considerando que a ciência nos Estados Unidos está sob ataque cerrado do governo de G. W. Bush e dos seus devotos apoiantes, de que o post anterior é apenas mais um exemplo a Stay Free Magazine propõe no seu blog esta série dos American Scientists, muito mais em conformidade com a visão exegética da ciência do actual governo.

Para os menos familiares com a política norte-americana, William Jennings Bryan, um fundamentalista cristão assumido, muito envolvido no julgamento de Scopes (o famoso Monkey Trial), atribuia a Darwin todos os males do mundo; G.W. Bush não necessita apresentação; Rick Santorum, um católico fundamentalista, é um imbecil que introduziu o que ficou conhecido como Santorum Amendment, uma emenda à lei de financiamento da educação pública que promovia a IDiotia e questionava o ensino da ateia evolução, finalmente Deus é o mito que os fundamentalistas americanos consideram ter fundado o seu país!

*John von Neumann, um matemático húngaro de origem judaica que se naturalizou americano em 1937, considerado o mais brilhante matemático de sempre, contribuiu especialmente para o desenvolvimento da Mecânica Quântica, Teoria dos conjuntos, Ciência da Computação, Economia e Teoria dos Jogos mas deu contribuições preciosas praticamente em todas as áreas da Matemática. Foi um dos construtores do primeiro computador, o ENIAC (Eletronical Numerical Integrator And Computer).

A base matemática rigorosa da mecânica quântica só foi estabelecida após a publicação, em 1933, do livro de Neumann The Mathematical Foundations of Quantum Mechanics.

Neumann decidiu desenvolver a sua própria versão da mecânica quântica após ter assistido a uma conferência de Heisenberg sobre mecânica matricial. No seu livro, Neumann descreve a sua teoria de operadores (álgebra de Neumann) que criou para explicar determinados aspectos da mecânica quântica. Em grande parte devido ao seu trabalho, foi provada a equivalência matemática entre as formulações de Schrödinger e Heisenberg. A mecânica ondulatória de Schrödinger tornou-se o método mais popular por ser menos abstracta, menos hermética e consequentemente mais fácil de entender que a mecânica matricial de Heisenberg. Também em 1933 von Neumann resolveu o quinto problema de Hilbert.

David Hilbert, um dos mais importantes matemáticos da era moderna – que, na Universidade de Göttingen, foi professor de Born, Heisenberg, Jordon e do próprio von Neumann – apresentou os famosos 23 problemas com que desafiou os melhores matemáticos do século XX no International Congress of Mathematicians em Paris. O trabalho de Hilbert no espaço de infinitas dimensões, conhecido por espaço de Hilbert, foi igualmente imprescíndivel ao desenvolvimento da mecânica quântica.

27 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A epístola sobre a morte da ciência

Jon Swift tem mais um post satírico fabuloso sobre as limitações mentais (e ortográficas) dos apoiantes incondicionais de G. W. Bush, devotos teocratas como o próprio presidente dos Estados Unidos.

Enfim, alguns teocratas, de acordo com uma sondagem recentemente publicada pelo Pew Forum, acham que há algumas maçãs podres no cesto republicano. De facto, com maioria no Senado o GOP ainda não conseguiu produzir legislação proibindo o execrado casamento homossexual e assistiu-se recentemente ao cúmulo do ateísmo republicano quando alguns senadores do GOP votaram a favor do alargamento do financiamento da investigação em células estaminais, obrigando Bush a usar o poder de veto pela primeira vez.

Mas o que proporcionou a prosa imperdível em questão é um post de um blog que dá pelo aliciante nome «Blogs for Bush», que tem feito as delícias da blogoesfera americana.

Mark Noonan, um devoto cristão a quem a centelha do pensamento crítico, aliás diria de qualquer pensamento, nunca lhe agraciou as sinapses e que está a leste do que seja ciência, considera como dado adquirido que a ciência morreu, nos Estados Unidos pelo menos. Tal feito deve-se não aos esforços envidados para tal pela administração Bush mas às «mentiras» dos ateus cientistas que se desviaram dos caminhos da «Verdade»!

Isto é, pouco versados em religião devido ao secularismo «esquerdista» que a excluiu das salas de aulas, os ateus cientistas rejeitam o «conhecimento da verdade genuína, da razão genuína e da relação do homem com a criação e com o seu Criador» e tal ditou o Fim da Era da Ciência.

Recomendo a leitura desta epístola contra a ciência, uma ilustração perfeita das ruminações acéfalas de um fundamentalista cristão. Como antídoto o post de Jon Swift, simplesmente delicioso, é indispensável!

26 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Holocausto: o milagre da Rosa

Como já referi, o único argumento católico para justificar o silêncio ensurdecedor face às atrocidades nazis das cúpulas da Igreja Católica, especialmente de Pio XII, reside na ululação de que se Pio XII ou a Igreja tivessem falado abertamente contra os nazis o horror do Holocausto teria atingido dimensões ainda mais catastróficas.

Essa desculpa não colhe pelo facto de que essa contenção não foi seguida pelo Vaticano noutros conflitos da época, nomeadamente por Pio XI, que em 1936 despoleta a Guerra Civil de Espanha ao exortar os católicos espanhóis a lutarem contra o governo democraticamente eleito, dizendo ser seu dever como católicos auxiliar Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

Mas não colhe especialmente porque a pretensão de que os cristãos alemães e especialmente a Igreja Católica eram impotentes face ao terror nazi é uma manobra propagandistica sem qualquer fundamento histórico, num estilo que Goebbels teria apreciado.

Como indica Sarah Gordon, «o facto de as igrejas alemãs não terem falado contra a perseguição racial é uma vergonha… porque os nazis temiam o poder político e o poder da propaganda das igrejas».

Na realidade, o poder de Hitler assentava na sua popularidade e na sua aprovação incondicional pelo povo alemão, não era um poder imposto pelo terror. Assim, seria contraproducente para um regime que se pretendia popular impor esse poder pela força, sendo a táctica adoptada a intoxicação da opinião pública por recurso a propaganda – muitas vezes através de jornais e revistas cristãs- educação (cristã, claro), persuasão e pressão social. Claro que os opositores políticos, ateus comunistas e socialistas em especial, eram perseguidos, mas a opressão da população em geral era inexistente até ao estertor do regime e mesmo nessa altura completamente ineficiente. A ideia de um regime estilo estalinista é uma fantasia cinematográfica sem apoio histórico. Aliás, são muito raros os casos de retaliação sobre soldados, membros do partido ou até membros das SS que se recusassem a cometer qualquer atrocidade. Tão raros que os nazis acusados de crimes de guerra não podiam invocar medo de retaliação para justificar esses crimes.

Há ainda inúmeros exemplos de que objecção popular determinada obrigou Hitler a retroceder em decisões alvo de constestação para não pôr em risco o precioso apoio popular. E há inúmeros exemplos de mobilização dos crentes pelas igrejas contra determinadas decisões, mobilização unicamente em defesa dos interesses das Igrejas, a defesa dos judeus nunca foi uma causa cristã.

Por exemplo, quando as igrejas protestantes recusaram a união na grande Igreja Cristã do Reich preconizada por Hitler, este abandonou a ideia. Ou quando alguns membros do partido nazi removeram crucifixos das escolas da Baviera, sem a autorização de Hitler, os protestos vigorosos dos bávaros resultaram na sua substituição muito rápida. E quando Hitler prendeu os bispos protestantes Hans Meiser e Theophil Wurm os protestos públicos que se seguiram, um deles reunindo 7 000 manifestantes, resultaram na sua libertação e na retoma das respectivas funções, o que aconteceu com muitos louvores da parte de Hitler.

Os protestos de Clemens August von Galen, bispo de Munster, em relação ao programa para eliminar os deficientes mentais levaram ao cancelamento deste programa. Embora alguns oficiais contemplassem a remoção do bispo católico, o regime nazi conhecia os seus limites e sabia que não podia afrontar a Igreja Católica. Goebbels avisou «perderemos toda a população de Muenster durante a guerra se algo for feito contra o bispo… na realidade perderemos toda a Westphalia».

Mas o incidente mais ilustrativo da vacuidade das pretensões católicas é o incidente de Rosenstrasse (Rua da Rosa). Na Alemanha nazi viviam abertamente cerca de 30 000 judeus com consortes cristãos, na sua maioria homens. Até 1943, os nazis, mui respeitadores dos valores cristãos em relação à família, deixaram-nos em paz uma vez que não sabiam o que fazer a esses judeus sem violar a «santidade» do matrimónio. No início de 1943, Goebbels, então comandando Berlim, decidiu ser tempo de «limpar» a capital, com o acordo de Hitler. E reuniu cerca de 2 000 judeus casados com arianas num edíficio na Rosenstrasse, de onde seriam deportados para campos de concentração.

Durante uma semana as suas esposas cristãs, desorganizadas e indefesas, suportaram o frio e as ameaças da Gestapo na Rua da Rosa gritando «Queremos os nossos maridos de volta» . E qual foi o resultado da única demonstração na Alemanha nazi em prol dos judeus? Os maridos judeus foram libertados com a aprovação de Hitler, inclusive 25 que já tinham sido enviados para Auschwitz. Não houve qualquer tipo de represálias sobre as manifestantes ou sobre as suas famílias. No fim da guerra, a maioria dos sobreviventes judeus na Alemanha, pelo menos 98%, eram membros de casais mistos, que foram protegidos pela determinação e coragem de uns milhares de esposas dedicadas.

Podemos apenas imaginar o que teria acontecido se a Igreja Católica, com uma estrutura bem montada e organizada em todo o país, com o apoio de uma máquina de progaganda comparável à do III Reich, tivesse optado por protestar as atrocidades que sabia estarem a acontecer. Optou pelo silêncio «diplomático» por razões que a História confirma não incluirem medo de represálias…