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Palmira Silva

27 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Intolerância católica perde batalha em Inglaterra

Após vários dias de intensas negociações com os restantes ministros britânicos, o devoto Tony Blair não conseguiu convencer os membros do seu gabinete a isentar a Igreja Católica da nova lei – Lei de Igualdade (Orientação Sexual) a entrar em vigor em Abril – que proíbe discriminação na área de serviços, sendo vedado aos cristãos negarem-se a fornecer serviços e vender bens a homossexuais.

Depois da chantagem sob o governo exercida pela Igreja Católica – que considera ser uma inadmíssivel interferência na «liberdade» religiosa não poder discriminar quem não segue os seus ditames e ameaçou fechar as suas agências de adopção se fosse obrigada a seguir a lei – Tony Blair juntamente com a ministra da Igualdade, a Opus Dei Ruth Kelly, tentaram debalde convencer os restantes ministros a aceitar que a ICAR deve estar acima da lei e que a homofobia disfarçada de objecção de consciência é um direito católico.

Assim, um grupo de membros do Governo, liderado pelo ministro da Educação, Alan Johnson, e o da Irlanda do Norte, Peter Hain, expressou veementemente a sua oposição a este tratamento de excepção da Igreja Católica, que considerou ridículo.

O deputado democrata liberal Evan Harris classificou como «especialmente sórdido que a hierarquia católica tenha tentado chantagear o Parlamento e o governo ameaçando acabar com o seu trabalho valioso na adopção e outras áreas, particularmente por usar como arma na sua batalha ideológica grupos vulneráveis como crianças em instituições de acolhimento.»

Como os portugueses podem confirmar na questão do referendo à despenalização da IVG, para a ICAR todos os meios são válidos na batalha para impor na letra da lei a (i)moral católica pelo que da minha parte não considero especialmente sórdida a actuação da delegação britânica da Igreja de Roma, é apenas a expectável duma instituição que desde sempre manipula grupos vulneráveis para os seus fins!

Considerando que os fundamentalistas das religiões do livro não são exactamente conhecidos pela tolerância mas mais pela violência «veemência» com que protestam os insultos à sua fé – dos quais o insulto máximo é o facto de o Direito não obrigar todos a seguirem os seus ditames anacrónicos – e sabendo que a vitimização é inseparável do cristianismo, não é muito complicado prever que se vão seguir estridentes ululações denunciando como «perseguição religiosa» as leis que pretendem acabar com a discriminação e intolerância em relação a homossexuais.

Ululações que se esperam em uníssono com os correligionários das restantes religiões do livro, unidos apenas em «causas» comuns – homofobia, misoginia e guerra à laicidade. E de facto a luta católica pelo direito à homofobia mereceu o apoio do Conselho Muçulmano britânico…

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26 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

A ICAR não entra em «campanhas de tipo político»?

«Se é para pôr uma barriga de grávida na imagem da nossa padroeira, não acho bem», queixava-se ontem uma mulher de meia-idade, à saída da Igreja de Pataias, cujo pároco marcou uma missa e procissão com a referida imagem para apelar ao voto NÃO no referendo de 11 de Fevereiro!

Por seu lado, os párocos das 32 freguesias de Felgueiras anunciaram a realização de um conjunto de iniciativas de apelo ao voto NÃO até 9 de Fevereiro, dia em que cada paróquia levará a efeito uma vigília pelo NÃO. No domingo anterior ao referendo os párocos apascentarão as suas ovelhas numa peregrinação pelo NÃO.

Mas já todos sabemos que a ICAR não entra em campanhas de tipo político

Também todos sabemos que a ICAR até recomendaria o voto SIM se o que estivesse em causa no referendo de 11 de Fevereiro fosse apenas a despenalização da mulher. Agora esta história do estabelecimento de saúde que permite substituir o aborto clandestino com toda a carga de «vergonha, clandestinidade, sofrimento, saúde arruinada e às vezes morte» por uma IVG em condições de segurança e saúde é que não!

Tal como o professor Marcelo, que também não quer «ver mulheres julgadas», a Igreja quer manter a pena da clandestinidade para as mulheres pecadoras. Como Fernanda Câncio refere em relação ao cruzado pelo NÃO, a Igreja para as mulheres que abortam quer a pena de morte, mas sem julgamento.

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26 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Fundamentalismos modernos: Direito e política

Os protestos de que Deus é um conceito «natural» inato são desmentidos pela existência de inúmeras religiões, já que se fosse realmente algo intrínseco ao ser humano diferentes povos teriam as mesmas crenças, o que não se verifica. Na realidade, as diversas crenças reflectem diferentes organizações sociais e políticas que reforçam o facto de que Deus é para além do mais uma convenção político-social.

O Deus das religiões do livro remete para uma imagem monárquica e patricarcal como justificação ideológica não só das diversas formas de sistemas igualmente patriarcais e misóginos como do absolutismo político – por alguma razão a democracia foi até ao século XX execrada pela hierarquia da Igreja de Roma.

Para além disso, a administração da lei foi sempre considerada uma perrogativa religiosa por todas as religiões do livro – a palavra hebraica, Elohím, tem o significado de «Deus» e «juizes». Lei divina baseada e revelada em supostas experiências sobrenaturais de um qualquer profeta, papa ou afins e que não resiste (nem pode ser sujeita) a uma análise racional.

No Ocidente, a função perversa exercida pela religião nas sociedades humanas e especialmente no Direito foi de certa forma suavizada pelo facto de poderem ser traçadas duas genealogias do conhecimento e de organização político-social: por um lado, o mundo greco-latino racional e democrata, por outro lado, o cristianismo obscurantista, totalitário e intolerante. Os conflitos entre estas duas genealogias são evidentes a nível da organização política e do Direito e acentuaram-se no Renascimento com a redescoberta dos textos originais dos pensadores gregos, não deturpados por piedosas mãos em scriptoria sortidos.

Usando textos de Aristóteles, Epicurus e Cícero como comparação podemos ver as diferenças conceptuais político-sociais do Direito nestas duas genealogias. Para Aristóteles o homem é um um animal político que alcança a sua plenitude na polis. Zoon politikon que detem o logos, que lhe permite distinguir o bem do mal, o justo do injusto, base da aretè politikè, a virtude do cidadão.

Por seu lado, a máxima de Epicurus, transmitida por Diógenes Laercio «O direito natural é uma convenção utilitária feita com o objectivo de não se prejudicar mutuamente» (Epicurus in Máximas Fundamentais), afirma o carácter relativo da justiça, dependente das convenções sociais e, por isso mesmo, essencialmente mutável. O carácter convencional que o epicurismo atribui à justiça e às leis positivas, muito mais que um cepticismo relativista, foi o percursor da teoria do contrato social. Este é o aspecto principal do carácter jurídico do epicurismo que o situa assim entre os primeiros contratualistas e, talvez, os positivistas fenomenólogos do direito.

Na concepção romana, tal como exposta por Cícero, a lei, que constitui a base da comunidade política, é expressão do entendimento racional, «de que nascemos para a justiça. A lei é uma força da natureza, a inteligência e a razão de um homem sábio, e o critério da justiça» (Cícero, Leis, I, 19). Ou seja, a razão como função da natureza humana produz as leis que constituem a comunidade justa em que aspiramos viver.

Uma característica da doutrina cristã é negar esta capacidade intrínseca humana para agir bem sem intervenção da divindade. Segundo Agostinho de Hipona, ainda o teólogo de eleição do catolicismo, a ignorância de Deus e da vontade divina resultam necessariamente no Mal devido ao pecado original. Esta visão pessimista do homem, um ser ignóbil de per se, prevaleceu no Ocidente após a queda do Império Romano atingindo o seu auge na Idade Média.

Assim e como a própria Enciclopédia Católica Popular indica, a Idade Média foi um período de total domínio da Igreja Católica que imprimiu «à Europa a visão teocêntrica do mundo, o ideal do império sujeito ao Papado (Cris-tandade) e a organização da vida do povo em torno dos princípios doutrinais e morais do Cristianismo». Princípios (i)morais que dominaram o Direito europeu durante séculos e que os fundamentalistas cristãos consideram ainda hoje ser dever do Estado impor a todos transcrevendo-os na letra da lei, já que os descrevem como «valores morais universais e absolutos».

Como afirma Feuerbach em «A Origem do Cristianismo», esta visão cristã do homem é uma projecção de todas as boas qualidades humanas no exterior, no Deus do Cristianismo, deixando ao homem apenas o reprovável. Assim, as sociedades devem ser reguladas transpondo para o Direito as alucinações que Deus (ou o Espírito Santo) supostamente sussurrou no ouvido de uns «eleitos» caso contrário «o fim da civilização parece estar próximo».

Para alguns crentes no cristianismo (e nas religiões do livro em geral) , que engolem acriticamente esta natureza perversa do homem sem Deus, o imperativo de seguir os ditames «divinos» sobrepõe-se aos mais básicos princípios da convivência humana. Uma característica de todos os fundamentalismos reside exactamente na imposição – pela força se necessário – desses ditames «divinos», já que atribuem todos os males da Humanidade a um Direito humano e não «divino». Não é assim de estranhar que, por exemplo, a imagem de marca das teocracias islâmicas seja a regulação da sociedade pela Sharia…

As religiões florescem em épocas de crise social identificando como causa máxima dessa crise à ausência de Deus (vingativo) e exortando os crentes a imporem a vontade «divina» via Direito para que os discursos produzidos por essa religião ganhem uma força vinculativa e de implementação efectiva.

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(continua)
25 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Atavismos: da Igreja Católica e referendos – II

Em causa estão não só a ausência de referências ao catolicismo no Preâmbulo do novo Estatuto de Autonomia mas essencialmente os desvios flagrantes do novo texto em relação à interpretação católica dos Direitos Humanos, que se traduzem para os prelados simplesmente no Direito da Igreja impor a todos os seus atavismos.

De facto, são inadmíssiveis para a Igreja as políticas de promoção de igualdade de género abundantemente expressas em todo o texto, uma abominável «concessão à ideologia de género vigente» contrária aos «fundamentos antropológicos da diferenciação de sexos».

Recordo que para a ICAR, auto-proclamada expert em antropologia, os fundamentos antropológicos que devem reger as nações são a inenerrante «antropologia bíblica» – leia-se pecado original – que denuncia como profundamentes erradas as «perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico». Ou seja, a igualdade de direitos para a mulher promovida no novo Estatuto andaluz é uma aberração ateísta que não reconhece a ordem «natural» do mundo «divinamente» ordenada!

Assim como são aberrações ateístas denunciadas veementemente pela Igreja o articulado referente à educação pública, definida como laica «conforme o carácter aconfessional do Estado» – mas que «terá em conta as crenças religiosas da confissão católica e das restantes confissões» -; o reconhecimento das uniões de facto e o facto de o novo Estatuto de Autonomia não dar protecção jurídica a óvulos fertilizados!

O arrazoado jurássico com que a delegação andaluz da Igrejade Roma critica o novo documento máximo desta comunidade, «declarações retrógradas, reaccionárias e próprias de uma instituição medieval» – como a porta voz da IU, Concha Caballero, as classificou – mereceram a reprovação de todos os partidos políticos, PP e PA, o único que apela ao voto NÃO no referendo, incluídos!

Aparentemente em Espanha os políticos já meditaram no significado político dos indicadores sociais referidos pelo Ricardo. Reflexão de que resultou, por exemplo, o recente Manual de Ceremonial Civil. Los días más grandes, um instrumento que «sob parâmetros exclusivamente laicos» descreve «fórmulas para viver con solenidade» os «ritos de passagem» – nascimentos, casamentos e funerais -, publicado pela Asociación Catalana de Municipios y Comarcas. Manual que critica a Igreja e questiona o conceito de Deus!

Num Portugal que os mesmos indicadores sugerem estar mais secularizado que a vizinha Espanha é mistificante que a nossa classe política permita a imiscuição atávica da Igreja, abundantemente confirmada nos últimos tempos, em matérias que deveriam ser exclusivamente de política e/ou de Direito …

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25 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Atavismos: da Igreja Católica e referendos

Durante a 2.ª República espanhola, de 1931 a 1939, o Governo catalão elaborou um anteprojecto de Constituição autonómica, conhecido por Núria, por ter sido concluído naquela localidade em 20 de Junho de 1931. Por plebiscito popular, em 2 de Agosto do mesmo ano, a Núria foi aprovada, tendo sido ratificado nas Cortes em 9 de Setembro do ano seguinte. A Catalunha tornou-se assim «uma região autónoma dentro do Estado espanhol» estatuto que perdeu quando Franco, com o auxílio precioso da Igreja Católica, pôs fim sangrento à República. O Vale dos Caídos, o monumento fascista à vitória franquista e onde estão sepultados Francisco Franco e José Primo de Rivera – o fundador da Falange Espanhola e filho primogénito do ditador Miguel Primo de Rivera y Orbaneja, por sua vez fundador da União Patriótica, o movimento inspirador da União Nacional portuguesa – foi aberto na rocha por autênticos escravos, os inúmeros prisioneiros políticos que escaparam aos fuzilamentos fascistas.

Quase 4 décadas depois do fim da autonomia da Catalunha, a Constituição de 1978 definiu uma solução original para a diversidade espanhola, criando não um Estado federal, que implicaria a igual distribuição de competências pelos federados, mas um Estado de «autonomias assimétricas». Assim, a Constituição espanhola estabelece um sistema híbrido baseado na «unidade da Nação espanhola» mas com «autonomia dos nacionalismos e regiões que a constituem», definindo o chamado «Estado das Autonomias», composto por 17 Comunidades Autónomas, cada uma dotada de Governo e Parlamento próprios, com autonomias assimétricas atribuídas em função das respectivas características histórico-culturais e da vontade política manifestada pelas diversas regiões.

Dia 18 de Fevereiro, uma semana depois de em Portugal os portugueses decidirem em referendo o tipo de sociedade que querem construir – uma sociedade democrática e moderna, assente no respeito da Declaração Universal dos Direitos do Homem (capitalizado) ou uma teocracia em que o Direito criminaliza os «pecados» católicos – os cidadãos andaluzes manifestarão igualmente em referendo a sua vontade política em relação à autonomia da respectiva região, nomeadamente em relação ao novo Estatuto de Autonomia pelo qual se regerá a Andaluzia.

Tal como em Portugal em relação ao referendo pela despenalização da IVG até às 10 semanas, a Igreja Católica local tem sido muito vocal na rejeição do Estatuto a ser referendado, exortando ao voto NÃO recordando «aos católicos andaluzes a obrigação moral em consciência que têm de ter em consideração» de que «as leis recebem a sua legitimidade no que respeita a direitos humanos e grupos sociais» apenas quando seguem estritamente a interpretação sobre os mesmos da hierarquia da Igreja. Mais concretamente, ululam que os católicos devem opôr-se a qualquer legislação contrária aos «direitos humanos e grupos sociais tal como são declarados e defendidos pela doutrina social da Igreja».

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23 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De bioética, ciência e tolices sortidas – II

Excertos de um texto de Carlos Fiolhais, publicado com o título «BIOÉTICA OU AS TRAPALHADAS EM QUE BIÓLOGOS E MÉDICOS SE (NOS) METERAM»

Há, no Texas, uma cidade com o nome bem latino de Corpus Christi. Fica no Sul da América do Norte nas costas do Golfo do México.

Os habitantes de Corpus Christi votaram no dia 19 de Janeiro de 1991 num referendo municipal para responder à pergunta «quando começa a vida humana». Mais precisamente, a questão consistia em adicionar a lei local à frase «a vida começa com a concepção».

63% dos votantes mostraram-se contrários a tal medida, apesar da abstenção ter sido muito elevada. O jornal de Chorpus Christi deu o maior espaço da primeira página ao resultado do referendo, esquecendo a Guerra do Golfo em que nesse mesmo dia as tropas norte-americanas estavam empenhadas.

Pode-se bem imaginar, sem lá ter estado, a quantidade de argumentos científicos e teológicos, médicos e éticos, que apareceram na campanha eleitoral…

A campanha foi marcada por confrontações violentas. Os argumentos foram, portanto, bem menos intelectuais do que seria desejável. O bispo lá da terra, que usa um chapéu de cow-boy, à moda do J.R. do «Dallas», excomungou sumariamente dois médicos católicos que, ao que parece, dirigiam clínicas onde se praticavam abortos.

Um dos sheriffs do sítio (não, não há só sheriffs nos filmes de cow-boys, também os há em Corpus Christi!) mandou erguer placards com a sua posição sobre o assunto: «My first duty is to GOD», assim mesmo com maiúsculas em GOD e tudo. Um dos activistas da campanha anti-aborto explicou resumidamente o modo como votou no referendo: «Deus quer que salvemos as suas crianças porque esta cidade tem o seu nome».

Inspirado pelo bispo e com a complacência do sheriff, os mais extremistas tentaram fazer «operações de salvamento» nas ditas clínicas, usando a força. A mulher do sheriff foi presa na tentativa de ocupação de uma clínica, pelo que os polícias receberam ordem para não interferir. «Deus está acima da lei», é a tradução da frase do chefe da polícia.

(…)

E em Portugal? Tem-se debatido com profundidade e conhecimento de causa as questões bioéticas, cada vez mais actuais e prementes, tanto da vida como da morte? Têm cientistas e políticos trocado informações e ideias? Têm ao grande público chegado mais do que o «fait-divers» dos jornais, que noticiam o que acontece a norte-americanos e a outros?

O autor destas linhas vai em crer que se se fizesse um inquérito sumário na Assembleia da República sobre o modo como é geneticamente determinado o sexo de um filho ou o que é uma morte cerebral a resposta seria um espelho do que é a realidade do país: ignorância pura e simples dos factos biológicos mais simples. É, evidentemente, imprescindível a ética. Mas, uma ética sem ciência é uma ética analfabeta.

Ninguém nos dias de hoje, quando a biologia é determinante para o futuro do homem, se pode dar ao luxo de ser um analfabeto científico e de nada saber sobre questões que se, se é certo que têm componentes políticas, culturais e religiosas, exigem também e à partida conhecimentos científicos. Os políticos deviam começar por dar o exemplo da alfabetização científica. Quando um dia aprenderem o que é o código genético ou o que é uma mutação in vitro, já será demasiado tarde. A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro.

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23 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De bioética, ciência e tolices sortidas

Acho sempre divertido – embora irritante – que a Igreja Católica, empenhada numa cruzada contra a «irracional» ciência e os «terroristas» que a praticam, tente confundir os mais incautos invocando em vão o nome ciência para vender como verdades científicas as maiores barbaridades.

Em relação ao tema aborto ler e ouvir o bispo da Guarda, Manuel Felício, que nem deve ter uma pálida ideia sobre o que seja a ciência – a crer nos abundantes dislates que debita sob a (pseudo)égide da mesma – confirma que a única moral «absoluta» cristã na história do cristianismo é a que estabelece que os fins justificam os meios, e um dos meios banalizados para propagar e manter a fé é o medo, instalado pela mentira e pela ameaça.

Já a homilia de Ano Novo do dignitário católico tinha sido uma elegia da mentira e especialmente das «opiniões tolas», as tais que Agostinho de Hipona tão sabiamente advertiu os cristãos para não pronunciarem. Claro que uma plateia tão analfabeta cientificamente como o seu pregador não se apercebe da tolice abundantemente debitada pelo empenhado pró-prisão. Mas a resposta «científica» apresentada como prova cabal de que o embrião/feto é uma pessoa é tão tola que precisei ler de novo, para mais uma vez confirmar que não tinha ido parar ao equivalente nacional da minha «Cebola» favorita.

Se não vejamos: diz o dignitário que «há uma relação vital que se desenvolve progressivamente entre o feto e a mãe», isto é, a verdade de la Palice que a vida do feto depende da mulher, relação que para o dignitário «é só própria de pessoas e entre pessoas». Não sei se o facto de existir uma «relação vital» entre um parasita e um hospedeiro equivale taxonomicamente o primeiro ao último mas certamente que face a esta explicação Feliciana a ciência vai conhecer uma revolução inaudita!

Mas as tolices felicianas não pararam aqui! Uns dias depois de classificar o aborto como medida de «exclusão social», um Felício à beira da apoplexia ululou em prime time hoje que o «aborto é equivalente à pena capital» e que ele, Manuel Felício, bispo da Guarda, é um embrião.

As excepções já contempladas na actual lei confirmam que a segunda afirmação não anda muita longe da verdade – pelo menos no que a neurónios diz respeito – e assim se explica a tolice da primeira!

E após conversa com outro Carlos de Coimbra, com uma pena tão fácil e erudita como o nosso, mas com apelido que apenas contém esperança de um Portugal cientificamente mais esclarecido, recupero um texto do Carlos Fiolhais, mais um cientista pelo SIM, publicado na revista Omnia no longínquo ano de 1991, de que reproduzo excertos no próximo post. As conclusões do Carlos, velhas de 16 anos, mantêm-se actuais: «A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro».

Dia 11 de Fevereiro joga-se também o futuro de Portugal, o modelo de sociedade que queremos construir. Se queremos uma sociedade democrática e moderna ou uma sociedade de embriões felicianos. E é preciso que o não esqueçamos! E, principalmente, urge que não deixemos que os fundamentalistas católicos explorem a falha de ética e o défice de ciência da população menos esclarecida para manipular o resultado do referendo para os fins necessários ao integrismo totalitário que ambicionam!

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22 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Intolerância cristã


Fanático cristão invade o palco de um teatro onde se exibe a peça «Me cago in Dios» e agride os actores. De facto, a sátira é algo intolerável aos crentes mais fanáticos, que não aceitam que alguém possa agir sem ser de acordo com os canônes da sua Igreja! Muito menos aceitam que se parodiem esses mesmos canônes…

22 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

As posições do NÃO

Um post no SIM ao referendo que explica muitas posições NÃO, explica que o que move muitos não é, como ululam, a defesa da vida, mas sim o incómodo que lhes causa a IVG por opção da mulher. Isto é, o que os incomoda é a liberdade de consciência da mulher.

O post aborda a homilia semanal na RTP de Marcelo Rebelo de Sousa, o responsável com Guterres pela situação aberrante em que nos encontramos, que afirmou ao vivo e a cores ser «contra a penalização da mulher. Às dez semanas, aos cinco meses, aos oito meses

Como Fernanda Câncio escreve, se a pergunta fosse, portanto, «está de acordo que a mulher que aborta – no limite, até aos 9 meses – deixe de ser criminalizada?», o professor Marcelo responderia SIM, concordo.

O professor Marcelo tem assim a curiosa posição de ser contra a penalização da mulher mas ser igualmente contra parte da pergunta do referendo, isto é, a parte «por opção da mulher». Mais concretamente «é muito claro: eu até sou SIM à despenalização mas sou contra uma lei que vai mais longe que a despenalização, que é permitir uma livre escolha sem justificação nenhuma. Um estado de alma permite à mulher abortar. Porque lhe apeteceu, põe em causa uma vida humana».

Mas deixa de estar em causa uma vida humana se a IVG não for realizada por opção da mulher (não se percebendo muito bem por opção de quem admite o professor o aborto até aos 8 meses, mas certamente alguém sem «estados de alma», o marido quiçá)!

Como analisa magistralmente Fernanda Câncio:

«Simplificando, o professor Marcelo criou um slogan que é o inverso, o espelho do tão odiado ‘na minha barriga mando eu’: ‘na barriga da mulher só não pode mandar ela’.

O professor Marcelo não confia nas mulheres portuguesas. Vidas humanas nas mãos – nas decisões – delas, nem pensar. É por isso que o professor Marcelo vota NÃO. É um ‘NÃO, não confio nas mulheres‘.»

Em minha opinião é este tipo de misoginia que está subjacente a muitos votos NÃO. Uma misoginia que menoriza as mulheres, seres dados a «estados de alma» que abortariam por dá cá aquela palha, pelo que a decisão por uma IVG não pode alguma vez ser deixada a estes seres fúteis e ocos!

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21 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Sim no referendo!

Um post indispensável, abordando um tema caro aos pró-penalização – que, a crer nos cartazes, se preocupam mais com dinheiro que com valores -, num blog que deve ser igualmente leitura indispensável: SIM no referendo.

Um ponto de encontro de individualidades da blogoesfera abrangendo todo o espectro político nacional, que têm em comum querer pôr Portugal no mapa das nações civilizadas, democráticas e regidas pela declaração universal dos direitos do Homem (capitalizado).

Porque o que está em causa no referendo de 11 de Fevereito próximo é uma questão de civilização: reconhecer às portuguesas, finalmente, algo que está consagrado há quasi 60 anos, a igualdade de género e a liberdade de consciência!

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