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Palmira Silva

10 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Presunção e autismo papal


A grande autoridade em questões de medicina que dá pelo nome de Ratzinger afirmou hoje na sua homilia em Munique que a SIDA só pode ser combatida com fé.

Considerando que a Igreja Católica se tem distinguido por ser o maior obstáculo ao combate a este flagelo acho que é de facto preciso muito autismo, muita falta de vergonha na cara para debitar barbaridades como estas.

Na mesma homilia, o ex-inquisidor mor elevado por graça do «espírito santo» a ditador do Vaticano, criticou a sociedade ocidental por se preocupar com minudências em vez no que considera realmente importante: a evangelização. Queixando-se amargamente daqueles que «têm a ideia de que os projectos sociais se devem desenvolver com a máxima urgência, enquanto que os assuntos que dizem respeito a Deus ou à fé católica são coisas mais particulares ou de menor importância», criticou os laicos governos ocidentais por devotarem o dinheiro dos impostos de todos a projectos «ateus», como sejam combater a exclusão social, a pobreza e a fome, em vez de o entregarem à Igreja para esta «catequizar» o Mundo!

Mereceram ainda fortes críticas a liberdade de expressão e a liberdade de religião, já que Ratzinger afirmou ser «cinismo» considerar «um direito da liberdade ridicularizar o sagrado». A ateia ciência fez parte, como seria de esperar, dos ataques do Papa contra os progressos civilizacionais do Ocidente nomeadamente por não ser subordinada aos anacrónicos ditames do Vaticano, nomeadamente no que respeita à investigação em células estaminais.

Disse ainda Ratzinger que «A tolerância de que precisamos urgentemente implica o temor a Deus», deplorando a secularização das sociedades ocidentais que as fizeram perder o medo de papões e as tornaram «surdas a Deus», isto é, surdas às ameaças dos castigos divinos usadas tão eficientemente por Roma durante séculos. Na semana passada Ratzinger tinha sugerido que a «verdadeira» democracia passa por acatar as ordens do Vaticano, sendo «totalitários» os governos que não se aceitam reger pelos ditames do Vaticano.

Continua a senda obscurantista e a cruzada anti-modernidade de uma organização que recentemente declarou obra do Demo as piores catástrofes do século XX, já que Hitler e Estaline… estavam possuídos pelo Diabo!

10 de Setembro, 2006 Palmira Silva

E ainda Darfur

A Human Rights Watch informa que o governo do Sudão está a bombardear as (poucas) aldeias que não foram destruídas no norte de Darfur. Estes ataques surgem numa altura em que Cartum pretende que a força de paz da União Africana saia do terreno e rejeita peremptoriamente o envio de uma força de paz da ONU. Aliás, num comício no sábado, o presidente sudanês, Omar al-Bashir, pediu «uma mobilização popular e militar» e «que os campos de treios sejam abertos a todos os que são capazes de levar armas para enfrentar qualquer ingerência» das organizações internacionais. Advertindo que o governo sudanês atacará os corpos de paz da ONU se estes forem enviados para Darfur.

Os milhões de sudaneses negros nos campos de refugiados, na sua esmagadora maioria mulheres e crianças, temem pelas suas vidas no caso de a força de paz da UA sair da zona em finais de Setembro, como pretende Cartum. Como diz um dos refugiados num campo em Tawila:

«Se estes soldados (ruandeses da UA) sairem, nós seremos massacrados». Deixando um apelo, «Nós imploramos a comunidade internacional, a alguém, venham e salvem-nos».

A violência crescente contra as ONG’s operantes no local tem obrigado a que estas saiam do terreno. Para além das acções militares contra civis do governo de Cartum, a doença e a fome vitimarão muitas mais pessoas em Darfur que as muitas centenas de milhares que já foram vítimas mortais deste conflito.

Uma catástrofe humanitária, um genocídio de dimensões só comparáveis às do Holocausto, ameaça abater-se sobre o Darfur nas próximas semanas, como reconhece, finalmente, a ONU.

A proposta do governo sudanês em substituir os corpos de paz internacionais por tropas sudanesas não merece qualquer credibilidade, especialmente face aos recentes desenvolvimentos. Como afirma a secretária geral da Amnistia Internacional, Kate Gilmore:

«O ‘plano de protecção’ do governo sudanês é uma fraude e deve ser firmemente rejeitado. Como pode realisticamente o [governo] Sudão – que parece estar a lançar a sua própria ofensiva em Darfur – propor-se como corpo de paz num conflito em que é a parte principal envolvida e um perpetrador de violações graves dos direitos humanos?»

Não esqueçam: 17 de Setembro, o «Dia Global por Darfur». Assinem petições, manifestem-se, mas não deixem sem resposta os apelos dos que irão ser massacrados se ficarmos de braços cruzados!

9 de Setembro, 2006 Palmira Silva

17 de Setembro: um dia por Darfur


O dia 17 de Setembro será o «Dia Global por Darfur». É necessário agir já para parar o genocídio em curso em Darfur! O Diário Ateísta apela aos seus leitores e à blogoesfera nacional para que se juntem aos muitos milhares de pessoas em todo o mundo que nessa data se manifestarão para pressionar os respectivos governos, o Conselho de Segurança da ONU e o governo do Sudão para que o corpo de paz da ONU possa ir para a região.

Usem algo azul na cabeça dia 17 para simbolizar a necessidade na zona das forças de paz da ONU. Ou simbolizem essa necessidade colocando nas vossas páginas e blogs uma foto usando a boina dos corpos de paz da ONU. A minha foto já aqui está!

Podem ainda assinar esta petição da Amnistia Internacional e ver que mais podemos fazer para evitar a limpeza étnica em curso em Darfur nesta página da Human Rights Watch.

Dia 17 de Setembro marca o primeiro aniversário da resolução da ONU em providenciar segurança a civis em todo o globo. Juntemos Portugal e também o Brasil aos 15 países que estão a organizar iniciativas para relembrar à ONU que esta responsabilidade não está a ser assumida, nomeadamente em Darfur!

9 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Islão versus cristianismo


Oldie but goodie. Um momento hilariante no Daily Show em que Stephen Colbert e Steve Carell discutem o único, o verdadeiro Deus! Um clássico, recomendado pelo nosso leitor Luís Correia a quem agradeço, a não perder.

9 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Os extremos da homofobia cristã


Fred Phelps, o alucinado que dirige a Westboro Baptist Church, um devotado pregador do mui cristão ódio contra homossexuais, vocifera contra Jon Stewart e Stephen Colbert, pela sua actuação na cerimónia de atribuição dos Emmys – em que Jon Stewart ganhou o Emmy na categoria «Melhor Programa de Entretenimento, Música ou Comédia».

Segundo o virtuoso cristão, conhecido nos Estados Unidos por perturbar os funerais dos soldados mortos no Iraque, que ulula terem morrido por castigo de um Deus que odeia a homosexualidade a uma nação que a tolera, as estrelas do Comedy Central «parodiaram o facto de a América ter seguido Sodoma».

Um perfeito exemplo dos extremos de alienação, intolerância e ódio a que a crença num mito e nas suas «revelações» leva! Um excerto da diatribe pode ser encontrada nesta página do «Good as You», um site que representa «uma nova geração de activismo GLSBT», que pretende contribuir humoristicamente para o fim da discriminação e intolerância contra a homosexualidade. Espreitem igualmente esta página que transcreve mais delírios de Phelps, neste caso em que o desvairado cristão perora contra a Constituição dos Estados Unidos, um acordo com o Demo que Phelps considera só servir para papel higiénico, já que permite continuarem vivos os execrados homossexuais.

Para acompanhar devidamente o tema, é indispensável este «The Gospell Truth» a que cheguei via Falafel Sex.

8 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Talibans cristãos

Um pequeno vídeo educativo que mostra o registo fóssil de crânios de homínideos e não deixa dúvidas sobre a macro evolução humana, nomeadamente sobre o processo evolutivo da encefalização na árvore filogenética humana.

Algo que os cristãos querem a todo o custo esconder do público por negar «a base imutável de toda a antropologia cristã», que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.

Esperemos que os cristãos quenianos não recorram às medidas drásticas dos seus análogos no Canadá, que recentemente destruiram os petróglifos da ilha de Qajartalik, candidata a património mundial da Unesco. Destruição que segue o padrão de ataques prévios perpretados contra património cultural único por membros de «um movimento muito forte» de cristãos fundamentalistas em Kangiqsujuaq e várias outras comunidades Inuit no norte do Quebeque, alvo de lavagens cerebrais massivas por fanáticos «missionários» cristãos.

Medidas drásticas que são propostas para os edíficos governamentais quenianos que supostamente ostentam profusos símbolos «demoníacos» e colocam o Quénia sob «a grande influência da adoração de Satanás» quando o país «precisa desesperadamente da graça abundante de Deus».

Assim, como forma de atrair a dita «graça» divina, são propostas desgraças culturais, como a demolição de parte de edíficios históricos como o Parlamento e o Supremo Tribunal, cheio de «satânicos» símbolos maçónicos como estrelas, rãs e tartarugas, sinais inequívocos do Demo. Símbolos satânicos, isto é, património cultural único, que «infestavam» igrejas evangélicas construídas por perversos arquitectos maçons já foram devidamente destruídos.

Esta sanha cristã em destruir património histórico considerado «anti-cristão» fez-me recordar a destruição das estátuas milenares de Buda em Bamiyan, no Afeganistão, pelos talibans…

Só nos resta esperar que a colecção de fósseis quenianos não seja atingida por esta mui cristã «purificação» histórica!

8 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Cristãos unidos contra o evolucionismo


Do Quénia chegam-nos mais notícias que indicam ser a ciência, em especial o evolucionismo, o pior obstáculo à «propagação» da fé cristã e como tal é o alvo em que assestam os ataques de todos os flavours do cristianismo. Desta vez as poderosas igrejas evangélicas do Quénia exigem ao Museu Nacional deste país, possuidor da mais completa colecção de fósseis que retratam inequívocamente a a evolução do homem, que este retire esta colecção da exibição ou pelo menos que a relegue para um local sem visibilidade.

O Museu Nacional do Quénia é o local onde podemos ver o Turkana Boy, descoberto em 1984 em Nariokotome perto do lago Turkana no Quénia, o exemplar mais completo e um dos mais antigos, cerca de 1.6 milhões de anos, do Homo erectus. Mas o Museu exibe igualmente fósseis de vários exemplares do Australopithecus anamensis, o primeiro hominídeo a exibir bipedalismo, com cerca de 4 milhões de anos. Isto é, o Museu Nacional do Quénia, um ponto de atracção turístico situado perto de Nairobi, exibe uma colecção que não deixa quaisquer dúvidas em quem a aprecie sobre a evolução do homem.

A comunidade cristã local, como seria de esperar, não suporta ver algo que contradiz as bases da sua mitologia e como pretende o bispo Bonifes Adoyo, que preside à comunidade «Cristo é a resposta», completamente em uníssono com o Vaticano, a exibição apresenta como um facto aquilo que na realidade é uma ateísta «teoria» – para todos os cristãos fundamentalistas sinónimo de palpite. Ou seja, os cristãos locais não querem que os visitantes do Museu confirmem com os próprios olhos a evolução do homem. Porque para os cristãos:

«A nossa doutrina é que nós não evoluímos dos macacos e preocupa-nos imenso que o Museu queira aumentar a proeminência de algo apresentado como um facto quando apenas é uma teoria».

Adoyo disse que todas as igrejas cristãs do país se unirão para forçar o Museu a esconder do público as evidências que comprovam a palermice da mitologia cristã quando este reabrir em Junho próximo depois de ano e meio de remodelações.

O bispo Adoyo distinguiu-se no passado pela sua campanha para mudar o motto nacional do Quénia, harambee, uma palavra que em Kisuaheli quer dizer algo como «a união faz à força», mas que Adoyo pretende ser extremamente ofensivo para os cristãos já que seria, supostamente, uma corruptela de uma invocação à deusa hindu Ambee !

(continua)
7 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Genocídio em Darfur

Desde Fevereiro de 2003 que Darfur – zona ocidental do Sudão, fronteira com a Líbia e o Chade – praticamente desapareceu dos noticiários internacionais, não obstante ser palco de um conflito que muitos consideram genocídio.

De facto, desde essa data, quase meio milhão de africanos negros de aldeias de tradição agrícola foram trucidados por milícias árabes apoiadas pelo governo, as milícias Janjuweed, que causaram ainda mais de dois milhões de refugiados. Mulheres e crianças são violadas na frente das famílias (e – pasmem – algumas mulheres são depois apedrejadas por «adultério»), e constituem o alvo predilecto das atrocidades desumanas cometidas pelas milícias árabes, recrutadas e armadas pelas autoridades de Cartum para combaterem a rebelião na região de Darfur. Rebelião que tinha como pano de fundo a discriminação do muçulmano governo sudanês em relação a todos os não muçulmanos do país.

Nos últimos três meses a situação em Darfur está completamente descontrolada. Dezenas de milhares de civis não muçulmanos foram desalojados e a violência contra o corpo de paz da União Africana e restantes ONGs humanitárias atingiu o seu zénite. Corpo de paz africano que deve abandonar a região em finais de Setembro, o que desencadeou receios de uma catástrofe humanitária. Mas a insegurança crescente resultou em que cerca de meio milhão de pessoas se encontram actualmente sem auxílio humanitário e muitas mais estarão em risco quando o corpo de paz da UA sair.

A pressão constante dos activistas por Darfur resultou numa resolução do Conselho de Segurança da ONU, datada de 31 de Agosto, que apela à deslocação para Darfur de um corpo de paz internacional que ajude a controlar a violência e a implementar o acordo de paz assinado no príncipio do ano. Mas é pouco provável que essa força de paz da ONU chegue alguma vez a Darfur já que o presidente sudanês descreveu como ilegal qualquer intervenção da ONU em Darfur.

O presidente sudanês, Omar al-Bashir, afirmou que tal destacamento de paz da ONU violaria a soberania do Sudão e não passaria de um cavalo de Tróia para o real objectivo, uma mudança de regime que inviabilizaria um governo islâmico, baseado na Sharia, como o actual.

Sugeriu ainda que a força de paz da ONU atrairia terroristas islâmicos para a combater uma vez que Osama Bin Laden já no passado declarou Darfur mais um alvo de «tropas Cruzadas» e apelou aos «bons» muçulmanos para irem para o Sudão combater «uma guerra de longo prazo» contra pacificadores da ONU e outros infiéis.

Enquanto a opinião pública mundial não for mobilizada e alertada para a situação de Darfur, que causa diariamente mais mortos que todo o recente e mui mediatizado conflito entre Israel e o Hezbollah, é pouco provável que haja alguma alteração na situação dos não muçulmanos em Darfur, aliás é muito provável que se nada for feito as dimensões do genocídio atinjam proporções ainda mais catastróficas.

6 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Steve Irwin e os prosélitos


Steve Irwin, o conhecido «Crocodile Hunter», morreu ontem num acidente infeliz, quando mergulhava na Great Barrier Reef. Um militante incansável de causas ecológicas, especialmente focadas na necessidade de preservar predadores como tubarões e crocodilos, Steve foi um dos maiores defensores da conservação da Natureza do século XX. Os seus programas de televisão, transmitidos em inúmeros países, despertaram os muitos milhões de espectadores para a sua causa, mostrando, da forma carismática que o caracterizava, centenas de espécies nos seus habitats naturais, desmistificando o que normalmente é sensacionalizado e revelando toda a beleza do mundo natural de uma forma didáctica mas com a simplicidade e paixão que o caracterizavam.

A sua missão de re-ligar a humanidade ao mundo natural, fazendo os espectadores dos seus documentários perceberem o mundo que as gerações futuras herdarão se nada for feito para preservar as espécies ameaçadas de extinção, foi inesperadamente cerceada por uma raia.

Ken Ham, o presidente da coisa que dá pelo nome de Answers in Genesis, aproveitou de forma vergonhosa a morte de Irwin. A leitura da prosa desprezivelmente cristã que debitou, indica não conseguir o devoto cristão engolir a popularidade do carismático e ateu guerreiro da natureza. Assim, usa de forma inaceitável o trágico acidente para proselitar os seus leitores, recorrendo às armas habituais do cristianismo, a ameaça com a morte e com a ira do Deus vingativo inventado no neolítico, insinuando que Steve morreu porque não era um criacionista, aliás para além de ateu, nos seus programas era, como qualquer pessoa normal, um advogado do evolucionismo.

Como diz PZ Meyers, a vida e a morte de Steve Irwin recorda-nos o entusiasmo e paixão de uma vida bem vivida, uma vida que contribuiu para um mundo melhor. A vida de Ken Ham relembra-nos quão desprezíveis, mesquinhas e insignificantes são as vidas daqueles que deixam a religião obliterar-lhes o cérebro!

6 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Fraudes centenárias com aval de Bento XVI



Reza a Agência Ecclesia que Bento XVI se deslocou ao Santuário do Santo Rosto em Manoppello, uma localidade italiana da região dos Abruzos (Abruzzo), onde se encontra uma das muitas fraudes religiosamente mantidas em igrejas um pouco por todo o mundo, conhecidas por relíquias, que são preciosas ajudas não só para a manutenção dos crentes num mui apreciado estado de infantilização obscurantista como para a mais prosaica manutenção da saúde financeira da ICAR.

A fraude em questão é conhecida como o véu de Verónica, mulher que a crendice católica, alimentada agora por Bento XVI – determinado na sua cruzada obscurantista contra a ciência, protegendo as pessoas simples, isto é, os católicos, dos intelectuais – acredita ter limpo o rosto do mítico Cristo no caminho para o suposto calvário. Uma fraude (artigo em pdf publicado no Thermochica Acta que confirma que o dito sudário foi confeccionado no século XIII ou XIV) em tudo análoga à do Sudário de Turim, aliás como rezam as agências noticiosas católicas «a imagem no Sudário de Turim e a imagem que aparece no véu em Manoppello são de tamanhos idênticos e passíveis de serem sobrepostas».

Notícia especialmente divertida numa semana em que o nosso cavaleiro da pérola redonda, na sua homilia de segunda, prelecciona sobre os malefícios de «Erigir um mundo de ficção como orientação para a vida, que muitos consideram alienação ou manipulação de massas». Claro que João César das Neves não se apercebe do rídiculo em que incorre já que ele elegeu igualmente um mundo de ficção para orientar a sua vida, a única diferença em relação aos trekkies é que os fãs do Star Trek sabem ser o alvo do seu inofensivo passatempo uma «mentira, um mundo de ficção em que realmente não acreditam».

Todos sabem que Spock é um personagem de ficção e não são atribuidos quaisquer poderes sobrenaturais às «relíquias» que os fãs procuram – que o escandalizado JCN, que não revela as dimensões do mercado da fé, indica ser um mercado de 50 mil milhões de dólares há 7 anos – nem delas são esperadas curas «milagrosas» ou disparates afins. Nenhum mal vem ao Mundo da fixação com personagens que todos sabem ficcionais. E como uma trekkie indicou, os valores expressos na série são valores que ela subscreve «tolerância, paz e fé na humanidade». Quiçá seja esse o problema de J.C. das Neves em relação às «propostas de filosofias, partidos e movimentos para substituir as religiões» que incluem abominações anti-cristãs como «liberdade, justiça, humanidade, raça, classe, ciência, progresso, natureza, prazer».

Comisera JC das Neves que «os trekkies julgam ser felizes numa vida que não existe» mas que dizer dos milhões enganados por um negócio, a adoração de relíquias, mantida para impulsionar o lucrativo mercado da peregrinação, que a ICAR sabe serem falsas? Diz a Enciclopédia Católica que a Igreja permite a adoração de relíquias falsas para evitar escândalos e distúrbios populares. Será esta uma justificação aceitável? Que a ICAR mantenha os seus crentes «felizes» com mentiras?

O véu de Verónica, aliás vários véus, surgiu na Idade Média, época em que imperava o lucrativo negócio de venda de relíquias, em que abundavam prepúcios, cordões umbilicais, bocados da «santa» cruz, «santos» pregos e demais recuerdos cristológicos para além de um gigantesco mercado de venda de souvenirs anatómicos de santinhos, mártires e afins.

Aliás, esta proliferação de «relíquias» sagradas, tão bem caricaturada no romance homónimo de Eça de Queiroz, foi um dos factores, associado às indulgências, que despoletou a reforma protestante. De facto, Calvino, afirma no seu Traité Des Reliques a propósito da «santa» cruz:

«Não há uma abadia tão pobre que não tenha um exemplar. Em alguns locais há fragmentos grandes, como na Capela Sagrada de Paris, em Poitiers e em Roma, onde um crucifixo de grandes dimensões é suposto ter sido feito dela. Em resumo, se todos os pedaços fossem reunidos, fariam uma enorme carga para um navio. No entanto o Evangelho testemunha que um único homem foi capaz de a carregar».

A igreja do castelo de Wittenberg onde Lutero pregou as suas 95 teses tinha… 19013 relíquias (!), incluindo vários frascos com leite da «virgem» Maria, palha da mangedoura onde a lenda coloca o nascimento do mito e mesmo um dos «inocentes» massacrados (sem registo histórico) por Herodes!

Já João Paulo II, entre outras fraudes, Fátima entre elas, tinha uma especial veneração pela «Santa» Casa de Loreto, supostamente a casa onde a sagrada família viveu em Nazaré e… transportada por anjos para Itália, algures no século XV!

A lista de fraudes adoradas por milhões de devotos católicos como realidades capazes dos mais sortidos «milagres» é demasiado extensa para enunciar, pelo que acho deveras estranho que JCN tenha escolhido logo esta semana para azucrinar os fãs de filmes de «culto». Que legitimidade para criticar os trekkies tem um devoto de uma igreja que encoraja a idolatria supersticiosa de «relíquias» obviamente falsas, com o pretexto de que não há problemas morais «na continuação de um erro que foi transmitido em boa fé por muitos séculos», ou seja, não há qualquer imoralidade em encorajar a crença em fraudes centenárias?