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Palmira Silva

17 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI e a palestra de Regensburg III

Os posts anteriores sobre a polémica palestra de Raztinger só abordaram três parágrafos em que este fala do Islão. Três parágrafos que, mais uma vez, comprovaram o oposto do que pretendem os dignitários e dirigentes islâmicos, como o porta-voz do Governo iraquiano, Ali Al Dabagh, que afirma mostrar o discurso de Ratzinger que este «não entende bem as doutrinas do Islão, que defendem a tolerância e a paz» . Na realidade, é insustentável afirmar que o Islão é uma religião de tolerância e paz no mesmo discurso em que se apela para que cesse a violência contra cristãos, represália «pacífica» às palavras de Bento XVI!

As reacções da comunidade islâmica, mais uma vez negando que o Islão é uma religião de tolerância e paz – que subiram de tom, apesar das declarações do papa, a tal ponto que a segurança no Vaticano foi reforçada – e a solidariedade que Ratzinger nos merece por mais esta confirmação da barbaridade do fundamentalismo islâmico, nomeadamente a ameaça de ataque ao Vaticano e a Roma pelo grupo armado iraquiano, Jaiech al-Moudjahidine, e pela al Qaeda, não podem, no entanto, fazer esquecer o ataque à laicidade, que ocupou a maior parte do tempo da dita palestra. Ataque resumido no seguinte excerto:

«No Ocidente predomina a opinião de que só o positivismo e as filosofias derivadas dele são universais. As culturas profundamente religiosas vêem nessa exclusão de Deus um ataque a suas convicções mais íntimas. Uma razão que, diante do Divino, se torna surda e rejeita a religião, é incapaz de se integrar ao diálogo das culturas».

Assim, o discurso explora os medos da actualidade europeia e passa a mensagem que a laicidade e a prevalência da razão em relação à fé deixa a Europa incapaz de responder à ameaça islâmica, ameaça bem evidente nesta resposta completamente acéfala da comunidade islâmica.

Resposta à ameaça islâmica que reside simplesmente em mostrar que o cristianismo é melhor que o islamismo. A incapacidade de resistir a um Islão, que segundo o Without Roots: The West, Relativism, Christianity, Islam declarou e conduz uma guerra ao Ocidente, é ditada pela abominável laicidade que impede os europeus de assumirem e afirmarem a superioridade do cristianismo!

Ou seja, este discurso foi apenas um mui hábil ataque à secularização e especialmente à ciência ateia – a razão que se ocupa apenas do mundo natural e para a qual a hipótese de consideração de qualquer factor «sobrenatural» é desnecessária e absurda – que o Papa considera ser a causa da secularização da Europa.

Ou seja ainda, o Papa pretende falaciosamente que são a secularização da Europa e a prevalência do pensamento científico as causas últimas do terrorismo islâmico, já que os muçulmanos teriam «mais respeito» pelos ocidentais se estes últimos deixassem a «fé» permear todos os aspectos da respectiva vida pública, nomeadamente do Direito, ou seja, se o Ocidente emulasse, noutro sistema operativo, o cristianismo flavour catolicismo, a promiscuidade religião-Estado dos países islâmicos.

Aliás a mesma posição do arcebispo de York, que num discurso recente exortou os cristãos britânicos a encararem os muçulmanos como aliados na guerra contra o secularismo, afirmando que os muçulmanos não se sentiam «ofendidos» pelo cristianismo mas sim por um estado secular, por uma «sociedade humanista sem Deus».

Afirmando ainda que:

«A violência dos que cometem actos de terror é alimentada não pelo choque de civilizações ou religiões mas sim pela falta de religião e pelo insulto a Deus que a descrença ocidental representa». Em linha com Ratzinger no ataque à ciência e à predominância da razão em relação à fé nas sociedades ocidentais o dignitário anglicano afirmou ainda que «O conhecimento por amor ao conhecimento tornou-se um poder de destruição».

Que tal não é verdade foi confirmado recentemente por uma sondagem da Gallup, realizada em 10 países muçulmanos – Marrocos, Egipto, Líbano, Jordânia, Turquia, Arábia Saudita, Irão, Paquistão, Bangladesh e Indonesia. E é igualmente confirmado se pensarmos que os Estados Unidos sob a administração Bush deixam de facto o cristianismo permear todos os aspectos da vida pública e no entanto não me parece que o respeito do mundo muçulmano em relação aos EUA tenha aumentado nos últimos tempos. Assim como não me parece respeito pelo Papa as recentes ameças de morte por parte de alguns fanáticos islâmicos ou a sua designação como «o macaco do Vaticano».

Na realidade, a única forma de ultrapassar a actual crise é a defesa intransigente da laicidade e dos direitos humanos! Não é o retorno à cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, isto é, ao fundamentalismo cristão, como pretende Ratzinger – que decretou a falência dos valores de tolerância e respeito pelos direitos do homem, que considera os responsáveis pela crise actual ! Combater o fundamentalismo islâmico com o fundamentalismo cristão não é opção se quisermos preservar a nossa sociedade democrática e livre!

O fundamentalismo islâmico é obviamente uma ameaça que urge combater mais eficazmente do que tem sido até agora e que não deve ser minimizada ou desculpada, e não é de forma alguma essa a minha intenção, bem pelo contrário, mas combatê-lo com o fundamentalismo cristão é receita certa para o desastre!

17 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI e a palestra de Regensburg II

Há uns tempos, e a propósito da «guerra dos cartoons», escrevi que a liberdade de expressão é o valor em que assenta a nossa sociedade democrática e livre. Foi a liberdade de expressão que pemitiu a abolição da escravatura, a instituição da democracia, a igualdade de direitos para todos, independentemente de cor da epiderme, credo, sexo ou opção sexual. Não precisamos de «lições» de comportamento de sociedades que não respeitam os mais elementares direitos humanos, onde as mulheres são sub-humanos sem quaisquer direitos, a não ser o apedrejamento por suposto adultério, o mesmo destino dos homossexuais! Ou seja, estou plenamente de acordo com o Carlos Abreu Amorim (CAA), pelo que a hiperligação no post anterior está francamente mal colocada, facto pelo qual peço desculpa ao CAA.

No entanto, embora seja a primeira a defender o direito à liberdade de expressão do Papa – e a primeira a criticar os seus apelos para que a liberdade de expressão dos ateístas seja coarctada – não posso deixar de achar divertido que uns escassos dias depois de perorar contra esta, chamando cinismo à ideia de que é «um direito da liberdade ridicularizar o sagrado» – nem sequer admitindo que não exista «sagrado» para uma fracção considerável da população europeia – Ratzinger produza (cinicamente?) este tipo de palestra.

E considero complicado que um profissional da religião, que reitero ser na minha opinião o Papa mais inteligente que ocupou o trono papal, um especialista em teologia dogmática que dirigiu durante décadas a ex-Inquisição e analisou ao pormenor textos e declarações sortidas em busca de ideias «hereges», que analisou aprofundadamente o Islão em pelo menos dois livros, tenha sido simplesmente desastrado numa alocução que foi certamente vista e revista por outros profissionais da fé. Alocução que, dados o mediatismo da visita e a conjuntura actual, o Vaticano sabia ir ser dissecada e analisada por todo o Globo. Isto é, acho complicado que Ratzinger não previsse as reacções dos profissionais da fé da concorrência. Especialmente uns escassos meses depois da «guerra dos cartoons»…

Mas há muito que só os mais desatentos poderiam achar que o actual Papa, o autor de Dominus Iesus, que afirmou que o «verdadeiro» cristianismo apenas «subsiste na Igreja Católica», de facto considere que todas as religiões merecem ser igualmente respeitadas. Muito menos alguém, mesmo muito desatento, o poderia confundir com um defensor da liberdade de expressão…

Chamar «erotismo espiritual» ao budismo ou afirmar que o hinduismo se baseia num conceito «moralmente cruel», não é exactamente coerente com o seu apelo durante a guerra dos cartoons de que é «necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados». Diria que este apelo se refere apenas à religião católica e respectivos símbolos. Aliás, certamente por coincidência, no rescaldo da «guerra dos cartoons» uma revista ligada ao Opus Dei publicou um cartoon de Maomé francamente mais directo que aqueles na origem da dita guerra. Curiosamente muito na linha da citação do imperador bizantino Manuel II Paleólogo…

E de qualquer forma, os 3 parágrafos dedicados ao Islão, que Bento XVI lamenta profundamente terem sido mal entendidos, expressam apenas o pensamento de Ratzinger sobre o islamismo, abordado, por exemplo, no livro que ilustra este texto ou no «Values in Times of Upheaval» (Valores em tempos de crise).

Em síntese, concordo com os dois Carlos, o CAA e o Carlos Esperança, apenas acrescento que para além da liberdade de expressão, que apenas a laicidade assegura, é esta que importa e urge defender. E o ataque à laicidade foi o tema principal desta palestra de Ratzinger. O que passou despercebido dadas as reacções islâmicas e importa analisar!

(continua)
16 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI e a palestra de Regensburg

A recente aula magna de Ratzinger na Universidade de Regensburg já fez correr muita tinta e parece prestes a despoletar outra «guerra dos cartoons» ou melhor, outra «cruzada». De facto, a citação por Ratzinger do diálogo entre o imperador cristão bizantino Manuel II Paleólogo (1391) e um erudito persa sobre as convicções do cristianismo e do islamismo, mais concretamente da passagem em que o governante disse «Mostra-me o que Maomé trouxe de novo, e verás apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem de divulgar a fé usando a espada» tem acendido o mundo árabe com manifestações semelhantes às que ocorreram aquando da guerra dos cartoons, a única diferença é que agora queimam efígies do Papa em vez de bandeiras dinamarquesas.

Acho extremamente divertido ver um papa que se esganiça a verberar contra a presunção da secularizada sociedade ocidental de que é «um direito da liberdade ridicularizar o sagrado» e quer ver proibido o direito ao que considera blasfémia – basicamente o direito de ateus e agnósticos expressarem o que pensam sobre as patetadas das religiões – ser acusado de blasfémia e ofensa à religião por adeptos da concorrência. Especialmente se lembrarmos a reacção do Vaticano à guerra dos cartoons, uma ululação de que é «necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam a sua iniciativa e os seus sentimentos religiosos».

E mais uma vez aguardo com um frémito de antecipação a prosa sobre o tema dos escribas católicos da nossa praça que exigiram estridentemente «respeito» às crenças religiosas na questão dos cartoons. Embora não esteja a ver como irão assacar esta nova guerra a «provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste», os oxímoros «fanáticos» laicos que cometem a heresia de defender «o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante e os direitos do homem».

Mas o discurso do Papa merece uma análise mais aprofundada que não apenas a citação que inflama o mundo muçulmano. Inflamação sem qualquer sentido já que Ratzinger – ele próprio um fundamentalista mas dos «bons» – apenas criticou o fundamentalismo islâmico tendo o cuidado de destacar as diferenças entre o Islão moderado e o fanático. Ou seja, as reacções do mundo islâmico à condenação pelo Papa da violência religiosa em nome de Allah são um tiro no pé porque para além de sugerirem que de facto não há Islão moderado apenas confirmam «os piores estereótipos islâmicos de violência e espada» ou seja, que a violência e a «guerra santa» são indissociáveis do Islão.

Na realidade, o discurso do Papa foi uma obra prima semântica em que a crítica ao Islão, tema a que dedicou apenas três parágrafos de uma palestra de meia hora, foi secundária e o tema principal foi a crítica da laicidade e da ciência. Pessoalmente considero que todas as sílabas desta palestra com efeito duplo foram cuidadosamente estudadas e provocaram exactamente as reacções pretendidas. Por um lado, o mundo muçulmano, que aproveita qualquer pretexto para se manifestar violentamente contra o «infiel» Ocidente, caiu como um patinho nesta extremamente hábil e suposta provocação que não o é numa leitura mais atenta. Assim como cairam como patinhos ateus, agnósticos ou crentes laicos que reagiram a mais esta demonstração da intolerância e violência islâmicas apoiando incondicionalmente Bento XVI. Que, em minha opinião, era a reacção desejada por Bento XVI: ser considerado o bastião da defesa contra o fundamentalismo islâmico por todos os europeus conscientes do perigo que este constitui!

Vale a pena ler a resposta oficial do Vaticano, expressa pelo porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, às acusações imbecis dos dignitários muçulmanos, que evidencia exactamente isso:

«A propósito das reacções de alguns representantes muçulmanos acerca de certas passagens do discurso do Santo Padre na Universidade de Regensburg, é oportuno observar que, como se depreende de uma atenta leitura do texto, o que interessa ao Santo Padre é uma rejeição clara e radical da motivação religiosa da violência. Certamente não foi intenção do Papa fazer um exame profundo da jihad (guerra santa) e do pensamento muçulmano, muito menos melindrar os fiéis muçulmanos».

(continua)
16 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Façam barulho por Darfur


Não esqueçam: amanhã é o dia global de acção por Darfur. Este domingo milhares de pessoas por todo o globo participarão na maior iniciativa por Darfur jamais realizada desde o início do conflito em 2003.

Façam barulho por Darfur, pelos civis de Darfur que têm sofrido três anos de conflitos armados, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, a maior parte às mãos das forças do governo do Sudão e das milícias Janjaweed.

Façam barulho contra a limpeza étnica dos sudaneses negros não muçulmanos em curso desde 2003, que matou quase meio milhão de pessoas e deixou mais um milhão e meio de Darfurianos dependentes da ajuda humanitária, tanto no que diz respeito à nutrição, como a alojamento e a cuidados médicos. A juntar a esta situação, o aumento da insegurança tem levado a que muitos destes refugiados não tenham acesso a ajuda humanitária.

Não deixem o mundo esquecer Darfur!

15 de Setembro, 2006 Palmira Silva

O planeta Éris e a sua lua Disnomia


Certamente que todos recordam a reunião em Agosto da União Astronómica Internacional (UAI) onde foi proposta uma nova definição de planeta. Esta nova definição, que resultou na «despromoção» de Plutão para planeta-anão, não foi aceite unanimemente pela comunidade científica, e já existe numa petição assinada por mais de 300 astrónomos contestando esta nova definição.

A polémica em torno da definição de planeta, embora presente desde a descoberta de Plutão, foi catapultada com a descoberta de um corpo maior que Plutão por Michael Brown, do Caltech. Esse corpo recebeu a designação provisória 2003 UB313, designação atribuída automaticamente de acordo com as regras da UAI.

No entanto, como existiam dúvidas sobre se o UB313 seria classificado como planeta, a UAI não autorizou um nome «comum», já que como planeta deveria ser nomeado a partir do panteão de deuses greco-romanos. Brown chamou-lhe Xena para consumo interno – em homenagem à série televisiva Xena, A Princesa Guerreira – e embora o nome tenha «pegado» nos media internacionais, não era um nome aceitável pela UAI de forma que Brown submeteu dia 6 de Setembro o nome oficial Éris.

O nome foi aceite há 2 dias e assim Éris – a deusa grega da discórdia, famosa na mitologia grega via guerra de Tróia – é o nome oficial do planeta-anão anteriormente conhecido como Xena. O nome proposto para a lua de Éris, Disnomia – a filha de Éris que simbolizava a desordem civil e falta de lei – foi igualmente aceite. Lucy Lawless (Lucy sem lei), a Xena da série televisiva, é assim homenageada de forma indirecta.

Vale a pena ler sobre o tema este artigo de Phil Plait, um astrónomo que, como muitos outros cientistas nos Estados Unidos, segue atentamente os dislates e a guerra anti-ciência dos dominionistas cristãos. Plait desmistifica no Huffington Post mais um ataque acéfalo dos devotos cristãos, neste caso uma diatribe imbecil de um devoto criacionista que vê nos nomes escolhidos por Brown um manifesto político óbvio, isto é, mais uma manobra dos ateus e «canhotos» cientistas para criticarem Bush e a guerra do Iraque…

14 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Madrassas cristãs

A sinopse do filme Jesus Camp, de que este vídeo é apenas um trailer, indica que «Um número crescente de cristãos evangélicos acredita que está a decorrer um renascimento da América em que a juventude cristã tem de assumir a liferança do movimento conservador cristão. O filme Jesus Camp segue Levi, Rachael, Tory e mais algumas crianças no campo de verão Kids on Fire em Devil’s Lake, North Dakota, dirigido por Becky Fischer, em que crianças tão novas como miúdos de 6 anos são ensinados a tornarem-se dedicados soldados cristãos do exército de deus.

O filme segue as crianças no campo à medida que estas aperfeiçoam os seus dotes proféticos e são ensinadas em como retomar a América para Cristo. O filme dá uma visão inédita sobre o intensivo campo de treino que recruta crianças cristãs renascidas para tomarem um papel activo no futuro político dos Estados Unidos».

O filme foi visualizado por David Byrne, que partilha no seu blog as impressões sobre o mesmo. Basicamente conta que no campo cristão as crianças são ensinadas que a evolução é uma mentira «irracional» vendida por malvados ateus humanistas seculares; que a prática do aborto tem de ser parada de qualquer forma; que os cristãos têm de formar um exército para derrotar as influências ateístas; que os cristãos têm de se unir para garantir que os juizes e políticos apropriados, isto é, fundamentalistas, sejam escolhidos e finalmente que o aquecimento global é uma mentira. Basicamente as crianças são ensinadas a desconfiar de tudo o que os malvados e ateus cientistas dizem, o que não está longe da última homilia de Ratzinger

Fischer diz ainda às crianças que devem estar dispostas a morrer por Cristo e estas concordam obedientemente. Byrne, que indica ter Fischer usado o termo mártir, consegue imaginar as crianças assim doutrinadas a transformarem-se em bombistas suicidas em tudo análogos aos correspondentes fundamentalistas islâmicos.

O trailer é arrepiante e permite de per se partilhar as preocupações de Byrne: que estes fundamentalistas cristãos, muito bem organizados, querem transformar os Estados Unidos no equivalente do Irão ou Arábia Saudita (onde consideram a proibição de mulheres em Meca, nomeadamente perto da Kaaba).

Por outro lado o filme deixa-me a dúvida sobre até quando conseguirão estas crianças aceitar o mundo real antes de recorrerem à violência? Depois de uma lavagem cerebral tão completa, estas crianças ficam com uma visão do mundo completamente deturpada, veêm-se como legítimos soldados de Cristo, numa guerra justa contra os ateus, os abominados humanistas seculares e os pecadores em geral.

Podem ouvir aqui a jornalista Michelle Goldberg, que investigou estes grupos dominionistas – os fanáticos nacionalistas cristãos – e descreveu o que encontrou no livro Kingdom Coming: The Rise of Christian Nationalism. O livro, que descreve como estes fundamentalistas cristãos, cada vez em maior número, acreditam que a Bíblia é literalmente verdadeira – já que é a «palavra» de Deus e querem impor leis baseadas na Bíblia, isto é, querem que os Estados Unidos sejam uma teocracia governada por essa verdade, é aterrador.

Quer o livro quer o filme mostram bem que não há grande diferença entre os fundamentalistas cristãos e os fundamentalistas islâmicos…

13 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Robert Trivers e Noam Chomsky


Robert Trivers é um biólogo evolucionista e um sociobiólogo que se distinguiu ao propor a teoria do altruismo recíproco. Em 1971 Trivers despoletou uma controvérsia que se transformou na época nas «guerras sociobiológicas» com o seu famoso artigo «A Evolução do Altruísmo Recíproco» que, recorrendo à Biologia Evolucionista e à Teoria de Jogos, responde à pergunta: se cada indivíduo maximiza os seus benefícios através do comportamento egoísta, por que razão algumas espécies (inclusive, mas não só, o Homo sapiens) evoluíram através de um mecanismo de trocas altruístas?

O seu trabalho deu uma base evolucionista para a compreensão das actividades sociais dos humanos, nomeadamente foi o primeiro a questionar o dualismo cartesiano res cogitans e res extensa e a propor que comportamentos altruistas e sentimentos como a compaixão tinham uma base genética. A base da psicologia evolutiva assenta no reconhecimento que à medida que pressões selectivas específicas condicionaram a evolução do nosso cérebro, essa evolução traduziu-se numa evolução de comportamentos. E determinados comportamentos, como o altruísmo, representam um trunfo evolutivo para o homem. Isto é, reconhece que tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, únicas aos humanos decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única. Ou seja, evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, não nos foram concedidas por especial favor de um qualquer implausível Criador!

Trivers deu igualmente um contributo importante para percebermos os mecanismos biológicos subjacentes ao auto-engano que descreve como uma ferramenta para manipulação social. Como Trivers observou, a principal função do auto-engano é enganar mais facilmente os outros. A pessoa que se auto-engana julga falar a verdade, e acreditar na própria história permite-lhe ser ainda mais persuasiva.

Auto-engano especialmente importante para percebermos a propagação e manutenção de mitos, isto é, das religiões que não passam de formas (muito) eficientes de manipulação social.

A revista Seed oferece-nos este momento fabuloso em que Trivers e Chomsky, que dispensa apresentações, discutem o papel do auto-engano e da mentira numa série de comportamentos humanos, desde impressionar os membros do sexo oposto às invasões do Afeganistão pela URSS, do Koweit por Saddam ou do Iraque pela administração Bush. Para quem estiver interessado a transcrição do debate encontra-se aqui.

12 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI diz que o evolucionismo é irracional!

A cruzada de Ratzinger contra a ciência e pelo obscurantismo atingiu hoje o seu auge quando o Papa, que quando abre a boca apenas discursa sobre irracionalidades supostamente reveladas, afirmou que «a teoria da evolução é irracional»!

Na sua última missa em solo alemão, que não passou de uma diatribe pateta e patética contra os cientistas, o ditador do Vaticano mostrou sem máscaras o que desde a sua eleição dizemos: este papado vai ser pautado por uma guerra contra a ciência e contra os cientistas, que Ratzinger acusa «de se empenharem em demonstrar que Deus é inútil para o homem».

De facto, os progressos em medicina, possibilitados pela execrada irracionalidade, a teoria da evolução – por exemplo, alguns antibióticos de última geração são obtidos graças a evolução dirigida – diminuiram consideravelmente a utilidade de Deus, isto é, o mercado dos (pseudo)milagres, e, não obstante as pregações do sumo pontífice para que a SIDA seja curada com a fé, quando alguém está doente vai ao médico não ao padre!

Ratzinger, falaciosamente como seria de esperar, afirmou que a malvada ciência desde o iluminismo «se empenha com astúcia para obter uma explicação do mundo que torne Deus supérfluo», o que é um disparate irracional óbvio. Para além da imbecil astúcia com que mimoseia o propósito da comunidade científica em entender o mundo que nos rodeia – uma blasfémia, uma vez que a palavra «revelada» deveria ser suficiente – na realidade nenhum cientista se empenha de alguma forma em tornar supérfluo uma impossibilidade lógica.

Deus é simplesmente uma hipótese desnecessária em ciência. Mais, é uma hipótese absurda! Em ciência, através da recolha de dados experimentais, simplesmente damos uma explicação racional e natural para os fenómenos observáveis que seja coerente com esses dados e com todo o conhecimento acumulado. Racionalmente, isto é, cientificamente, o que resulta é não ser necessária a intervenção de qualquer factor sobrenatural para explicar o que quer que seja. Da física à química passando pela biologia não há qualquer necessidade de invocar sobrenaturalidades para explicarmos o mundo!

Contrariamente ao que pretende Ratzinger, que «as histórias sobre o homem sem Deus não têm lógica», todas as histórias sobre o homem só são lógicas se não recorrermos a alguma sobrenaturalidade. Deus não é um argumento lógico ou racional. Deus é uma construção humana que é aceite pela fé, que, por definição, dispensa qualquer prova lógica ou racional!

A negação do evolucionismo, o primeiro alvo a abater para a Igreja de Roma nos fazer regredir para a Idade Média, não deveria deixar dúvidas mesmo aos católicos mais distraídos sobre os propósitos deste papado: sob os escombros do concílio Vaticano II a ICAR quer levar-nos de volta ao concílio de Trento. A missa tridentina já fez o seu regresso em força, o obscurantismo supersticioso é agora o objectivo supremo do Vaticano.

Não é difícil prever que dentro em breve a Europa será palco das «guerras da evolução» que assolam os Estados Unidos, ateadas por Bento XVI e alimentadas pelo beatério mais ignaro da nossa praça!

12 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Cartoons do Holocausto publicados na Dinamarca

Cartoon do Al-Wifaq (Irão). O demónio judeu/israelita com uma bandeira dinamarquesa na forquilha diz «Não admito limites à liberdade de expressão excepto em relação ao Holocausto».

Mostrando que o cartoon reproduzido não corresponde à realidade, um jornal dinamarquês – o Informationpublicou seis dos cartoons sobre o Holocausto em exibição na capital iraniana, Teerão.

Estas seis cartoons integram os cerca de 200 escollhidos entre os mais de 1100 cartoons enviados à competição a nível internacional de cartoons sobre o Holocausto, lançada por em Fevereiro pelo presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad – o tal que é crente fervoroso na proximidade do Yawm al-Qiyamah, o dia do Juízo Final.

Esta competição pretendia testar a liberdade de expressão como um valor fundamental ocidental e surgiu como resposta à publicação dos cartoons sobre Maomé na génese da «guerra» dos cartoons – que trouxe mais violência a um mundo já abalado pela violência decorrente da intolerância das religiões.

Como já afirmei noutro post, o conceito de sátira, o que caracteriza a irreverência e denúncia satírica, é algo completamente alheio quer aos promotores quer aos participantes no concurso. Negar o Holocausto, no qual pereceram 6 milhões de judeus, não se enquadra no objectivo da sátira, castigat ridendo moris, «castigar os costumes pelo riso».

A publicação pelo jornal dinamarquês de 6 destes cartoons, que o editor considera «de mau gosto mas previsíveis», mostra aos fundamentalistas islâmicos que a liberdade de expressão é de facto um valor inabalável na Dinamarca. Assim como em todo o Ocidente.

Mas negar o Holocausto para promover a causa palestina não me parece forma apropriada de sensibilizar o mundo para as atrocidades cometidas contra os palestinos. Como o faz um dos cartoons escolhidos, um cartoon dividido em dois por um muro que de um lado apresenta, sob um sol radioso, uma lápide com uma estrela de David debaixo da qual há um único esqueleto e do outro, noite profunda e uma lápide com Sabra e Shatila inscrito, relembrando o massacre às mãos das milícias cristãs maronitas libanesas, em 16 de Setembro de 1982, de entre 2 300 a 3 500 civis palestinos, enquanto Ariel Sharon assobiava para o lado.

Como diz o editor do jornal, Palle Weis:

«Os nossos leitores ficariam desapontados se não publicássemos os cartoons».

11 de Setembro, 2006 Palmira Silva

O caminho para o 11 de Setembro

A RTP1 começou ontem a transmitir o docudrama que dá título ao post, supostamente baseado no relatório da comissão do 11 de Setembro, na realidade uma ficção dramática que só pode ser entendida se nos lembrarmos que em Novembro há eleições para o Congresso norte-americano e que todas as previsões apontam uma derrota estrondosa para o partido teocrata republicano. E se soubermos que a ABC concordou em interromper a transmisão de hoje da 2ª parte da minisérie para um discurso de G.W. Bush…

Assim, a versão original do docudrama, escrita pelo conservador Cyrus Nowrasteh, depositava toda a culpa do 11 de Setembro em Bill Clinton. A versão original foi visionada dia 23 de Agosto no National Press Club em Washington e desde então tem agitado os media norte-americanos.

Dois membros da comissão do 11 de Setembro, Richard Ben-Veniste e Jamie S. Gorelick, criticaram veementemente a minisérie. Segundo o primeiro:

«Existem desvios significativos em relação ao nosso relatório. Eu perguntei porquê a ABC ficcionou acontecimentos que nós descrevemos com imenso cuidado. Não recebemos respostas satisfatórias» .

Também Richard Clarke, o perito em contra-terrorismo de Bush pai, Clinton e G.W.Bush afirma existirem cenas completamente inventadas no filme, nomeadamente no que respeita à actuação da administração Clinton.

Em resumo, se virem hoje a segunda parte do documentário não esqueçam que é uma ficção dramática cujo objectivo é propaganda política para a teocracia de G.W. Bush, em sérios riscos de perder a maioria no Congresso nas eleições de 7 de Novembro, e cuja semelhança com a realidade é mera coincidência.