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Palmira Silva

4 de Outubro, 2006 Palmira Silva

A Igreja e o aborto


Sob os auspícios deste Papa absolutista, que considera que apenas as posições da Igreja em todas as matérias são legítimas, assistimos a uma mudança de estratégia da ICAR que tenta impor à Europa laica os seus ditames anacrónicos verberando «que não se trata de impor aos não-crentes uma perspectiva de fé, mas sim de interpretar e defender os valores radicados na natureza mesma do ser humano».

Isto é, com a pesporrência totalitária de quem se arroga detentor das «verdades absolutas» reveladas, de quem acha que só a «racional» hierarquia da Igreja de Roma é competente para definir o que é a natureza humana da qual decorrem, sem discussão, os seus dogmas, Bento XVI, que confunde pluralismo com relativismo, autisticamente afirma que os «valores» católicos são «valores morais universais e absolutos» e que não aceitar esta supremacia do catolicismo sobre todos os aspectos da vida corresponde a uma «ditadura do relativismo».

Esta nova estratégia de afirmação dos dislates debitados pela Igreja de Roma não como preconceitos religiosos mas sim como «verdades absolutas» que todos devem seguir foi adoptada pelo Cardeal Patriarca de Lisboa que sobre o aborto declarou pomposamente ser a posição da igreja uma posição de «ética fundamental» e não «religiosa».

Lamentando ainda «que a discussão esteja condicionada por algumas confusões, como a de limitar a questão a um problema religioso ou um direito da mulher». Na realidade quem está condicionado pela confusão do Papa e do Vaticano entre religião e Direito/ética é o próprio Policarpo. Nem a ética nem o Direito num estado laico são competência da Igreja nem a questão do aborto se reduz a uma questão dogma religioso versus direito da mulher. A redução da discussão sobre o aborto aos direitos da mulher em relação aos supostos direitos de «uma criança por nascer» é uma das muitas falácias usadas pela igreja nas suas campanhas terroristas contra o aborto.

Como aquela que a diocese de Coimbra já tem em curso, não obstante a prelecção falaciosa do cardeal patriarca de Lisboa. Um exemplo de puro terrorismo psicológico em que a diocese utiliza nos folhetos a fotografia de um bebé de meses que é filho de uma das signatárias do Movimento pela Despenalização da Interrupção da Gravidez.

Uma campanha repleta das falácias utilizadas pela ICAR na questão do aborto, já que não tem argumentos lógicos para defender a sua posição absurda, neste caso o chamado «apelo às emoções» em que se utiliza uma foto de um bébé já com alguns meses para pretender que um zigoto, embrião, ou feto – ou uma célula estaminal totipotente – normalmente referidos como a «criança ainda por nascer», são equivalentes ao bébé sorridente com que ornamentam os seus folhetos terroristas!

A outra falácia muito comum, muito bem desmontada neste artigo que recomendo, é a invocação do fantasma da «cultura da morte», com reminiscências explícitas ou implícitas ao nazismo, o reductio ad Hitlerorum usado e abusado para tudo pelos revisionistas históricos cristãos – esquecendo que Hitler criminalizou o aborto para as mães arianas. O que é um argumento absurdo por parte de quem admite como legítima a pena de morte e as mortes colaterais de guerras «justas» ou «injustas». E, como lembra o filósofo Pedro Madeira, é importante frisar que o facto de sermos a favor do aborto não implica, de modo algum, que sejamos a favor da pena de morte.

No cerne da questão do aborto, assim como na questão da investigação em células estaminais ou na clonagem terapêutica em que a argumentação da Igreja é exactamente a mesma, reside simplesmente a questão: têm direito incondicional à vida uma célula estaminal toti ou pluripotente*, um óvulo fertilizado e um embrião?

O resto da argumentação sobre o aborto é folclore ou falácias. Aquilo que se está a decidir na questão do aborto é se devemos ou não conferir o estatuto ético e legal de uma pessoa a uma célula estaminal do muco do nariz ou outra célula adulta qualquer- se estas forem alteradas para totipotentes – a um óvulo fertilizado e a um embrião.

Que a Igreja confira um valor acrescentado transcendente, a alma, a esta célula estaminal totipotente e considere que «Se alguém recusa a dignidade ao embrião [e a esta célula estaminal], então deveria negar também a dignidade à criança» esse é um problema que os crentes têm de enfrentar nas suas opções pessoais. Agora não podem impor a toda a sociedade, supostamente laica, os preconceitos e doutrinas da sua religião.

*De uma forma simples, e de acordo com a sua origem, podem dividir-se as células estaminais em dois grandes grupos: as células embrionárias e adultas. As células embrionárias são totipotentes, isto é, podem dar origem a todos os tipos celulares especializados. As células adultas são também indiferenciadas, porém, como se encontram em tecidos diferenciados, já são especializados, isto é, podem diferenciar-se apenas dentro da sua linhagem celular, pelo que são designadas de multipotentes. Apenas alguns tecidos apresentam células estaminais pelo que a sua utilização é limitada.

No caso da clonagem, terapêutica ou reprodutiva, é introduzido o ADN de uma célula diferenciada qualquer num óvulo a que foi retirado o material genético. No caso da ovelha Dolly foi introduzido o ADN retirado de uma célula mamária adulta, já diferenciada. Ou seja, a introdução num óvulo de ADN com genes diferenciados dá origem a uma célula estaminal totipotente. Célula estaminal que o Vaticano considera ter o mesmo estatuto de uma pessoa.

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3 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Encefalização: o ser do homem


Clique na imagem para aumentar. Evolução da capacidade craniana humana. Neste gráfico estão representados todos os dados disponíveis na literatura até Setembro de 2000 referentes a crânios adultos com mais de 10 000 anos. Análise dos dados da literatura por Nick Matzke no Panda’s Thumb. Contrariamente ao que pretendem os criacionistas, puros e duros ou IDiotas, confirma a existência de um contínuo de fósseis que atestam a evolução humana. Neste gráfico é expressa uma comparação neuroanatómica de espécies extintas com o homem moderno em termos de dimensões cranianas. Ou seja, nada nos diz sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas que nos são únicas . Nomeadamente, é impossível retirar desta representação qualquer tipo de informação sobre a evolução da área neocortical.

«Diga-me onde mora o amor, no coração ou na cabeça?» Shakespeare in Mercador de Veneza.

Há cerca de 3700 anos foi escrito o primeiro documento médico da história da humanidade muito provavelmente por um grande médico egípcio chamado Imhotep, o «papiro cirúrgico de Edwin Smith» que, para além da anatomia do cérebro, descreve problemas neurológicos.

Este documento, escrito por volta de 1700 a.E.C., mas que contém referências a textos escritos até 3000 a.E.C., reporta, entre outros, 27 casos de traumatismos cranio-encefálicos. Podemos apreciar no papiro a descrição de lesões no cérebro – que apresenta «rugas semelhantes àquelas que se formam sobre o cobre em fusão» – que afectam partes distantes do corpo. Um dos casos relatados indica como a fractura do osso temporal do crânio provocou a perda da fala no paciente, ou seja, descreve o primeiro caso documentado de afasia, muito antes de Paul Broca o ter feito em 1861! Para além disso, o papiro de quasi 4000 anos indica que os médicos egípcios provavelmente já tinham a noção de que o cérebro controlava o movimento.

Não obstante toda a evidência empírica sobre a importância biológica do cérebro, os antigos egípcios aceitavam a primazia «mística» do coração e este – assim como outros orgãos sobrenaturalmente «importantes» como o fígado – era removido cuidadosamento durante o processo de embalsamento do cadáver, guardado num recipiente onde permanecia preservado para a viagem até ao «mundo dos mortos». O cérebro era displicentemente removido pelas narinas e deitado no lixo, o que indica considerarem os egpícios não ter o cérebro qualquer papel no «Além»!

Esta visão cardiocentrista induzida por superstições míticas que podemos fazer remontar aos antigos egpcíos é mantida no cristianismo e persiste até ao século XVII, não obstante os atomistas, nomeadamente Demócrito que classificou o cérebro como a «cidadela do corpo», o «guardião do pensamento e da inteligência», e outros pensadores como Hipócrates, Herófilo ou Galeno, terem colocado o cérebro como responsável pelo ser do homem.

Na realidade, é no cérebro e não no coração – como pretende toda a mitologia cristã, que na linha aristotélica privilegia a tese «cardiocentrista«, aquela que confere ao coração o monopólio da razão e das paixões – que devemos procurar a explicação do «ser» do homem, em que este ser inclui o «ser» social e moral, que evolui com a encefalização do homem. Isto é, não é necessária uma alma «insuflada» por qualquer mito para explicar biologicamente o que as mitologias sortidas atribuem a intervenção divina.

Assim, como explorei em Agosto na série de posts devotada à encefalização e evolução humanas, o que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. É esse mesmo cérebro que nos impõe, usando o termo cunhado por Eugene D’Aquili, o «imperativo cognitivo», um desejo de ordem e sentido que é biologicamente condicionado e que está na origem dos mitos religiosos. Mitos religiosos que constituiram há dezenas de milhares de anos um trunfo evolutivo mas que hoje mais não são que um anacronismo que representa regressão e não evolução!

(continua)
2 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Eleições presidenciais no Brasil

Geraldo Alckmin, o tal que é filho do primeiro supranumerário do Brasil e ele próprio pelo menos com fortes ligações à Opus Dei, teve um resultado nas eleições presidenciais que superou todas as previsões.

Assim, os resultados oficiais divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que dos votos validamente expressos Lula da Silva ficou-se por 48.61% e Alckmin obteve uns inesperados 41.64%, garantindo assim uma segunda volta.

A possível segunda volta foi anunciada no fecho das urnas pelo locutor da Globo que informou ser esse o cenário indicado pelas sondagens à boca das urnas.

1 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Segunda volta no Brasil?

Dentro de uns minutos abrirão as urnas em que cerca de 126 milhões de eleitores depositarão os votos que vão determinar quem são os governantes e parlamentares que governarão o Brasil e respectivos estados.

Eleições muito concorridas já que existem 8 candidatos a presidente, 213 a governador (para 27 estados), 233 a senador (igualmente 27 senadores) e 5 419 para um parlamento federal com 513 deputados. Nos Estados, existem 12 519 candidatos a deputado estadual. Por exemplo, em São Paulo, concorrem 1 799 candidatos para 94 lugares na Assembleia Legislativa.

As últimas sondagens realizadas pela Ibope e pela Datafolha indicam que o cenário de uma segunda volta nas eleições presidenciais no Brasil não é despiciendo.

De facto, os últimos escândalos de corrupção envolvendo o governo PT fizeram descer as intenções de voto em Lula da Silva para próximo dos 45%, longe (mesmo corrigindo para votos brancos e nulos) dos 50% mais um voto necessários para a eleição à primeira volta. A existir segunda volta Lula da Silva terá como oponente Geraldo Alckmin, filho do primeiro supranumerário do Brasil e ele próprio pelo menos com fortes ligações à Opus Dei.

Os resultados das eleições podem ser acompanhados em tempo real no portal da Câmara dos Deputados via uma parceria entre a Central de Informática da Câmara (Cenin) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

1 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Testemunhas do Jeová e pedofilia

Jesus Manuel Cano, um ancião de Betel – uma espécie de elite da hierarquia das TJ – apanhado a filmar rapazes nos sanitários do aeroporto O’Hare. Investigações posteriores encontraram pornografia infantil no computador de Cano e um «trilho de perversão de Chicago às Caraíbas».

tinha tido oportunidade de escrever, a propósito dos casos de pedofilia no seio da Igreja Católica, em que praticamente não há semana em que não haja mais um a vir lume – esta semana, por exemplo, Vítor Ramon Blanco Rodriguez, um padre católico de 65 anos com dupla nacionalidade portuguesa e colombiana, que foi condenado na Colômbia por ter abusado sexualmente vários meninos na Fundação Mi Casa para crianças em risco – que pessoalmente considero que o celibato, embora contra natura, não é o problema principal subjacente.

O problema é o poder absoluto que corrompe absolutamente, é o sentimento de impunidade que as religiões conferem. Os membros mais vulneráveis de uma igreja são vítimas frequentes da ganância, manipulação e/ou depravação sexual do respectivo pastor. Pastor, de qualquer religião, que se sente impune para praticar estes crimes já que se considera representante na Terra de um poder supremo, mandatário de uma autoridade «divina», acima das leis dos homens.

Por isso considero que se por um lado o estado deve garantir a liberdade de religião dos seus cidadãos por outro lado não pode demitir-se da responsabilidade de os proteger das predações religiosas. Liberdade religiosa não é impunidade religiosa, as igrejas devem estar sujeitas às leis do respectivo país. A linha sobre o que é liberdade religiosa e o que é criminalidade religiosa deve ser bem demarcada. E as actividades da religião devem ser vigiadas para que os cidadãos não sejam vítimas da sua própria credulidade e da manipulação por gente mal formada. Não há leis «divinas», os que pretendem falar em nome de um qualquer Deus deviam estar sujeitos às mesmas leis dos restantes cidadãos!

Assim, dever-se-ia proceder judicialmente contra as religiões organizadas cuja política é esconder os casos de abuso sexual de menores perpetrados por membros do respectivo clero, política de obstrução da justiça que não se restringe à Igreja Católica mas é partilhada, por exemplo pelas Testemunhas de Jeová. De facto, a Sociedade Torre de Vigia (filme de 58 minutos sobre o que é na realidade esta seita) protege igualmente os molestadores de crianças, podendo ser encontradas nesta página uma série de documentos com instruções para os «anciãos» de várias filiais abafarem os casos de pedofilia de que tenham conhecimento.

Não obstante esta política de encobrimento, francamente mais agressiva que a da ICAR, existem diversas acções a correr, em todos os países em que as Testemunhas de Jeová estão instaladas, contra pastores que abusaram sexualmente de menores.

Ou seja, o flagelo da pedofilia é transversal a pelo menos todos os ramos do cristianismo! Assim como são transversais não só o encobrimento pela respectiva hierarquia destes crimes abomináveis como as causas subjacentes: a impunidade religiosa que permite o abuso dos mais vulneráveis por parte daqueles que ensinam ser a obediência cega a um mito e aos seus «representantes» o paradigma do bom crente e o caminho da «salvação»!

30 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Hipocrisia republicana: demissão no Congresso

Ontem foi um dia negro para o partido republicano, GOP, quando Mark Foley, eleito pela Flórida para a Câmara de Representantes*, se demitiu abruptamente na meio de um escândalo – que enche as páginas dos jornais e dos blogs políticos americanos – envolvendo uma troca de emails de conteúdo explicitamente sexual com pelo menos um dos pagens do Congresso. Os pagens são adolescentes, estudantes do ensino secundário, integrantes de um programa em que assistem às aulas sobre supervisão do Congresso e trabalham como mensageiros para os congressistas.

Hipocrita e ironicamente, Foley, um católico pertencente à ala moderada dos republicanos, era a voz mais crítica das leis existentes para combater a pedofilia e a pornografia infantil, sendo o presidente da House Caucus on Missing and Exploited Children. Em 2002 introduziu uma lei que pretendia banir páginas de internet com imagens de pré-adolescentes em poses sexualmente sugestivas, dizendo que «estas páginas não são mais que uma atracção para pedófilos».

Antes do escândalo dos emails, Foley tinha a reeleição nas eleições de Novembro próximo garantida por uma margem larga. A cerca de um mês e meio destas, os republicanos, que já viam a maioria no Congresso ameaçada, tentam limitar os danos deste escândalo, que tem como consequência quase certa a perda do lugar de Foley no Congresso, e as suas repercussões negativas no eleitorado em geral, mais uma machadada nas pretensões do GOP em continuar a dominar o orgão máximo legislativo, supremacia que mantém há uma década.

Na realidade, o eleitorado fiel do GOP é constituído essencialmente por evangélicos brancos para além, claro, dos fundamentalistas cristãos de todas as cores que vêm em Bush um enviado divino para pôr fim à abominável «cultura ateísta» que, para além de permitir que os cientistas continuem a «contaminar» os Estados Unidos com as suas teorias ateístas – e a impedir que as boas«teorias» obscurantistas cristãs sejam livremente difundidas – trivializou matérias tão inadmissíveis como as uniões de facto, a homossexualidade, o sexo, os contraceptivos e o aborto, a tolerância em relação a apóstatas e se traduz em abominações como a recente proposta de alteração das leis anti-discriminação nas escolas da Califórnia. Eleitorado fundamentalista que quer, por todos os meios, uma «renovação cívica», isto é, impôr um regime dominionista puro e duro!

Ou seja, o eleitorado cristão mais fundamentalista, cerca de um terço dos votantes, está apenas interessado no que Bush e o GOP fazem para controlar a sexualidade alheia – e para instalar uma teocracia cristã nos Estados Unidos. O facto de este escândalo dos emails confirmar que um dos cruzados, com conhecimento do GOP uma vez que a troca de emails data de há um ano e o caso foi abafado na altura, é um dos abominados «sodomitas» ou «pervertidos» não abona em favor da dedicação à «causa» cristã do GOP. Apesar de ser pouco provável que os fundamentalistas cristãos votem nos democratas, os analistas políticos indicam que o descontentamento deste eleitorado, que deu a vitória a G. W. Bush, pode traduzir-se na sua ausência das urnas…

Na realidade, o líder da bancada republicana John Boehner (R-Ohio) declarou ao The Washington Post ontem à noite que sabia da existência deste contacto entre Foley – que foi entrevistado pelos republicanos da House Page Board sobre o assunto – e o pagem de 16 anos. Boehner referiu ainda ter falado com o porta-voz do GOP J. Dennis Hastert (R-Illinois) sobre o tema e que Haster lhe tinha garantido estar a tratar do caso. Apenas os democratas não sabiam o que se passava, nomeadamente Dale Kildee, a única representante democrata na House Page Board, que pediu ontem uma investigação para determinar quem sabia o que se passava e quando o soube!

*O Congresso dos Estados Unidos, que detém os poderes legislativos, é composto pelo Senado, com dois senadores por cada Estado eleitos por um período de seis anos, e pela Câmara de Representantes, com um número variável de representantes por Estado, eleitos bianualmente.

29 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Richard Dawkins e a ilusão de Deus

Jeremy Paxman, o famoso jornalista da BBC que apresenta desde 1997 o programa Newsnight, conhecido pelo seu estilo agressivo e cáustico, incorporado no léxico do quotidiano pelo termo Paxmanesque – que identifica um interrogatório especialmente duro – entrevista Richard Dawkins a propósito do seu novo lvro, «A ilusão de Deus», publicado na segunda feira e já um best seller.

Para quem estiver interessado, todo o material multimédia referente a Dawkins pode ser encontrado aqui.

Numa entrevista de Paxman absolutamente fabulosa, o acérbico jornalista entrevista Ann Coulter, a teocrata autora de «Godless: The Church of Liberalism», em que a criacionista Coulter critica o liberalismo por rejeitar Deus e o compara a uma religião, completa com «mitos da criação», a teoria da evolução, cosmologia, o Big Bang, e igrejas (as escolas públicas onde não entra a religião mas entram os abominados preservativos). Entrevista que se inicia em puro estilo paxmanesco:

Paxman: Olá, Ann Coulter. Eu li o primeiro capítulo do seu livro que o seu editor me enviou por fax. Os restantes são algo melhor?

28 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Esforço de guerra

Dos Asylum Street Spankers, uma banda sui generis do estado que produziu G. W. Bush, vem este delicioso video clip que ilustra um «esforço de guerra» ao alcance de todos os americanos.

27 de Setembro, 2006 Palmira Silva

História do preservativo

As doenças sexualmente transmissíveis (DST) e o aparecimento da SIDA influenciaram de maneira decisiva a forma como a sexualidade humana começou a ser discutida publicamente no final do século XX. Até então, essa era uma questão tratada com reservas e pudor pela saúde pública. O vírus HIV forçou uma mudança sem precedentes. Assim, falar sobre sexo (independentemente da escolha de cada um) e sobre os preservativos tornou-se uma obrigação dos profissionais da saúde, dos educadores e dos pais. Com excepção, claro, dos prosélitos de Deus, para os quais o assunto continua tabu e como tal se opoem a todos os programas de educação sexual, contrapondo como alternativa as respectivas homilias de desinformação e mentiras grosseiras, nomeadamente as mentiras que especialmente a Igreja Católica dissemina sobre a ineficácia do execrado preservativo. Nalgumas zonas de África essas mentiras atingem carácter criminoso já que os devotos «ensinam» que é o preservativo, contaminado com o HIV, o responsável pelo flagelo da SIDA!

No entanto, o preservativo está presente na vida do homem há milénios tendo os primeiros registos de artefactos muito semelhantes aos preservativos actuais cerca de 5000 anos, cuja representação pode ser encontrada em alguns túmulos de Karnak. Esses registos indicam igualmente que os egipcios recorriam a métodos contraceptivos desde 1850 a.E.C.

Foram os chineses que criaram algo que pode ser descrito como o primeiro preservativo: envoltórios de papel de seda untados com óleo.

De igual forma tudo indica que os gregos não eram ignorantes em matéria de contraceptivos, existindo indicações de que cerca de 1.600 a.E.C., durante o reinado de Minos de Knossos, em Creta, se utilizavam para esse fim bexigas natatórias de peixes. Aliás, foi a mitologia grega que apresentou o preservativo ao Ocidente. O rei Minos, supostamente filho de Zeus e Europa, era casado com Pasiphë. O monarca não era exactamente conhecido por ser um adepto da fidelidade conjugal de forma que por obra de Pasiphë Minos passou a ejacular serpentes, escorpiões e lacraus, que matavam todas as mulheres com que se relacionasse mais intimimamente – com excepção de Pasiphë, imune ao seu próprio feitiço. Minos entretanto apaixonou-se por Procris e para evitar que a consumação dessa paixão fosse fatal para Pocris apresentou ao mundo o primeiro preservativo feminino: uma bexiga de cabra.

De igual forma, foram os gregos, tão elogiados por Bento XVI na sua recente palestra em que pretendeu ser racionalismo inseparável da helenização, os primeiros a descobrir o primeiro contraceptivo oral há cerca de 2100 anos: uma planta selvagem, silphion, que descobriram quando colonizaram Celene no que hoje é a Líbia. Apesar de todas as tentativas envidadas pela civilização helénica em cultivar a planta, os seus esforços foram infrutíferos e a valiosa e mui procurada planta extinguiu-se após 700 anos de colheitas intensivas pelos racionais gregos!

Durante a Idade Média, o apogeu da cristandade, não havia qualquer proibição eclesiástica em relação ao uso de qualquer método contraceptivo, inclusive o actualmente tão execrado preservativo. Assim, a Europa medieval estava inundada de uma série de tratados médicos e leigos recomendando métodos para evitar filhos; o principal era o uso de envoltórios de linho, isto é preservativos, embebidos ou não em ervas medicinais para aumentar a eficácia. Abundavam ainda uma série de mezinhas assentes na superstição vigente na época: poções contraceptivas feitas de urina de cordeiro, pó de testículos de touro torrados e muitas receitas hoje apenas eméticas.

Mas a partir do século XV, com a disseminação de numerosas doenças venéreas (como referência às sacerdotisas dos templos de Vénus) como a sífilis, o homem medieval começou a tentar reduzir os perigos de contaminação pelas DSTs. Nomeadamente recorrendo à «bainha de tecido leve, sob medida, para protecção das doenças venéreas» inventada pelo anatomista e cirurgião italiano Gabrielle Fallopio. Fallopio, nascido em 1523 em Modena de uma família nobre mas sem dinheiro, viu-se na contingência de ingressar no clero para poder prosseguir os seus estudos, de forma que não deixa de ser irónico que o inventor do preservativo moderno seja um padre católico!

As observações de Fallopio sobre o uso perfeito para a sua invenção foram, no mínimo, curiosas: recorreeu a diversos sapos machos a que vestiu ceroulas de linho impermeável e pesquisou o acasalamento dos batráquios. Constatou que as ceroulas não impediam o coito, mas evitavam a fecundação já que retinham o sémen. Posteriormente, e depois de ter efectuado aquele que podemos considerar o primeiro teste clínico de preservativos, em que 1100 homens usaram o seu dispositivo e se verificou que nenhum contraiu sífilis, escreveu um tratado sobre a sífilis em que o tratamento recomendado era o uso do De Morbo Gallico, o preservativo por si inventado a que Shakespeare chamou «luva de Vénus».

Quando entre 1713 e 1715 a cidade de Utrecht foi sede da conferência internacional que conduziu à assinatura do tratado que pôs termo à guerra da sucessão espanhola, foi igualmente sede da difusão do preservativo. Na realidade, reuniram-se nesta cidade as personalidades europeias da época o que atraiu à cidade uma fauna menos nobre e diplomata que proporcionou, para além de formas de distracção das intensas conversações de paz, a disseminação na nata europeia das temíveis e incuráveis à época doenças venéreas, especialemente a sífilis, o equivalente da SIDA até à descoberta da penincilina.

Um artesão criativo resolveu airosamente o problema com preservativos habilmente costurados a partir do ceco (parte do intestino) de carneiros, parte anatómica dos ditos que fornecia películas finas e transparentes utilizadas na cicatrização de ferimentos e queimaduras.


A industrialização do preservativo estava garantida depois deste sucesso. Assim, uns anos depois, em 1780, podia ler-se nos anúncios publicitários de uma das mais famosas casas de prostituição de Paris: «Nesta casa fabricam-se preservativos de alta segurança. Distribuição discreta para França e outros países…». Esta publicidade, que introduziu o termo preservativo, foi posteriormente modificada e preservativo substituido por redingote anglaise, ou seja, «sobretudo – ou sobrecasaca – inglês».

O termo com que os preservativos são designados nos países anglo-saxónicos, condom, tem a sua etimologia associada a Xavier Swediaur, um profissional bastante prestigiado, especialista em doenças venéreas, que defendeu no século XIX ter sido o preservativo inventado por um médico inglês do século XVII, um tal Dr. Condom que se sabe hoje nunca ter existido.

A partir de 1839, data em que Charles Goodyear descobriu que tratar a borracha natural com enxofre, o processo de vulcanização, lhe alterava drasticamente as propriedades mecânicas, surgiram os primeiros preservativos de borracha, espessos, laváveis e reutilizáveis. O resto é história conhecida…

Esta breve e pouco exaustiva história do preservativo mostra que, tal como em relação ao aborto, a posição da Igreja em relação à contracepção tem-se alterado ao longo dos tempos. Na realidade, apenas a partir da altura em que deixou de dispôr de meios mais… enérgicos… – como a Inquisição – para determinar a vida dos cidadãos e se viu relegada do papel político que durante séculos manteve a Europa sob o jugo dos ditames de Roma – o que foi coincidente no tempo com a interrupção da gravidez mais segura para a mulher e com o desenvolvimento de métodos contraceptivos mais eficientes e acessíveis – a Igreja Católica passou a preocupar-se paranoicamente e quasi em exclusividade com a sexualidade humana, mais concretamente com o facto de a humanidade poder usufruir os prazeres do sexo sem a respectiva «punição».

Ou seja, a posição inflexível, anacrónica e criminosa da ICAR em relação ao preservativo e à IVG não tem rigorosamente nada a ver com a apregoada defesa inflexível da vida. Tem simplesmente a ver com manutenção de poder e com a misoginia e execração do sexo sem «castigo» indissociáveis da doutrina católica.

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26 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI – Tolerância e pluralismo


«À luz da nossa experiência com o pluralismo cultural, diz-se frequentemente hoje que a síntese com o Helenismo conseguida na Igreja inicial era uma inculturação preliminar que não deveria ser obrigatória para as outras culturas. (…) Esta tese não é apenas falsa; é grosseira e imprecisa.» Bento XVI in aula magna de Regensburg

A reacção do mundo islâmico à palestra em Regensburg de Ratzinger, de que este excerto exemplifica o que pensa Ratzinger sobre pluralismo, uma abominação relativista, deixou em segundo plano outro assunto muito sensível que envolve o Vaticano – apenas mais um ponto que confirma a intolerância indissociável do catolicismo – e que é a imagem de marca deste Papa que declarou guerra à modernidade.

Mais uma vez recordo que tolerância é apenas atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente mas, tal como em relação ao pluralismo, Ratzinger, que se considera o dono e senhor da «verdade absoluta» e no direito de impor a todos essa «verdade», classifica a tolerância como uma «ditadura do relativismo» que se traduz na não adopção na letra da lei das suas anacrónicas «verdades reveladas».

Um documento debitado recentemente, intitulado «Família e Procriação Humana», uma revisão das posições oficiais da Igreja nas áreas da família e reprodução, dá conta dessa arrogância da ICAR, que considera ser seu direito determinar a lei nos países em que o catolicismo é maioritário. Isto é, o documento que enfatiza a condenação católica das uniões homossexuais, aborto, inseminação artificial, divórcio, uniões de facto e contracepção «artificial», pede «castigo» para o aborto e uma alteração nas leis vigentes na esmagadora maioria dos países europeus, que não reflectem os ditames do Vaticano e como tal não criminalizam tudo o que Vaticano considera «pecado». Basicamente pede que se implemente na Europa o equivalente católico da Sharia…

Em proeminência neste aspecto está o reconhecimento dos direitos dos homossexuais em Itália. Um tema que, como afirmam o director do banco de Nápoles Dario Re e o seu companheiro Giuseppe Archiletti «Em Itália, os direitos de homossexuais não constituem uma questão de direita – esquerda – trata-se de quanto poder tem o Vaticano na política italiana».

O reconhecimento de direitos às uniões de facto, incluindo uniões de facto homossexuais, assim como a fertilidade e o aborto, foram temas quentes nas eleições de Junho último. O paladino de óvulos e espermatozóides perdeu as eleições não obstante o Vaticano ter tentado influenciar o resultado apelando ao voto no grande defensor da família «tradicional» Berlusconi pela voz do Cardeal Camillo Ruini, o eclesiástico máximo da Conferência de Bispos Italianos, que verberou ser necessário aos eleitores italianos «ter em consideração» na decisão do voto assuntos como o aborto e o reconhecimento legal de uniões de facto.

Os italianos esperam agora que o governo de Romano Prodi cumpra as promessas eleitorais sacudindo no processo o jugo ditatorial do Vaticano na política italiana. Resta esperar para ver se este governo tem a coragem política necessária para tal.

O Vaticano já fez saber que o reconhecimento dos direitos legais de homossexuais, que exibem um «mal moral intrínseco», corresponde «à legalização do mal», algo muito diferente da «tolerância do mal», isto é, já que o Vaticano é impotente para criminalizar a homossexualidade e demais «pecados» como os seus congéneres muçulmanos, impotência a que Ratzinger chama «tolerância do mal», pelo menos tudo fará para que continue a discriminação dos pecadores, seres abjectos sem quaisquer direitos na mundivisão católica!