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Palmira Silva

21 de Outubro, 2006 Palmira Silva

O referendo ao aborto: direito, ética e religião – I

A Ética do Aborto: Perspectivas e Argumentos

Van Rensselaer Potter, que introduziu em 1971 o neologismo bioética – no livro Bioethics: bridge to the future -, pretendia com a conjugação «’bio’ para representar o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e ‘ética’ para representar o conhecimento dos sistemas de valores humanos» estimular o diálogo entre as ciências exactas, as ciências sociais e a filosofia. Diálogo essencial para «ajudar a humanidade no sentido de uma participação racional e cautelosa no processo da evolução biológica e cultural».

Na realidade, os progressos científicos e tecnológicos muito rápidos que se verificaram a partir de meados do século passado, tão rápidos que não permearam a sociedade, introduziram uma série de problemas novos, nomeadamente no que se refere às ciências da vida, em que a falta deste debate entre ciência e ética permitiu que se instalassem formas veladas de Inquisição que ensombram não só o desenvolvimento da própria ciência como o desenvolvimento ético da nossa sociedade.

A questão do aborto, ou seja, do estatuto jurídico do embrião, é talvez um caso paradigmático em que esta falta de diálogo entre ciência e ética, especialmente em Portugal, permitiu a apropriação abusiva do tema pela Igreja Católica.

A legislação vigente em Portugal, com as estritas ressalvas que todos conhecemos a que mesmo assim a Igreja se opõe, reflecte não um debate ético – que nunca aconteceu em Portugal – mas apenas preconceitos religiosos. Isto é, a lei nacional consagra como criminoso e punível com pena de prisão aquilo que é um «pecado» gravissimo aos olhos da Igreja.

Contrariamente ao que afirma o cardeal patriarca, a penalização do aborto é assim uma questão religiosa e não é resultado de uma reflexão ética fundamental. Na realidade, a penalização do aborto é a materialização de valores que não têm lugar no Direito Penal, valores completamente incompatíveis com os axiomas que se defendem actualmente na comunidade do Direito.

Um Direito Penal assente numa pseudo ética religiosa apenas se verifica em teocracias. Num estado laico todo e qualquer ramo do Direito deve ser livre de concepções religiosas ou morais. Num estado moderno, logo necessariamente laico, cabe à ética decidir qual a resposta sobre o que é eticamente correcto; ao direito sobre o que seja racionalmente justo e à política sobre o que seja socialmente útil. Em Portugal, pelo menos no tema aborto, a ética, o direito e a política estão reféns da religião.

De facto, a ética deve ser exclusivamente filosófica, puramente racional e cientificamente informada. Uma ética que não se consiga separar da religião – ou da ideologia política – será sempre uma pseudo ética. Não será mais do que um conjunto de costumes, dogmas, crenças religiosas e/ou atitudes populares convertido em prescrições autoritárias que, se formalizadas no direito pela política, corresponde a uma perversão grave dos princípios que supostamente regem a nossa sociedade.

Como já referi, a filosofia correspondeu à libertação do pensamento humano da opressão da religião, da superstição e do «senso comum», criando as condições para o nascimento da ciência. Desde os seus primórdios, a filosofia abandonou as explicações religiosas até então vigentes e procurou, através da razão e da observação, um novo sentido para o universo. Não faz qualquer sentido que no século XXI a ética continue em Portugal refém da religião ou de qualquer forma de construção do conhecimento não assente na razão.

Muito menos faz sentido, com base numa pseudo-ética religiosa, subordinar o direito e a política de um país democrático e laico ao que é considerado «pecado» por uma qualquer religião. As convicções religiosas individuais, mesmo se maioritárias, devem permanecer no domínio privado de cada um e não podem ser impostas a toda a comunidade. Para além do mais, democracia não é sinónimo de ditadura da maioria!

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(continua)
19 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Anedota do Ano: o CDS e o obscurantismo

Retractação de Galileu ao Santo Ofício

Ribeiro e Castro afirmou que «é o CDS que conduz verdadeiramente a batalha contra o obscurantismo».

Esta declaração bombástica insere-se na campanha pelo «Não» no próximo referendo sobre o aborto, em que o dirigente do CDS-PP, reclamando conhecimento (divinamente inspirado) sobre as origens da vida, proclamou os democratas-cristãos paladinos intransigentes da «criança por nascer» já que «existem cada vez mais evidências de que há vida desde a concepção» .

Na realidade, há vida antes da concepção e, para ser coerente com os valores cristãos que diz defender, Ribeiro e Castro deveria emular outro devoto cristão, o intransigente defensor da vida não nascida G. W. Bush, que há uns meses debitou directivas federais que ordenam serem tratadas nos sistemas de saúde como pré-grávidas todas as mulheres em idade fértil. Isto é, todas as mulheres devem deixar-se de relativismos ateus e assumir o seu papel «divinamente» predestinado de meras parideiras sem quaisquer direitos!

Vindo do dirigente máximo do partido que alberga os grandes defensores do ensino do criacionismo da nossa praça esta surpreendente declaração de luta contra o obscurantismo por parte de Ribeiro e Castro só pode ser entendida como anedota ( e de muito mau gosto)!

Aliás, basta olhar para o panorama mundial da legislação sobre o aborto para se confirmar que este não constitui crime apenas em países em que o obscurantismo está instalado, países cientifica e tecnologicamente atrasados, como a Inglaterra, Alemanha, países escandinavos, etc..

Resta saber se Ribeiro e Castro assume de facto a coerência com os valores cristãos que reclama e exige a pena máxima para o único crime imperdoável* à luz da doutrina cristã.

De facto, tirando rebeldias cismáticas, apenas o aborto é agraciado com excomunhão automática: assassinos e violadores de crianças podem sempre ser perdoados; quem aborta ou quem faz abortos, em quaisquer circunstâncias e seja qual for o motivo, mesmo salvar a vida da mulher, não merece perdão.

Para a Igreja Católica, o aborto constitui sempre «um ataque à vida humana» – subentendendo-se que para a ICAR a mulher é um sub-humano sem quaisquer direitos, sequer o direito a legítima defesa. Como confirmado, por exemplo, pelas declarações do responsável do Conselho Pontifical da Família em relação à recente alteração na legislação da Colômbia, que permite o aborto em caso de violação, malformações fatais do embrião/feto e quando a vida da gestante está em perigo.

Como já escrevi, no cerne da questão do aborto, assim como na questão da investigação em células estaminais ou na clonagem terapêutica em que a argumentação da Igreja é exactamente a mesma, reside simplesmente a questão: têm direito incondicional à vida uma célula estaminal toti ou pluripotente, um óvulo fertilizado e um embrião?

Se os democratas-cristãos, assim como a delegação nacional da Igreja de Roma que já confirmou ser o aborto apenas uma questão religiosa, atribuem a um embrião até 10 semanas o estatuto ético e legal de uma pessoa, então é uma hipocrisia total não pedir pena máxima para quem esteja envolvido no que só podem considerar ser um crime de homicídio!

Não faz sentido afirmar que não se pretende mandar para a cadeia as mulheres que abortam se se considera que elas estão a cometer um crime tão abominável. Apenas faz sentido se admitirmos que o que se pretende criminalizar não é o aborto mas sim a prática de sexo sem intuito reprodutivo. Ou seja, as mulheres que se atrevem a tal pecado e se veêm a braços com uma gravidez indesejada devem estar sujeitas a uma mui democrata e cristã punição: se não prisão pelo menos humilhação pública e/ou risco de vida!

* A Igreja considera o aborto provocado, mesmo em caso de perigo grave da vida da grávida, um pecado gravíssimo. Impõe a excomunhão automática, excomunhão latae sententiae, a todos os que tomam parte nele, consciente e voluntariamente (para além da mulher, familiares, médicos, farmacêuticos, enfermeiras, parteiras, etc.) – Código do Direito Canónico, Canon 1398.

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19 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Dawkins no Colbert Report


Mais uma entrevista brilhante de Richard Dawkins, desta vez no Colbert Report com Steve Colbert,ou antes Dr. Stephen Tyrone Colbert III, DFA.

Gosto da parte em que Dawkins afirma: «Vocês são ateístas em relação a todos os deuses em que não acreditam, eu apenas acrescento um deus mais». E é de uma simplicidade desarmante a pergunta com que Dawkins desmonta os argumentos do personagem de Colbert de que a explicação mais simples para a origem da vida é «deus simplesmente criou-nos»: «E quem criou Deus?»

18 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Terrorismo islâmico, blogs e telenovelas

I am born – a man chooses my name,
I am taught – to appreciate that he did not bury me alive,
I learn – what he wants me to know,
I marry – who he wants me to marry,
I eat – what he wants me to eat,
If he dies – another man controls my life
A father, a brother, a husband, a son, a man

Excerto do poema «Rantings of an Arabian Woman» da blogger saudita Mystique.

O director sírio Najdat Anzur, que dirigiu a série Al-Mariqun (Os renegados), a passar no Ramadão por algumas emissoras árabes, pretende com esta telenovela de 10 episódios tripartidos fazer passar a mensagem aos seus telespectores de que o Islão é uma religião de tolerância e diálogo. O terrorismo de inspiração religiosa é apresentado como uma ameaça global não só para não muçulmanos como para muçulmanos.

Anzur, que realizou no ano passado outra telenovela «didáctica» transmitida por algumas estações árabes durante o Ramadão, Al-Hur al-Ayn, recebeu várias ameaças de morte por parte de um grupo militante que ameaçou assassinar todos os envolvidos na produção de programas que tratem da militância islâmica assim como funcionários das estações que os transmitam.

Outra série, Preachers at the Gates of Hell, transmitida pela Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos, trata o mesmo problema, o terrorismo islâmico, com outra abordagem, neste caso mostrando como são angariados e sujeitos a lavagem cerebral os futuros terroristas en nome de Allah.

Mais sinais de mudança – e esperança – encontram-se na blogoesfera, que explode um pouco por todo o mundo árabe, e que, apesar das tentativas de repressão por parte das autoridades, é a melhor forma de criticar não só o fundamentalismo islâmico como os regimes ditatoriais ou pelo menos autoritários instalados na maioria dos respectivos países. Explosão de bloggers que se verifica mesmo em países como a Arábia Saudita.

17 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Democratas Liberais exigem demissão de Ruth Kelly

A expressiva derrota dos trabalhistas nas eleições locais britânicas induziu uma remodelação do executivo de Tony Blair em que a Opus Dei Ruth Kelly, a anterior ministra da Educação, assumiu a pasta da Igualdade e da Mulher, ou como noticiou na época o The Times, a pasta da Hipocrisia.

De facto, é completamente absurdo escolher para uma pasta, que supostamente deveria assegurar a igualdade de direitos a todos os cidadãos britânicos, independentemente das suas escolhas pessoais, um membro desta seita fundamentalista, que considera a homossexualidade uma «depravação grave», «um mal intrínseco», mas também um pecado que todo o político católico, especialmente se membro da Opus Dei, tem por obrigação combater.

Absurdo que se revela na forma como Ruth Kelly tem empastelado uma lei que deveria ter entrado em vigor já este mês – a Sexual Orientation (Provision of Goods and Services) Regulations – que penaliza a homofobia, nomeadamente a recusa de prestação de serviços a homossexuais.

Esta lei, que Kelly encontrou quasi pronta quando assumiu a pasta, tem sido contestada por organizações religiosas, que afirmam que ser a discriminação de homossexuais algo tão intrinsecamente cristão que a lei viola a liberdade religiosa dos crentes que seriam assim penalizados por exprimir publicamente a ética cristã. Ou antes, como ululou Don Horrocks da Aliança Evangélica, que resumiu os sentimentos da comunidade cristã inglesa: «Os homossexuais têm direitos, mas as pessoas religiosas também os têm e potencialmente são incompatíveis».

Kelly pretende que a nova lei não se aplique a organizações religiosas e que estas possam continuar a discriminar homossexuais. Como carpiu Rupert Kaye, presidente da Associação de Professores Cristãos, «As escolas religiosas não podem nem devem ser obrigadas legalmente a respeitar indíviduos ou organizações cujas crenças ou estilos de vida são anátema para os cristãos».

Os preconceitos religiosos de Kelly sobre a homossexualidade, partilhados pelos colegas de governo que pertencem à tendência católica do governo britânico e na origem de uma luta interna dentro deste, traduziram-se num adiamento de pelo menos seis meses na entrada da lei no Parlamento para discussão e numa adulteração, que muitos consideram inaceitável, da proposta inicial do seu antecessor no cargo, Alan Johnson, da ala liberal, isto é, não católica, do governo de Blair.

O adiamento e as alterações à lei levaram os Democratas Liberais a exigir a demissão de Kelly de uma pasta totalmente incompatível com as suas convicções religiosas. Esperemos que Tony Blair reconheça essa incompatibilidade, que devia ser óbvia para todos!

17 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Tunísia em campanha contra o véu islâmico

As autoridades tunisinas recorreram a um decreto de 1981 para lançar uma campanha contra o uso do véu islâmico em locais públicos, que descreveram como vestuário sectário utilizado por pessoas que usam a religião como capa para fins políticos.

O presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ali, considera que o uso do véu islâmico é uma intrusão indesejada, uma forma de pressão política por parte dos partidos islâmicos, banidos no país.

A antiga Cartago é um país laico desde a sua independência de França em 1956. Governada nas três décadas seguintes por Habib Bourguiba, que implantou no país um regime secular, alegadamente inspirado nas democracias ocidentais, em que emancipação das mulheres, o fim da poligamia e a educação gratuita obrigatória foram pontos marcantes do seu governo, desde a independência que o combate aos movimentos fundamentalistas islâmicos – e consequentemente à introdução da bárbara Sharia – são uma constante na Tunísia.

Zine El Abidine Ben Ali, que tomou o poder em 1987, prosseguiu a linha dura do seu antecessor contra os activistas fundamentalistas islâmicos, redobrada na década de 90 após a explosão de violência na vizinha Argélia. O tratamento reservado aos fundamentalistas islâmicos, num país em que supostamente a liberdade de imprensa é um facto, é a principal fonte de críticas da sua governação, nomeadamente por parte de activistas dos direitos humanos.

16 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Carta da Associação República e Laicidade

Nesta data e a propósito da estranha existência e manutenção de um estranho Instituto Português de Santo António em Roma (IPSAR), a associação cívica República e Laicidade remeteu ao Sr. Ministro das Finanças a seguinte carta:

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado e das Finanças,

Sr. Professor Doutor Fernando Teixeira dos Santos,

Na Associação Cívica República e Laicidade, tomámos conhecimento, há algum tempo, da existência de um Instituto Português de Santo António em Roma (IPSAR), entidade pública directamente tutelada pelo Ministério das Finanças do Governo da República Portuguesa.

Constatámos ainda que o referido instituto promove, como suas actividades principais, o «exercício de actos do culto católico» e a realização de «actividades culturais», onde, frequentemente, também se pode constatar um idêntico e forte cariz religioso.

Desse modo,

Considerando o princípio constitucional de separação entre Estado e Igrejas e o entendimento daí decorrente de que a República Portuguesa – aparte as excepções, em nosso entender lamentáveis, também legalmente consignadas na Lei (nomeadamente as capelanias) – não deve sustentar o culto religioso, seja de que religião for, nem remunerar membros do clero, nessa sua qualidade, pelo exercício de actividades de culto;

Constatando que o IPSAR não tem a sua contabilidade facilmente acessível à consulta pública e uma vez que, a partir de 2004, o Ministério das Finanças deixou de disponibilizar, designadamente nos mapas «Receitas Globais dos Serviços e Fundos Autónomos» do Orçamento do Estado, o quantitativo dos dispêndios que a manutenção daquele estabelecimento acarreta para o erário público nacional;

Considerando que, em deliberação recentemente tomada pelo Conselho de Ministros da República Portuguesa (resolução 39/2006, DR, I-B, de 21 de Abril), no âmbito do «Programa para a Modernização da Administração Central do Estado» (PRACE), o IPSAR não só é mantido – em confronto com uma inexorável extinção de outros institutos -, como ainda, no processo de redefinição organizacional de estruturas e recursos da administração central, é feito transitar para a dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE);

Considerando ainda que estamos em véspera da entrega na Assembleia da República, para análise e debate pelos Deputados da República, da proposta de Orçamento de Estado para 2007;

Vimos solicitar a Vossa Excelência, Senhor Ministro das Finanças, que nos esclareça detalhadamente sobre as seguintes matérias:

* O volume das verbas públicas que, nos últimos anos, têm sido dispendidas para sustentar a existência daquele Instituto Português de Santo António em Roma, bem como a discriminação das diferentes rubricas e actividades em que elas têm sido aplicadas;
* As razões que serviram de fundamento, quer à opção da manutenção em funcionamento do referido Instituto Português de Santo António em Roma, quer à da sua transferência para a tutela do MNE;
* O volume das verbas públicas que o actual Orçamento de Estado consigna ao referido Instituto Português de Santo António em Roma, bem como a discriminação das diferentes rubricas e actividades em que elas serão aplicadas.

Sem outro assunto, subscrevemo-nos

a bem da República

Luis Mateus (presidente), Ricardo Alves (secretário)

16 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Scientia ancilla Theologiae

«Geralmente, mesmo alguém que não é cristão conhece algo sobre a Terra, […] e esse conhecimento é tido como sendo proveniente de razão e experiência. Agora, é um perigo e uma desgraça um infiel escutar um cristão, presumivelmente citando a Escritura Sagrada, falar absurdos nesses assuntos; e nós devemos usar todos os meios para prevenir uma situação tão embaraçosa, na qual pessoas demonstram a vasta ignorância de um cristão e riem até ao escárnio»Agostinho de Hipona, De Genesi ad litteram, libri duodecim

O rídiculo em que os cristãos incorrem ao tentarem explicar o mundo com base nas «revelações divinas» é reconhecido desde os primórdios do cristianismo. Na realidade, mesmo há 1600 anos os dislates «revelados» eram reconhecidos como tal: dislates reveladores da profunda ignorância dos seus humanos escritores.

Como avisa Agostinho, as «opiniões tolas» dos cristãos sobre factos negados «através de experiência e à luz da razão» tornam impossível «acreditar nesses livros no que se refere à ressurreição dos mortos, de esperança e vida eterna e do reino do paraíso».

No entanto, o conselho de Agostinho raramente foi seguido pela hierarquia da Igreja que sustentou e sustenta o mito da inerrância e suficiência do seu livro supostamente revelado, isto é, que a Bíblia, o Dei Verbum, é isenta de erros em tudo o que afirma e contém toda a informação necessária para a vida do crente.

Não obstante Agostinho ser um dos mais importantes ideólogos do cristianismo e as suas elucubrações, nomeadamente sobre livre arbítrio, a origem do mal, pecado original e sexo, serem parte integrante da doutrina da Igreja, a única reflexão decente saída da pena fácil e erudita de Agostinho foi e continua a ser ignorada pela Igreja que persiste em debitar «opiniões tolas» sobre os mais diversos temas!

Na mui mediatizada palestra de Regensburg, Bento XVI deu o mote para a actuação da Igreja nos próximos tempos, que passa por uma guerra sem tréguas à modernidade e à ciência. Guerra à «irracional» ciência até esta reconhecer ser a teologia a mais nobre das disciplinas à qual as restantes se devem submeter, isto é, até se recuperar a máxima medieval que dá título do post, «A Ciência, escrava da Teologia».

Um dignitário cá do burgo, o bispo de Vila Real, Joaquim Gonçalves, que já no passado se tinha distinguido pela sua capacidade de debitar inanidades sobre ciência, resolveu evidenciar «a vasta ignorância» cristã sobre ciência ao arrogar-se a criticar a ciência e o desenvolvimento científico na Europa, «surdos» a Deus, isto é, aos dislates emanados do Vaticano.

Na mesma linha do Papa, que pretende recuperar o integrismo católico, objectivo para o qual é indispensável um retrocesso civilizacional ao pré-Iluminismo, Joaquim Gonçalves afirmou que «a ciência ensina a técnica de fazer as coisas e a sabedoria é a arte de as usar segundo a vontade de Deus». Isto é, para o dignitário, sábio não é quem sabe mas quem acredita em contos de fadas e demais impossibilidades lógicas. E, especialmente, segue à letra os ditames do Vaticano, a única autoridade habilitada para interpretar e debitar a vontade do mito.

Recusar seguir as imbecilidades debitadas pelo Vaticano corresponde a «Saber coisas sem as saber usar» que para o ultramontano dignitário «é o princípio da desgraça».

Logo a única lucubração agostiniana que considero acertada é igualmente a única que a Igreja que o elegeu como teólogo modelo não segue! E lá continuamos nós a ouvir «opiniões tolas» de cristãos sortidos!

15 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Cubo da Apple ofensivo ao Islão


De acordo com o The Middle East Media Research Institute, um grupo islâmico afirmou ser a nova loja da Apple na Quinta Avenida, a que muitos chamam a Meca da Apple, uma blasfémia e um insulto ao Islão. O grupo urge os fiéis a espalharem este alerta na esperança de que «os muçulmanos possam parar este projecto».

Na realidade, o edíficio, em operação desde Maio último – isto é, há muito que não é possível parar o projecto – não se chama a Meca da Apple e não serve bebidas alcoólicas como pretende o tal grupo ultrajado por a Apple, ou mais concretamente Steve Jobs, ter esta preferência pelo cubo como o indica o NeXT Cube ou Power Mac G4 Cube.

É certo que a missão do MEMRI é exactamente apresentar material encontrado em sites islâmicos, traduzido directamente das fontes, que de outra forma passaria despercebido. Missão que de acordo com declarações ao Washington Times de Ibrahim Hooper, do conselho das relações Americano-Islâmicas, se traduz em encontrar «as piores citações possíveis do mundo islâmico e disseminá-las tanto quanto possível».

Mas o mero facto de um grupo islâmico se sentir no direito de pedir que seja parado um projecto apenas porque este é referido informalmente como Meca e por acaso foi escolhida uma arquitectura cúbica na sua construção é profundamente rídiculo! Como são profundamente rídiculas, para além de atentórias dos direitos humanos, todas as ululações de blasfémia e insulto às respectivas religiões com que os fanáticos de todas as cores e credos nos têm mimoseado neste início de século!

De facto, os últimos tempos têm sido fertéis em manifestações de ultraje por parte dos representantes mais fundamentalistas de todas as religiões, não apenas a islâmica. A conjunctura actual e a contemporização das autoridades internacionais em relação às reinvidicações rídiculas dos fanáticos de todas as religiões permitem prever que este estado de ultraje se vai perpetuar e acentuar se não for inequivocamente demonstrado que não se aceitam atropelos aos valores que regem as nossas sociedades.

Especialmente agora que a Assembleia Geral das Nações Unidas exortou os estados membro à criação de leis punindo a «blasfémia» via a moção que defende a tomada de medidas contra «a difamação das religiões».

Considerando que tudo e mais umas botas, especialmente a mera existência de ateus e daqueles que não aceitam ser regidos pelas patetadas debitadas como «valores radicados na natureza mesma do ser humano», são tidos como ofensas inadmíssiveis para os fanáticos em nome do seu Deus, os próximos tempos, previsivelmente abundantes em ululações sortidas de ultraje por «ofensas» absolutamente ridículas, vão ser um teste à Declaração Universal dos Direitos do Homem, ou seja, aos valores civilizacionais que supostamente se pretende defender com esta contemporização com os dislates religiosos.

Na realidade, o facto de que os fanáticos de todas as religiões manifestam estridente e muitas vezes violentamente o seu ultraje pelos motivos mais imbecis – invariantemente por não serem impostas a todos as inúmeras proibições indissociáveis das religiões – leva a esta contemporização com as palermices religiosas por parte dos responsáveis políticos dos respectivos países. Responsáveis políticos que sabem serem os ateístas e laicistas francamente mais pacíficos e civilizados nas suas manifestações de repúdio às consequentes violações flagrantes das leis que regem os nossos estados, supostos laicos e assentes no respeito dos direitos humanos.

Para além disso, os crentes «moderados» a que eu chamo civilizados, isto é, que foram permeados pelos valores civilizacionais preconizados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, confundem fanatismo e fundamentalismo com convicção ou coerência religiosas. Como perorava – contra a laicidade e o oxímero «fanatismo laico» – o nosso cavaleiro da pérola redonda, JC das Neves, os «fanáticos religiosos são desequilibrados mas fiéis à sua fé».

Os católicos que apontam a ausência de vozes moderadas do Islão a condenar a intolerância dos seus congéneres na fé mais fundamentalistas deveriam reflectir no facto de que são os primeiros a desculpar com o fervor da fé as manifestações de intolerância e fundamentalismo dos membros do rebanho a que pertencem e a indignar-se com quem os critica.

Para mim não há qualquer diferença entre o ridículo da «ofensa» que dá título ao post e das muitas ofensas ululadas por cristãos nos últimos tempos: contra o Código da Vinci, contra o último disco dos Slayer, contra a peça Me Cago en Dios, contra «rock blasfemo», contra a série da MTV Popetown, alguns episódios de Southpark, representações «blasfemas» de um motivo de da Vinci utilizado na Capela Sistina, contra o programa «Jerry Springer – The Opera», contra obras de arte e publicidade sortidas, enfim, contra tudo e contra todos os que não seguem estritamente as imbecilidades cristãs!

Infelizmente, a maioria dos cristãos em geral e dos católicos em particular, mesmo os civilizados, reconhece como cretinas e insurge-se contra as reinvidicações imbecis dos fundamentalistas de outras religiões mas «compreende» as motivações quando os «ofendidos» que se manifestam são católicos.

13 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Christ Illusion banido na Índia

A banda Slayer – Tom Araya (baixo), Kerry King e Jeff Hanneman (guitarra) e Dave Lombardo (bateria) – os pioneiros e reis absolutos do speed/trash metal extremo, viu o seu novo álbum, Christ Illusion, banido na Índia.

O CD, e também a capa de Larry Carroll, 10 faixas que incluem títulos como Jihad ou Skeleton Christ, foi proíbido depois de pressões do Fórum Social Católico (CSF), o mesmo cujo dirigente Joseph Dias iniciou uma «greve de fome até à morte» pela proibição do filme «Código da Vinci».

O CSF ficou chocado com a capa do disco em que figura um «Cristo sem um dos olhos e com os braços amputados», e considerou «um insulto ao Cristianismo» a letra do tema «Skeleton Christ».

Num memorando enviado ao comissário da polícia de Bombaim, Joseph Dias achou-se no direito de falar por todos os indianos afirmando que o novo álbum dos Slayer «irá afectar a sensibilidade dos muçulmanos, na faixa ‘Jihad’, e a de todos os indianos seculares, que respeitam todas as fés».

A EMI Virgin indiana, com sede em Bombaim, atendeu aos protestos dos fundamentalistas católicos indianos recolhendo e destruindo todos os CDs.