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Palmira Silva

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Fundamentalistas cristãos contra Wal-Mart

A história do Wal-Mart, a maior rede grossista ou de «discount stores» do mundo, confunde-se com a história do seu fundador, Samuel Moore Walton, mais conhecido como Sam Walton, nascido em 1918.

Sam Walton era um devoto cristão, tão devoto que institui em 1991 o prémio Sam e Helen R. Walton, destinado a premiar as igrejas que promovam formas criativas de espalhar a fé. Os fanáticos cristãos americanos, para além de se acharem no direito de decidir o que as lojas devem ou não vender -especialmente os abominados contraceptivos – esperam ainda que a companhia, que emprega mais de um milhão e meio de pessoas, siga o exemplo do seu fundador e seja não só prosélita mas reflicta todos os preconceitos e ódios indissociáveis do cristianismo mais jurássico.

Depois de no ano passado a Catholic League for Religious and Civil Rights,um grupo de pressão fundamentalista católico, ter feito um boicote ao Wal-Mart por este supostamente ter entrado na inventada «guerra ao Natal», isto é, se ter arrogado à heresia de admitir que existem não cristãos no mundo, a rede volta a ser alvo de boicote dos fundamentalistas cristãos.

Desta vez o que levou os ululantes cristãos a paroxismos de ódio foi o facto de o Wal-Mart, horror dos horrores, reconhecer que os homossexuais são pessoas e têm direitos!

Assim, a empresa é acusada pelos fanáticos cristãos de ser dominada pelo mafarrico, algo que é dever cristão impedir que continue.

«O Diabo está a forçar as nossas escolas, empresas e igrejas a reconhecer coisas que são abominações a Deus. Os cristãos não podem deixar que isto aconteça».

Os fanáticos cristãos inspiram-se no seu livro «sagrado e inerrante» para preconizar o modus operandi contra os possuídos pelo Demo:

«David não teve qualquer problema em cortar a cabeça a Golias porque sabia que Golias era um inimigo de Deus e um inimigo do povo de Deus. Ele sabia os estragos que Golias faria se fosse permitido viver».

Aparentemente os «defensores incondicionais da vida» consideram que vida é sinónimo de cristão… os não cristãos não são vida: são inimigos de Deus e como tal não têm quaisquer direitos!

Algo que sempre me intrigou é o facto de, embora ululando ser a sua uma religião de «amor(?)», as únicas campanhas, para além de espalhar a fé, em que estes cristãos mais fundamentalistas se empenham são campanhas de ódio: ódio contra homossexuais, ódio contra as mulheres que abortam, ódio contra ateus e os que não aceitam os ditames do cristianismo, etc..

24 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Recolher obrigatório em Bagdad


Bagdad é desde ontem à noite uma cidade fantasma, depois da série de atentados mais sangrentos desde o início da guerra, que causou 202 mortos e cerca de 250 feridos, ter levado o governo a impor um recolher obrigatório sem fim prevísivel.

O aeroporto de Bagdad assim como o de Bassorá e os portos no sul do Iraque encontram-se fechados. O massacre em Sadr City, uma área densamente populada por iraquianos shiitas que foi o palco da série de atentados bombistas de ontem, ocorreu momentos depois de helicópteros americanos e o exército iraquiano terem sido obrigados a intervir num ataque ao Ministério da Saúde – dominado por shiitas.

Desde o ataque em Fevereiro último a Samarra – que atingiu um dos lugares mais sagrados dos muçulmanos shiitas, o santuário al-Askari – que o Iraque tem assistido a um escalar da violência entre shiitas e sunitas. Segundo a ONU, foram vítimas mortais desta violência cerca de 3 709 civis iraquianos em Outubro, o número mais alto de mortes civis verificado desde o início da guerra há 44 meses, um número que se prevê ser eclipsado em Novembro.

As Nações Unidas indicaram igualmente que fogem mensalmente do país cerca de 100 000 iraquianos, perfazendo um total de 1.6 milhões de refugiados desde Março de 2003, data em que a guerra «divinamente ordenada» se iniciou.

Desenvolvimentos: Enquanto em Bagdad se desenrolavam os funerais das vítimas dos atentados de ontem, em que os que quiseram prestar homenagem às vítimas foram autorizados pelo governo a quebrar o estrito recolher obrigatório na cidade, um atentado com um carro armadilhado fez mais 22 vítimas mortais na cidade de Talafar, perto da fronteira com a Síria.

O grupo shiita liderado por Moqtada Sadr, que tem apoiado o governo do primeiro-ministro Nouri Maliki, ameaçou retirar-se do governo e do parlamento se Maliki se encontrar na próxima semana, como está previsto, com G. W. Bush.

24 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Casal adopta menina de 5 anos

O título deste post pareceria inusitado não fora o casal em questão ser constítuido por Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho, ou seja, um casal homossexual. De facto, num inédito no Brasil – em que apenas por duas vezes foram confirmados os direitos de adopção por casais homossexuais, mas ambos constituídos por mulheres-, o casal referido, que cohabita há 14 anos, viu confirmada por um tribunal estadual a adopção por ambos de uma menina previamente adoptada por Vasco da Gama.

De acordo com o advogado, se os dois homens tivessem inicialmente tentado a adopção como um casal muito provavelmente não a teriam conseguido.

23 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Cientistas unidos contra a religião

Há mais de dois anos que alertamos os nossos leitores para a guerra que prevíamos iminente entre as religiões do livro e a ciência. Com grandes protestos dos nossos leitores católicos que asseveravam ser a sua uma religião completamente compatível com a ciência, escrevemos muitas dezenas de posts* alertando para o problema e desmascarando todas as patetadas criacionistas.

Dois anos passados as nossas previsões, infelizmente, mais uma vez se concretizaram. Como seria expectável, já que para recuperar o integrismo perdido é absolutamente necessário às religiões que os crentes acreditem nas patetadas que vendem como «verdades absolutas reveladas» e que são de facto reveladas como cretinices absolutamente absurdas pela ciência.

Os nossos avisos de uma guerra iminente entre religião e ciência eram escarnecidos pelos fanáticos de serviço ao nosso espaço de comentários como alarmismos sem justificação. Fanáticos de serviço que agora se referem ao evolucionismo em particular e à ciência em geral, como cientifismo, isto é, a irracional «religião» dos abominados ateus!

Felizmente já muitos na comunidade científica se aperceberam do carácter organizado e profundamente político das investidas das religiões organizadas contra a ciência, guerra aberta cujo fim é um retrocesso civilizacional ao pré-Iluminismo. Esta regressão é indispensável para as religiões recuperarem a hegemonia medieval, quando a religião dominava todos os aspectos do quotidiano e quando todo o poder estava de facto na mão dos clérigos não dos governantes.

Boa parte da comunidade científica já despertou da complacência em relação às religiões e apercebeu-se que a contemporização com as patetadas religiosas não pode continuar!

Assim, a revista Nature de amanhã apresenta um artigo que traça o quadro negro do criacionismo na Europa e alerta para a necessidade da comunidade científica se empenhar na luta contra o movimento anti-evolucionista em que os fanáticos de todas as religiões se empenham neste momento.

De igual forma, o Washington Post de há uns dias noticiou a formação de um Think Thank para promover o uso da razão. O anúncio, acompanhado de uma declaração em defesa da ciência e da laicidade, expressa as preocupações de vários cientistas sobre o poder nefasto e desmesurado da religião na política norte-americana em especial, em que a esmagadora maioria das decisões são tomadas com base na fé e não na razão.

O The Center for Inquiry-Transnational combate a influência nefasta da religião na política (e na sociedade) pugnando para que as decisões políticas sejam baseadas solidamente na razão – ou seja, na ciência – e não na irracionalidade – isto é, na religião.

A ameaça que constituem as religiões foi ainda analisada durante três dias no Salk Institute for Biological Studies em La Jolla (San Diego), Califórnia, num evento recheado de prémios Nobel apropriadamente intitulado «Para além da crença».

Como afirmou Steven Weinberg logo no ínicio da conferência «O Mundo precisa acordar deste longo pesadelo da crença religiosa. Tudo o que os cientistas puderem fazer para enfraquecer o poder da religião deve ser feito e pode ser de facto a nossa maior contribuição para a civilização».

Não poderia estar mais de acordo e nada me poderia dar mais satisfação que ver as minhas preocupações com o desvario fundamentalista que infectou o Mundo serem partilhadas pela comunidade científica internacional! E confirmar que o antídoto para o vírus religioso que utilizamos no Diário Ateísta já há uns anos, o livre pensamento, o racionalismo, a divulgação da ciência e a demolição dos disparates religiosos, é preconizado abertamente como um dever dos membros da comunidade científica – se não quisermos regredir para um passado sangrento e obscurantista!

* São demasiados artigos para indicar as hiperligações. Podem ver os resultados da pesquisa no ateismo.net sobre o tema aqui, aqui ou aqui.

21 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Richard Dawkins e os fundamentalistas II


Deepak Chopra, o guru new ager adepto de curas «quânticas», que escreveu, entre mais de 40 conjuntos de disparates, as barbaridades agrupadas no «Life After Death: The Burden of Proof» – um livro que pretende existir «conhecimento validado pela ciência» que «prova» a existência de vida depois da morte – é outro dos IDiotas criacionistas que se sentiu pessoalmente atacado pelo livro «The God Delusion» de Richard Dawkins.

Chopra – que confirma exercer a mecânica quântica um fascínio especial em todos os charlatães e cujas inanidades quânticas, nomeadamente as referidas «curas quânticas» e afins, lhe mereceram um prémio IG Nobel da Fisíca em 1998 -, ataca Dawkins em dois artigos, tão imbecis que tenho dificuldade em escolher qual deles o pior!

Dawkins, recentemente escolhido pela Salon como o homem mais sexy do mundo, é acusado por Chopra no primeiro artigo de «espremer Deus num canto» já que apresenta a crença na existência de Deus como «um tema nós versus eles. Ou se é pela ciência (isto é, razão progresso, modernismo, optimismo em relação ao futuro) ou se é pela religião (isto é, irracionalidade, resistência reaccionária ao progresso e constatação que há mistérios que só Deus sabe)».

O que é extremamente injusto, já que segundo Chopra, existem homens de ciência – como o próprio Chopra que explica «quanticamente» milagres e demais disparates sobrenaturais – que são ou foram profundamente religiosos, citando explicitamente Newton e Einstein.

Claro que meter no mesmo saco Einstein e Newton é já de si um disparate, uma vez que o «Deus» de Einstein, um ateu ou pelo menos panteista, não tem nada a ver com o Deus de Newton. Mas a falácia que Chopra subentende neste primeiro artigo, isto é, que estes físicos revolucionários que todos conhecem, «produziram» conhecimento inspirado «religiosamente» é um disparate total!

De facto, Chopra brame angustiadamente «A ciência é o único caminho para o conhecimento? Obviamente que não [caso contrário acaba o negócio multi milionário de Chopra que vende patetadas místicas como sendo ciência]».

E para explicar que existem «vibrações» quânticas iluminadas por Deus para se chegar ao conhecimento, descreve o ser do homem, isto é, as características que nos distinguem dos outros animais – que devemos à evolução única do nosso cérebro – como sendo provas irrefutáveis da existência de Deus!

De facto, Chopra não se sabe bem como – aparentemente nunca leu, ou se leu não percebeu uma vírgula de sequer um livro de Dawkins – afirma que Dawkins nega a existência do amor, arte, altruismo (explicado no Gene Egoísta), beleza, verdade, etc..

O primeiro artigo batendo em Dawkins é assim um conjunto de disparates em que Chopra esgrime um conjunto assombroso de falácias para afirmar que a religião produz conhecimento (científico?) mas não dá um único exemplo de grandes descobertas produzido pelo pensamento religioso – que não há, obviamente!

No segundo artigo Chopra pega na constatação de um facto por Dawkins:

«Deus é desnecessário. A ciência pode explicar a Natureza sem qualquer ajuda de causas sobrenaturais como o é Deus. Não há necessidade de um criador»

sobre o qual não há quaisquer dúvidas – causas sobrenaturais estão nos antípodas de ciência – para balir novamente que Dawkins encurrala os crentes num «nós versus eles», que ignora muitos crentes num Deus impessoal – e volta a tirar Einstein da manga para ilustrar este Deus impessoal. Chopra brame que Dawkins reduz o conceito de Deus ao Deus cristão do catequismo, que criou o mundo em 6 dias e descansou ao sétimo:

«Ou acreditamos que há um Deus pessoal, um criador sobrehumano que criou o mundo de acordo com o Genesis ou somos crentes racionais no método científico».

Como é óbvio para todos os que de facto leram o livro, Dawkins não apresenta esta dicotomia. Na realidade, logo no início do livro Dawkins distingue entre o Deus metafórico ou panteísta e impessoal de Einstein da ilusão de Deus de que trata o livro e afirma que «Confundir deliberadamente os dois é, na minha opinião, um acto de alta traição intelectual».

Claro que honestidade intelectual é completamente incompatível com os «produtos quânticos» que Chopra vende aos mais incautos. Para o sucesso do negócio e para a saúde «quântica» da conta bancária de Chopra – que afirma desdenhar Dawkins da possibilidade da existência de «cientistas religiosos», o que não é verdade Dawkins apenas explicita que ninguém faz ciência por iluminação divina ou via «verdades reveladas»- é necessário que a resposta dos seus clientes à pergunta absurda com que o charlatão termina o artigo seja negativa:

«A ciência tem de excluir Deus em qualquer forma?»

Cuja resposta é obviamente afirmativa: se a ciência incluir causas sobrenaturais deixa de ser ciência e passa a ser religião! Causas sobrenaturais não têm qualquer lugar em ciência! Por muito que isso custe aos fanáticos de qualquer religião, Deus não é um argumento científico. Deus é uma construção humana que é aceite pela fé, que, por definição, dispensa qualquer prova científica, lógica ou racional!

19 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Estes cristãos são loucos!

O senador democrata Satveer Chaudhary, um hindu praticante, foi reeleito nas eleições norte-americanas do passado dia 10 por uma margem esmagadora. Em vez de admitir a derrota, a sua mui devota oponente cristã, a republicana Rae Hart Anderson, insultou-o com um e-mail que se resume a um longo sermão prosélito do mais básico e imbecil que já vi!

«Apenas o teu Criador conhece o potencial que Ele colocou em ti. Conhece-O e conhece-te a ti próprio… serás muito mais interessante mesmo para ti!

A corrida da tua vida é mais importante que esta [as eleições que Chaudhary ganhou] – e é o meu desejo sincero que venhas a conhecer Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Ele morreu pelos pecados do mundo, os teus e os meus – e especialmente por aqueles que aceitam o seu perdão. O seu reino virá e a sua vontade será feita – assim na Terra como no céu. Há mais… eu adoro pertencer à família de Deus. Jesus é o caminho, a verdade e oferece a sua vida a ti e a todos os seres humanos. Presta atenção, isto é muito importante, Satveer. Já alguma vez sentiste Jesus por ti… alguma vez na vida, já???»

Os restantes cinco parágrafos do e-mail da devota (e derrotada) cristã ao adversário hindu continuam no mesmo tom, quiçá subindo o nível de delírio. Ao fim de tantos anos de ateísmo já devia estar habituada à total falta de respeito pelos outros manifestada pelos fanáticos cristãos mas há sempre um alucinado que me consegue surpreender!

19 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Os defensores incondicionais da vida

tinha referido as ululações do secretário da Conferência Episcopal Espanhola, Juan Antonio Martínez Camino, contra a disciplina de Educação para a Cidadania, que, contrariamente ao que se passa com a Educação e (I)moral Católicas, vai ser obrigatória para todos os níveis de educação.

A contestação da sucursal espanhola da multinacional de Roma a tão ateia disciplina foi ontem concretizada numa manifestação de ululantes católicos em que participou a organização Hazte Oir, um dos tais «movimentos de defesa da vida» a que o presidente da CEP apela a que «intervenham, e nessa vertente a Igreja possa ter a sua participação a nível social», na questão do referendo à IVG.

Trocando por miúdos as palavras de Ortiga, o arcebispo de Braga instiga os movimentos pró-prisão nacionais, todos com fortes ligações não só à sucursal nacional da ICAR como à tal congénere ultra-conservadora espanhola – confirmando que a questão do aborto é simplesmente uma questão religiosa – a assumirem em nome da Igreja a imposição a todos das patetadas em que acreditam, especialmente consagrando na lei a criminalização dos «pecados»!

Para que não existam dúvidas em relação à talibanização de Portugal no caso de o terrorismo psicológico dos pró-prisão ter sucesso e a resposta ao referendo for «Não», é necessário entender o que não foi explicitado na afirmação do dignitário católico em relação à actual lei, que permite o aborto terapêutico:

«pode existir uma lei, mas não quer dizer que seja moralmente boa, pode até ser errada».

De facto, para a Igreja Católica «o aborto, mesmo por razões terapêuticas, deve ser absolutamente proibido», isto é, nem mesmo quando o feto é «um agressor injusto» (gravidez ectópica) e quando «pareça desejável salvar a vida da mãe» é legítimo fazê-lo.

Assim, os aliados dos nossos pró-prisão estão a organizar uma manifestação de apreço e felicitações aos deputados da Nicarágua pela aprovação da mui «católica» lei que proibe qualquer tipo de aborto, mesmo para salvar a vida da mulher. E seguem os ditames do actual Papa ao condenar os adeptos do «feminismo radical» – o tal que se arroga a «reindivicar exigências» ateias para as mulheres, como seja o direito à vida – que protestaram a aprovação da lei!

De facto, esta lei é uma sentença de morte para pelo menos as 400 mulheres que anualmente apresentam na Nicarágua uma gravidez ectópica – uma gravidez extra-uterina, frequentemente uma gravidez em que o embrião se fixa nas trompas de Falópio – e em que o embrião não tem qualquer hipótese de sobrevivência!

Volto a recordar que o que está em jogo no referendo que se aproxima é simplesmente a talibanização de Portugal. Se este teste ao poder político da Igreja for positivo, o bando de fanáticos ululantes cá do burgo – ajudados pelos partidos políticos que precisam dos votos dos católicos para sobreviver – não vai dar tréguas enquanto não forem revertidas as (poucas) conquistas civilizacionais dos últimos 30 anos. Nomeadamente o reconhecimento de (alguns) direitos à mulher, entre eles o anti-católico direito à vida e à saúde…

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19 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Richard Dawkins e os fundamentalistas

É sempre divertido ler os ataques acéfalos dos fundamentalistas religiosos aos depravados ateístas que, imagine-se, se atrevem a afirmar para o público em geral o seu ateísmo e desmontam brilhante e habilmente as contradições, disparates, impossibilidades lógicas, enfim, a implausibilidade da mitologia e das ilusões que necessitam para viver.

Os ateístas mais proeminentes são obviamente os alvos privilegiados, mas todas as religiões organizadas se concentram em denegrir os ateístas em geral. Um exemplo é este bocado de lixo publicado no Christian Worldview Network, em que um devoto pastor, sem qualquer sentido do ridículo, comisera sobre as dificuldades que considera estarem indelevelmente associadas aos pobres ateístas.

Os raciocínios circulares, falácias e disparates regurgitados pelo «tolerante» cristão são fabulosamente desmontados num post do Secular South e em outro do Pandagon.

Como seria apenas expectável nem uma das falácias do devoto cristão é contaminada sequer por resquícios de pensamento original, é apenas um sumariar das mui cristãs instigações ao ódio contra ateístas, esses seres imorais e desprezíveis, incapazes de distinguir entre o bem e o mal, a guerra e a paz!

Uma homilia sobre o «horror» de um mundo sem religião, para além das falácias criacionistas expectáveis, é igualmente a reacção de outro devoto pastor ao sucesso do livro «The God Delusion» de Richard Dawkins.

Certamente preocupado com as recentes estatísticas que indicam terem dúvidas em relação à existência de Deus 42% dos americanos e empenhado em demonstrar que todos os males do mundo se devem ao ateísmo, o acéfalo cristão centra as respectivas regurgitações de ódio na afirmação da bondade do divino Criador em contraposição à maldade intrínseca do evolucionismo com que os ateus cientistas explicam o mundo:

«Onde está a beleza na luta de cada organismo por si? Mesmo que o mais competente possa sobreviver um pouco mais, ficam aprisionados numa existência sem objectivo nem significado. Um espectáculo tão lúgubre e sem esperança apenas pode ser descrito como horrível».

Como ironiza PZ Meyers no Pharyngula, noutro artigo demolidor que recomendo, certamente que para os devotos cristãos a realidade de uma gazela a ser devorada viva por um leão assume beleza e sentido apenas se se desenrolar sob o olhar atento e amoroso de um ser sobrenatural omnipotente que a «criou» para esse objectivo…

Mas o devoto pastor continua as suas elucubrações acéfalas com as falácias a que todos estamos habituados, isto é, o reductio ad Hitlerorum e o reductio ad Stalinerorum, os argumentos favoritos – e únicos – dos revisionistas históricos cristãos para apontar os horrores do ateísmo e do evolucionismo.

Isto é, não sei se por ignorância – o que dado o conjunto de inanidades que debitou me parece plausível – ou propositadamente, o pastor agarra-se (ou alimenta) ao mito de um Hitler ateu e darwinista para suportar o seu mito de um Criador inteligente – nem Hitler nem Staline eram evolucionistas (este último rejeitava a evolução e declarava a genética uma pseudo-ciência capitalista) .

Ou seja, como Hitler é reconhecidamente um dos maiores monstros psicopatas que a humanidade produziu, o devoto cristão ignora ou deturpa a verdade histórica para usar o criacionista católico Hitler para advertir os mais ignorantes do perigo quer do ateísmo quer do evolucionismo, que os fundamentalistas cristãos ululam de dedo em riste terem sido as causas do Holocausto!

Em relação à falácia habitual – utilizada recorrentemente pelos mais alucinados comentadores no nosso espaço de debate que mencionam Mao ou Stalin a propósito de tudo e mais umas botas – que tenta identificar laicidade ou ateísmo com estalinismo ou maoismo, já referi que o totalitarismo político não tem nada a ver com laicidade nem com ateísmo.

O totalitarismo político é simplesmente uma cópia fiel do totalitarismo religioso, com todos os ingredientes das religiões desde culto de personalidade do ditador – quasi considerado um «deus», basta pensar no culto a Lenin, Stalin, Mao ou Kim Jong II – a dogmas inquestionáveis, verdades absolutas apenas questionadas por «hereges» merecedores de fogueiras/gulags sortidos.

(continua)
18 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Referendo à talibanização nacional

Como há muito alertamos, a conjuntura internacional que vivemos torna as populações vulneráveis aos ataques dos fundamentalistas de todas as religiões. Um pouco por todo o Ocidente, assistimos a um ataque sem tréguas das várias versões do cristianismo aos valores em que assenta a nossa sociedade democrática, tolerante e supostamente laica. Valores humanistas desde sempre especialmente combatidos pela Igreja de Roma.

Para além de unidos pelo ódio aos que não se subjugam aos ditames neolíticos do cristianismo, os responsáveis eclesiásticos de todos os flavours do cristianismo estão igualmente unidos na responsabilização da laicidade na crise que atravessamos. Crise que, paradoxalmente, tem na sua génese exactamente a panaceia que recomendam: o fundamentalismo religioso!

Por outro lado, os moderados de todas as fés desculpam por norma os excessos cometidos em nome da respectiva religião, já que confundem fanatismo e fundamentalismo com convicção ou coerência religiosas. Aliás, numa das suas homilias de segunda o nosso cavaleiro da pérola redonda, o J.C. das Neves que não faz a mínima ideia o que seja tolerância, ululava contra a laicidade e o oxímoro «fanatismo laico», carpindo serem os «fanáticos religiosos» «desequilibrados mas fiéis à sua fé» enquanto os tais «fanáticos laicistas» – que segundo o spin doctor do catolicismo mais ultramontano elegeram a tolerância como dogma – são «inconsistentes» já que não «toleram» ser regidos pelas patetadas debitadas como «valores radicados na natureza mesma do ser humano».

Os exemplos que nos chegam de todo o mundo e de todas as confissões religiosas indicam claramente que precisamos despertar desta complacência e não transigir no mínimo desvio à laicidade! A defesa da laicidade é de facto absolutamente essencial para que não assistamos ao retrocesso civilizacional que as diferentes versões do cristianismo querem impor nos países onde são maioritárias, com constantes ululações de «blasfémias» e afins, pressões políticas e mediáticas, e uma inadmíssivel imiscuição no Direito desses países!

Como o filósofo Sam Harris explica, a atitude complacente em relação às religiões é uma ameaça latente para o modelo de sociedade que queremos construir, uma sociedade tolerante assente em princípios democráticos e na defesa dos direitos do Homem.

Ameaça latente que cá no burgo se vai explicitar muito em breve, já que Portugal vai referendar não apenas a IVG mas igualmente a influência da delegação nacional da Igreja de Roma na esfera política! Apenas os mais distraídos – ou os mais ingénuos – ainda não se aperceberam que o desmesurado empenhamento da ICAR e seus apaniguados no referendo que se aproxima não reflecte qualquer «defesa intransigente da vida» mas sim uma defesa intransigente do poder político da Igreja!

Trinta anos passados sobre o 25 de Abril e acabada a travessia do deserto que a promiscuidade entre a ditadura e a Igreja impôs no Portugal democrático, os representantes mais fanáticos do catolicismo jurássico metralham em força os seus dislates nos orgãos da comunicação social nacional para recuperar o integrismo perdido na revolução dos cravos.

Não tenhamos ilusões: o referendo ao aborto não o é de facto. Não há qualquer razão objectiva, biológica, ética ou de Direito, para criminalizar a IVG. Há apenas arrogância católica explícita nos muitos vociferadores em nome de Deus que consideram legítima a criminalização dos «pecados» e condicionamento social católico naqueles que rejeitam motivação religiosa para a sua objecção ao livre arbítrio sobre o tema.

Assim, o que vamos decidir nas mesas de voto é o modelo de sociedade que queremos seja a nossa, isto é, o que vamos referendar é apenas se queremos a talibanização de Portugal!

Ninguém pense que se os pró-prisão vencerem o referendo a Igreja se contenta com tão pouco! O referendo é um teste que se ultrapassado será apenas o primeiro passo para a regressão civilizacional ao totalitarismo católico medieval por que o Vaticano tanto almeja!

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18 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Carta da Associação República e Laicidade

Transcrevo uma carta da Associação República e Laicidade à Comissão Nacional de Eleições a propósito do referendo à IVG.

1. Relativamente ao próximo referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a Associação Cívica República e Laicidade tomou conhecimento, através da Comunicação Social, de declarações dos responsáveis máximos da Igreja Católica portuguesa, segundo as quais a referida Igreja «não pode reconhecer ao poder constituído, na sua vertente legislativa, competência para liberalizar ou descriminalizar o que, por sua natureza, é crime», sustentando ainda que «carece de qualquer razoabilidade e sentido falar do ‘direito’ de abortar por parte da mulher».

As declarações que citamos, a partir do Diário de Notícias de 14/11/2006, são de Jorge Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), a instância dirigente da Igreja Católica em Portugal. Na mesma ocasião, o Secretário da referida estrutura, Carlos Azevedo, «deixou um apelo aos que ‘estão convictos do Não’ para que não deixem de votar» (conforme citado na notícia da Agência Ecclesia de 15/11/2006 titulada «Bispos aprovam nota sobre PMA e apelam ao ‘Não’ no referendo sobre o aborto»).

Estas declarações foram reforçadas pelo comunicado da CEP de 16/11/2006, onde se apela aos que tencionam votar «não» para que «marquem presença num momento tão decisivo», e vem na sequência de um documento da CEP datado de 19 de Outubro (a nota pastoral «Razões para escolher a vida») em que se dizia explicitamente aos «fiéis católicos» que «devem votar ‘não’»
A Associação Cívica República e Laicidade – tal como certamente sucede à maioria dos cidadãos – entende que, desta forma, a Igreja Católica portuguesa está a assumir e a reiterar uma posição clara perante o referendo sobre a Interrupção Voluntária de Gravidez, posição essa de apelo explícito ao voto «não»

Simultaneamente, a Associação Cívica República e Laicidade tem conhecimento da existência de símbolos religiosos católicos (de crucifixos, designadamente) em vários locais de funcionamento de assembleias de voto e, mais concretamente, em salas de aulas de escolas públicas.

A Associação Cívica República e Laicidade, considerando a posição expressa da CEP perante o referendo, entende que a realização da votação referendária em locais nessas condições constitui uma evidente infracção do disposto no artigo 133º da Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei 15/A-98, de 3 de Abril), onde se afirma que «é proibida a exibição de qualquer propaganda dentro das assembleias de voto (…) por propaganda entende-se também a exibição de símbolos (…) representativos de posições assumidas perante o referendo».

Nesta situação, a Associação Cívica República e Laicidade vem solicitar aqui à Comissão Nacional de Eleições que torne efectiva a proibição de propaganda nos locais de voto, concretamente mandando retirar quaisquer símbolos da Igreja Católica que ali se possam eventualmente encontrar.

Com os nossos melhores cumprimentos,

a bem da República,

Lisboa, 16 de Novembro de 2006
Luís Mateus (presidente) Ricardo Alves (secretário)

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