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12 de Abril, 2005 pfontela

Bastiões da fé

Há regiões do ocidente onde historicamente a religião sempre exerceu grande influência, e na maior parte dos casos (se não todos) essa influência traduziu-se pela infiltração das esferas do poder político e pela criação e manutenção duma ortodoxia violentamente repressiva. Um desses casos é a Irlanda, um país que recentemente viveu um verdadeiro milagre económico, sendo sempre o exemplo citado para outros seguirem. Veio a público um estudo em que ficou claro que esta evolução económica foi acompanhada de uma evolução social.

A percentagem de Irlandeses que diziam ter confiança nas igrejas (sendo que na Irlanda igrejas é quase sinónimo de ICAR) baixou entre o período de 1990 a 2000 de 72% para 52%. E a percentagem daqueles que acreditam que a religião possui respostas para os problemas morais também baixou, de 42% para 30%. As posições de oposição a outros temas seguiram pelo mesmo caminho: aborto (de 53% para 51%), drogas leves (de 88% para 72%), homossexualidade (de 52% para 37%) e divórcio (de 31% para 26%).

Não se pense que a Irlanda em 10 anos passou a ser um paraíso liberal, trata-se ainda de um dos países onde a ICAR tem mais peso e onde a tradição ainda pesa sobre os costumes, mas fica claro que a situação está a mudar a um ritmo acelerado. Se a Irlanda mudou (e ainda está a mudar) então ainda existe esperança para outras fortalezas do clericalismo e do fanatismo.

10 de Abril, 2005 pfontela

Dúvidas

Uma peça de teatro, de nome «Doubt» (Dúvida), que tem como pano de fundo o drama de uma freira que tem que decidir se deve ou não denunciar um sacerdote católico que ela acredita abusar rapazes ganhou o famoso prémio Pulitzer. No relatório encomendado pela ICAR no ano passado foi tornado público que nos últimos 50 anos mais de 4000 sacerdotes foram acusados de abusos sexuais, sendo que no total estariam envolvidas cerca de 10000 crianças. Na segunda metade deste período JP2 esteve à frente da ICAR como monarca absoluto e fez pouco ou nada para impedir estes crimes ou trazer justiça às vítimas.

Actualização: de notar que um dos escolhidos pela cúria para fazer as exéquias do papa foi o cardeal Law (responsável pela ocultação de casos de abuso). A cúria falou.

2 de Abril, 2005 pfontela

«Jobs for the boys»

O papa, mesmo estando nas últimas, arranjou tempo e energia para em 24 horas nomear 17 bispos e aceitar a resignação de outros 6. Karol sente a morte a aproximar-se e parece querer assegurar-se que os seus rapazes estão nos sítios certos, para ter certeza que não existe uma gota de dissidência entre as fileiras.

22 de Fevereiro, 2005 pfontela

O crime do padre

Um novo filme de Bollywood (a Hollywood Indiana) está sob ataque de grupos católicos. O filme aborda a relação amorosa de um padre com uma rapariga com metade da sua idade e, como não podia deixar de ser, a reacção do sector católico foi a habitual – gritos de «Heresia» e «Blasfémia».

Segundo Joseph Dias, o secretário geral do fórum secular católico (dado o carácter do Vaticano o nome do fórum só pode ser uma piada), a religião é algo de pessoal e que não pode ser usado para divertimento ou fins comerciais (já estou a ver a máquina de fazer dinheiro que é Fátima a ser desmontada…). Em resumo: a única coisa que salvou o filme foi o facto de a esmagadora maioria da população indiana não ser cristã.

É preocupante o número cada vez maior de crentes (dirigidos pelas respectivas hierarquias) que pede o regresso da figura do censor religioso. A livre expressão saiu-nos muito cara. Seria de esperar que mesmo os crentes a valorizassem mais, parece que a sua memória é cada vez mais selectiva.

12 de Fevereiro, 2005 pfontela

O regresso do rei

O sumo pontífice católico anunciou ontem que tinha a intenção de se manter à frente da ICAR. Se a sua decisão se fica a dever à megalomania de um dever “divino”, que eventualmente afecta todos os líderes totalitários, ou a manipulações no interior da santa madre igreja é incerto. O que é certo é que os jogadores chave já se estão a posicionar para o próximo conclave, sendo que o principal jogador é o próprio monarca católico (ou seja quem for que tenha influência sobre ele…) que acabou de nomear Jean-Marie Lustiger, ex-arcebispo de Paris, cardeal. Lustiger é um dos mais fortes candidatos à sucessão, desde que o conclave se realize nos próximos tempos (o cardeal já conta com 78 anos e o limite é 80). Um dos pormenores interessantes desta figura é que ele era originalmente Judeu, mas com o holocausto perdeu a fé e acabou na hierarquia católica (é o primeiro cardeal católico com um passado de judaísmo). Também é interessante saber que esteve à frente do pedido de desculpa dos bispos franceses pelo colaboracionismo católico com os nazis.

Enquanto não temos a certeza quem é o príncipe herdeiro resta-nos acolher de volta o rei.

Long live the king!

12 de Fevereiro, 2005 pfontela

A amoralidade

Neste nosso planeta, cada vez mais pequeno, ouvimos um aumento no volume da voz das “maiorias morais” que anseiam desesperadamente tornar-se maiorias políticas. O exemplo americano dá-nos uma ideia do que estes grupos anseiam: um governo semi-teocrático onde o teísmo de estado passa a ser a norma, onde a liberdade passa a ser uma palavra oca, cujo único significado é a obediência às leis da maioria crente. Um paraíso onde a religião reina incontestada (ou pelo menos o monoteísmo do médio oriente…).

Num mundo onde esta atitude perante o estado parece cada vez mais comum os religiosos recusam-se a ver os problemas que eles próprios criam. Para eles a moralidade de estado é uma solução maravilhosa desde que seja o seu código a ser vinculado. A existência de pessoas que não partilham o seu código é irrelevante, o facto de o seu código ser imensamente abusivo para as liberdades individuais não os aquece nem arrefece e para culminar tudo isto a completa irracionalidade de todo o seu sistema de crença e organização é negada veementemente, não vá a fé falhar. À medida que as leis da blasfémia voltam a ser implementadas pela Europa e que as religiões voltam à carga no plano político a situação parece má para os que prezam a laicidade (e a liberdade que esta trás).

E é por isso que eu hoje me insurjo e digo: devolvam-me a minha liberdade!! É necessário ter o nosso estado amoral de volta. É preciso negar a autoridade dos políticos de ditar moral aos seus cidadãos. A moralidade do púlpito está morta e não se deve perverter o sistema democrático para a voltar a instaurar (quase consigo ouvir os suspiros nostálgicos de sacerdotes por esse mundo fora…).

Mas como sempre nada é de graça. Em qualquer situação onde há uma liberdade existe sempre uma obrigação/necessidade. É urgente que os cidadãos dos países laicos, de uma vez por todas, tomem a responsabilidade de tomar as rédeas das suas próprias vidas. O pensamento uniforme está morto. E daí a decadência da religião organizada nas zonas onde a liberdade é uma realidade. E para tomar controlo das nossas próprias vidas é preciso começarmos a pensar por nós mesmos e chegar à conclusão que a nossa individualidade é o bem mais precioso que temos e que para o proteger só temos que adoptar um único axioma, uma única norma: e não, não falo do amor (ainda não cedi às baboseiras sentimentalistas do proselitismo barato) falo sim de algo muito mais importante, a regra de ouro de qualquer civilização liberal, a não agressão. Podemos amar ou odiar alguém mas independentemente disso devemos reconhecer o seu direito á individualidade.

«It is grossly selfish to require of one’s neighbour that he should think in the same way, and hold the same opinions. Why should he? If he can think, he will probably think differently.» – Oscar Wilde

Nem mais Oscar.

1 de Fevereiro, 2005 pfontela

A outra face

Da Polónia chega-nos mais uma prova de respeito católico pela liberdade. Neste caso foi a liberdade de expressão que sofreu um golpe. Jerzy Urban editor de um jornal semanal foi condenado a pagar $6500 por publicar um artigo em ridicularizava o papa (o titulo era sugestivamente «Sadomasoquismo Andante» e apelidava o papa de Brezhnev do Vaticano e velho impotente). Um pormenor interessante é que Urban foi o porta voz do último governo comunista polaco (ironias…).

Apesar de podermos concordar ou discordar com as críticas e a escolha de palavras do sr Urban a verdade é que dentro de um país da União Europeia um cidadão foi punido por partilhar uma ideia. A alta popularidade do papa e influência do Vaticano na Polónia tornaram possível este tipo de situação confirmando a opinião de muitos secularistas europeus que o Vaticano não tem qualquer respeito intrínseco pela liberdade e que a outra face que lhe conhecemos em outras regiões é apenas uma contenção que lhe foi imposta pronta ser descartada assim que os ventos mudem.

14 de Dezembro, 2004 pfontela

Prometeu

Rocco Buttiglione, o mártir do momento, dá-nos esta pérola de entrevista.

O homem tem um descaramento e um à vontade com a manipulação da verdade e dos factos que eu só posso dizer: Ratzinger, meu velho, cuida-te porque já estão a preparar o teu sucessor (ou será que ele vai engrossar as listas dos santos?). Jura a pés juntos que não é a favor da discriminação e no entanto afirma que não poderia propor medidas contra a sua fé…o que ele pensava é que conseguia passar as suas atitudes discriminatórias através das legalidades bizantinas que caracterizam todo o funcionamento interno da UE, mas enganou-se, os ventos mudaram e os senhores de Roma não gostaram.

Até aqui nada de novo, mas depois disso a coisa fica mais interessante. Segundo Buttiglione existe uma malévola conspiração com o objectivo de destruir os valores cristãos, mais, os mestres (invisíveis?) desta conspiração querem que todos possam ser como quiserem. Para quem ainda não percebeu, este senhor reclama como direito universal, dentro da liberdade religiosa, vincular uma sociedade inteira às suas crenças, e de discriminar aqueles que não obedeçam – o direito de discriminar. Uma coisa que eu ainda não percebi é como é que se cria uma ortodoxia opressiva e violenta dando liberdade aos cidadãos europeus, mas deve ser mais um mistério como o 3º segredo de Fátima.

Outra curiosidade é como é que nesta sociedade opressiva, em que os cristãos são verdadeiros mártires a lutar contra a gigantesca besta, que são os defensores da liberdade individual, é que ninguém o proibiu de pensar ou de falar (senão não estaria a dar a entrevista).

Termina com uma verdadeira diatribe sobre a sua defesa heróica dos valores europeus (ainda me estou a rir desta) e em que se intitula como defensor do liberalismo e da liberdade de expressão. Agora é que ele me confundiu. O que é que o catolicismo romano tem a haver com o liberalismo? É que eu não estou mesmo a ver…liberdade de pensar? Não. O Vaticano faz isso pelos seus crentes. De agir? Não. O Vaticano trata de criar, através de pressões políticas, medidas discriminatórias contra os que não dobram os joelhos. Se não têm nem permitem liberdade de pensar ou agir qual é a relação com o liberalismo? Ah, já percebi!

São opostos.

11 de Dezembro, 2004 pfontela

«Cristianovitimização»

Desde há uns tempos para cá o Vaticano anda a fazer pressões mais ou menos discretas para conseguir aprovar dentro das instituições internacionais, como a ONU, um novo termo: a «cristianofobia».

Achando que o facto de o judaísmo e o islamismo terem referências específicas na lista da ONU era uma espécie de tratamento preferencial, o Vaticano exige a igualdade com as outras religiões do livro.

Há vários aspectos interessantes nesta exigência:

– O Vaticano não consultou nem os ortodoxos nem os protestantes sobre esta medida, sendo que está a fazer a campanha por conta própria, falando por todos os cristãos do mundo (como nos bons velhos tempos) – mas apesar de não terem sido consultados os protestantes americanos mostram-se muito satisfeitos pois, como bem sabemos, o meio rural americano é intrinsecamente agressivo ao cristianismo.

– Ao mesmo tempo que quer negar direitos a outros (o caso mais escandaloso é o das minorias sexuais), fazendo pressões e acordos (com o diabo?) para que as votações vão no sentido que lhe interessa, exige os mesmos direitos para si mesmo, arrogando-se de minoria em vias de extinção.

Eu sou pela liberdade da e de religião, acho que todos devem poder adorar quem e o que quiserem, e entendo que em certos países (como a Índia ou a China) ser cristão não é fazer parte do status quo e que tais medidas podiam ter um efeito positivo, mas o que eu acho revoltante, e não posso de forma alguma tolerar, é que um grupo que discrimina e promove o abuso de outros tenha o descaramento de vir propor tal medida. Antes de reclamarem protecção internacional se calhar era boa ideia deixar a hipocrisia de lado e olhar para o próprio umbigo.

8 de Dezembro, 2004 pfontela

A lei da blasfémia – a saga continua

Na última semana um dos mais curiosos projectos do governo inglês veio a público. Não de uma forma concreta e oficial mas mais como que um teste das águas da opinião pública.

O projecto de lei é nada mais nada menos que uma proibição de todo o tipo de blasfémia (ou seja, todo o tipo de descrição menos simpática e/ou elogiosa de qualquer crença religiosa). A opinião pública inglesa reagiu de forma negativa a uma medida que considera como uma clara violação do direito individual de livre expressão. O governo bem tenta vender a medida como uma panaceia para a intolerância religiosa mas nem isso parece funcionar.

Mas a reprovação não se ficou pela opinião pública, os partidos da oposição também se mostraram desfavoráveis, os conservadores linearmente opuseram-se e os liberais democratas têm sérias dúvidas sobre tais medidas.

A gota de água foi quando o actor Rowan Atkinson (o famoso Mr Bean e Blackadder) em conjunto com outros comediantes e com a National Secular Society vieram publicamente denunciar a medida pelo que ela é: ineficaz, abusiva e destruidora de direitos básicos de expressão e critica.

Como já mencionei, em comentários que fiz anteriormente, os extremistas religiosos estão a unir-se e a preparar-se para um verdadeiro assalto à sociedade europeia tal como a conhecemos (o fenómeno é especialmente visível no Reino Unido, talvez devido à proximidade cultural com os EUA). Desta vez o governo recuou, dizendo que a proibição não se aplica à comédia, mas ainda não se sabe bem ao que se aplicará, será que voltaremos ao tempo dos censores religiosos e das fogueiras? Não me parece provável que os defensores da ortodoxia religiosa sejam bem sucedidos neste primeiro assalto mas é preciso ter cuidado, estamos a lutar pela sobrevivência de um dos bens mais preciosos que temos, a sociedade secular.