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Onofre Varela

12 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Provada a passividade de Pio XII perante o Holocausto Judeu

A cidade-estado do Vaticano existe desde 1929. Foi criada no dia 11 de Fevereiro pelo Tratado de Latrão entre a Santa Sé e o Reino de Itália, assinado pelo chefe do governo Benito Mussolini, em nome do rei Victor Emmanuel III, e pelo cardeal secretário de Estado Pietro Gasparri que representava o Papa Pio XI.

O mundo vivia, então, um “interregno de guerras”, entre a Primeira Guerra Mundial, que terminou em 1918, e a segunda, que se iniciou em 1939. Exactamente nesse ano de 1939 foi eleito o Papa Pio XII (1939-1958) e a História do Vaticano diz que ele “seguiu uma política de neutralidade” em relação ao conflito armado. Esta neutralidade sempre foi suposta de contar com uma grande dose de passividade do Papa perante o extermínio do povo judeu pelo nazismo de Hitler, mas faltava provar tal suposição.

Recentemente (19/09/2023) o jornal espanhol “El País” noticiou que um arquivista do Vaticano encontrou uma carta onde se prova “o triste testemunho da passividade do Papa Pio XII perante o terror nazi”. A carta em questão foi publicada no fim-de-semana de 16 e 17 de Setembro último no jornal italiano “Il Corriere della Sera”, na razão directa da desclassificação do documento pelo Papa Francisco I em 2 de Março de 2020.

Tal desclassificação permitiu que, da suspeita de que Pio XII sempre fizesse um “inquietante silêncio” sobre o extermínio Judeu pelos alemães, se passasse à certeza da inacção de Pio XII sobre o Holocausto. A carta que alertava o Papa para o crime nazi tem a data de 14 de Dezembro de 1942, foi escrita pelo padre Lother Koenig “um jesuíta que participou na resistência anti-nazi na Alemanha” e enviada ao secretário pessoal do Papa no Vaticano, mas acabou nos arquivos sem que a importância histórica e o dramatismo do seu conteúdo merecessem qualquer acção de Pio XII.

A carta confirmava que cerca de “6000 polacos e judeus eram assassinados diariamente nos fornos crematórios das SS, no campo de concentração de Belzec”, próximo de Rava-Ruska, que fazia parte da Polónia ocupada pelos nazis e hoje se integra no território ucraniano.

A importância deste documento está no facto de “agora termos a certeza de que a Igreja Católica da Alemanha enviou a Pio XII notícias exactas e detalhadas sobre os crimes que se perpetravam contra os hebreus”. Na carta também há referência a outros campos nazis, como Auschwitz e Dachau.

Os defensores de Pio XII dizem que ele “trabalhou nos bastidores para ajudar os judeus, e só não falou para evitar piorar a situação dos católicos na Europa ocupada pelos nazis”. Os seus detractores, pelo contrário, culpam Pio XII “de lhe faltar coragem para falar sobre a informação que possuía”, fazendo orelhas moucas, também, aos pedidos de potências aliadas que lutavam contra a Alemanha, para que fizesse algo em favor dos perseguidos pelos nazis.

Esta desclassificação dos documentos ordenada pelo Papa Francisco I também demonstra outra verdade: a de que no Vaticano existe (agora) o desejo de uma avaliação cuidadosa de tais documentos, a partir da perspectiva científica, sejam quais forem as conclusões a que se chegue, quer elas se revelem favoráveis, ou desfavoráveis, para a História da Igreja.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

9 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

A convicção da crença

Enaltecer a subjectividade é o que faz o partidarismo, seja ele político, religioso, ou de qualquer outra índole. Tomar partido por algo ou por alguém, é colocar-se ao lado de uma corrente de pensamento defensora de um determinado ponto de vista, o qual – quando não é aferido por uma ciência – é, sempre, subjectivo; portanto, apenas diverso do ponto de vista do outro.

As visões contrárias à natureza das coisas, nunca são avalizadas pelas disciplinas científicas que as estudam. Ninguém pode negar que dois mais dois são quatro… a Matemática garante-o sem lugar a dúvidas nem a subjectividades. No quadro científico ninguém pode afirmar que dois mais dois são cinco (embora os sofistas o possam fazer… mas é logro!).

A garantia de que Deus existe ou que não existe, tem por base a crença ou a descrença, e não passa de uma convicção. Se não houver uma disciplina científica que garanta estar a verdade de um dos lados, a subjectividade faz lei para qualquer afirmação, e cada um defende a sua com a mesma licitude.

A ideia de Deus permite várias interpretações e discussões, desde logo sobre a sua estranha natureza que não define nada de real, de concreto, nem de palpável (não passa da ideia que é).

Todos nós temos direito às nossas ideias e convicções, bem como à sua defesa. A defesa de uma convicção só pode ser rotulada de desonesta se o seu defensor tiver consciência da “inverdade” que apregoa; e só é vigarice se, conscientemente, ele quiser comprar a concordância do outro sabendo que lhe está a vender gato por lebre.

Quando o defensor de uma ideia está convicto daquilo que defende, porque acredita naquela forma tal como a descreve, não concebendo outra imagem para aquilo que é a sua convicção, presumindo estar com a verdade, o defensor dessa ideia é honesto nas suas afirmações e deve ser respeitado na “sua verdade”… embora possa estar errado!…

Para o não crente, aquilo que para si “é erro” tem a defesa do crente como sendo a maior verdade da sua vida! Assim é a convicção religiosa quando afirma a existência real de uma divindade lendária.

Cá por mim, duvido da honestidade intelectual da maioria dos sacerdotes… porque, sendo eles detentores de um intelecto imensamente superior ao do crente de base – o qual frequenta a igreja alimentando e consumindo missas – tem um discurso de fé que o fiel ouvinte das suas palavras não descodifica… mas crê que sim… que é assim mesmo como o sacerdote diz e ele não entende!…

Penso que, muito provavelmente, o intelecto do sacerdote lhe sussurrará ao ouvido, muito baixinho: “estás a ludibriar os fiéis!…” mas é com isso que ele enche a barriguinha e se rodeia de mordomias!…

Porém, nem todos os sacerdotes se deixam cegar pelas mordomias… estou a lembrar-me de um, o Padre Mário de Oliveira: o meu malogrado Amigo, conhecido por Padre Mário da Lixa.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

7 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

“República laica” muito sui generis

A Igreja dominou Portugal durante toda a Monarquia desde a sua Fundação – com o primeiro rei em 1143 – até depois da implantação da República, quando, a 20 de Abril de 1911, entrou em vigor a Lei de Separação da Igreja do Estado, completando 768 anos de regime Católico (quase oito séculos).

Sete anos depois (1918) Sidónio Pais reviu a Lei da Separação dos poderes políticos e religiosos, restabelecendo relações diplomáticas com a Santa Sé, o que se conservou até à Constituição da República Portuguesa de 1976 (saída da Revolução de 25 de Abril de 1974) que reimplantou a Lei da Separação da Igreja do Estado, no seu Artigo 41 § 3 (Constituição da República, 1ª Edição, 1976) – mas mantendo as relações diplomáticas com a Santa Sé – acrescentando mais 58 anos ao domínio da Igreja em Portugal, totalizando 826 anos de “Reinado Católico Lusitano”.

Hoje vivemos num regime político republicano e laico, que nos foi oferecido há 47 anos pela Constituição da República. Não é muito tempo. Meio século foi ontem… ainda cheira a pintado de fresco… ao contrário, oito séculos foi há imenso tempo. Nas tradições religiosas é natural que o espírito de fé dos Portugueses se mantenha, hoje, como sempre foi… embora não tão fundamentalista como o teríamos durante toda a Idade Média e a Renascença… mas, com toda a certeza, muito mais consciente.

O que me parece curioso em toda esta História é a nomenclatura de estabelecimentos de saúde referir, no nosso tempo, tantos santos e tantas santinhas, neste país governado por uma República Laica!… Até parece que, em vez da “Previdência Social”, nós temos a saúde entregue à “Santa Providência”! Ora vejam lá esta lista dos nomes que temos no Parque Hospitalar do Serviço Nacional de Saúde:

Santa Maria (Barcelos e Lisboa); São Marcos (Braga); São José (Fafe e Lisboa); Nª Sª da Oliveira (Guimarães); São João de Deus (Famalicão); São Gonçalo (Amarante); Santo António (Porto, e o dos Capuchos, em Lisboa); Srª da Conceição (Valongo); São João (Porto); Santa Luzia (Viana do Castelo e Elvas); Nª Sª da Ajuda (Espinho); São Sebastião (Vila da Feira, ou Santa Maria da Feira, como agora se diz); Arcebispo João Crisóstomo (Cantanhede); Santo André (Leiria); São Teotónio (Viseu); Santa Marta (Lisboa); S. Francisco Xavier (Lisboa); Santa Cruz (Carnaxide); Nossa Senhora da Graça (Tomar); Nª Sª do Rosário (Barreiro); São Bernardo (Setúbal); São Paulo (Serpa); Espírito Santo (Évora); Santo Espírito de Angra do Heroísmo e Hospital do Divino Espírito Santo (Arquipélago dos Açores).

Nas escolas observa-se o mesmo fenómeno nos nomes escolhidos para os vários Estabelecimentos de Ensino. No Porto encontrei o “Externato das Escravas do Sagrado Coração de Jesus”… só o nome arrepia!… Qual é o pai que confia a sua filha a uma instituição com tal designação?!…

Somos uns “republicanos laicos” muito civilizados, sensíveis e condescendentes (sinais de inteligência superior), e também personificamos um raro exemplo de uma sã convivência… sublinhando a inteligência do parêntesis!…

Haverá quem diga que não?!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

5 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Ser-se como se é

Há sempre razões para cada um ser como é e não de outro modo. Nada acontece por acaso. O próprio acaso, por si só, é o resultado da soma de “vários acasos”. 

O “acaso” é como a tinta na paleta de um pintor quando consegue a cor verde misturando azul com amarelo. Mas o verde assim conseguido não é um acaso fortuito… é sempre o resultado lógico de reacções físicas, químicas e matemáticas. Se cada cor tivesse menos ou mais quantidade, já o verde conseguido (o “acaso” que daí resultava) seria outro!…

As razões de sermos como somos, encontram-se no tempo imediatamente anterior a nós e repousam no fundo da arca da nossa vida. Se remexermos nela encontramo-las. Depois delas vêm outras como, por exemplo: realidades geográficas, sociais e antropológicas do meio que nos envolve (ou envolveu), ensinamentos familiares, oportunidades de vida, percursos académicos e profissionais, interesses particulares e mera curiosidade, são algumas delas, que nos formatam e às quais não se consegue fugir… acrescentando-se a inevitável e primordial transmissão genética que faz parte do processo. 

Todos estes elementos são responsáveis pela construção e formatação intelectual de cada um. Ninguém nasce crente ou ateu, do mesmo modo que não se nasce a falar ou a saber ler. A linguagem aprende-se no seio familiar desde o berço… e os credos religiosos também, na consequência directa das características do cérebro que possuímos e nos impele à busca do conhecimento… o qual tem um número imenso de portas… cabe-nos a escolha das que vamos abrir!… 

No meu caso particular, sou filho de pai nascido em 1912, quando a República Portuguesa ensaiava os primeiros passos (a escolha do tema para esta prosa surgiu-me a 5 de Outubro, na passagem do 113º aniversário da vitória dos republicanos sobre a Monarquia). Talvez por isso cresceu republicano e anticlerical, que era a característica da Primeira República. Muito provavelmente o anticlericalismo também seria uma característica filosófica do seu pai, já que o nosso pai é, na maioria das vezes, a primeira fonte onde vamos beber o conhecimento e cujas atitudes copiamos. No caso, o meu avô era operário da indústria de panificação, um meio profissional onde cabia o descontentamento pela política praticada e pela ditadura religiosa acoplada à Monarquia, cuja filosofia ainda pairava no espírito Português no início da República. 

A minha mãe (de apelido Pereira; logo, Cristã-Nova), nascida em 1923, pertencia a uma família católica. Crente, não tinha o hábito de ir à missa. Só o fazia quando entendia e podia, e não tenho memória de alguma vez a ter visto a caminho da igreja se não houvesse funeral, casamento ou baptizado (excepção feita após enviuvar, quando passou a assistir a missas com alguma regularidade). Por esta amostra se vê que o culto religioso não era coisa normal lá em casa. Nem normal, nem anormal… simplesmente… não era!

Familiarmente ensinaram-me o respeito devido aos outros e à Natureza. Cumprimentar e sorrir, falar com educação, não derrubar árvores ou arbustos nem pisar flores dos canteiros e jardins, e não maltratar animais, foram os primeiros ensinamentos caseiros de que tenho memória, dos quais nunca fez parte a Religião na sua vertente seguidista de um credo… foi porta que nunca abri.

Agradeço aos meus pais o facto de não me terem lavado a cabeça com banhos de religiosidade deísta, permitindo-me ter pensamento próprio para raciocinar de acordo com a lógica natural do Ser Humano que sou, e de me orientarem no sentido cívico da postura cidadã e ética laica universal. 

Muito obrigado, meus queridos pais.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

2 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Falar “contra” ou falar “sobre”, ou, “Todos diferentes, todos iguais”

Ter pensamento próprio e não calar, é tarefa que pode causar dissabores a quem possui tal característica. Há quem não tenha sido “desenhado” para o exercício do pensamento crítico e por isso não reconheça o valor que tem falar livremente, liberto das amarras da ditadura da tradição.

As tradições, sendo respeitáveis, também podem (e devem) ser questionadas. No lote das tradições incluem-se as que são defendidas por associações religiosas e seitas aparentadas, na obediência a um credo comportamental. Há quem não conheça outra liberdade para além da “liberdade de obedecer”, que é sempre cómoda por se enquadrar nas explicações oficiais internas do grupo a que pertence… mas não mostra outros caminhos, afirmando que há “apenas um caminho”; aquele que o seu grupo indica!…

Recentemente (23 de Setembro) Miguel Esteves Cardoso, na sua crónica diária do jornal Público, com o título “Ainda ontem”, dissertou “Contra a obediência”, congratulando-se pelo facto de, no Reino Unido, a obediência dos jovens estar em queda livre desde há um quarto de século. Mencionou o lema dos movimentos hippy dos anos 60 e Punks dos anos 70 que, numa tradução livre e jocosa, referiu como “recusa-te a fazer aquilo que os mais velhos querem que tu faças”, na tentativa de ferir de morte o culto à obediência cega.

Obedecer cegamente é o que, desde sempre e até hoje, os ditadores esperam dos seus povos, quer a ditadura seja de pensamento político ou religioso. Os chefes da nossa tribo (de todas as tribos) anseiam por nos controlar o pensamento. A desobediência é a solução que, partindo das franjas sociais mais livres e progressistas (habitualmente as mais jovens) constrói a modernidade (ou fornece matéria para a sua construção) mostrando que o “nosso” pensamento não é o “deles”. Quem usa o saudável raciocínio próprio, recusando bitolas padronizadas pelas tradições e usadas nas “histórias oficiais”, corre sempre vários riscos. Um deles é colarem-lhe o rótulo (já tão velho de usado) que o acusa de “falar contra” determinada matéria, quando, na verdade, apenas “fala sobre” ela!

Se os meus textos “sobre a Religião” são interpretados como sendo “contra a Religião”… será uma leitura abusiva por ser pouco atenta, não coincidindo com a intenção que a produziu… embora possa coincidir com o espírito religioso do leitor que, preconceituosamente, me julga “contra” a sua fé, e não como um “crítico” da sua fé (a diferença é abissal!).

Neste esquema retórico, o termo “contra” é usado por quem defende determinado pensamento, tendo dificuldade em aceitar discurso diverso do seu. Há até quem, na superlatividade do seu radicalismo, reaja com violência perante ideias diferentes das suas. Tal é o caso dos extremistas islâmicos, muitos dos quais são, apenas, assassinos que nunca passam dessa triste e desumanizada figura.

Dizer algo diferente do discurso habitual dos crentes que repetem o que ouviram nos bancos das madrassas, das catequeses, das juventudes partidárias e de outras organizações aparentadas que lhes moldaram o pensamento… é “falar contra”!…

No desporto acontece o mesmo fenómeno indiciador da menor atenção sobre o outro, substituindo a frase “jogar com”, pela tão usada e podre de agressiva “jogar contra”! É uma atitude que demonstra, desde logo, falta de desportivismo, sobrando-lhe em demasia o pensamento tacanho do confronto, tantas vezes destruidor do saudável espírito desportista.

Na minha experiência de abordar o espírito religioso indagando sobre ele, tenho aprendido com a fé dos outros… e da boca de um amigo religioso já ouvi, sobre o meu discurso: “curioso!… Nunca tinha pensado no tema sob esse ponto de vista!…”. Isto pode querer dizer que o melhor das relações humanas é a aprendizagem mútua… e para isso é preciso ouvir o outro, entender o que ele diz e raciocinar sobre o que ouviu.

Estar com o outro (em vez de “contra ele”), mantendo conversa sobre assuntos em que, naturalmente, cada um tem entendimento diverso, é a aprendizagem da vida em sociedade saudável, onde é imprescindível a existência do respeito mútuo pela diferença que há na igualdade (Todos Diferentes, Todos Iguais).

Se assim não for… eclode a guerra que os melhores de nós repudiam e querem evitar… sendo certo que nas cadeiras do poder das sociedades que nos governam, muito raramente estão sentados os melhores de nós!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

29 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Mais uma atitude positiva do Papa Francisco – I

A seita de extrema-direita católica denominada Opus Dei (OD) nasceu na mente do beato Balaguer em 1928 e teve o seu desenvolvimento durante o Franquismo. Admirador confesso de Hitler e de Francisco Franco, o padre Balaguer odiava republicanos e comunistas. Disse, um dia, que “era um exagero afirmar que Hitler tinha matado seis milhões de judeus”… pois, na sua opinião, “Hitler não era mau. Só tinha matado três ou quatro milhões” (?!). 

O Papa João Paulo II (JP2) promoveu a seita OD por dívidas de gratidão que contraíu com Balaguer por ter sido fornecedor de dinheiro ao Vaticano nos momentos difíceis. Durante o seu papado a OD tomou excessiva dimensão dentro da Igreja, o que não era bem visto por muitos bispos… e, provavelmente, nem o próprio Balaguer teria imaginado ter sido possível conseguir tanto poder dentro da Santa Sé.

A OD sempre funcionou com secretismo na aproximação aos poderes políticos e económicos dos países onde se estabelece, assumindo atitudes semelhantes às acções desenvolvidas pelos partidos da Direita, incluindo os não democráticos. A seita está hoje presente em 68 países e, segundo as suas próprias informações, é composta por cerca de 93.500 membros laicos e 2000 sacerdotes (El País Semanal de 27/08/2023). 

Não é possível confirmar estas declarações exactamente pelo secretismo em que a OD está envolvida. O seu património não é totalmente conhecido pelas mesmas razões, mas sabe-se que é imenso. A “Obra” (termo com que os seus membros gostam de referir a seita), está muito bem implantada na Europa e na América Latina, possuindo vários estabelecimentos, desde grandes empresas a Universidades. Eu próprio tenho um certificado de uma formação de jornalista que fiz no Centro de Formação de Jornalistas, no Porto, em Junho de 1995, ministrada pela Universidade de Navarra que pertence à OD. 

Os Jesuítas nunca foram “às missas de Balaguer” nem aprovam a imagem do “santinho” já colocada numa parede do Vaticano. Recentemente (8 de Agosto último) o Papa Francisco I promulgou leis que retiram à OD a excessiva influência que JP2 lhes conferiu e que mantinha na Igreja desde há 50 anos. Os observadores da Igreja vêem nesta atitude de Francisco o epílogo de crescentes tensões entre a organização conservadora OD, e os Jesuítas que (muitos dos seus membros) têm uma visão mais progressista da Igreja.

Com este “motu próprio” de Francisco, a seita Balagueriana fica impedida de ordenar sacerdotes, e o seu máximo responsável não pode ser bispo. Perde independência e tem de prestar contas ao Vaticano. 

Esta é mais uma atitude positiva de Francisco I a merecer o aplauso dos ateus pela decência nela contida. 

Embora os ateus não façam parte da Igreja (logo, não teriam direito à opinião sobre as coisas internas do culto), na verdade fazem parte da sociedade onde a Igreja Católica se estabelece… por isso não podem alhear-se dos fenómenos sociais que, em algum momento, acabam por tomar parte da vida de todos nós… ateus incluídos. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

26 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Estórias de Jesus

Em Novembro de 2012 foi lançado no mercado um livro biografando Jesus Cristo (o terceiro de uma colecção de três), da autoria de Ratzinger, então Papa Bento XVI. Convenhamos que Jesus Cristo, enquanto personagem histórico, é dono de uma biografia difícil, se não mesmo impossível, de escrever. Já na versão de Homem-Deus, as coisas estão facilitadas… por aí podemos dizer dele os maiores dislates que, se não ofenderem os crentes e roçarem as estórias contadas pelos evangelistas e propagadas pela Igreja durante dois milénios, não as contrariando, essas narrativas ficcionadas serão tomadas como a mais alva pureza das realidades.

Uma biografia tem de partir de um ponto de vista histórico. Não há outro modo de a fazer que não seja relatar os episódios que fizeram a vida real de uma pessoa concreta. Se a obra ultrapassa esta baliza, deixa de se denominar biografia, para passar a ser ficção, romance, ensaio, romance histórico, biografia ficcionada ou… expressão de fé… que é aquilo que a obra de Ratzinger é: a expressão subjectiva da sua fé em Jesus Cristo. E só assim deve ser entendida.

Enaltecer a subjectividade é o que faz o partidarismo, seja político ou religioso. Tomar partido por algo ou por alguém, é colocar-se ao lado de uma corrente de pensamento, por muito que a racionalidade e a História possam garantir o erro dessa corrente. As visões contrárias à natureza das coisas nunca são avalizadas pelas disciplinas científicas que as estudam… por isso a História não garante que seja verdadeiro o teor da maioria dos livros biografando Jesus, os quais não contêm História, mas sim estória (conto popular ficcional… como é a Estória da Carochinha!).

A afirmação de que Deus existe tem por base a crença, não passando de uma convicção. A ideia de Deus permite várias interpretações e discussões, desde logo a sua estranha natureza, até à necessidade que dele muitos sentem e dependem, em consequência dos banhos de religiosidade de que foram vítimas na infância.

Todos nós temos direito às nossas convicções, e a defesa de uma convicção só pode ser rotulada de acto desonesto se o seu defensor tiver consciência da “inverdade” que apregoa; e só é vigarice se, conscientemente, ele quiser comprar a concordância do outro, sabendo que lhe está a vender gato por lebre. Quando o defensor de uma ideia está convicto daquilo que defende, presumindo estar com a verdade, ele é honesto nas suas afirmações e deve ser respeitado na “sua verdade”.

Por isso aceito a subjectividade de Ratzinger, embora não concorde com ele. E todos nós sabemos, pela História, que através dos tempos o Ser Humano conseguiu a audácia de criar fundamentos intelectuais que lhe permitiram direccionar o seu entendimento para a interpretação naturalista, distanciando-se dos mitos que as religiões defendem como verdade e dos quais se alimentam.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

24 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Da ciência e da religião.

Falar de Ciência e de Religião é como falar de chá e de vinho. Não são a mesma coisa… mas ambos contêm água!

O leitor mais avisado, seja religioso, agnóstico ou ateu, que não detenha um pensamento fundamentalista e pretenda ser coerente com as coisas que ao mundo e ao Homem pertencem, saberá que desde a origem da Humanidade surgiram tantas religiões como idiomas; umas cem mil… e todas elas sempre foram afirmadas como únicas e verdadeiras.

E também poderá apontar atitudes de crença como sendo indutoras de calma e de paz que lhe mostram a “divina graça da criação”… a mesma calma e a mesma paz que o cientista encontra no final do estudo que lhe mostra a realidade das coisas naturais, baseado na verdade científica dispensando credos religiosos.

Credos que construiram uma espécie de “estrada do conhecimento” que nos serviu de percurso na construção da História do Pensamento, permitindo-nos o “entendimento” da criação do mundo e da criação do Homem modelado em barro, mais o paraíso e o próprio conceito da vida para além da morte como negação do natural fim que recusamos contrapondo-lhe a ideia que criamos da “vida eterna” baseados na fé.

O raciocínio que nos mostra a mesma água contida no chá e no vinho… é que faz a diferença!…

O sabor final de cada uma das bebidas, mais os efeitos que cada uma produz em nós, são tão diversos, como diversos são o saber e o crer. Mas não é absolutamente necessário abandonar um para seguirmos no caminho da vida carregando, somente, o outro. Na nossa mala de viagem cabem os dois.

O chá não substitui o vinho, tal como o sal não substitui o açúcar… mas há um lugar próprio nas prateleiras da nossa cozinha (e da nossa mente) para ambos… o que não devemos é misturá-los!…

Se há religiosos para quem a narrativa do Génesis não ultrapassa o mito que é (não misturando sabores), esses constituem uma minoria… não integram a massa compacta de crentes que se arrastam em lugares ditos sagrados e que aceitam a Bíblia como História, confundindo os frascos na prateleira.

Afirmar a crença como substituto do conhecimento científico, pode conduzir a caminhos tão escuros como os que levaram Donald Trump à presidência dos EUA… país onde, numa sondagem do jornal “USA Today”, há uma vintena de anos, se garantia que 60% dos norte-americanos reivindicavam o ensino do Génesis bíblico nas escolas, em substituição do Evolucionismo de Charles Darwin!

Quando se junta a crença à crise de intelecto, procura-se apoio nas santinhas de altar e na mesa pé-de-galo da bruxa e da cartomante-adivinhadora das televisões, desacreditando a informação científica. O raciocínio religioso de uma grande parte de nós é muito primitivo… e isso é coisa que me inquieta, tanto mais quando penso nas palavras do físico e prémio Nobel Steven Weinberg: “Com ou sem religião sempre haverá gente boa fazendo coisas boas e gente má fazendo coisas más, mas para que gente boa faça coisas más faz falta a Religião”.

No nosso percurso pela estrada da vida, o desencontro das ideias de Ciência e de Religião já levou a alguns confrontos, mas hoje essas atitudes bélicas não têm razão de ser. As duas disciplinas pertencem a diferentes campeonatos… nunca jogam juntas nem disputam a mesma taça. Devemos arrumar cada uma no seu devido lugar nas prateleiras do nosso Conhecimento.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

22 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

Crer ou não crer

Um dia perguntaram ao filósofo Agostinho da Silva : “Acredita em Deus?” Ao que ele respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta! Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir a essa negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque é que estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento, caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que “eu conheço” do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real para além do conceito que é, nem fora da mente de quem o afirma.

A figura de Deus apregoada pelas religiões é definida como um ser espiritual, mas que tem personalidade e forma material (a crer na Bíblia, reuniu com Moisés para lhe entregar as tábuas da lei), que produz milagres e orienta os homens, que castiga e premeia, que dá e tira, e que reina num universo paralelo onde nos espera depois de morrermos para nos premiar com felicidade eterna, ou nos condenar também eternamente (o que é uma maldade!…).

Este deus, pintado assim, desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto saudável, definitivamente, não pode existir. As leis da física e da química não permitem a existência de um ser, ou coisa, com tais poderes!

As opiniões que contrariam a fé dos crentes costumam incitá-los à recusa imediata da opinião do outro, sem qualquer raciocínio crítico que os pudesse levar a comparar ideias antes de negarem o “incrédulo demoníaco”. Esta atitude só é tomada por quem não está preparado para enfrentar tal raciocínio, mas que, pelo contrário, está programado para o recusar liminarmente.

Seria mais razoável se os crentes enfrentassem os factos contrários à sua fé com capacidade analítica e concluíssem depois. Acredito que se assim fizessem, as crenças religiosas perderiam a maioria dos seus adeptos por terem adquirido conhecimentos mais avançados do que o primitivo “saber religioso” adquirido pelos Homens da Idade do Ferro, bem antes de haver um pensamento científico, mas que hoje ainda é consumido desregradamente…

A fé da medievalidade do pensamento ainda habita cérebros sem o critério científico que alimenta a dúvida e incita à procura, mau grado os diversos meios de conhecimento que a modernidade tem ao dispor de todos nós. A crença “pura e dura”, numa primeira análise “a frio”, não é compatível com a nossa época. Na crença entregamo-nos ao sonho mais inconcretizável e à simulação, convictos de estarmos com a verdade.

(Advertência: “Crença” não é sinónimo de “Ignorância”. O Crer e o Saber co-habitam pacificamente no mesmo cérebro sem conflituarem. Ignorantes todos nós somos, começando pelos cientistas… que só procuram e investigam, porque sabem que não sabem!… Se soubessem que já sabiam, não se davam a tal trabalho. A crença e o conhecimento científico têm vasos comunicantes e não se deve partir do raciocínio simplista [e errado] de que o crente é detentor de menor inteligência por garantir saber, desconhecendo que não sabe. A “Sensibilidade” de cada um é pedra fundamental na construção do nosso pensamento… e também tem direito a ser atendida nesta questão).

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

21 de Janeiro, 2024 Onofre Varela

SOBRE JESUS CRISTO

Acabamos de viver mais uma quadra festiva integrando o Natal e a Passagem de Ano, duas datas emblemáticas para as culturas ocidentais. A primeira delas, considerada a Festa da Família, transporta uma carga religiosa conotando o dia 25 de Dezembro com o nascimento de Jesus Cristo (JC). 

O que se sabe de JC é o que os Evangelhos nos contam. Referências históricas que confirmem os relatos dos evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João, não existem.

Perante a falta de fontes históricas credíveis, podemos considerar a existência de “dois Jesus Cristos”: o JC histórico e o JC mitológico. Do Jesus histórico pouco se sabe… e do Jesus mitológico há bibliotecas imensas sobre ele, que o afirmam Deus e que operou milagres, o último dos quais foi a sua própria ressurreição e a subida ao céu!

A vida real do Jesus Cristo histórico será bem mais prosaica, mais terra-a-terra e muito mais humana, do que a fórmula mitológica com que a contam as várias Igrejas inspiradas nos Evangelhos que foram escritos algumas dezenas de anos depois de JC morrer, e não passam de narrativas na fórmula “alguém disse que ouviu dizer”.

Jesus Cristo foi um rebelde que ascendeu à condição de personagem histórica com maior repercussão na História da Humanidade nos últimos dois mil anos, chegando a condicionar a vida, a Arte, a Cultura e os costumes de milhões de pessoas. Aceite como Deus, em seu nome se mataram inocentes, e muitos dos seus seguidores perderam a vida na propagação da sua fé.

Jesus Cristo é, incontornavelmente, a figura mais poderosa na história da civilização ocidental. Jesus nasceu e viveu no local e no tempo certos.

Se tivesse vivido na Alemanha nazi, teria sido morto nos fornos crematórios de Hitler, anonimamente, entre milhares de outros judeus. 

Se tivesse nascido na União Soviética de José Staline, teria sido enviado para a Sibéria e fuzilado entre tantos infortunados filhos da mãe Rússia. 

Se tivesse nascido na América Latina das ditaduras protegidas pelos EUA, teria sido um guerrilheiro camarada de Che Guevara, em luta contra o imperialismo americano (que o adora), e seria assassinado numa emboscada montada pela CIA numa selva da Bolívia. 

Se tivesse crescido na China de Deng Xiaoping, enfrentaria o exército e os tanques na praça Tiananmen, seria preso e rapidamente julgado por um Pilatos de olhos em bico que o condenaria à morte. A bala que lhe perfuraria a nuca teria de ser obrigatoriamente paga pelo seu pai carpinteiro. 

Se fosse português desempregado no Portugal governado por Passos Coelho e Paulo Portas, e presidido por Cavaco Silva, manifestava-se ruidosamente contra as atitudes do governo e o silêncio do presidente, e os responsáveis pelo seu desemprego apontavam-lhe a fronteira para que emigrasse. 

E se vivesse hoje no seu próprio território natal, a Palestina, era contestatário dos colonatos judeus e seria assassinado pela fúria criminosa dos soldados de Netanyahu na vaga de ódio que promove o genocídio do seu Povo Palestino… com a aprovação dos EUA, que o adoram!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV