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Onofre Varela

5 de Março, 2024 Onofre Varela

Fundamentalismos e “Verdades Falsas”

As relações entre os Homens nunca foram fáceis. Jamais o serão. Manifestam-se mais complicadas na Política por ser a “arte de governar povos”… a qual nunca foi pacífica. Cada grupo social ou político (às vezes, até, cada elemento da mesma família na mesma casa) tem a “sua verdade”, apregoada como oposta à “verdade dos outros”. Todos os partidos políticos querem (ou dizem querer) o melhor para o país (às vezes só para um extracto social), estando em total desacordo com as práticas de outros partidos que, mesmo apregoando a defesa dos mesmos interesses, usam modelos não coincidentes. Cada um considera-se detentor da verdade que imagina, e garante, ser única… e sua!

Quando se trata de aferir a verdade sobre qualquer tema, o modo de o conseguir com realidade só se encontra na “explicação científica”. Porém, em Política a “verdade” não é de cariz físico nem químico… é uma “filosofia gestora”, e cada um defende a sua com a mesma legitimidade do outro. A “verdade” apregoada por cada um, será aferida pela prática da filosofia publicitada, o que só acontece depois de sufragada… e muitas vezes revela-se um fracasso para o Povo que votou nela, ao constatar que foi enganado… e aprendeu tarde!

Quanto à “explicação científica”… ela também pode estar submetida a uma certa dúvida e por isso a porta da explicação nunca é fechada definitivamente, já que a todo o momento pode haver uma investigação, um achado ou uma observação, que venha alterar aquilo que, até aí, era “a verdade” sobre aquele assunto.

As religiões também se apresentam como “filosofias da Verdade”. Esta “Verdade” (com inicial maiúscula, porque divina) é das “verdades mais mentirosas” que eu conheço… imensamente mais do que as políticas!

No campo da Religião a verdade nunca é científica. Por exemplo: não é verdade Maria ter engravidado sem relações sexuais, porque a natureza da gravidez só dispensa o acto sexual se for conseguida em laboratório por inseminação artificial (o que não podia ter sido o caso de Maria). Do mesmo modo, Jesus nunca poderia ter ressuscitado se estivesse morto… se “ressuscitou”… estaria no estado de coma?!… Não é verdade a transformação da água em vinho, nem a multiplicação dos pães, nem o caminhar sobre as águas. Trata-se de narrativas fabuladas… e até são bonitas!… Mas não configuram realidades históricas.

Também não é verdade que santinhas e santinhos possam intermediar curas milagrosas levando o pedido a Deus, o qual, com o seu poder sulfamida curativo à distância, resolve o problema do olho da senhora Guilhermina que foi todo queimadinho com azeite a ferver! Se esta intermediação fosse verdadeira, tínhamos “no céu” o mesmo efeito parasitário das “cunhas” que tão bem conhecemos cá na Terra… o que, convenhamos, não é digno de um deus… ou será?!…

E depois há a própria ideia de Deus… que, assim, tal e qual como o inventado deus é pintado pelas religiões que o criaram e adoram, não passa de um aborto mal parido, de existência real impossível de ser concretizada, já que as leis naturais da Física e da Química não só o permitem, como até o contradizem!

Os Fundamentalismos não passam de colecções de “verdades falsas” impossíveis de confirmação, mas, curiosamente, são sempre apregoadas com o estatuto de verdadeiro e acrescentado da qualidade de “única Verdade”, tanto na filosofia religiosa apregoada por credos transformados em igrejas, como na filosofia social apregoada por credos políticos transformados em partidos com laivos de Religião deísta à mistura, quando se consideram uma espécie de “salvadores da Humanidade”.

Mas não se pense que o Ateísmo escapa a esta análise!…

Os ateus também contam com os seu fundamentalistas! Não são só os profundamente crentes que detêm tal estatuto… os profundamente descrentes também podem usá-lo!

Foto de Sara Calado na Unsplash

Assisti a uma manifestação fundamentalista de um companheiro ateu que criticou o modo de trajar de uma muçulmana por quem nos cruzamos na rua. Aquela senhora (com toda a legitimidade) vestia de acordo com a prática típica do grupo social, antropológico e étnico a que pertencia. O meu amigo, ao insurgir-se contra aquele modo de vestir (com a intenção de atingir criticamente uma Religião) esqueceu-se que vociferava contra uma vestimenta regional… que naquele caso era muçulmana, mas pertencia à mesma característica inserida numa etnia, que poderia ser de uma peruana, de uma sevilhana, de uma vianesa, de um campino do Ribatejo, de um sargaceiro da Póvoa ou de um pauliteiro de Miranda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

4 de Março, 2024 Onofre Varela

Opus Dei proíbe 79 livros de autores portugueses

De entre as particularidades radicais da Santa Inquisição contava-se a censura literária. Através do “Index Librorum Prohibitorum”, a Igreja proibiu a leitura de uma lista de livros, e quem os lesse seria perseguido e julgado. O nazismo de Hitler fez o mesmo, queimando livros em fogueiras públicas. Mais recentemente, em 2019, o Conselho Escolar Católico de Providence, no Canadá, repetiu a acção nazi da destruição de livros, queimando Banda Desenhada de Astérix, Tintim, Lucky Luke e Pocahontas, alegando conterem ideologia racista!…

A primeira das “listas negras” de livros, foi publicada em 1559 pelo papa Paulo IV (teria sido uma das suas últimas acções, pois morreu em 18 de Agosto do mesmo ano), e no decorrer de toda a história da Inquisição a lista foi editada 32 vezes, sendo extinta em 1966 por outro Paulo, o papa Paulo VI.

Hoje, neste nosso tempo tão moderno e no nosso país tão democrático e defensor das mais amplas liberdades, continua a haver listas de livros proibidos elaboradas por homens de fé. Recentemente tive conhecimento de uma: o “index” da seita vaticana Opus Dei (OD), contemplando autores como Eça de Queirós, José Saramago e Lídia Jorge, entre muitos outros. Em notícia assinada pelo jornalista Rui Pedro Antunes e publicada na edição do “Diário de Notícias” do dia 28 de Janeiro de 2013, à data, este rol de livros proibidos, contemplava 33.573 títulos (de entre os quais, 79 de autores Portugueses)!…

Esta atitude censória só pode ser tomada por quem não dá conta de que “o fruto proibido é o mais apetecido”… o que impede (ou pode, ou devia, impedir) o êxito da proibição, promovendo a sua crítica como reacção lógica de um espírito livre e decente.

Autores e especialistas portugueses mostraram-se indignados por a OD proibir a leitura de tais obras. Lídia Jorge diz que a Opus Dei deveria ter vergonha de usar tal tipo de listagem que também é arrasada pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Pilar del Río, presidente da Fundação Saramago e viúva do escritor, classifica este índice de “grosseiro e repugnante”, deixando várias críticas à OD: “É uma organização a que chamamos seita porque somos educados. Por acaso, eles não são.” Pilar revela ainda que Saramago nunca escreveu sobre a OD por não lhe atribuir qualquer importância e dignidade, e mostra-se ainda chocada pelo facto de haver “quem se submeta à irracionalidade das seitas”.

Lídia Jorge, que tem as suas obras “Costa dos Murmúrios” e “O Dia dos Prodígios”, inscritas na lista, confessou-se “chocada”. Disse que os membros da seita deviam ter “vergonha”, e classificou os autores da listagem de “gente retrógrada e abstrusa”. “São pessoas que desprezo porque se armam em mentores, em guardas morais, quando, no fundo, revelam uma ignorância absoluta sobre o papel da literatura.”

O presidente da SPA, José Jorge Letria, disse ao DN que “repudia a lista porque é atentatória da liberdade de expressão. Somos contra listas negras, sejam religiosas ou políticas”. Porém, Jorge Letria não se sentiu surpreendido com tal lista por saber que “corresponde à pior tradição das práticas da Igreja Católica, que nos faz lembrar a Inquisição”.

Quem está na lista e já não se pode defender, é Eça de Queirós, com os livros “A Relíquia”, “O Crime do Padre Amaro” e “O Primo Basílio”, que tiveram a honra de subir ao mais elevado nível de proibição. O antigo diretor da Biblioteca Nacional e especialista na obra queirosiana, Carlos Reis, assume a defesa do escritor, considerando que “qualquer lista de livros, ou similar, que contribua para limitar o acesso das pessoas à informação e à cultura é, por princípio, inaceitável”. É um procedimento “contrário a princípios fundamentais” e “abre caminho a repressões ou, no mínimo, a uma ‘vigilância’ que nenhuma religião ou ideologia tem o direito de impor”.

Porém, perante a lei, a lista é legal… pois qualquer associação é livre de, internamente, aconselhar a leitura de um livro aos seus associados, ou recomendar a não leitura de qualquer outro. Cabe a cada um dos associados usar o seu critério pessoal em detrimento do critério colectivo imposto pela seita a que se associa… o que, sabe-se, pode ser tarefa impossível… pois quem se habitua à “rédea curta” de uma ideologia ditatorial, ignora a liberdade… começando pelo uso da sua própria liberdade de pensar e de escolher.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

1 de Março, 2024 Onofre Varela

“Igrejas para Ateus”

Recentemente fui surpreendido com este mesmo título numa notícia de jornal virtual. Imaginei ser uma piada sobre associações de ateus… mas não… ao que parece são mesmo igrejas!… Igrejas com o mesmo sentido dos templos de fé, mas sem o “deus dos outros”, o que daria ao Ateísmo o estatuto de religião (que, etimologicamente, também é! Mas agora não me vou alongar com a origem do termo Religião e o seu significado. Para aqui interessa o sentido que a palavra terá (ou não terá) enquanto “fé num deus”).

Parece-me que o Ateísmo será Religião quando um sindicato operário for uma associação patronal.

No caso que comento, a notícia começa por dizer: “O declínio constante da Religião no mundo ocidental está actualmente a rever-se no crescimento das chamadas igrejas ateístas”, e refere que, de acordo com o Pew Research Center, os religiosamente não filiados são agora o segundo grupo religioso na América do Norte e na maior parte da Europa.

O professor Stephen Bullivant, da St Mary’s University de Londres, descobriu que mais de metade da população do Reino Unido não se identifica como sendo religiosa, característica que se tem vindo a acentuar desde há 50 anos, e que “ao mesmo tempo tem havido um crescimento do número de igrejas ateístas que visam reproduzir grande parte da atmosfera do serviço da igreja, mas sem religião”.

Ora… isto parece-me uma espécie de Metadona para os drogados que se querem ver livres da droga! Pode enquadrar-se no espírito de alguns daqueles que se transformaram em ateus depois de terem passado por qualquer fé religiosa, mas não de quem nunca entrou numa igreja com sentimento de fé e, por isso, não sente necessidade de um período de “desmame”, que seria a tarefa a desempenhar pelas “igrejas ateístas”.

No final da notícia dá-se conta da “igreja ateísta” mais difundida, como sendo a Sunday Assembly, sob o lema “Viva melhor – Ajude com frequência – Admire-se mais” que foi criada em Londres no ano de 2013 pelos comediantes Sanderson Jones e Pippa Evans.

Ah!… Assim já se percebe!… É comédia!…

Pois então viva a comédia. Eu também gosto de rir, e rio muito.

Em conclusão, a notícia diz que a maior parte das pessoas que frequentam estas “igrejas ateístas” sente uma “maior satisfação com a vida” graças ao poder da participação fortemente estimulada durante as reuniões.

Dentro da Sunday Assembly há quem defenda que nunca se deveria designar aquela instituição – e outras do género – como “Igreja Ateísta”. Neste entendimento, o filósofo Alain De Botton defende o nome “Humanismo Cultural”, sem qualquer conotação a modelos de religiões… ora aqui está alguém com cabecinha pensadora!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

28 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

NETANYAHU, O HERODES DE TELAVIVE

Segundo o evangelista Mateus (2;16), Jesus nasceu em Belém de onde saiu com idade inferior a dois anos levado pelos seus pais para o Egipto, na tentativa, conseguida, de fugir à ira do furibundo Herodes que mandou massacrar todos os bebés no intuito de garantir que acertava no menino que, segundo os seus magos, acabara de nascer e haveria de o contrariar em adulto ameaçando o seu poder. 

Assim fez o seu exército de lacaios servis, matando todos os bebés lá do sítio. Quando Herodes morreu, um anjo avisou José durante o sono para que regressasse à terra de Israel porque o menino já não corria perigo. 

(É curioso notar que em todas as estórias mitológicas das religiões, desde Abraão a Maomé, há anjos portadores de notícias transmitidas em sonho aos protagonistas adormecidos! Foi um processo encontrado pelos escribas dos registos religiosos para justificarem o conhecimento que os heróis das estórias bíblicas e corânicas teriam, num tempo em que não havia jornais, nem telexes, nem carteiros, nem a Agência Noticiosa Ecclesia e nem ésse-éme-ésses).

O problema desta narrativa está no facto de Herodes (cognominado O Grande), ter morrido quatro ou sete anos antes do nascimento de Jesus! Pode ter havido alguma incorrecção na contagem do tempo de factos históricos tão distantes e sem registos para consulta, e parece que o erro de datação teria sido cometido por um monge do século VI, de nome Dionísio (cognominado “O Pequeno” como contraponto a Herodes “O Grande”), a quem o papa Hormisdas (514-523) encomendou a tarefa de estabelecer como primeiro ano da era cristã aquele em que nasceu Jesus. O mais certo foi Dionísio ter-se baseado no Evangelho de Mateus (que não está historicamente correcto, tal como nenhum outro está), segundo o qual Herodes perseguiu Jesus Cristo recém-nascido, não tendo em conta as datas históricas. 

Esta prática de matar bebés e jovens, também foi seguida por Deus na estória bíblica das “Dez Pragas do Egipto”, a última das quais serviu para matar todos os primogénitos, tentando acertar no filho do faraó Ramsés II, que era, afinal, quem Deus queria ferir!… É um modo vil de actuar, mais vil ainda quando a ordem da matança parte de um deus!… 

Pelos vistos parece ser comum, naquela região do mundo, o uso do estratagema de matar todos os habitantes de uma região para acertar nas pessoas que se quer eliminar! No mesmo espaço geográfico, 3000 anos depois de Moisés e 2000 anos depois de Jesus Cristo, o esquema da morte “de-toda-a-gente-para-acertarmos-em-quem-queremos-matar” usa-a também Netanyahu, o actual chefe tribal dos israelitas!… Bombardeia a faixa de Gaza indiscriminadamente, destruindo zonas residenciais, equipamentos sociais, escolas e hospitais, arrasando cidades e até campos de refugiados, matando muitos milhares de gente indefesa, incluindo velhos e crianças (inclusive reféns israelitas que seguravam uma bandeira branca!), para tentar acertar nos elementos do grupo religioso-terrorista Hamas (tão religioso e tão terrorista como demonstra ser Netanyahu) e que, provavelmente… nem estarão lá!… 

O mundo assiste a esta barbárie executada pelos militares lacaios e servis de Netanyahu e dos seus parceiros de governo de extrema-Direita desumana (tal como fizeram os soldados que obedeciam à ordem do criminoso Herodes), sem haver quem mexa um dedo em defesa dos Palestinos assassinados em série… nem quem se levante contra os colonatos judeus que funcionam como grupos de bandidos tomando conta de casas e terras palestinas (e agora também matam palestinos por vingança do acto criminoso que o Hamas praticou em Outubro último). E há quem defenda o mandante desta destruição e destes assassínios bíblicos actuais, começando pelos EUA!… 

Humanamente Netanyahu está ao mesmo nível do outro chefe tribal que o antecedeu na História em cerca de três milénios: o criminoso Herodes!… Usa os mesmos meios para atingir os mesmos fins… mas pior do que isso (ou igualmente mau) é todo o mundo consenti-lo!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

26 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Religião em aforismos

O substantivo “aforismo” designa um preceito moral – sentença ou máxima – popularmente designado por rifão ou adágio. Os aforismos são frases sábias que desconcertam pela sua assertividade. As religiões assumem-se protectoras de valores morais… mesmo praticando imoralidades escandalosas!…

A propósito desta realidade, o físico Steven Weinberg, disse: “Com ou sem religião, sempre haverá gente boa fazendo coisas boas e gente má fazendo coisas más. Mas, para que gente boa faça coisas más, faz falta a religião”.

Eis alguns aforismos e ditos de pessoas célebres, sobre religião:

– Desde a origem da Humanidade surgiram tantas religiões como idiomas, umas 100.000, todas elas únicas e verdadeiras.

– A física quântica não é uma religião porque se baseia em leis fundamentais da Natureza, não pretende regular o comportamento humano.

– A religião é um placebo existencial. Funciona como aspirina da alma.

– Uma crença religiosa sempre se deixa confirmar por uma realidade, mas nunca se deixa desmentir por uma realidade.

– Toda a teologia contém uma contradição intrínseca: o estudo racional do irracional.

– A literalidade é a interpretação mais inquietante de todas as interpretações bíblicas.

– A religião é uma colecção insustentável de absurdos.

– Em religião existe o mistério e ninguém espera que deixe de sê-lo. Em ciência também existe o mistério, mas todos esperam resolvê-lo.

– A liberdade religiosa nasceu, cresceu e triunfou longe da religião.

– Deus é o único ser que, para reinar, nem precisa de existir (Baudelaire).

– Se as pessoas são boas por temerem punição ou esperarem recompensa divina, então somos uma espécie lamentável (Albert Einstein).

– os homens da Igreja não pensam. Continuam a dizer aos 81 anos o mesmo que diziam aos 18 (Óscar Wilde).

– Crer em milagres é crer que Deus, para fazer-se crível, manipula as leis que ele mesmo criou (Baruch Espinoza).

– Se por um deus se entender um conjunto de leis da física que regem o Universo, então esse deus existe… mas é emocionalmente insatisfatório… não faz sentido rezar à lei da gravidade (Carl Sagan).

– Sou contra a religião porque ela nos ensina a contentarmo-nos com a nossa incompreensão do mundo (Richard Dawkins).

– A ideia de Deus é um conceito antropológico que eu não consigo levar a sério (Albert Einstein).

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

23 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Fazer santos

A propósito do último artigo aqui publicado, pensei acrescentá-lo dizendo que das várias actividades a que a Igreja se dedica merecem-me especial destaque estas três por me parecerem principais: 

1) – Celebrações litúrgicas que prendem os crentes ao culto carregando-lhes a bateria da fé; 

2) – Acções caritativas e gestão de instituições sociais com subsídios estatais; 

3) – Produção de santas e santos com o estatuto de deuses menores, preenchendo altares e colectando receita, porque a Igreja, sendo indústria do espiritual, não se governa sem o aspecto material, incluindo nele o “vil-metal”.

O Vaticano tem um gabinete específico para a criação de santinhos, denominado “Congregação para a Causa dos Santos”, e há perto de 30 anos a Enciclopédia Católica contava com cerca de 5.000 santos de lá saídos. No pontificado de João Paulo II foram tantas as nomeações de candidatos aos altares que a lista inflaccionou e quadruplicou… hoje contempla, aproximadamente, 20.000 nomes.

A minha abordagem desta tarefa medieval que a Igreja tem de fabricar santos no século XXI, só pode ser feita com humor para não me afectar a qualidade do raciocínio e ajudar-me a manter a razoável sanidade mental que ainda prezo (digo eu… há quem garanta que já não a tenho)!

Atribuir a qualidade de santo a um morto não é como medalhar um herói de guerra ou um bombeiro! A coisa fia mais fina, leva imenso tempo e precisa de um “certificado de Deus”!… Apenas o Santo António foi santificado no tempo recorde de 11 meses e meio. Todos os outros nomes elevados aos altares, levaram imenso tempo para serem santos. 

Os candidatos à santidade precisam de vencer três etapas. A saber:

1 – Veneração. É uma espécie de requisição de paróquia que aponta as qualidades do atleta para trepar a um altar.

2 – Beatificação. Precisa de uma análise profunda para despistar reguilices e falcatruas, exigindo, pelo menos, um milagre comprovado… por via das dúvidas.

3 – Canonização. É a peneira mais fina que vai analisar a biografia do candidato, seguindo, passo a passo, todos os passos que o morto deu em vida na senda da santidade, para comprovar se Deus pode operar milagres através daquele intermediário. (Repare-se que os parasitas intermediários são uma praga impossível de exterminar! Estão em todo o lado… até no céu!).

Ter o cadáver incorrupto ao fim do tempo regulamentar para levantar a ossada, foi a bitola de aferição da santidade adoptada através dos séculos… mas já não vale como prova porque hoje se sabe que as características químicas do terreno e a toma de medicamentos pelo candidato a santo (imediatamente antes de ter falecido), são motivos para provocarem a preservação do corpo de qualquer patife e inimigo público sem escrúpulos, naturalmente arredados da santificação. 

Então inventou-se este outro modo de fingir que se atribui seriedade ao acto de fazer santos, o que sempre acontece de acordo com a vontade dos homens, mas apregoando ser pela vontade de Deus… o qual (como se sabe) também é produto de invenção humana!… 

Isto não tem piada? 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

21 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Um santo português…

Um santo português na engrenagem da máquina de fazer santos 

No dia 14 de Abril de 2018 o Papa Francisco aprovou a publicação de um decreto que reconhece as “virtudes heroicas” do cónego português Manuel Nunes Formigão, após uma audiência concedida ao cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos (cargo que já foi ocupado pelo bispo Português José Saraiva Martins, nascido em Gagos de Jarmelo, na Guarda, em 6 de Janeiro de 1932, e hoje prefeito emérito contando 91 anos de idade). Foi o primeiro passo para a beatificação do bispo português que é considerado um personagem fundamental na investigação, no estudo e no reconhecimento das aparições de Fátima às três crianças pastoras em 1917. 

Depois da beatificação, exige-se o reconhecimento de um milagre atribuído à intercessão do, desde então, venerável Manuel Nunes Formigão… já que sem milagre reconhecido não se trepa a um altar. Nunes Formigão está intimamente ligado à história das aparições em Fátima. De acordo com informações divulgadas pela postulação do processo da Causa de Canonização, o padre Formigão foi convidado para investigar o caso das aparições de Fátima pelo Arcebispo de Mitilene (título eclesiástico que desde o século XIX é concedido ao bispo-auxiliar que desempenha as funções de vigário-geral do Patriarcado de Lisboa. O título corresponde à antiga arquidiocese católica romana de Mitilene, actualmente integrada na Igreja Ortodoxa Grega). 

Nunes Formigão deslocou-se, pela primeira vez, à Cova da Iria a 13 de Setembro de 1917, como simples curioso e “profundamente cético relativamente aos factos que se dizia estarem ali a acontecer”. Na história de vida do cónego Nunes Formigão consta que, na altura dos acontecimentos, não se terá aproximado do local das aparições e saiu de Fátima ainda “mais cético, pois não presenciou nada de invulgar, apenas notando a diminuição da luz solar por altura das supostas aparições, mas foi facto a que não deu qualquer importância”. Contudo, passados alguns dias, voltou à Cova da Iria para interrogar Lúcia, Francisco e Jacinta, os três videntes. 

Nascido em Tomar, em 1883, Manuel Formigão faleceu a 30 de Janeiro de 1958 em Fátima, e ficou conhecido como o “apóstolo de Fátima” devido ao trabalho de investigação e divulgação que durante toda a sua vida dedicou à Cova de Iria, com bastante incidência após o interrogatório das três crianças pastoras, o qual tem aspectos curiosos. Trato-os num livro que ainda não passa de “projecto literário” e está nas mãos do editor à espera da sempre dramática resposta: “ou sim, ou sopas”!… 

Darei conta da sua publicação logo que tal venha a acontecer… se vier!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

19 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

Do primitivismo à racionalidade

Não discuto Religião e Ateísmo do mesmo modo como se discute futebol animalesco e irracional, e política partidária tratada ao mesmo nível do futebol, em discussão inflamada com a costumeira irascibilidade desrespeitadora da opinião e sensibilidade do outro. São modos que não dignificam ninguém. Situam-se num patamar primitivo, do qual o irascível contundente ainda não saiu e nem tem vontade de sair… até porque desconhece o patamar evolucionário que pisa… por isso se inflama!…

O sentido religioso é natural no Ser Humano, e é com essa naturalidade que eu procuro tratá-lo de acordo com a minha sensibilidade. Poderei não o conseguir por ignorância e pelo “factor-primitivismo” que também me afecta, pois estou colocado no mesmo patamar evolutivo dos meus contemporâneos e dessa realidade natural não posso fugir (mas sei o patamar que piso… o que já é saber alguma coisa e poderá dar-me alguma vantagem racional!…). 

O nosso primitivismo, por mais que nos custe admiti-lo por nos imaginarmos evoluídos só porque sabemos dizer “Ácido Desoxirribonucleico”, pode ser aferido neste simples exercício: se inscrevermos a evolução do planeta Terra no mostrador de um relógio, sendo as zero horas o momento do Big-Bang (ou do que quer que fosse de que resultou o Universo e, nele, o nosso planeta) e as doze horas o tempo presente, temos que a Era actual, o Quaternário, se iniciou nos últimos dois minutos, e o “Homo Sapiens” surgiu quando faltava uma dúzia de segundos para o meio-dia. No decorrer das doze badaladas, consumiram-se as Idades da Pedra, do Ferro e do Bronze, o Homem espalhou-se pelo mundo, nasceram e morreram as civilizações Mespotâmica, Chinesa, Egípcia, Grega e Romana, circum-navegou-se o planeta, o Homem pisou a Lua… e você está a ler este texto.

Quero com isto dizer que a nossa espécie é recente. Na verdade, somos a última experiência da Natureza na evolução da vida… a qual ainda não está terminada. Como produto natural que somos, encontramo-nos na fase do tosco. Cheiramos a pintado de fresco. Estamos a ser burilados pelas experiências vividas, fazemos guerras só porque sim, e ainda acreditamos num deus criador, num diabo malvado e em bruxas que adivinham o futuro. Não podemos escapar às características do animal predador que somos, nem à fase evolutiva em que nos encontramos.

A evolução tecnológica acontece em ritmo muito mais acelerado do que evolui a nossa mente em termos de progresso racionalista. Por muito evoluídos que pensemos ser, só o somos no nosso entendimento de egoístas vaidosos… e as nossas acções e crenças têm a marca desse primitivismo animalesco e egocentrista, espampanantemente coberto pelo pesado manto da nossa vaidade desmedida e ignorância camuflada.

É neste contexto evolutivo que acontecem as guerras, sejam elas de ordem patriótica ou religiosa. Todas elas são o resultado do nosso primitivismo que o passar do tempo e a evolução da espécie promovida pelas transformações ditadas pelo ADN em resultado de mutações, se encarregará de apurar… só nos cabe esperar e, entretanto, dar a nossa ajuda no apuro das mutações…   

Mas, por aí… até eu já me sinto profundamente crente!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

16 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

No princípio também era o mito

O poeta latino Estácio, disse: Primus in orbe deos fecit timor (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra).

Não é preciso possuir grandes estudos modernos nem conceber complicadas teses de doutoramento para se perceber que nesta frase está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar deuses e a prestar-lhes culto.

O temor que sentimos no simples e tão natural acto de viver deve-se ao facto de termos a vida armadilhada. Primeiro, no tempo dos nossos avós criadores de mitos, a vida dos homens estava ameaçada pelas forças da Natureza, com tempestades medonhas, avalanches, cheias de rios com correntes imparáveis, vulcões e sismos destruidores, que se entendia ser a acção dos deuses zangados connosco. A paz dos deuses seria a nossa protecção.

Os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias (para além de História) e gostam de se identificar com elas. Por isso encontramos em alguns deles uma função prática. Foi exactamente para isso que os criamos. Alguns mitos gregos são relatos alegóricos, quando não verdadeiras epopeias com forte ligação ao comportamento social de uma época dominada pelo exacerbado sentimento religioso. Em cada casa havia um altar para o culto aos deuses domésticos. Neste sentido, a sociedade actual não é muito diferente. Em todas as casas há alguma imagem religiosa, desde Fátima e Jesus Cristo (os dois ícones maiores da Igreja Católica), passando por uma panóplia de santinhas e santinhos.

Eu próprio transporto no porta-moedas uma minúscula imagem do santo Onofre, por honra a minha mãe que ma ofereceu dizendo ser “o padroeiro do meu nome”, acrescentando-lhe a faculdade de “o santo Onofre dar dinheiro para o bolso, para a carteira e para o cofre”… o que aceitei com um sorriso de cumplicidade e conservo a imagem em honra da sua memória!

De entre as razões que nos levaram à criação dos mitos, encontra-se esta meia dúzia delas:

1 – Explicavam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte de animais e plantas.

2 – Ajudavam a manter a união do clã, da tribo ou da nação, pela partilha de um culto.

3 – Eram exemplos comportamentais para os seguirmos. Os deuses eram bélicos, como os homens deviam ser, mas possuíam virtudes, as quais os homens se obrigavam a imitar por devoção.

4 – Justificavam estruturas sociais, já que os deuses também obedeciam a elas.

5 – Serviam para registar acontecimentos históricos e identificar o povo com eles. Tais são os exemplos das comunidades babilónica e judaica. Esta, no relato da sua origem divina, afirma ser o “Povo eleito de Deus”.

6 – Serviam os poderosos (e ainda servem), para controlarem o Povo que sempre se submeteu à proclamação da autoridade dos deuses investida nos sacerdotes e chefes tribais.

As benesses dos deuses (de Deus) que os crentes receberiam pós-morten continuam, ainda hoje, a servir os próprios crentes e, por arrasto, os exploradores da ideia do divino que obedece a uma necessidade ancestral sentida desde o Homem mais primitivo até hoje, quer nas aldeias mais remotas, quer nas cidades mais modernas.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

14 de Fevereiro, 2024 Onofre Varela

A crença existe no raciocínio de todos

A crença existe no raciocínio de todos, quer se seja licenciado ou analfabeto

Para quem é religioso, as leis gerais da Natureza de que resultaram os processos químicos e físicos responsáveis pelo eclodir da vida, de nada valem se não lhe acrescentar o mito do “sopro de Deus”!… A crença religiosa induziu o crente a encontrar a mão divina nas leis gerais da Natureza, levando-o a acreditar numa vontade invisível na origem de todas as coisas… sem explicar a natureza dessa vontade.

Será que, por isso, podemos afirmar que crer em Deus é sinónimo de ignorância?…

Porque é que um licenciado, médico, por exemplo (existe a Associação dos Médicos Católicos), tem, pelo conceito de Deus, a mesma adoração de um servente de obras analfabeto?

Será que o licenciado não aprendeu nada… ou o analfabeto sabe muito?!

É erro dizer que a crença em Deus pertence aos ignorantes. O saber e a crença podem coabitar (e coabitam) pacificamente na mesma mente. A religiosidade é um atributo humano e a ideia de Deus está alojada no cérebro de todos nós. O berço que tivemos, o meio em que crescemos e fomos educados, mais a sensibilidade de cada um e o percurso que fazemos na vida, ditará o interesse e o valor que cada indivíduo dá (ou não dá) à ideia do divino.

O culto de Deus está presente nas famílias desde que se nasce (pelo baptismo na pia da igreja da paróquia), na celebração religiosa da Comunhão (como referente da passagem da meninice para a juventude), no casamento frente ao altar e, mais tarde, no baptismo dos filhos, até ao enterramento depois de finado, com funeral presidido por um sacerdote que encomenda a alma do defunto ao “Altíssimo”.

Toda a vida do temeroso crente é votada à religiosidade, o que tem muito peso no entendimento que faz da palavra Deus. Não há quem possa fugir às éticas sociais e religiosas presentes na construção das suas origens… e essa impossibilidade de fuga tem o seu preço…

Para além desta verdade antropológica e social, há o comércio religioso nas lojas e espécie de enfermaria ou consultório de psicologia em que as igrejas se transformaram, prestando assistência à alma a qualquer hora do dia. Igrejas, capelas e alminhas de esquina estão tão disseminadas pelo país como as caixas Multibanco.

Qualquer produto religioso que se mostre de interesse geral (ou mesmo sem se mostrar; a fé basta) passa a ser comercializado, a alimentar indústrias, a ser massivamente publicitado e consumido tal como a Coca-Cola, os hambúrgueres e as telenovelas.

O “produto-Deus” está colado a nós. Tem a mais valia de nos acompanhar desde o Paleolítico, com reforço nas Idades do Ferro e do Bronze, acrescentado pelo medo do castigo divino induzido na Idade Média e embelezado com a Arte da Renascença.

Na nossa civilização a história de Deus “já vem de longe” (como dizia a publicidade ao Brandy Constantino da minha juventude), desde a Antiguidade Clássica importadora dos enigmáticos deuses da Mesopotâmia, acompanhando-nos nos momentos mais emblemáticos das nossas vidas, o que, por si só, exerce muita influência no nosso modo de ser.

Mas há muito mais para além disso. A ideia de Deus também serve interesses políticos, sociais e económicos, o que tem demasiada importância para os mandantes do mundo!…

Sendo assim… já se percebe porque é que a ideia de Deus também habita cabeças com raciocínio superior ao de um servente de obras analfabeto!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV