7 de Março, 2004 Mariana de Oliveira
A Mutilação Genital Feminina
Foi anteontem discutido em plenário, na Assembleia da República, a proposta do CDS-PP para tipificar a mutilação genital feminina. A iniciativa foi lograda pelo PSD, que sugeriu que o texto baixasse novamente à Comissão de Assuntos Constitucionais para reanálise.
Não há oposição possível à condenação de tais práticas bárbaras por determinadas comunidades radicadas no nosso país, mas este crime já está previsto no Código Penal, no artigo 144º, que prevê a aplicação de penas de 2 a 10 anos (igual punição está presente no projecto do CDS-PP) para quem “ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa por forma a privá-lo de importante órgão ou membro ou a desfigurá-lo grave e permanentemente”. E é aqui que começam os problemas. Para o deputado popular Manuel Paiva, é duvidoso que o clitóris seja um órgão importante ou, sequer, que seja um órgão ou membro do corpo humano!
Já não estamos propriamente no tempo em que o corpo da mulher era visto como centro de todos os pecados carnais e não carnais! A libertação sexual no mundo ocidental já ocorreu há algumas décadas e já é altura de todos terem a consciência de que a mulher, tal como o homem, tem órgãos/membranas/partes do corpo que são mais ou menos erógenas e que, quando estimuladas, dão muito prazer. E reconhecer isso não é motivo de vergonha ou de libertinagem. O senhor deputado, se calhar, ainda pensa que a boa mulher é aquela que só tem relações sexuais para ter filhos ou porque apetece ao marido (e vade retro às relações não-matrimoniais!), que não tem prazer e que determinada ginástica sexual não deve ser feita por quem dá beijos aos filhos… Enfim, uma boa mulherzinha temente a Deus e ao marido.
Eu, como mulher, vejo essa pequena parte do corpo como um órgão ou membro e, se bem me lembro das aulas de ciências naturais, é assim que os cientistas a classificam. Para além disto, é uma peça importante para o bem-estar e para a satisfação interpessoal (duvido que seja agradável para um homem estar com alguém que não sinta prazer no que está a fazer). Miguel Paiva, com toda a clarividência, afirma que “a sua mutilação não afecta nenhuma função vital”. Claro que se pode viver sem o clitóris… como também se pode viver sem testículos. Provavelmente, se estivéssemos a falar da anatomia genital masculina, o senhor deputado não teria tantas dúvidas acerca da importância ou não de tal órgão.
Vale a pena ler o dossier do Público sobre a mutilação genital feminina.