30 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira
O que é uma freira? E um padre?
Se alguém ler hoje o Público, encontrará uma notícia que informa que 42% dos portugueses desconhece a existência de religiosos na Igreja Católica e apenas 58% reconhece significado nas palavras freira, irmão ou irmã. Estes dados foram recolhidos, através de um inquérito, pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica Portuguesa, a pedido Conferência Nacional dos Institutos Religiosos (CNIR) e pela Federação Nacional dos Institutos Religiosos Femininos (FNIRF), com o objectivo de perceber a imagem de frades e freiras junto da população portuguesa.
Estes valores impressionaram não só a própria Igreja Católica por ser a seita com mais seguidores neste país à beira-mar plantado, como também os promotores e organizadores do inquérito. Manuel Luís Marinho Antunes, responsável pela sondagem, diz que se tivessem a percepção de que haveria um número tão elevado de respostas negativas, teríamos feito outro tipo de inquérito e de perguntas. Porquê? Porque, para além de o desconhecimento ter feito com que, em muitas perguntas posteriores, o grau de respostas inválidas atingisse cerca de 50 por cento, o nível de conhecimento acerca da Igreja Católica teria tido a hipótese de ter atingido valores mais altos, mas isto já são especulações e má língua!
Relativamente aos factores que possam ter condicionado estes resultados, podem ser considerados dois: a posição religiosa e o grau de instrução. No grupo de pessoas com menos do que o 4º ano de escolaridade (incluindo não escolarizados), que equivale a 13,2 por cento, mais de metade (52,3 por cento) não sabe o que é um frade ou uma freira, o mesmo acontecendo entre «crentes mas sem religião», indiferentes, ateus e agnósticos, em que mais de 51 por cento também desconhece a existência de freiras ou frades, o que me parece um valor elevado… ou talvez não, uma vez que, de acordo com algumas pessoas mais iluminadas, somos um bando de ignaros, incultos, insensatos, desconhecedores da vida, que arderá no fogo do Inferno. De qualquer maneira, há algo de bom na sondagem… para nós. Estas posições face à religião totalizam mais de 12 por cento dos inquiridos. Afinal não somos tão insignificantes como alguns querem fazer crer!
Os bons resultados continuam. Setenta por cento dos inquiridos concordam «pouco» ou «nada» com a afirmação de que os religiosos vivem «em espírito de pobreza», o que não é de espantar quando se vê a quantidade de dinheiro que circula por Fátima, quando poucos padres vivem despojados dos bens materiais e do vício, quando se vêem aquelas sumptuosas cerimónias de elevação de cardeais no Vaticano.
Quanto à castidade, 53 por cento consideram que os religiosos a vivem «pouco» ou «nada» – contra 46 por cento com opinião contrária.
Como é que a Igreja justifica estes valores? O vice-presidente da CNIR, padre José Augusto Leitão, justifica-os com o desconhecimento sobre o significado da pobreza e com alguma «suspeita» sobre os religiosos em relação à castidade. Nestes assuntos, o que tem relevo é a posição religiosa: é sobretudo entre os católicos que vão à missa regularmente e que participam em actividades de paróquias ou movimentos católicos que há uma maior percentagem de inquiridos (74 por cento) com uma visão positiva sobre o modo como os religiosos vivem a castidade. Do mesmo modo, a opinião mais negativa vem dos grupos «indiferentes, agnósticos ou ateus» e «com outra religião diferente da católica ou crentes sem religião». Se calhar é por os ateus, indiferentes e agnósticos terem uma visão neutra (no sentido de não se prostrarem aos ensinamentos da santa madre igreja) sobre este assunto que os resultados são “negativos”. De qualquer maneira, a próxima sondagem já não considerará estes grupos e, assim, a ICAR já não terá tão maus resultados. A culpa da desgraça é, mais uma vez, dos hereges incultos e ignaros que não têm coração para ver a Verdade (com V maiúsculo).
Entre as queixas mais populares feitas ao clero, com valores entre os 19,6 e os 16,4 por cento, estão as «ideias pouco actualizadas», a «intransigência, rigidez e autoritarismo» e as «dificuldades em compreender o nosso tempo». O Público não refere se estes dados também são resultado da posição religiosa, mas suponho a culpa (como juízo moral passível da mais alta censura) dos heréticos que querem governar o mundo e que fazem propagandas a favor do preservativo, da pílula, da despenalização do aborto, da igualdade entre os sexos, da laicidade e da democracia.