Loading

Mariana de Oliveira

12 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

O candidato herege

Um advogado católico apresentou uma queixa contra o senador John Kerry, acusando-o de levar o mais sério escândalo ao público americano ao comungar como católico pró-escolha. Este jurista entende que a afirmação de que se pode ser um bom cristão e não estar contra a fé e defender o aborto é uma heresia que ameaça a vida.

O documento foi enviado à arquidiocese em Junho, mas apenas foi divulgado ontem por Marc Balestrieri, advogado de direito canónico e juiz assistente no tribunal eclesiástico da arquidiocese de Los Angeles.

O senhor Balestrieri, queixoso, diz que a heresia é um crime eclesiástico público que afecta comunidades inteiras e que é um dos maiores pecados que se pode cometer.

Se a arquidiocese de Boston, que ainda não comentou o caso, decidir dar continuação ao processo, o candidato à presidência americana poderá ser excomungado.

Balestrieri afirma que o seu objectivo é o arrependimento e não a excomunhão.

O padre Arthur Espelage, coordenador executivo para a Canon Law Society, disse que um leigo católico pode apresentar queixa contra outro leigo católico num tribunal da Igreja. As acusações, conhecidas como denúncias, são semelhantes àquelas apresentadas num tribunal do Estado. Mas, segundo o padre, este é um caso único e nunca ouviu falar em algo do género. É natural, os Estados Unidos não tiveram grandes contactos com a velha tradição católica da Inquisição.

Caso a arquidiocese de Boston, que tem a competência sobre esta causa, decidir que a queixa não tem fundamento, poderá haver recurso para a Congregação para a Doutrina e Fé, presidida pelo cardeal Ratzinger.

Segundo Balestrieri, na base da sua denúncia por heresia – e de uma outra por mal para ele resultante de declarações de John Kerry sobre o aborto – está uma disposição de direito canónico que permite aos católicos a posse da sua fé intocada. Ao espalhar a heresia, disse, ele [John Kerry] está a pôr em perigo não só a minha posse de fé intocada, mas a de todos os católicos. E convida todos os católicos baptizados que se sintam ofendidos pelo comportamento do senador a constituírem-se como assistentes ao lerem o documento na página web e a enviarem uma carta certificada de consentimento à arquidiocese de Boston.

Charles M. Wilson, director da St. Joseph Foundation, que apresentou várias queixas em vários tribunais eclesiásticos americanos a favor da laicidade católica, duvida que a arquidiocese de Boston responda ao caso.

Este caso é um exemplo extraordinário da intolerância que grassa nalgumas mentes católicas, que tanto se orgulham de defender uma religião da paz e do amor ao próximo.

12 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Parlamento das Religiões

No Parlamento das Religiões do Mundo, que está a decorrer até amanhã em Barcelona, no âmbito do Fórum Universal das Culturas, as religiões reivindicam uma intervenção social e política no reordenamento mundial e não apenas um papel estritamente espiritual. Naquele parlamento participam cerca de 8.000 pessoas de várias confissões, sob o lema Caminhos para a paz; a sabedoria de ouvir a força do compromisso.

Hans Küng, padre e teólogo católico que há duas décadas foi proibido de ensinar teologia em nome da Igreja, foi um dos porta-vozes dessa vontade, afirmando que as religiões têm um papel essencial na elaboração de um novo paradigma, que deve passar por um desempenho construtivo, relata o Público.

Nas várias sessões foram discutidos temas diversos como o acesso a água potável e o esforço que algumas missões religiosas têm empreendido para alargar o seu fornecimento à população.

O pedido de anulação da dívida externa dos países pobres, como forma de desenvolvimento económico-social, foi uma vez mais reiterado.

O sistema capitalista foi igualmente atacado. Raúl Fornet-Betancourt, professor de Filosofia na Universidade de Aachen, no simpósio sobre o tema Para uma teologia inter-religiosa e inter-cultural da libertação, afirmou que o capitalismo não admite a comunidade e retirou ao cristianismo a sua dimensão comunitária original e a sua capacidade de intervenção. Ao mesmo tempo, denunciou a «militarização da vida quotidiana e da política mundial», considerando que esses são desafios essenciais para a teologia inter-cultural e inter-religiosa.

Uma dos debates centrou-se no tema do combate ao vírus do HIV. Centurio Olaboro, padre católico e director de um orfanato no Uganda em que vivem 800 crianças cujos pais morreram com a doença, criticou a posição oficial da Igreja Católica, de recusa do preservativo, mas disse que a actuação no terreno é distinta. O que mostra que a Igreja Católica tem alguns problemas de coerência ideológica, de contradição e hipocrisia.

Não negando que é preciso discutir, de trocar ideias e de tentar encontrar formas eficazes para lidar com os problemas do mundo e que as religiões podem ter um papel positivo, é um facto que, se todas elas se empenhassem verdadeiramente e altruisticamente em tal empresa, talvez este planeta fosse um sítio melhor.

8 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

A solenidade do Casamento Civil

A maior parte das pessoas vê a cerimónia de casamento civil como uma coisa simples, banal, sem aquela mística e folclore que normalmente se associa ao casamento canónico. No entanto, aquela primeira forma de celebração do casamento não deixa de ser solene e ter um significado para além de uma mera assinatura do contrato.

Assim, o art. 155 do Código do Registo Civil estabelece os trâmites da celebração do casamento. Em primeiro lugar, o conservador, depois de anunciar que naquele local vai ter a celebração do casamento, lê, da declaração inicial, os elementos relativos à identificação dos nubentes e os referentes ao seu propósito de o contrair.

De seguida, o conservador interpela os presentes para que declarem se conhecem algum impedimento que obste à realização do casamento. Não sendo declarado qualquer impedimento e depois de referir os direitos e os deveres dos cônjuges, previstos na lei, o conservador pergunta a cada um dos nubentes se aceita o outro por consorte. Cada um deles responde, sucessiva e claramente: É de minha livre vontade casar com F……(indicando o nome completo do outro nubente).

Finalmente, prestado o consentimento dos contraentes, o conservador diz em voz alta, de modo a ser ouvido por todos os presentes: Em nome da Lei e da República Portuguesa declaro F….. e F….. (indicando os nomes completos de marido e mulher), unidos pelo casamento.

4 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Senhora de Caravaggio

Há quem experimente tudo por um golo, nomeadamente uma vela virtual em honra da Senhora de Caravaggio, milagreira a soldo de Scolari. Quem quiser algo que não esteja afecto a uma personagem específica pode sempre recorrer ao altar Força Portugal (não confundir com a coligação de direita para as eleições europeias). Fé e futebol… só falta o fado.

4 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português V

A Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho) ressalva expressamente a Concordata com a Santa Sé de 1940, o Protocolo Adicional de 1975 e a legislação aplicável à ICAR, à qual não são aplicadas as disposições desta lei relativas às igrejas e comunidades religiosas inscritas ou radicadas no país (art. 58º). Desta fora, mesmo depois da regulamentação da Lei da Liberdade Religiosa e da sua aplicação prática, o sistema matrimonial português continuará a ser o de casamento civil facultativo na segunda modalidade, em que o casamento católico não é apenas outra forma de celebração do casamento, mas um instituto distinto, regulado, em certos casos, por normas distintas das que regem o casamento civil.

No entanto, passarão a existir casamentos civis celebrados por forma religiosa, perante ministro do culto de igreja ou comunidade religiosa radicada no país (art. 19º), os quais constituirão apenas outra forma de celebração do casamento, que ficará sujeito, no que toca a questões de forma, às mesmas disposições por que se regem os casamentos civis celebrados perante o conservador do registo civil.

3 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

Santa Sé reforça o seu papel nas Nações Unidas

A Santa Sé tornou-se Observador Permanente nas Nações Unidas em Abril de 1964 e desde então tem sido parte activa em todas as reuniões da Assembleia.

Foi aprovada unanimemente, no dia 1, na Assembleia Geral das Nações Unidas uma resolução que expande o papel da Santa Sé naquela organização internacional. A Assembleia geral, ao adoptar a resolução, diz que está desejosa em contribuir para a participação adequada da Santa Sé no trabalho da Assembleia Geral no contexto da revitalização desse trabalho.

Um anexo à resolução estabelece novos privilégios permanentes àquela organização, incluindo o direito de resposta (que permite aos delegados responderem a discursos feitos durante os debates) e o direito de participar no debate geral da Assembleia, que anualmente reúne os líderes mundiais. Sem prejuízo da prioridade dos Estados-membros, a Santa Sé terá direito de inscrição na lista de oradores sobre temas agendados em qualquer reunião plenária da Assembleia Geral depois do último Estado inscrito na lista, diz a resolução.

A Santa Sé, que anteriormente revelava as suas posições através de comunicados de imprensa, terá agora o direito a que suas comunicações relativas às sessões e trabalhos de todas as conferências internacionais convocadas sob os auspícios da Assembleia Geral sejam emitidas e divulgadas directamente, sem qualquer intermediário, como documentos oficiais dessas conferências.

Outras mudanças de ordem técnica incluem o direito de levantar o ponto de ordem – procedimento técnico usado durante reuniões do comité e o direito de co-patrocinar projectos de resoluções e decisões que façam referência à Santa Sé.

Com a adopção desta resolução, a Santa Sé ficará sentada nas salas de conferências depois dos Estados-membros e antes dos restantes observadores.

Segundo a diplomacia do Vaticano, esta mudança permitirá à Santa Sé desempenhar uma melhor acção em favor da paz e dos direitos humanos.

Esta resolução representa um retrocesso na ordem internacional no sentido de não favorecer qualquer confissão religiosa. Sim, porque o binómio Santa Sé/Cidade do Vaticano não pode ser considerado um Estado.

1 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira

A aberração das uniões

O ministro da Justiça, Juan Fernando López Aguilar, anunciou recentemente que em Setembro entrará em vigor a uma lei que permitirá aos casais homossexuais casar-se legalmente a partir do início de 2005.

A esta decisão reagiu a hierarquia da Igreja Católica espanhola. O Bispo de Mondoñedo-Ferrol, D. José Gea Escolano, afirmou ver «como uma aberração» que o Governo espanhol pretenda legitimar no próximo ano as uniões de casais homossexuais, lê-se na Agência Ecclesia. Por seu turno, D. Gea Escolano disse que tal iniciativa suporia praticamente a destruição da família e do matrimónio tal e como se entende. Claro que o matrimónio tal como se entende tem sofrido modificações ao longo das últimas décadas resultantes de um princípio da igualdade democrática entre ambos os sexos e independentemente deles. Os senhores bispos, ao que parece, continuam enredados numa concepção de união troglodita que vê apenas como participantes o homem (em primeiro lugar, obviamente), a mulher e Deus numa alegre ménage à trois.

O ministro da Justiça, muito eloquentemente, respondeu às provocações ICARianas dizendo que o Governo expressou à Igreja e ao Papa o seu respeito pelos fiéis, mas também o compromisso do Executivo com uma sociedade plural, «onde existem diferentes atitudes que merecem uma consideração igualitária».

30 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

O segredo profissional e o estranho art. 135 CPP

O art. 135º do Código de Processo Penal estabelece, no seu n.º 1, o seguinte: os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo. Isto não choca – os ministros de religião ou confissão religiosa são profissionais que, em virtude do exercício dessa profissão, estão em contacto com informação privilegiada e pessoal sobre o arguido.

Este segredo profissional pode ser levantado por ordem do Supremo Tribunal de Justiça se tal for justificado face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. Tal quebra do segredo profissional não se aplica ao segredo religioso (n.º 4 do art. 135º CPP). Não consigo divisar qualquer tipo de razões para que esses profissionais sejam considerados especiais face aos restantes. Estamos num Estado de Direito Democrático onde o princípio da laicidade e o princípio da igualdade ocupam lugares preponderantes como corolários do próprio princípio democrático. A redacção actual do art. 135º é inadmissível.

29 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português IV

Depois do 25 de Abril foram conduzidas negociações com a Santa Sé com o objectivo de uma revisão da Concordata. Daqui resultou o Protocolo Adicional à Concordata de 7 de Maio de 1940 (aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril), assinado na cidade do Vaticano, a 15 de Fevereiro de 1975, que deu uma outra redacção ao art. XXIV da Concordata: o novo texto salienta o grave dever dos cônjuges que celebram casamento católico de não pedirem o divórcio. Trata-se, agora, de um mero dever de consciência, de um dever perante a Igreja e não perante o Estado.

Assim, estavam reunidas condições para se modificar a questão do divórcio no direito interno e foi isso que aconteceu com o Decreto-lei n.º 261/75, de 27 de Maio, que, no art. 1º, revogou o art. 1790 do Código Civil, que não permitia aos tribunais civis decretar o divórcio nos casamentos católicos.

O Protocolo Adicional manteve expressamente em vigor todos os outros artigos da Concordata (art. 2º), nomeadamente o art. XXII, segundo o qual o Estado Português reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil, e o art. XXV que prescreve que o conhecimento das causas concernentes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

Desta forma, o direito português continuou a consagrar a segunda modalidade do casamento civil facultativo. Com efeito, quanto ao aspecto fundamental da sua dissolução por divórcio, o casamento, civil ou não, passou a ser regido por uma única lei – a do Estado – independentemente da sua forma de celebração.

A etapa seguinte da evolução do direito português é a Constituição de 1976, que, no art. 36º/2, atribui competência à lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração. A referência aos requisitos do casamento como uma das matérias em que a lei civil seria exclusivamente competente, sugere a ideia de que a Constituição tenha querido derrogar os arts. XXV e 1625º do Código Civil, mas essa intenção não transparece dos debates parlamentares nem tem sido atribuída ao legislador constitucional, continuando a entender-se, na prática, que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.