27 de Julho, 2004 Mariana de Oliveira
Libertina laicidade
Julián Barrio, arcebispo de Santiago de Compostela, defendeu que o casamento é «essencialmente heterossexual e base iniludível da família, cuja quebra supõe a quebra da sociedade tornando-a vulnerável a interesses que nada têm ver com o bem comum».
Na cerimónia, onde estiveram presentes os reis de Espanha e José Luis Rodríguez Zapatero, o arcebispo alertou para a tentação de pensar que se protegem plenamente os direitos do homem só quando nos vemos livres da lei divina. O senhor bispo ainda não se deve ter apercebido que, para termos um Direito que prossiga valores democráticos e uma justiça material, a religião não pode impregná-lo de uma suposta moral superior.
Barrio acrescentou: ainda que, quando se pense assim, «os direitos se vêem reduzidos a simples exigências pessoais e a falsas formas secularizadas de humanismo que semeiam confusão e debilidade moral, distorcendo o plano de deus sobre o amor e a fidelidade, sobre o respeito pela vida em todas as suas etapas naturais, sobre a vivência do tesouro da afectividade e sobre o matrimónio, essencialmente heterossexual». Pergunto: que deus? Que plano? Debilidade moral em não discriminar uniões homossexuais? O casamento, para o Estado, é um negócio jurídico onde duas declarações de vontade livres e esclarecidas convergem para um fim comum: o reconhecimento, pelo Direito, de uma comunhão de vida tendencialmente perpétua e seus efeitos patrimoniais e pessoais. Ora, a lei deve acompanhar a realidade e esta, por muito que ofenda os preceitos ICARianos, é multifacetada e engloba indivíduos que gostam de outros indivíduos do mesmo sexo. Se a Igreja não os quer reconhecer e não lhes quer administrar um sacramento, que regule o assunto para os seus fiéis mas abstenha-se de o fazer para o resto dos cidadãos.
Mas o discurso de alarvidades não fica por aqui. O bispo afirmou, em resposta à Oferenda Nacional realizada pelo rei, que o «homem não pode sobreviver sem a verdade e a força do cristianismo é a sua verdade interna». Assim, caros companheiros ateus e crentes não cristãos, estamos tramados pois não seguimos a VERDADE (a ler com voz cavernosa).
Quanto à fé, monsenhor de Santiago disse que esta é a «esperança segura do cristianismo, seu desafio e sua exigência quando o laicismo se apresenta como dogma público fundamental e a fé é simplesmente tolerada como opinião privada, ainda que deste modo não seja tolerada na sua verdadeira essência». A isto, acrescentou que a laicidade, «na sua versão extrema, transformou-se no laicismo com pretensão marginalizar o espaço da dimensão religiosa». Não se bastando com estas afirmações, disse também que a comunidade política e a Igreja são, entre si, «independentes, ainda que estejam ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens através de uma sã cooperação entre ambas».
Tendo isto em mente, o bispo sublinhou que a Igreja «pode sempre e em todo o lugar pregar a fé com verdadeira liberdade e emitir um juízo moral também sobre as coisas que afectam a ordem política quando o exijam os direitos fundamentais das pessoas ou a salvação das almas».
Resumindo, o Estado e a Igreja devem estar separados, mas esta deverá sempre impor os seus pontos de vista e a sua moral a todos os indivíduos, mesmo àqueles que professem outra fé ou não professem fé nenhuma. Para Julián Barrio, a laicidade deve estar em segundo plano e a fé em primeiro, independentemente de ser algo que pertence à esfera íntima de cada um. Se nada disto se passar, a pobre ICAR será discriminada e perseguida pelos mefistofélicos jacobinos e laicos em geral.