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Mariana de Oliveira

25 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

BBC de joelhos

A BBC cedeu a pressões da ICAR e decidiu não emitir uma série de desenhos animados que caricaturava o Papa João Paulo II.

O programa intitulado «Popetown» (Cidade do Papa) tinha sido adoptado pela BBC3, apesar da grande oposição dos bispos católicos.

«Decidimos não transmitir o programa depois de muitas considerações e consultas e de comparar o rasgo criativo com a possibilidade de ofender parte da audiência», afirmou o responsável pelo canal, Stuart Murphy.

O arcebispo de Westminster, cardeal Cormack Murphy-O’Connor, confirmou que tratou do assunto com a BBC e manifestou a sua satisfação pela retirada dos desenhos animados, dizendo estar muito contente que «tenham prestado atenção à inquietude dos católicos» e aos seus desejos sobre o projecto.

É sempre um bom sinal de tolerância e de abertura de espírito ver séries que satirizam determinadas instituições, mormente a Igreja Católica, retiradas do ar por uma cadeia de televisão que se orgulha de ser imparcial e de não ceder a pressões.

23 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

Detergente

Encontrei esta mensagem sms pré-fabricada na página da myTMN como sendo uma frase escrita por um aluno numa prova global: «Baptismo é uma espécie de detergente do pecado original».

22 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

Hermanos republicanos pela escola laica

A plataforma «Ciudadanos por la República del Campo de Gibraltar» vai empreender uma campanha por uma escola pública laica e pela abolição do ensino da religião. Esta é uma das decisões tomada pela associação de plataformas republicanas de toda a Espanha, tomada a 12 de Setembro em Madrid.

«A reivindicação da escola laica é estratégica num período em que se renegociará a inconstitucional concordata com a Santa Sé, que interfere gravemente em decisões políticas e continua canonizando mártires fascistas, enquanto ainda esperamos uma autocrítica pelo alinhamento com o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial e com a ditadura de Franco», diz o documento aprovado naquela assembleia.

Também nós, deste lado da fronteira, precisamos de nos unir e pugnar por uma República em que a laicidade não seja uma mera declaração de princípio contida na Constituição. Por isso é que a Associação República e Laicidade e uma associação de ateus são importantes, porque só num Estado que não se vergue perante uma religião é que se encontra a justiça social.

21 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

A filha pródiga do Vaticano

O Papa João Paulo II está contente com a República Portuguesa. Porquê? Porque «a assinatura da nova Concordata entre a Santa Sé e Portugal, não vem a ser mais do que a expressão viva de um consenso maturado para reforçar a presença desta alma cristã fundada nas profundas relações históricas entre a Igreja Católica e Portugal», disse JP2 ao receber o novo embaixador português junto da Santa Sé, João Alberto Bacelar Da Rocha Paris.

O Papa também agradeceu à República, na entidade do Governo, por se ter batido pela inclusão de uma referência ao Cristianismo na futura Constituição Europeia – «desejo aproveitar esta ocasião para exprimir o meu reconhecimento pela acção do seu Governo em ressaltar a identidade cristã da Europa, e faço votos por que as convicções que dela derivam possam afirmar-se tanto no âmbito nacional como internacional».

João Paulo recordou-se dos dias das suas Visitas Pastorais a Portugal, nomeadamente ao Santuário de Fátima, quando pode «pessoalmente constatar as raízes cristãs dessa Nação abençoada e protegida por Nossa Senhora».

O embaixador Rocha Paris, por seu turno, «sublinhou a ligação secular que une Portugal à Santa Sé, defendeu a língua portuguesa utilizada por milhões de católicos, recordou que Portugal deu origem a mais de um quinto das dioceses em todo o mundo e evocou as recentes posições do Governo sobre a paz no Médio Oriente e em África sobre a defesa da vida, a identidade cristã da Europa e o persistente reforço do estatuto da Santa Sé na ONU».

Ou seja, Portugal continua a ser uma das nações queridas do Vaticano por se bater por uma referência a uma específica religião numa Constituição Europeia – que deve ser uma lei fundamental que se refira a todos os povos e nações independentemente das crenças individuais de todos os cidadãos -, por continuar a perseguir e punir mulheres que fazem aborto e por manter uma convenção internacional que confere especiais vantagens a uma confissão religiosa. Bestial!

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que as Renas e os Veados dizem a Marcelino

A opinião do Boss, colaborador do Renas e Veados, ao artigo de António Marcelino, que podem ler no post anterior.

Humanismo selectivo

Fui alertado pela Palmira, colaboradora do Diário Ateísta (gosto do novo look), para um artigo do sr. António Marcelino, bispo de Aveiro, publicado hoje n’O Primeiro de Janeiro. A coisa chega a ser delirante, de tão esquizofrénica.

O sr. Marcelino começa por escrever «Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão» – palavras que poucos bispos sentirão de facto, e entre estes não estará certamente o dito.

Voilá! «Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros. É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.»

Uns são “outra gente”, e os bispos são “outros portugueses”. Claro que “esta gente” não nega nada a ninguém, claro que os “bispos portugueses” podem escrever o que bem entendam nos jornais portugueses e até estrangeiros, mas isso é o que importa distorcer. A ideia que “estes bispos” querem passar é que a igualdade de direitos para tod@s, homens e mulheres, hetero e homossexuais, é na verdade uma negação de direitos aos “outros portugueses” – mesmo que rigorosamente nada lhes seja retirado.

De notar ainda que esta associação que o sr. Marcelino faz entre o ateísmo e as associações lgbt é um claro apelo à homofobia, colando gays e ateus, descola os homofóbos do ateísmo, e os gays (visíveis) da igreja católica.

«A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas.» – Someone please call 911!

Um bispo a falar em “tentação do dogmatismo”!?! Seguindo para o “dom da fé”!?! Se for legal o sr. Marcelino devia dizer o que anda a tomar, porque às vezes sabe bem entrar na Twilight Zone, e há para aí muitas mezinhas de convento esquecidas e subaproveitadas, será uma dessas?

Deve ser: «Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.»

Resumindo, quem não acredita em d*** vale menos (deverá ter os mesmo direitos?) e quem acredita e olha para d*** tem maior dimensão e valores humanos, assim tipo terroristas de Beslan, I guess…

É óbvio que não digo o contrário do sr. Marcelino, ou seja, não digo que ser ateu implica por si só ter maior valor e sentido humanista do que um crente. Mas digo que “crença a mais” retira de facto o sentido humanista às pessoas, o exemplo dos terroristas da Ossétia do Norte é perfeito. Quanto aos ateus pouco humanistas, esta falta de humanismo, solidariedade etc nada terão que ver com o facto de não acreditarem em d***, mas apenas com o facto de também não acreditarem nas pessoas. O humanismo e solidariedade é conseguido e praticado entre pessoas de carne e osso, e é conseguido e praticado tratando as pessoas sem discriminações, sem dizer que alguém vale menos que outro, porque não acredita em d***.

Desprezar d*** não magoa ninguém, já desprezar grupos de pessoas magoa muita gente. Onde pára o seu humanismo sr. Marcelino?

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que diz Marcelino

Vem hoje publicado, n’O Primeiro de Janeiro, um artigo de opinião de António Marcelino, bispo de Aveiro, em que o cavalheiro discorre acerca da criação de uma associação de ateus em Portugal.

Será enviada e colocada à vossa disposição, atempadamente, uma resposta ao senhor bispo. Até lá, eis o texto:



O ateísmo português, constituído em associação

por António Marcelino, bispo de Aveiro

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação República e Laicidade” [errata: a associação de ateus que aqui é tratada encontra-se em fase de criação. A Associação República e Laicidade, essa já criada, reúne crentes e não crentes que defendem os valores de um Estado republicano e laico]. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não têm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno do ateísmo não é recente. Tem história que vem de longe, com matizes diversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz o Evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antropológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e de datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamente o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na Terra, como um bem natural, sem qualquer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstracções”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.»

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

TPI Ruanda julga padre genocida

Pela primeira vez, o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda julgará, a partir de amanhã, um responsável religioso católico acusado de ter participado activamente no genocídio de 1994. Este processo permitirá lançar luz sobre a actuação de alguns «homens de Deus» na chacina que arrasou aquele país africano, maioritariamente católico, quatro anos depois de uma visita de João Paulo II.

O padre Athanase Seromba, de etnia hutu, é acusado de ter preparado e supervisionado, juntamente com responsáveis locais, em Abril de 1994, a matança de mais de 2000 tutsis que se tinham refugiado na igreja da paróquia de Nyange. O religioso é também acusado de ter destruído parte do templo com uma escavadora cujo desabamento da estrutura sobre os fieis esteve na origem de um dos massacres da história do genocídio que causou 800 000 mortos entre os tutsis e hutus moderados, segundo a ONU.

Seromba abandonou o país antes da vitória dos rebeldes tutsis da Frente Patriótica, em Julho de 1994, e que acabou com o genocídio. O padre esteve primeiro refugiado na actual República Democrática do Congo, depois no Zaire e, finalmente, encontrou asilo em Florença onde lhe foi dada uma pequena paróquia na Toscana. Antes de se entregar, em 2002, à Justiça, a Itália recusou-se a aplicar um mandado de prisão internacional emitido pelo TPIR.

A Igreja Católica sempre insistiu na presunção de inocência dos seus membros e mostrou-se deveras reticente em prestar colaboração com as entidades judiciais dos diferentes países acusadores. No caso do padre ruandês, a alta hierarquia católica sempre o apoiou, afirmando que nada demonstra a sua culpabilidade.

Questionado acerca do apoio do Vaticano ao genocídio do Ruanda, o porta-voz do TPIR, Roland Amoussouga, disse que «não é um processo sobre o Vaticano, é um processo sobre o indivíduo» e reiterou que «é o indivíduo e não a instituição que está em causa» e que o «Vaticano nada tem a ver com este assunto».

A provarem-se os factos constantes na acusação, é grave ver indivíduos que fazem parte da ICAR envolvidos nestes trágicos acontecimentos e ver que as mensagens de tolerância que são propagadas pela Igreja são vazias de significado. Na verdade, raramente o tiveram e raramente foram seguidas por ela.

9 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

Legislação deve conter referências a Deus e à lei divina

O arcebispo de Pamplona e Bispo de Tudela, D. Fernando Sebastián, criticou a intenção do governo espanhol de governar com leis laicistas uma vez que isso «não tem fundamento teórico sério nem é verdadeiramente progressista, mas sim supõe um retrocesso a teses e formas já superadas» e «algumas leis podem discriminar os católicos». O arcebispo duvida da modernidade e da laicidade de tais leis e afirma que «tão moderna é a bomba atómica como a Sociedade de Nações». Segundo ele, seria melhor promulgar «leis inteligentes, práticas, justas, capazes de favorecer verdadeiramente o bem autêntico e geral dos espanhóis».

Na sua carta pastoral «O laicismo que vem», D. Fernando Sebastián defende que a elaboração de leis que não incluam referências a Deus, à lei divina, à fé de cidadãos ou que não considerem as exigências da moral natural ou dos valores absolutos, «seria tanto como anunciar leis discriminatórias, que se ajustam à mentalidade de uns e não leva em conta a mentalidade de outros, que favorecem os que não acreditam em Deus e ignora os que acreditam nele e querem viver de acordo com a sua vontade».

Com esta posição, o senhor arcebispo esquece-se de todos aqueles cidadãos que não partilham os mesmos valores morais do cristianismo, que têm diferentes religiões ou que não têm nenhumas e esquece-se também que o Direito, para o ser num Estado Democrático, não pode sofrer influências religiosas. Mas, parece, que tudo isto são pequenos pormenores que podem ser relegados para um segundo lugar quando está em causa a manutenção da influência da ICAR nos poderes executivo e legislativo.

7 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

ENA2 na imprensa V

União de Ateus reclama direitos iguais



Ontem, foi dado o primeiro passo para a constituição da União Ateísta Portuguesa. Pela primeira vez, os que não acreditam em Deus reúnem-se e reclamam a igualdade de direitos entre crentes e não crentes. No entanto, algumas curiosidades teimam em povoar as vidas dos ateus e a reclamá-los para o reino dos que acreditam num ser supremo.

Cerca de 25 pessoas reuniram-se ontem à volta de uma mesa no Centro Republicano Almirante Reis, em Lisboa. Em comum, têm o facto de serem ateus, ou seja, não acreditarem na existência de nenhum deus. Durante o segundo encontro nacional – o primeiro decorreu em Dezembro do ano passado, em Coimbra -, foi lançada a primeira pedra da União Ateísta Portuguesa.

Apresentado o traço comum, ouvem-se conversas que denunciam muitas diferenças. Essencialmente, debatem-se questões, ouvem-se opiniões e reflecte-se. Todos gostam de frisar que pensam pela sua própria cabeça e que as semelhanças acabam no ateísmo. Que convém distinguir de agnosticismo: que assume a incerteza e o desconhecimento.

Paula Alves, 21 anos, chegou ao Centro Republicano “por acaso”, apesar de perfilhar a mesma forma de estar na vida. “Vim com um amigo, mas partilho os ideais e sinto que o debate é importante”, explica Paula, que aos 13 anos soube que a sua natureza era inconciliável com a crença num deus todo-poderoso.

Paula também sente a necessidade de se associar. “Sinto que existem muitas pessoas isoladas e sem um local onde se possam dirigir para tirar as suas dúvidas”, defende a jovem, que teve uma educação marcadamente católica com idas à missa e direito a baptizado e primeira comunhão.

Conta que aos 13 anos, por intermédio de conversas entre amigos e algumas leituras, começou por questionar a existência de Deus e acabou por mudar o rumo à sua vida. Apesar da certeza, ainda não confessou a mudança aos avós, com quem vive. “Não discutimos o assunto, eles sabem que não vou à missa, mas não sabem se sou apenas uma católica não praticante. Também nunca esclareci o assunto, porque é o tipo de coisa que não leva a lado nenhum”, pensa.

Cada cabeça, sua sentença. Cada corpo, uma história de vida. A presença de Ludwig Krippahl no segundo encontro de ateus, em Portugal, não é obra do acaso. Apesar de ser jovem, Krippahl já tem ligações ao movimento associativo, pois é presidente da Associação de Cépticos de Portugal (CEPO). “E sou ateu”, apressa-se a clarificar.

As ligações a outras das pessoas presentes na reunião também contribuiu para a sua presença. ?Objectivamente não há indícios de que Deus exista?, explica. Questionado sobre quando se deu esse “clique”, Krippahl faz um esforço de memória, mas conclui: “Desde que me lembro nunca achei que houvesse indícios da existência de Deus.”

“Para mim é mais fácil aceitar que Deus não existe num mundo onde uma criança pisa uma mina e fica sem as duas pernas. O Universo não é compatível com um Deus bom. Se existe é necessariamente mau ou tem um sentido de humor muito mau. Se existir, não é uma pessoa que gostasse de conhecer”, acrescenta.

Apesar de ser ateu e céptico, Krippahl tem as suas próprias crenças. “Todos os nossos valores pessoais são crenças. Acredito que é bom estar vivo e que gosto muito dos meus filhos.” O dirigente da CEPO explica a diferença entre os conceitos de cepticismo e ateísmo: “O nosso cepticismo não se prende com as crenças das pessoas, mas com as suas afirmações. Distinguimos a opinião subjectiva da análise objectiva. Um céptico pode perfeitamente dizer ‘eu acredito no Pai Natal’. O que tem de evitar é ‘afirmo que o Pai Natal existe porque eu acredito’.”

Apesar de cepticista e ateu, Ludwig Krippahl casou pela Igreja Católica. “Casei pela Igreja por causa de familiares, que gostavam que assim fosse. Também não acredito no Pai Natal e não deixo de passar o Natal com a família.”

Uma das coisas que mais revoltam Krippahl é a “intrujice”. “Quem quiser acredita em Deus, o que considero revoltante é a intrujice que há à volta dos milagres. Não se deve acreditar em Deus porque senão vai-se parar ao inferno”, defende. De acordo com Krippahl, a principal luta da União Ateísta Portuguesa deve passar pelo combate à crença em Deus por imposição ou herança familiar, através da informação e divulgação de factos cientificamente provados. A importância de constituir o movimento é ainda fundamental para “mostrar que é possível não escolher qualquer religião.”

UNIÃO. A primeira pedra para a criação da União Ateísta Portuguesa foi dada ontem pelas vinte e cinco pessoas presentes no segundo encontro nacional de ateus. Mas o início deste processo remonta a Agosto de 1999, quando foi criado o site www.ateismo.net, que assumiu o papel de ponto de encontro entre os ateus portugueses.

Cerca de 180 pessoas recebem regularmente informações do site, apesar de no encontro ter comparecido menos de um sexto deste número. Mas de acordo com Ricardo Alves, organizador da reunião e membro fundador da Associação República e Laicidade, os Censos de 2001 registaram um leque muito mais vasto de não crentes: 340 mil pessoas. Resta saber por onde param.

“É um número superior ao de qualquer minoria religiosa. Por exemplo, existem 12 mil muçulmanos, 1800 judeus e a Igreja Católica reclama 1900 praticantes”, defende. A possibilidade de criar uma associação que represente os ateus portugueses é um desafio para Ricardo Alves, pelo facto “de serem todos livres e independentes”. Ou seja, as semelhanças acabam na ausência de crenças religiosas.

O dirigente considera que a utilidade da associação aumenta na proporção “em que em Portugal existe cada vez mais um catolicismo de fachada.”

Na reunião, foi aprovada, por aclamação, a constituição da União Ateísta Portuguesa e a discussão sobre os estatutos já começou. “Não concordamos com a educação moral e religiosa nas escolas públicas – pois nós consideramos que devia ser um ensino laico -, nem com os direitos judiciais concedidos aos padres, que não são incriminados judicialmente por não divulgarem segredos ouvidos em confissão.”

A solução ideal passa mesmo pela exclusão da disciplina de educação moral e religiosa do programa do Ministério da Educação. “A divulgação deve-se fazer nas igrejas. Tal como não concordamos com a existência de crucifixos nas escolas públicas, já que foram instrumentos de tortura noutras altura”, atesta.

Ricardo Alves acredita que “os deuses são criações da imaginação dos homens, alimentadas pela necessidade de explicar factos da natureza para os quais não existia então explicação, mas também surgiram como uma forma de legitimar o poder político.”

FADAS E GNOMOS. Já Onofre Varela considera incompreensível que em pleno século XXI “existam pessoas que acreditam em Deus a partir do nada?. ?É uma crença inocente igual a acreditar em fadas e gnomos”, acrescenta um dos mentores da União Ateísta Portuguesa, jornalista agora na reforma.

Tirar os ateus do quarto escuro é a meta que a associação pretende atingir mais facilmente. “Considero que os ateus são ignorados, são mesmo vetados”, confessa, ao mesmo tempo que sublinha já ter sentido pressões sociais por assumir-se. Mas mais uma vez confirma: “Tudo o que continua por explicar será esclarecido pelas ciências.”

Alertar consciências é outro propósito que se pretende atingir com a criação da associação. “A crença em Deus tornou-se um comércio e gera especulações políticas e sociais muito grandes, como agora na questão do aborto, por exemplo, através da utilização do mandamento ‘não matarás’.”

Outro dos objectivos é a associação tornar-se parceiro social na discussão de matérias ligadas à educação. “Nas escolas, a religião só devia entrar de um modo histórico e não de uma forma confessional”, opina Onofre.

A oposição à Concordata une os ateus, que consideram que este tratado internacional concede privilégios aos católicos. Actualmente, vigora em Portugal a Concordata, de 1940, mas um novo documento aguarda aprovação da Assembleia da República.

Os ateus criticam o facto de a nova Concordata assumir a categoria de um tratado internacional entre dois Estados (Portugal e Vaticano) e, por conseguinte, só poder ser alterada com o mútuo consentimentos das partes. Refira-se ainda que as outras confissões religiosas estão sujeitas à Lei da Liberdade Religiosa, o que as coloca sob a alçada da Comissão de Liberdade Religiosa, sob a tutela da Igreja Católica Apostólica Romana.

Maria Teresa Horta

“Acho muito curioso a criação de um grupo de ateus. Apesar de ser ateia, não sinto necessidade de me organizar. Penso que não é por aí que as coisas se resolvem, mas a reflexão é salutar. Também tem que ver com o Código Da Vinci [livro de Dan Brown], que retorna ao mistério e à busca da espiritualidade. Na mesma medida, revelam-se forças contrárias, como é o caso dos ateus. Nunca fui convidada pelo grupo, mas se fosse era capaz de participar. Quando tive as minhas dúvidas esclareci-as com um padre da Igreja São João de Deus. Como ateia, já sofri alguns dissabores. Quando andava na escola, a mãe de uma amiga minha quis falar com a minha mãe, porque achava que eu não era uma boa companhia.”

Francisco Louçã

“Não conhecia o grupo, nunca fui convidado, mas também não tenho nenhuma inclinação para isso. Mas considero legítimo as pessoas associarem-se. Nunca fui discriminado por ser ateu, pois nasci numa família com liberdade religiosa. Mas a minha filha, quando, há poucos anos, frequentava uma escola primária, em Lisboa, cuja professora era católica, deixava-a na varanda, inclusive no Inverno, quando leccionava religião e moral. Depois, pediram-me desculpa, e o assunto foi resolvido, mas considero que é uma anormalidade. Comigo, nem no tempo do fascismo senti qualquer tipo de pressão por não acreditar em Deus. Acho também, incrível que a Universidade Católica seja a única que não precise de autorização do Estado para criar novos cursos.”

Isabel do Carmo

“Considero que a questão de as pessoas serem religiosas ou ateias está ultrapassada. Acho mais lógico e moderno a criação de grupos laicos ou agnósticos. Eu sou agnóstica, pois não tenho certezas de nada, tenho uma posição mais aberta. Mas cada vez estou mais convencida de que não existe um deus supremo ou um super-homem a comandar o Mundo. Não sou baptizada e a minha família não é católica. No tempo da ditadura, quando andei no Liceu de Setúbal, onde havia muitas pessoas de esquerda, era a única menina não baptizada. Um padre tenebroso disse-me logo: ‘Então a menina é comunista!’. Durante os cinco anos de liceu sofri muitas pressões e tive imensas discussões.”

in A Capital, 05 de Setembro de 2004

Leia a resposta de Carlos Esperança ao artigo.

6 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

ENA2 na imprensa IV

Ateus portugueses vão ter associação nacional

Encontro Participantes aprovaram moção contra a Concordata Ensino da

religião não reuniu consenso na segunda reunião nacional

A constituição de uma Associação Ateísta Portuguesa foi aprovada, ontem, durante o segundo Encontro Nacional de Ateus que se realizou em Lisboa. De acordo com Ricardo Alves, um dos promotores e membro fundador da Associação República e Laicidade, o objectivo dessa associação passará pela defesa “dos valores ateístas”, tais como “o direito a não ter religião” e a ser “tratado de forma igual”.

Ricardo Alves considera que há desigualdade de tratamento quando o Estado financia o ensino da Religião e da Moral Católica nas escolas públicas. O encontro acabou por não reunir consenso quanto a essa questão: “Não chegámos a acordo sobre se deveríamos exigir o fim do ensino da Religião e Moral nas escolas públicas ou reivindicar o ensino do ateísmo em iguais circunstâncias”, disse. Por unanimidade e aclamação, foi aprovada uma moção contra a nova Concordata. O contrato entre o Estado Português e o Vaticano, na opinião dos ateus, atribui “direitos específicos a um grupo de cidadãos e a uma Igreja”, para além de se tratar de um “acordo internacional que fica fora do jogo democrático e que só pode ser alterado por consentimento mútuo”. Os ateus defendem uma separação clara entre o Estado e a Igreja e opõem-se à existência de qualquer concordata.

Em Dezembro deste ano, será realizado um novo encontro nacional de ateus para aprovação dos estatutos da nova associação. Até lá, segundo Ricardo Alves, para além do debate travado na Internet através do site www. ateísmo.net, vão ser publicados textos sobre “cultura e valores ateístas”. Nos sensos de 2001, 250 mil pessoas declaram não ter qualquer religião.

in Jornal de Notícias, 05 de Setembro de 2004