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Mariana de Oliveira

19 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

Abominações do abominável

No dia 18 de Fevereiro, João César das Neves, insigne intelectual e académico da nossa praça, deu uma interessantíssima entrevista ao jornal «O Independente» que merece ser divulgada e estudada.

Depois de comentar a injustiça do seu processo judicial – em que é acusado de ter equiparado «actos homossexuais ao crime de pedofilia», referindo que «os recentes casos de pedofilia são todos, mesmo todos, homossexuais», de ter comparado os homossexuais a drogados e de os ter considerado doentes -, diz que a nossa sociedade encontra-se num caminho para a destruição por estar obcecada pelo prazer.

Continuando com a questão da «doença da homossexualidade», esclarecendo o despacho de pronúncia, César das Neves diz que em lado nenhum considera os homossexuais doentes ou drogados, mas afirma apenas que existem algumas semelhanças. Ora, isto é muito mais aceitável, pois claro! E que semelhanças são essas? A anormalidade do comportamento! Daqui passa logo para a magnífica conclusão de que, se há 30 ou 40 anos a homossexualidade e a pedofilia eram consideradas iguais e se , actualmente, a primeira é aceitável, daqui a uns tempos serão ambas iguais.

Se os caros leitores já estão impressionados com o que se disse até agora, tenham em conta que isto é só o começo. Logo a seguir, o grande economista afirma que a homossexualidade é um comportamento desviado… «como o diz o catecismo da Igreja Católica»! Será que o que diz a ICAR, para o académico, é lei? O que diz a ICAR é apenas a sua opinião. Daí que entenda que as relações entre pessoas do mesmo sexo sejam imorais. Mais: qualquer dia, com estes movimentos para a legalização dos casamentos homossexuais, será a vez da poligamia, do incesto e da bestialidade! A legalização da poligamia não é muito chocante desde que funcione para os dois sexos, que as relações entre os cônjuges sejam devidamente acauteladas bem como a segurança do comércio jurídico. Quanto ao incesto, este constitui um impedimento ao casamento – e nada mais do que isso – por razões de saúde. Relativamente à bestialidade, não pode ser nunca equiparada ao casamento porque os animais não têm vontade, faltando logo, à partida, um dos requisitos – vontade livre e esclarecida – para aquele contrato.

Da homossexualidade, João César das Neves passa para a obsessão pelo prazer e suas consequências: a queda da instituição familiar e, assim, a decadência da sociedade. E como se manifesta esta obsessão? Pelos livros de educação sexual que incitam à masturbação, que entendem que é algo perfeitamente normal, e à descoberta da sexualidade! Que vergonha! Que pecado! Que crime! Porquê? Porque «o sexo é uma força extraordinariamente poderosa que define a nossa vida». É um comportamento desviante que distorce a personalidade. É por isso que as sociedades «tentaram arranjar costumes, hábitos e regras para controlar esta coisa». O leitor repare que o entrevistado se refere ao sexo como «coisa», como se fosse algo de nojento que nem merece ser tratado pelo nome.

A seguir, JCN fala na única revolução sexual da História – a imposta pela Igreja – e que acabou «com o deboche absoluto, com regras muito sortidas». «Abandonar a Igreja», diz, é «voltar ao mesmo». Por isso é que diz que a pedofilia deixará de ser crime, porque na Grécia Antiga era normal. Todo este afastamento da boa doutrina da Igreja da moderação sexual e, desta forma, da família está a conduzir ao aumento do «consumo de droga, do suicídio, da desorganização das famílias, do abandono dos mais velhos».

E o preservativo? Esta questão, de acordo com o académico, não se coloca numa relação estável entre marido e mulher (como se o casamento conferisse, automaticamente, estabilidade numa relação) e que aquele pedaço de látex «é uma forma mecânica de tratar questão». Na verdade, para quem leva uma vida de deboche (o que quer que isso seja) e não conhece as regras da Igreja, isto é só um pormenor.
E se um casal heterossexual não quiser ter filhos? A solução de JCN é o fiável método do calendário!

Quanto à hipocrisia da Igreja face ao aumento da sida e à constatação de que as relações sexuais não se passam entre casais estáveis? Não há hipocrisia nenhuma! De acordo com César das Neves, a ICAR não condena o preservativo, mas sim o deboche. Se as pessoas só tiverem relações sexuais como diz a Igreja, deixa de haver sida. As campanhas de luta contra a sida deviam dizer «não ande aí no deboche» em vez de aconselharem o uso do preservativo.

Relativamente ao aborto, obviamente, João César das Neves considera que a ciência não tem dúvidas ao afirmar que existe a destruição da vida humana. Não sei a que ciência é que se refere porque se há algo onde a ciência se divide é na definição do início (e no fim) da vida humana. Assim sendo, equivalendo a interrupção voluntária da gravidez à morte de uma criança, esta devia ser proibida em todos os casos, incluindo mal-formação genética e em caso de violação.

Que conclusões podemos retirar desta esclarecedora entrevista? Como disse o Carlos Esperança:
1 – O acto sexual só é legítimo se se destinar à procriação;
2 – A masturbação e uma abominação porque dá prazer. Para fazer um espermograma
deve-se casar canonicamente, praticar o coito com vista a reprodução e fazer,
depois, uma punção no baixo ventre da mulher para recolher a amostra de sémen;
3 – A masturbação feita aos outros não foi abordada por JCN pelo que ficou sem
se saber se pecavam os dois ou só um;
4 – Deboche é qualquer prática sexual que tenha em vista o prazer. A gula é o
deboche dos hidratos de carbono;
5 – Tudo o que diz a ICAR é a verdade, a única verdade, a verdade de JCN;
6 – O Papa é o sociólogo, o psicólogo, o casto e o modelo das virtudes humanas. Se todos o seguissem acabaria a humanidade por falta de reprodução.

16 de Fevereiro, 2005 Mariana de Oliveira

A visão de Fátima

João Pedro Moura, nuns comentários que deixou num artigo do Diário Ateísta, elaborou uma lista de bibliografia racionalista sobre a questão de Fátima que deve ser partilhada com todos os leitores deste blogue. Segue o seu texto:

1 – «NA COVA DOS LEÕES», Tomás da Fonseca, edição do autor, Lisboa, 1958
É a primeira obra a tratar e a desmascarar o assunto.
Tomás compilou as cartas e os artigos que havia publicado sobre a questão desde o início e publicou-as neste livro.
Há um ou outro ponto obscuro na sua argumentação, concretamente, quando emite a hipótese de a «aparição» se tratar duma encenação por parte duma senhora dum militar, integrando os «empresários», como ele chamava, do negócio religioso. Mas, Tomás da Fonseca esmiuça muito bem as personagens, actos e ditos, com o seu peculiar e demolidor sarcasmo. É a única obra coeva das «aparições».
É muito improvável poder adquirir-se este livro. A haver disponível, imagino que só poderá existir em dois locais, uma livraria em Lisboa e outra no Porto.

2 – «A FABRICAÇÃO DE FÁTIMA», Prosper Alfaric, Edições Delfos, s/d (década de 70)
Alfaric foi ex-padre, convertido ao ateísmo (isto é que é bom!), e professor de História das Religiões, na Faculdade de Letras da Universidade de Strasbourg, na França, na década de 50. Foi um insigne investigador das origens do cristianismo, o assunto mais difícil, em História, e um grande propugnador do laicismo e do ateísmo. Foi membro da «Union Rationaliste».
Fez uma conferência em Paris, sobre o assunto, denunciando a mascarada fatímica, em França, e carreando informações estrangeiras sobre o assunto, nomeadamente, quanto às intervenções dos papas Bento XV, Pio XI e Pio XII, essa criatura horrenda, sobre as «aparições».
Suponho que é impossível arranjar esta obra nos alfarrabistas.

3 – «FÁTIMA DESMASCARADA», João Ilharco, Coimbra, 1971
Aproveitando a maior liberdade marcelista, este autor de Coimbra abriu uma estrondosa brecha na coesão e unanimismo religiosos ao publicar este livro com semelhante título.
Levantou uma enorme polémica, nas hostes católicas, e foi severamente exprobrado pelos agentes da clericalha tartufa. Durante uns tempos, O Correio de Coimbra, entre 1971 e 1972, teceu grossa discussão com o autor, até a coisa se ir diluindo.
Foi preciso alguma coragem ao autor para publicar tal livro, nas condições, no mínimo, imprevisíveis, do marcelismo?
A tese do autor, tal como a de Tomás da Fonseca, remete o caso das «aparições» para uma conspiração, do princípio ao fim, por partes de agentes clericais (padres). Só que, a tese de Ilharco, defendendo que foi colocada uma imagem no sítio da «aparição», com incidência de raios solares orientados para a imagem com o espelho colocado a distância recatada e manipulado por um cúmplice, não me convence. É uma tese extravagante e inverosímil. Não repudio a hipótese duma qualquer intervenção conspirativa e cénica, como defendeu Tomás da Fonseca, mas não me convence inteiramente.
Esta obra talvez se consiga adquirir em alfarrabistas, sobretudo em Coimbra.

4 – «FÁTIMA – O QUE SE PASSOU EM 1917», Fina d`Armada, Bertrand, 1980
Foi o primeiro livro estudioso de Fátima, após o 25 de Abril. Eu assisti à sua apresentação pública, na livraria Bertrand, no Porto, e falei com a autora.
Posteriormente, também assisti ao debate de apresentação do livro, em auditório, e pude verificar as provocações de que foi alvo a autora, por parte de agentes católicos, que estavam na sala para fazer comentários depreciativos e provocatórios. Vocês nem sabem do que é que esta gente pestífera é capaz de fazer quando se sente incomodada e «ofendida» na sua doutrina .
A autora, que é professora de História, e que foi também a mais importante feminista portuguesa, nos primeiros anos pós-25 de Abril, desenvolveu também uma tese, nesse livro, sobre influência ovnilógica no fenómeno de Fátima.
Não aceito esta tese sobre OVNIs, por motivos que não vou focar aqui. Registo, contudo, o mérito da investigação desta autora, muito esmerada e minuciosa na análise social do caso de Fátima, recolhendo importantes e inéditas informações no Arquivo Formigão, o mais importante investigador e historiador do fenómeno de Fátima e o principal promotor do negócio…
E mesmo no que toca a OVNIS, a autora patenteia uma metodologia e perspectiva científica sobre a questão, indo o mais longe que a ciência pode ir?
Este livro ainda estará disponível em livrarias e alfarrabistas.

5 – «FÁTIMA – NOS BASTIDORES DO SEGREDO», Fina d`Armada e Joaquim Fernandes, Âncora Editora, Lisboa, 2002
Trata-se duma edição semelhante à anterior, mas com a vantagem de ser mais recente (22 anos depois) e apresentar novas perspectivas e informações sobre a questão. Obra muito informativa, constituindo uma extraordinária investigação, como é característico destes autores.
Joaquim Fernandes foi, durante cerca de 20 anos, jornalista no JN. Fundou na década de 70, no Porto, o CEAFI, Centro de Estudos Astronómicos e Fenómenos Insólitos, organismo muito prolífico nessa década e na de 80, em estudos de ovnilogia, constituindo o mais importante centro de investigação de OVNIS, que houve em Portugal, e ele, J. Fernandes foi o mais importante investigador português nessa matéria, sem nunca sair da perspectiva científica no estudo dos OVNIS, não fazendo quaisquer concessões aos esoterismos que a ovnilogia suscitou.
É licenciado em História e docente da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, onde fundou o CTEC ? Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, grupo com ligações internacionais, que procura investigar as bases neurobiológicas do fenómeno religioso, intersectando a Física, Química, Sociologia, História, Psicologia, assunto esse sobre o qual tal centro já editou uma antologia, em livro, de artigos de autores nacionais e estrangeiros.
Está a preparar o doutoramento sobre «Imaginário Extraterrestre na Imprensa Portuguesa». Estuda os aspectos teóricos, históricos e antropológicos das «aparições». É membro da Society for Scientific Exploration, da Universidade de Stanford, na Califórnia.
Obra disponível nas livrarias.

6- «FÁTIMAMENTE», Padre Mário de Oliveira, edição de Guilherme Silva, 2000
Que dizer do padre Mário de Oliveira?!
Cada livro que ele edita, e é quase um por ano, são obras que nós subscrevemos, numa grande parte, sobretudo, as respeitantes à religião.
Mário de Oliveira é um laico, fortemente anticlericalista e? e? criptoateu?
O que é que faltará a este homem para renegar os últimos resquícios de fé e religiosidade?!
Com a vantagem de ser um profundo conhecedor do meio, pois já foi padre, quero dizer foi-lhe retirada a paróquia por excessiva dissidência com a hierarquia. É o nosso mais importante aliado, sem dúvida nenhuma.
Nesta obra, Mário desanca na exploração religiosa de Fátima e nega a validade de todo o fenómeno, com várias perspectivas e dados.
Guilherme Silva ilustra a obra com muitas fotos evidenciadoras dos rastejamentos e outras cenas degradantes do antro fatímico.
Certamente que está disponível nas livrarias.

7 – «FÁTIMA NUNCA MAIS», Padre Mário de Oliveira, Campo das Letras, Porto, 1999
Outra obra do Mário, denunciadora do fenómeno de Fátima, com várias perspectivas e ligações a outros acontecimentos.

8 – «AS “APARIÇÕES” DE FÁTIMA, Imagens e Representações (1917-1939)», Luís Filipe Torgal, Editora Temas e Debates, Lisboa, 2002
Outro livro muito bom sobre Fátima deste professor de História, de Coimbra, e o melhor em bibliografia, pois contém uma extensíssima bibliografia, não só sobre o assunto, mas também sobre enquadramentos conjunturais e correlativos numa vasta perspectiva.
Nas livrarias.

9 – «AS DUAS FACES DE FÁTIMA», Manuel Eladio Laxe, Editorial Império, Lisboa, 1987
Deixei para o fim, propositadamente, aquela que me parece ser a melhor obra de investigação sobre Fátima. Extraordinária investigação, enriquecida com fotografias que, normalmente, muitos autores desprezam. Um portento de minúcias, ilações, explicações, comparações.
Uma autêntica investigação judicial sobre a matéria.
Só me parece que o autor deveria ter abordado melhor as «Memórias da Irmã Lúcia». Será, a priori, a única crítica que lhe faço.
É um autor espanhol e o livro foi editado em Espanha, donde foi traduzido para Portugal.
Dificilmente se conseguirá adquirir nas livrarias.

12 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

Estatutos AAPistas

Após inúmeras conversações no universo internauta e após a discussão no ENA III, aqui estão os estatutos da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), já em processo de formalização.

Para aguçar a curiosidade, aqui se referem alguns dos artigos.

Artigo 1º

(Constituição, denominação e natureza)

É constituída, por tempo indeterminado, uma associação sem fins lucrativos, de natureza cívica, cultural e apartidária, e dotada de personalidade jurídica, sob a denominação «Associação Ateísta Portuguesa».

Artigo 2º

(Símbolo da Associação Ateísta Portuguesa)

A Associação Ateísta Portuguesa adopta como símbolo um átomo estilizado com a sigla «AAP» inserida.

Artigo 4º

(Objectivos)

A Associação tem por objectivos:

1. Fazer conhecer o ateísmo como mundividência ética, filosófica e socialmente válida;

2. A representação dos legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião no exercício da cidadania democrática;

3. A promoção e a defesa da laicidade do Estado e da igualdade de todos os cidadãos independentemente da sua crença ou ausência de crença no sobrenatural;

4. A despreconceitualização do ateísmo na legislação e nos órgãos de comunicação social;

5. Responder às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.

Podem sugerir iniciativas a realizar, no futuro, pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP) através da lista de discussão ou, então, do fórum web do Ateísmo.net.

10 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

A blasfémia do peditório

Respondendo ao artigo do Blasfémias, intitulado «Sintomático», que versa sobre um texto do Diário Ateísta, venho esclarecer uns pequenos pontos.

Primeiro – o que acho vergonhoso não é o acto em si de solicitar contribuições voluntárias aos paroquianos, mas sim o facto de ser uma divisão de uma estrutura mais vasta, a ICAR, que está longe de viver em dificuldades económicas e que tem dinheiro mais do que suficiente para poder fazer face às despesas das suas sucursais.

Segundo – pior do que a situação anterior, é o facto de a prestação determinados serviços, nomeadamente casamentos, baptizados e funerais, só ser feita mediante o pagamento da côngrua. Ou seja, as coisas funcionam como que sob coacção: se não se pagar a contribuição voluntária, há que procurar outro sacerdote. É o que se passa em Lamego.

Terceiro – sou a favor da liberdade. Portanto, quem estiver disposto a doar o que quer que seja às suas igrejas, está no seu pleno direito desde que esses negócios não sejam contra a lei ou os bons costumes.

Quarto – a cobrança dos impostos é feita em nome da colectividade para que o Estado, em nome do Povo que legitima o seu poder, possa prosseguir políticas de interesse colectivo e não apenas de um grupo social.

8 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

Mais peditório

Depois de ter comentado a carta enviada pelo padre da minha freguesia, pedindo o pagamento da côngrua, chega a notícia de que, em Lamego, o pároco de Lazarim e Lalim fez o mesmo se bem que em moldes um pouco distintos.

Da carta enviada aos paroquianos constava o seguinte: «como nem todas as famílias têm cumprido os deveres de pagamento da côngrua, devem as mesmas procurar um outro sacerdote que as sirva. Nomeadamente em serviços de casamento, baptizado e funeral». Podendo ainda ler-se que só «cumprindo com o pagamento da côngrua o cristão poderá ter direito à prestação dos serviços do seu pároco».

Resultado? A população não gostou, especialmente porque o padre Agostinho Ramalho sugere o «mínimo a pagar de côngrua de 20 euros, esteja reformada ou ganhe o dia». Por exemplo, um agricultor disse que «a fé em Deus não se paga» e que tem quatro filhos «que, de vez em quando, lá fazem uns trabalhos, conforme pede o senhor padre. Por cabeça tenho de dar 20 euros, é muito dinheiro».

O padre, por seu lado, não compreende as razões do descontentamento já que a «a carta apenas tem como objectivo chamar a atenção dos paroquianos para os seus deveres cristãos e morais» e que, apesar do que está escrito, «se alguém não pagar por falta de dinheiro, não vai ficar privado do serviço religioso».

E para que é que Agostinho Ramalho quer o dinheiro? Primeiro, para que «todos os paroquianos possam viver alegres na paróquia» e, depois, para o seu rendimento porque, coitadinho, não tem outras fontes de rendimento a não ser umas aulitas que dá no Centro de Promoção Rural de Lamego. Que pena tenho eu do senhor padre que, pobrezinho, não paga impostos sobre o que recebe, que tem cama, mesa e roupa lavada, que tem um horário de trabalho flexível. É triste…

7 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

O peditório

Como já tinha sucedido em 2003, apareceu, esta semana, na caixa de correio de minha casa – e, parece, a todos os habitantes da freguesia, incluindo o Miguel Cardina – uma interessante missiva enviada pela paróquia de Santa Clara que reza o seguinte:

«Caro Paroquiano(a):

No início de mais um ano, venho lembrar o Contributo Paroquial (Côngrua). A nossa comunidade cristã tem uma dimensão económica que deve ser assumida por todos os paroquianos.

Segundo as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa, cada família deve contribuir anualmente com o equivalente a um dia de trabalho, para as despesas gerais da Paróquia: culto, obras de construção ou restauro e conservação dos imóveis, sustentação do clero, evangelização, caridade e apostolado (…)»

[A seguir apresentam-se os prazos para a contribuição, agradecimentos a todas as famílias que contribuiram anteriormentee muitas bênçãos de Deus]

O que mais me encuca neste prospecto não é o peditório em si – vergonhoso por provir de uma sucursal de uma instituição que está longe de viver com dificuldades económicas -, mas a forma como é feito. De facto, o senhor pároco de Santa Clara presume que todas as famílias desta freguesia professam a religião católica apostólica romana e que, assim, são obrigadas a contribuir para as «despesas gerais» de «culto, obras de construção ou restauro e conservação dos imóveis, sustentação do clero, evangelização, caridade e apostolado». É esta prepotência que me irrita solenemente!

Gostava de saber uma coisa: será que a paróquia colocou a mesma carta nas caixas de correio dos locais de culto concorrentes existentes em Santa Clara, na rua Pinto de Abreu e na rua Milagre das Rosas (mais uma designação para adicionar à toponímia religiosa da cidade)? E, como sugeriu o Ricardo Alves, porque não pedir ao senhor pároco uma contribuição para a Associação Ateísta Portuguesa?

31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Mais um

Daqui a uma horas acaba mais um ano. Um ano pautado por muitos atropelos a direitos, liberdades e garantias e, mais recentemente, pela tragédia no Índico, mas nem tudo foi mau – a lei do véu francesa que impediu (espera-se) o avanço de um islamismo castrador da individualidade da mulher (ok, isto é muito discutível), a China mostra sinais de tolerância com a nova lei da liberdade religiosa e, algo mais caseiro, a Associação Ateísta Portuguesa está franco andamento.

Em nome de toda a equipa do Diário Ateísta, desejo-vos umas boas entradas – a rezar, agarrados a uma garrafa de álcool ou a alguém – e que 2005 seja um ano ímpar.

31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Cada cavadela, cada minhoca

Para acabar o ano em beleza, D. Jacinto Botelho, presidente da Comissão Episcopal da Família da CEP, considerou a decisão do governo espanhol de equiparar as uniões homossexuais ao casamento como «uma provocação à Igreja e aos valores da família».

O padre considera que «é, no mínimo, provocatório e é um escárnio à doutrina fundamental da Igreja. Não sei o que estará por trás mas não há dúvida nenhuma que estará certamente essa mentalidade laicista, que esquece os valores fundamentais e, possivelmente, será o reflexo de uma programação contra a Família, contra os valores essenciais, contra o progresso da própria sociedade».

Claro que a decisão do governo espanhol é provocatória da doutrina fundamental da ICAR porque esta doutrina é intolerante e sexista e o projecto de lei pretende exactamente o contrário, pretende reconhecer uma situação pertencente a uma realidade social que, actualmente, tem dignidade jurídica e, como tal deve ser reconhecida pelo legislador. Ora, a lei e o Direito não são subsidiários de uma moral religiosa de determinado grupo. Os tempos em que a lei suprema era a que emanava de Deus (entenda-se de alguns que se auto-proclamavam seus intérpretes) já se ultrapassaram há muito.

A Igreja Católica não tem qualquer legitimidade para impor os seus valores fundamentais e a sua visão da família a uma sociedade plural e multicultural. Esta atitude prepotente da ICAR provoca urticária a qualquer um! Há semanas que aqueles senhores de batina bafienta se divertem a remexer esta questão. Já chega! Já se viu que a sua opinão não vai vingar e que, desta vez, ganhou a tolerância.

31 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Ateísmo de hastes: Zwei

O segundo artigo do Renas e Veados sobre o ateísmo e a sua relação com a religião (especialmente com a Igreja Católica Apostólica Romana), cuja autoria pertence ao Boss, foca as injustas acusações de intolerância com que frequentemente os ateus se deparam. A nós nunca nos «ocorreu proibir as religiões, a liberdade de culto ou construção de templos», antes pelo contrário, achamos muito bem que exista liberdade de religião e de culto. Por quem são? Construam igrejas à vontade (desde que sigam os planos de ordenamento de território e demais legislação de edificações)! No entanto, se criticamos o que quer que seja relativo a qualquer aspecto da crença, caem-nos em cima apontando o dedo acusador: «Intolerantes!». Como diz o autor, a única intolerância é não aceitar como válido os argumentos apresentados e considerados sagrados.

Continuando, como muito bem sublinha o Boss, «curiosamente quando se trata de criticar as opções ateístas não há qualquer comedimento, o tal que se pede exige aos ateus» e fornece um bom exemplo com um texto do Assumidamente. E segue dizendo que «a hegemonia religiosa da sociedade em que vivemos, [que] distorceu a noção de respeito pela opção religiosa alheia, considerando desrespeito tudo o que não seja a subserviência ou alheamento acrítico». E continua: «Ao mesmo tempo em que é legítimo e vulgar acusar os ateus de pessoas a quem falta algo, pobres de espírito ou mesmo imorais, como se a moralidade fosse algo sobrenatural ao alcance apenas de videntes. E nós ateus estamos habituados a tolerar estes discursos, e a ser comedidos nas respostas – erro crasso, parece-me». De facto é um erro. Temos de mostrar aos crentes e à sociedade em geral que o ateísmo tem um sistema de valores alternativos àqueles apresentados pelas religiões, valores esses assentes numa compreensão alargada da sociedade integrando, sem discriminações, todos os cidadãos independentemente do que são e do que pensam. Há que refutar a ideia que apenas a religião está na base da ética e da moral.

Todos os ateus devem juntar a sua voz ao que é dito: «Num mundo em que é tão mais fácil seguir o rebanho, é de aplaudir aqueles que rejeitam a facilidade de acreditar numa verdade, optando por encarar uma mentira. E é precisamente isto que tornam tão mais lúcidos os ateus, e tão perigosos os religiosos. Constatar uma mentira estimula a denúncia, a crítica, a honestidade racional como via para a construção de um mundo melhor. A crença numa verdade leva a loucuras, à tentação da imposição da verdade aos outros, a intolerância para quem ousa questionar a verdade».

30 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Ateísmo de hastes: Ein

Dois artigos surgiram, ontem e hoje, no Renas e Veados que, pela proximidade com as posições do Diário Ateísta, importa comentar.

A posição de base, publicada no primeiro texto de João O., é idêntica à nossa: «Somos descrentes. Ou seja, não alimentamos qualquer crença religiosa. E somos felizes por não as ter. Apesar disso, não me parece que alimentemos alguma posição anti-católicos ou anti-pessoas religiosas, ou seja, contra quem mantem uma fé ou uma crença em qualquer religião, deus(es) e cultos afins». Também nós não cremos numa entidade divina superior ou metafísica. Como já esclarecemos várias vezes, nada temos contra os crentes. Convivemos pacificamente com eles, temos muitos amigos crentes, não nos fechamos num círculo e não nos relacionamos somente com ateus.

João O. continua: «este blog não compactua com posições reacionárias e anti-direitos humanos, nomeadamente a da ICAR no que toca aos direitos civis, sociais e políticos das pessoas. E aqui condenamos de forma veemente esta instituição. Por tudo o que ela significa e pela sua influência. Por ser uma monarquia teocêntrica, patriarcal e sexista. Como também não nos cansamos nem cansaremos de condenar as posições atentatórias à laicidade do Estado, os privilégios que o Estado confere a esta instituição por via da negociata concordata, nem os seus alinhamentos iguais aos da direita mais reaccionária. Também por questões históricas, como inquisições, apoios a ditaduras, apoios (velados ou explícitos) a genocídios e outras atrocidades em que esta malta participou». E eis que as nossas posições se encontram novamente. Não temos nada contra os crentes – cada um acredita no que quer -, mas não renunciaremos ao direito de nos indignarmos contra uma organização que perseguiu e continua a perseguir, quer pela condenação do aborto quer pela proibição de métodos contraceptivos, mulheres, condena homossexuais, defende a sua moralidade como sendo a única e verdade e negoceia tratatos internacionais por baixo da mesa. Mas, antes de nos acusarem de só «atacarmos» a ICAR, esclareço desde já que somos contra qualquer instituição religiosa que promova tais valores.

Um outro ponto que João O. foca é o poder que a ICAR tem de «difundir a sua doutrina sem travões(…) usando da sua influência eleitoral, decidindo quer como eminências pardas, quer como formadores de opinião, os destinos de todos», católicos ou não.