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Mariana de Oliveira

18 de Julho, 2005 Mariana de Oliveira

Separação dinamarquesa

De acordo com um jornal religioso «Kristeligt Dagblad», 46 por cento dos deputados do parlamento dinamarquês afirmam o desejo de uma maior separação entre o Estado e a Igreja Luterana. Dentro desta percentagem, 29 por cento querem uma separação completa, sendo que os 17 por cento restantes pretendem apenas um distanciamento.

Apesar de tudo, o Ministro da Educação e do Culto, Bertel Haader, duvida que «exista uma separação entre Igreja e o Estado na próxima geração, mas se um relaxamento dos laços significar, por exemplo, que o registo civil tenha de ser efectuado pela Igreja do Estado» é para aí que se caminha.

Um dado curioso é que o único país escandinavo a consagrar a laicidade é a Suécia e fê-lo no ano 2000. Apesar de tudo, creio que nos podemos congratular por não vivermos num Estado marcadamente confessional, não que a ICAR não faça por tentar conduzir as políticas governamentais por forma a perseguir determinados valores morais e por tentar manter determinados privilégios. É contra esta influência mais ou menos velada e contra certos benefícios – nomeadamente fiscais – que devemos lutar.

5 de Julho, 2005 Mariana de Oliveira

A derrota

O jornal do Vaticano L’Osservatore Romano, na sua edição de domingo, qualificou a legalização dos casamentos homossexuais em Espanha como «uma derrota da humanidade».

O jornal esclarece que a oposição da Igreja Católica a esta iniciativa não é uma «guerra de religião», uma vez que a família não é algo imposto pela Igreja, «mas um património das grandes culturas». Claro que se os conceitos de família forem diferentes, aquele que não é conforme com a concepção da ICAR, é obra de uns quantos senhores que pretendem acabar com a sociedade como a conhecemos.
«Causa incredulidade e amargura o tom triunfalista com os que alguns políticos e intelectuais “progressistas” comentaram a lei que legaliza as uniões homossexuais, equiparando-as ao matrimónio heterossexual», diz o artigo.

«Não só os crentes, mas qualquer pessoa com senso comum, livre do preconceito, não pode deixar de reconhecer neste acto uma derrota da humanidade», diz o L’Osservatore Romano. Suponho que este preconceito seja aquele que permite a determinadas pessoas ver os homossexuais como pessoas iguais às outras em direitos e obrigações.

«É singular que um Estado que se proclame “laico” e “liberal” pretenda impor o próprio sistema ideológico sobre uma realidade tão complexa», diz o jornal do Vaticano. «É enganador apelar à “tolerância” ou à “não discriminação” para renegar e tocar a elementar verdade sobre as relações humanas. Não há que abdicar nunca da verdade. Se as palavras têm sentido, há que continuar a as coisas por seu nome». Primeiro de tudo, é por o Estado ser laico e liberal que a natureza contratual do casamento foi afirmada e se desprendeu de concepções morais que nada servem a um Direito democrático.
Segundo, é indiscutível que a realidade seja complexa e este é o motivo pelo qual o Direito não é estático e tem de se adaptar às exigências da sociedade e tutelar situações juridicamente relevantes, como o são os contratos de casamento entre duas pessoas.
Terceiro, o artigo fala em verdade. Ora, por muito que seja essa a vontade da ICAR, não existe uma Verdade que se sobreponha às outras. O que existe são diferentes concepções do mundo que, aos olhos de uns, são mais válidas do que outras. Nada mais.

Concluir que a legalização dos casamentos homossexuais representa «uma derrota da humanidade» é de uma brutalidade atroz sem fundamento e que só revela o que já sabemos: que a ICAR é incapaz de ver uma sociedade plural, com diferentes valores e concepções de vida.

30 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Os sofredores

A fundação Ajuda à Igreja que Sofre apresentou em Roma o relatório de 2005 sobre a liberdade religiosa no mundo, no qual revela que esse direito está ameaçado por todo a parte. Segundo a Agência Ecclesia, o documento relata episódios de intolerância «étnico-religiosa», relações tensas entre governos e Igrejas e «tendências laicistas».

Na China, a situação é considerada como «extremamente grave», sendo considerada «grave» na Nigéria, Uganda, Colômbia e Cuba. Por seu turno, a Turquia é acusada de não respeitar as minorias religiosas e em Espanha aponta-se o dedo à «degradação» das relações entre a Igreja Católica e o Estado, após a vitória do PSOE.

A França é censurada por «abordagens laicistas por parte da República nas suas relações com grupos e manifestações religiosos» e a Suécia é denunciada pelo caso do pastor protestante Aake Green, preso durante 30 dias por se ter manifestado contrário às uniões homossexuais.

Para além disso, o relatório entende que, 15 anos depois da queda da União Soviética, o ateísmo não deixou de crescer, apresentando como caso emblemático a Bielorússia, «onde o controlo estrito do Estado sobre qualquer expressão de culto tende a sufocar o sentimento religioso da população».

É inegável que há países que ainda têm muitos (demasiados) problemas em admitir a liberdade religiosa dos seus cidadãos e que, assim, violam de forma cabal um dos direitos essenciais do indivíduo: adorar o deus que entender ou não adorar nenhum. Agora, acusar países – a França e a Espanha -, que defendem a laicidade e que não se submetem à vontade da Igreja Católica, de perseguirem a liberdade religiosa é completamente infundado. Incluir o crescimento do ateísmo num relatório deste género é uma demonstração de intolerância e de incompreensão inadmissíveis.

Enquanto as Igrejas continuarem a impôr as suas concepções como sendo a Verdade absoluta e continuarem a influenciar as políticas do Estado, existirão sempre tensões entre aqueles que entendem que a religião pertence ao foro privado e não deve sobrepor-se às necessidades colectivas e aqueles que vêem a fé como instrumento de controlo.

29 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Compêndio

O papa Bento XVI apresentou ontem uma versão reduzida do catecismo da Igreja Católica, preparada pelo seu alter-ego Joseph Ratzinger. Em 598 perguntas e respostas, o livro sintetiza o ensino sobre a fé cristã, a moral individual e o pensamento social.

O capítulo que parece ter mais interesse, por ter mais relação com o dia-a-dia dos crentes, é o dedicado aos Dez Mandamentos (celebrizados pelo realizador Cecil B. DeMille) onde são abordadas as questões da moral cristã. O mundialmente conhecido «Não matarás» traduz-se na proibição de matar, estendendo-se a temas como o aborto, a eutanásia, o suicídio, mas também a necessidade de criar condições de paz no mundo.

O compêndio considera como comportamento imoral «toda a iniciativa como a esterilização ou contracepção, que impedem a procriação», e recorda que os católicos divorciados e que se voltaram a casar não podem receber a comunhão. Entre outras, são consideradas “imorais porque se dissociam do acto de procriação [o] adultério, masturbação, pornografia, prostituição, actos homossexuais».

Para além disso, caso alguma lei de um Estado soberano viole estes preceitos morais, o livro entende como legítimo o recurso à desobediência civil.

Mais uma vez temos o reiterar de posições cripto-conservadoras de uma Igreja Católica que pretende ser moderna e tolerante, mas que, no entanto, continua a perseguir ou a excluir as mesmas pessoas.

29 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

A generosidade não é para todos

Depois da Nota sobre a Educação da Sexualidade, hoje constatamos que a Conferência Episcopal Portuguesa é uma organização multifacetada capaz de opinar sobre os mais diversos assuntos, nomeadamente sobre o estado das finanças públicas.

O documento, intitulado «Um olhar de responsabilidade e de esperança sobre a crise financeira do país» e que se configura como um «oportuno relembrar alguns aspectos da doutrina social da Igreja, que devem inspirar o comportamento dos cristãos e de quantos procuram o melhor para o país», afirma que as medidas anunciadas pelo governo «ameaçam penalizar ainda mais aqueles que já são mais sacrificados, pela situação de pobreza ou de falta de trabalho, pela doença e pela desajustada carga fiscal».

O texto realça as «exigências do bem comum» e «a prevalência do bem de toda a colectividade sobre interesses pessoais ou corporativos» e pede ajuda aos cidadãos «quer pagando os impostos justamente distribuídos, quer empenhando-se criativa e solidariamente no implementar de soluções».

No entanto, a Nota Pastoral, apesar dos constantes apelos à generosidade, nada refere sobre a possibilidade de a Igreja, por livre e espontânea vontade, proceder ao pagamento de impostos sobre os seus rendimentos por forma a contribuir para o aumento das receitas do Estado.

28 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Os passarinhos e as abelhinhas

A Conferência Episcopal Portuguesa divulgou uma Nota sobre a Educação da Sexualidade na qual reitera que, «no campo da sexualidade, como noutros, compete à família decidir as orientações educativas básicas que deseja para os seus filhos, decorrentes dos seus valores, crenças e quadro cultural».

Os bispos admitem que «a cooperação da família com a escola potencia a aprendizagem dos alunos e promove um desenvolvimento mais adequado». No entanto, «os pais têm o direito e o dever de educar os filhos, inclusive no referente à sexualidade» sendo este exercício «anterior à intervenção de outras instituições, para além da família, designadamente a escola. Essa responsabilidade, inalienável e insubstituível, envolve o período da vida dos filhos desde o nascimento à idade adulta». Noutro ponto do texto, lê-se ainda que «as outras instituições nunca podem substituir os pais, mas devem ajudá-los no cumprimento da sua missão educativa». A intervenção da escola na área da sexualidade não pretende substituir-se aos pais nesta questão, pretende apenas colmatar falhas graves de conhecimentos básicos sobre as relações sexuais entre seres humanos. Falhas essas que colocaram Portugal com um elevado número de infectados com HIV, sem contar com todas as outras doenças sexualmente transmissíveis.

O documento da Conferência Episcopal refere também a questão dos manuais escolares da disciplina. Em causa, diz a nota, está o documento Educação Sexual em Meio Escolar: Linhas Orientadoras. De acordo com o texto, «os conteúdos e ideias que se pretendem veicular, as metodologias propostas e a bibliografia sugerida como base de trabalho, que serviram de suporte àquelas iniciativas, colidem com a sensibilidade e as convicções do público referido». A partir do momento em que, num livro escolar, aparece a figura de um aparelho reprodutivo a sensibilidade de um católico está gravemente afectada e ficará mais ainda se esse mesmo livro fornecer uma lista de zonas erógenas.

Não se ficando por aqui, a Nota sobre a Educação da Sexualidade entende que «a educação da sexualidade não se resume a mera informação sobre os mecanismos corporais e reprodutores, (…) reduzindo a sexualidade à dimensão física possível de controlar com vista à prevenção contra o contágio de doenças sexualmente transmissíveis e o surgimento de gravidezes indesejadas» e que uma tal concepção «deturpa» a sexualidade «isolando-a da dimensão do amor e dos valores», e abre as portas à «ausência de critérios éticos, e à aceitação, por igual, de múltiplas manifestações da sexualidade, desde o auto-erotismo, à homossexualidade e às relações corporais sem dimensão espiritual porque o amor e o compromisso estão ausentes».

Portanto, podemos concluir que a Conferência Episcopal Portuguesa entende que a disciplina de Educação Sexual é bem-vinda, desde que respeite as sensibilidades dos católicos porque, caso contrário, a sociedade será transformada num bando de masturbadores-homossexuais-fornicadores.

17 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Doutrinar embaixadores

O Papa Ratzinger-B16, no discurso ao embaixador maltês, teve a oportunidade de sublinhar a importância das «raízes cristãs da Europa». «Os malteses, coerentes com o seu património cristão, apercebem-se da importância da sua missão nesta fase da história europeia e mundial», disse. Bento XVI reiterou ainda que «Malta deve esforçar-se para que a União Europeia do terceiro milénio não esqueça o património de valores religiosos e culturais do seu passado». Valores religiosos que se opõem ao divórcio, à liberdade sexual, ao casamento de pessoas do mesmo sexo ou à investigação de células estaminais.

Por sua vez, ao embaixador da Nova Zelândia, B16 falou dos problemas da laicidade e da secularização das sociedades modernas, lembrando que «onde as raízes cristãs da sociedade são cortadas, a tarefa de manter a dimensão transcendente presente em cada cultura torna-se difícil». Claro que se esqueceu que os valores da laicidade e do secularismo existe para que as dimensões transcendentes de cada cultura não se sobreponham umas às outras no domínio público e que, assim, não se beneficiem certos grupos de indivíduos apenas por serem desta ou daquela cultura transcendental.

Ratzinger teve ainda tempo para afirmar que «para o bem da comunidade, é necessário que a liberdade religiosa seja garantida como um direito fundamental, protegido por um robusto sistema legal que respeite a vida e as regras próprias das comunidades religiosas». Claro que ele se refere ao seu – e apenas ao seu – conceito de vida e de respeito pelas regras de cada comunidade religiosa.

14 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

A tanga não é para todos

Na segunda-feira, foi apresentado, pelo Serviço de Administração do Santuário de Fátima, o resumo das contas: 11,6 milhões de euros é o montante dos lucros registados, sem contar com os investimentos realizados no exercício de 2004. Segundo consta, estes números significam um crescimento de 44 por cento nos últimos seis anos.

Só que, na verdade, descontando os investimentos, o lucro é apenas de 0,7 milhões de euros. E, enquanto a nova basílica de 45 milhões de euros estiver a ser construída, o saldo do Santuário continuará a ser reduzido, especialmente porque as obras estão a ser pagas com receitas correntes.

As receitas totais do exercício de 2004 ultrapassaram os 19 milhões de euros, sendo quase 9,2 milhões obtidos de ofertas dos peregrinos. Entre as receitas que mais contribuíram para o enriquecimento destacam-se as valorizações financeiras (3,5 milhões de euros) e o serviço de alojamento (2 milhões de euros). Há ainda uma rubrica designada somente por «outras receitas» que contribuiu com 3 milhões de euros. Quanto às despesas, o funcionamento dos vários serviços custou um total de 7,4 milhões de euros.

Considerando que as contas públicas estão pelas horas da morte, que os impostos vão aumentar para fazer face a um défice gigantesco e que estes senhores não pagam impostos, creio que temos motivos mais do que suficientes para lançar impropérios.

12 de Junho, 2005 Mariana de Oliveira

Ser beato ou não ser

De acordo com uma fonte da Santa Sé, foi constituída uma comissão no Vaticano «para reexaminar o dossiê do padre Dehon».

O padre Léon Dehon, fundador da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, que conta com mais de 3000 adeptos por todo o mundo, devia ter sido beatificado no passado dia 24 de Abril, mas a morte de João Paulo II obrigou ao cancelamento da cerimónia.

Agora, a comissão deverá analisar as acusações de anti-semitismo que surgiram algumas semanas antes da beatificação. Por exemplo, numa conferência, em 1897, o padre declarou: «os judeus são um perigo para a religião, para a propriedade e a liberdade, para a pátria (..). Eles são cosmopolitas e não podem nunca ser sinceramente patriotas». No seu catecismo social (1898), afirma que os «povos cristãos» são «invadidos e dominados» pela «influência judia».

As afirmações anti-semitas completam-se com uma análise da franco-maçonaria, que até teve direito a um livro: «Le Plan des Francs-maçons en Italie et en France», cuja intenção é a denúncia de uma pretensa conspiração daquela organização que, de acordo com Dehon, era uma «daquelas sociedades secretas ao serviço de Satã que têm como objectivo, mais ou menos velado, a destruição da Igreja fundada pelo nosso divino redentor».

Esta polémica junta-se agora com a questão da beatificação de Pio XII, que se manteve ensurdecedoramente calado aquando da exterminação dos judeus pelos nazis.