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Mariana de Oliveira

6 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

Tentativa de um acordo frustrado

A semana passada, a Conferência Episcopal Espanhola declarou a inexistência de um acordo sobre o tratamento da religião no projecto para a Lei Orgânica da Educação e a manutenção do apoio à manifestação convocada para Madrid, no dia 12 de Novembro. Anteontem, foi a vice-presidente do governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, que assegurou que o acordo «não foi possível e lamentamo-lo».

Ao que parece, o governo socialista mostrava-se disposto a inserir nos currículos escolares a disciplina de História das Religiões, dentro da nova área de Educação para a cidadania, e a manter a obrigatoriedade da educação religiosa, embora como matéria opcional e não computável.

O diálogo com o governo, segundo os bispos espanhóis, «não deu os frutos esperados» e as negociações precipitaram-se face à iminente manifestação contra a nova Lei Orgânica da Educação, onde não está excluída a presença de alguns membros da hierarquia da ICAR.

Depois do conselho de ministros do passado dia 4, a vice-presidente explicou que o governo de Espanha teria gostado de ter chegado a um acordo, mas que tal não tinha sido possível. Apesar de se mostrar aberta a um novo acordo, María Teresa de la Vega entende que «francamente, vejo-o muito difícil, não acredito, inclino-me mais a pensar o contrário». Acerca da manifestação do próximo dia 12 e da presença de padres, afirmou: «não é a primeira vez que alguns bispos apelam à participação numa manifestação contra o governo, e não o digo com alegria, mas também considero que são eles que se devem explicar aos cidadãos».

Até agora, alguns bispos – como os de Tarazona e Huesca – anunciaram a sua presença na manifestação que pretende evitar a marginalização do ensino da religião (católica, claro) e a deterioração da situação laboral dos seus professores. Assim, o bispo auxiliar de Madrid, Fidel Herráez, enviou uma carta a todos os sacerdotes, que contém uma nota do Conselho de Laicos onde se convoca a manifestação e se recorda que «ao cardeal Rouco pareceu oportuno enviar esta carta às paróquias». Por seu turno, o delegado diocesano do ensino de Madrid, Avelino Revilla, expediu uma missiva a todos os directores de colégios e aos professores de religião, onde lhes diz que «nos colocaram numa situação difícil e o mínimo que podemos fazer é levantar a nossa voz como cidadãos e manifestarmo-nos contra um modo de legislar que não tem em atenção o bem comum e os direitos fundamentais do indivíduo». Aqui, onde se lê «bem comum» e «direitos fundamentais do indivíduo», deverá ler-se «bem comum aos católicos» e «direitos fundamentais do indivíduo católico».

Numa sociedade que se quer pluralista e num ensino público que pretende ser coerente com esse mesmo pluralismo, não pode nem deve haver lugar ao favorecimento de uma religião face às outras ou face a nenhuma. Devemos defender a liberdade de religião, que só será verdadeiramente atingida se não for imposta o ensino de uma religião aos alunos independentemente da sua vontade, isto porque aquela liberdade tem um sentido positivo e também um sentido negativo igualmente essencial.

1 de Novembro, 2005 Mariana de Oliveira

As causas do terramoto de 1755

Há 250 anos deu-se uma das maiores catástrofes naturais que a Europa da modernidade viu. O terramoto de 1755 destruiu uma das mais opulentas capitais do mundo e matou dez mil das duzentas e cinquenta mil pessoas que habitavam em Lisboa naquela manhã de Novembro.

Como é natural, após os abalos instalou-se o pânico generalizado, o que deu origem ao aparecimento dos profetas da desgraça que anunciavam o dia do juízo final. Thomas Chase, súbdito britânico sobrevivente à tragédia, diz que a cada tremor os populares «bradavam “Misericórdia!” todos de joelhos, nos tons de voz mais dolorosos que possam imaginar». «As pessoas estavam todas em oração, cobertas de pó, e a luz aparecia como se tivesse estado um dia muito escuro». «Nesta aflição se ouvião fervoríssimas confiçõens em público de culpas cometidas», refere outro testemunho. A população só terá acalmado com uma aparição da virgem na Penha de França «acenando um lenço branco ao povo».

Gabriel Malagrida era um jesuita que recebeu de D. João V licença para fundar uma missão no Pará e, granjeando algum prestígio na Corte, acompanhou o rei na sua morte. Em 1754, depois voltado ao estrangeiro, foi-lhe pedido para assistir à morte da rainha D. Maria Ana de Áustria. Nos sermões dos dias que se seguiram, o jesuita punha em causa a autoridade do rei e de Sebastião de Carvalho, dizendo sobre as causas naturais do fenómeno que «nem o próprio Diabo poderia inventar uma falsa ideia tão passível de nos conduzir à ruína irreparável».

Para Malagrida, a razão do terramoto residia no castigo divino pelos teatros, a música, as danças, as comédias, as touradas e outras ocupações de lazer que constituíam ocupações pecaminosas e obscenas. No Outono de 1756, publicou um panfleto propagandístico intitulado «Juizo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1.º de Novembro de 1755», em que, para além da teoria do castigo, citava profecias de freiras, condenava os que levantaram abrigos nos campos, os que trabalhavam na reconstrução da cidade, e recomendava procissões, penitências e recolhimento e meditação de seis dias nos exercícios de santo Inácio de Loyola.

Em consequência deste panfleto, o jesuita foi desterrado para Setúbal e, mais tarde, uma vez que não deixou de pregar contra o governo e os esforços de reconstrução, foi preso e entregue à Inquisição, que o condenou à pena de garrote e de fogueira.

Cavaleiro (Francisco Xavier) de Oliveira, queimado em éfige num auto-de-fé, apresentava como causas do terramoto de 1755 a beatice lusitana e a ferocidade da Inquisição.

Numa época em que os valores iluministas entravam em aberto confronto com o que a Igreja propugnava, a explicação natural das causas do terramoto estava destinada a entrar em colisão com a explicação «divina». Após a catástrofe a última coisa que a população precisava era de um bando de padres envergando as suas sotainas negras a anunciarem o fim do mundo. O que precisava, isso sim, era de enterrar os mortos e cuidar dos vivos, no dizer do futuro Marquês de Pombal.

Para mais informações, dêem uma vista de olhos no Público de domingo e de hoje e na National Geographic deste mês.

29 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Americanos criacionistas

A maioria dos norte-americanos não aceita a teoria evolucionista. Na verdade, cinquenta e um por cento dos americanos dizem que Deus criou os humanos na sua presente forma. Trinta por cento acredita que embora os humanos tenham evoluído, Deus conduziu o processo. Apenas quinze por cento entende que os humanos evoluíram e que Deus não esteve envolvido. Estes resultados são semelhantes àqueles divulgados em 2004, pouco tempo após a eleição presidencial.

Os americanos que mais facilmente acreditam apenas na evolução são os liberais (trinta e seis por cento), aqueles que raramente ou nunca participam em serviços religiosos (vinte e cinco por cento) e aqueles com um grau de ensino superiou ou mais elevado (vinte e quatro por cento).

Evangélicos brancos (setenta e sete por cento), frequentadores de missas semanais (setenta e quatro por cento) e conservadores (sessenta e quatro por cento), dizem que Deus criou o Homem na sua aparência actual.

No entanto, a maior parte dos norte-americanos entende que é possível acreditar em Deus e na evolução. Dentro desta questão, aqueles que acreditam na criação divina dividem-se: quarenta e oito por cento acha que é possível conciliar as duas coisas, mas o mesmo número discorda.

Com estes resultados não admira que os Estados Unidos se tenham tornado um palco privilegiado para o combate entre os evolucionistas, criacionistas e os novos IDiotas.

28 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Abade saído das cascas

O abade Pierre, fundador da comunidade Emmaüs, publicou ontem um livro intitulado «Mon Dieu… pourquoi?», em que aborda questões como o celibato dos padres, o sacerdócio das mulheres e onde confessa ter tido relações sexuais com mulheres de «maneira passageira».

De acordo com este padre, Roma autoriza desde há muito os «padres casados» ordenados nos ritos católicos do Oriente, como os coptas ou maronitas, acrescentando «Não vejo por que razão João Paulo II pôde afirmar recentemente que estava fora de questão abrir [a questão do] celibato para o resto da Igreja Católica». O fim do celibato «permitiria resolver, parcialmente, a crise das vocações e da penúria de padres».

No plano da teologia, o abade Pierre não vê «nenhum argumento de monta que proibiria a Jesus, o Verbo personificado, de conhecer uma experiência sexual», especialmente com Maria Madalena, «a mulher que foi mais chegada, à excepção da mãe». Se tal aconteceu ou não «não muda nada ao essencial da fé cristã».

Quanto à questão da ordenação das mulheres, o fundador da comunidade Emmaüs não vê quaisquer problemas. «Sejam quais forem as eminentes funções que ocupam, aqueles que tomam tais posições nunca avançaram um único argumento teológico decisivo que demonstre que o acesso das mulheres ao sacerdócio seria contrário à fé».

No que diz respeito aos direitos dos casais homossexuais, o abade reconhece-lhes o direito de adoptarem crianças e de «provarem o seu amor à sociedade», mas prefere que usem o termo «aliança», em vez de «casamento» para qualificarem a sua união uma vez que tal criaria «um traumatismo e uma desestabilização social forte».

É pena que estas posições mais tolerantes e equilibradas não constituam a maioria na hierarquia da ICAR. Se assim fosse, talvez não tivessemos tanto a apontar à Igreja Católica.

28 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Vitória para a teocracia americana

Harriet Miers, nomeada por George W. Bush para o Supremo Tribunal de Justiça americano, renunciou a este cargo. Numa carta dirigida ao Presidente, a antiga conselheira para a Casa Branca, afirma não querer ser «um fardo» para a Administração.

A nomeação de Miers foi criticada pela direita americana que pretendia a nomeação de um magistrado anti-aborto.

A direita teocrata «agradeceu» à advogada e ofereceu-se para «apoiar outro candidato que siga a linha de Antonin Scalia ou Clarence Thomas», juízes conhecidos pelas suas posições contrárias à defesa dos direitos civis.

Por seu turno, os democratas acusam a «direita radical republicana» de «matar» a nomeação de Miers e temem – com razão – que Bush nomeie um extremista que agrade à sua base de apoio ultra-conservadora.

23 de Outubro, 2005 Mariana de Oliveira

Aborto e Direito Penal

A questão que actualmente se coloca no aborto é uma questão jurídica e deve ser tratada como tal.

Para começar, há que esclarecer a função do Direito Penal num Estado de Direito Democrático. O Direito Penal não é, nem deve ser, um direito penal de prevenção de riscos especiais e longínquos e de promoção de finalidades específicas da política estadual. Ele é, isso sim, um direito de tutela de bens jurídicos, ou seja, de preservação das condições indispensáveis da livre realização, dentro do possível, da personalidade de cada indivíduo no seio da comunidade.

Isto conduz à questão da legitimação do poder punitivo do Estado. Tal poder tem fonte na exigência de que o Estado só deve retirar a cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao bom funcionamento da comunidade. A isto conduz igualmente o carácter pluralista e laico do Estado de Direito, que o vincule a que só recorra aos seus meios punitivos próprios para tutela de bens de relevante importância da pessoa e da sociedade e jamais para instauração e reforço de ordens axiológicas transcendentes de carácter religioso, político, moral ou cultural. O Direito Penal é, assim, um direito de «ultima ratio».

Quanto ao crime de aborto em especial, o bem jurídico que está em causa não é a vida humana, mas sim a vida intra-uterina. Actualmente, entre nós, vigora o princípio da punibilidade do crime de aborto e só nos casos previstos no art. 142º do Código Penal é admitida a IVG (causas de exclusão da culpa). Assim, nestes casos, a conduta torna-se lícita. Há aqui um conflito de valores e é esta a estrutura base comum a todas as causas de justificação e só considerando tais condutas como licitas trará coerência à exigência da intervenção de um médico e ao apoio por parte do Estado.

O princípio constitucional da inviolabilidade da vida humana tem aqui refracções e há quem adira a uma concepção absolutizadora da vida humana, defendendo também uma unidade entre vida autónoma e vida intra-uterina, não existindo aqui qualquer espaço para a permissão da IVG. No entanto, o Direito Penal não é compatível com aquela santificação da vida (neste caso, seria inadmissível a legítima defesa e o estado de necessidade) e é notório que o tratamento da vida intra-uterina é diferente do da vida autónoma. Na verdade, os crimes que tutelam aqueles dois bens jurídicos encontram-se em capítulos diferentes, têm diferentes epígrafes, diferentes molduras penais, a tentativa não é punível nos crimes contra a vida intra-uterina, a negligência não é punida e não há agravamento pelo resultado – isto de um ponto de vista penal. De um ponto de vista constitucional, os Direitos Liberdades e Garantias não valem directamente e em pleno para a vida intra-uterina, há aqui uma autonomização de dois bens jurídicos.

Ainda dentro de um ponto de vista constitucional, relativamente à hipótese de um imperativo de criminalização constante na Constituição da República por via da defesa da vida, há que notar que o legislador constitucional não apontou expressamente a necessidade de intervenção penal neste assunto particular. Desta forma, onde não existam tais injunções expressas, não é legítimo deduzir sem mais a exigência de criminalização dos comportamentos violadores de tal direito fundamental. E isto porque não deve ser ultrapassado o princípio da necessidade.

A proposta apresentada pelo doutor Figueiredo Dias, o pai do Código Penal, consiste num modelo misto das indicações e prazos mais liberalizante. Até às 10 ou 12 semanas (12 semanas porque o embrião passa a feto), a gravidez pode ser livremente interrompida. Até às 16 semanas, poderia haver interrupção com indicação terapêutica em sentido amplo ou criminológico. Até às 24 semanas, o aborto seria admitido por indicação fetopática em sentido estrito. Depois das 24 semanas, se o feto fosse inviável (indicação fetopática em sentido amplo) ou houvesse necessidade de remover um perigo de morte ou lesão grave e irreversível no corpo ou saúde da mulher grávida. Neste modelo, seria supérflua uma indicação económico-social. Seria um sistema honesto face à realidade actual: seria mais honesto para a grávida, garantira o nascimento de um maior número de nascituros e que estes vivessem a vida mais dignamente possível. É que aqui, a mãe teria mais tempo para ponderar e acabaria por ser vencida pelas contra-motivações.

Também não é possível falar no interesse do nascituro e do da grávida como se fossem realidades distintas. Os interesses do nascituro só podem ser satisfeitos no interesse e por intermédio da grávida (há uma dualidade na unidade: seres diferentes, mas um suporta o outro). Durante algum tempo, deve predominar a unidade da grávida e a decisão deve caber a ela. Depois, a dualidade predomina e só em casos contados deve o interesse do nascituro ser sacrificado.

Para além disso, deveria haver um sistema organizado de aconselhamento da grávida no serviço público

O doutor Figueiredo Dias também observa que a punibilidade da IVG nas primeiras quatro semanas é algo meramente simbólico: manter a punibilidade naquele período é algo de concretização impossível, totalmente ineficaz, desnecessário do ponto de vista do bem jurídico e talvez inconstitucional (art. 18º/2).

É óbvio que a criminalização do aborto não está a resultar e que há um grande número de abortos clandestinos que, as mais das vezes, acabam com a morte da mulher. Assim, o direito penal não está a cumprir a sua função e a existência de pena não está a servir como prevenção especial de socialização nem como prevenção geral positiva. Desta forma, como a criminalização é inconsequente, ela deveria deixar de vigorar nos termos actuais e o Estado deveria encontrar outras formas para evitar o recurso à IVG.

Como conclusão, creio que devemos deixar a questão do aborto para quem deve decidir: a mulher e, se existir, o pai. O Estado não tem legitimidade para obrigar uma mulher a dar à luz contra a sua vontade, independentemente das circunstâncias em que houve concepção e de todas as excepções consagradas no Código Penal.

12 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Não à Sharia

Na passada quinta-feira, cerca de quatrocentas pessoas manifestaram-se em Toronto para exigirem que o governo canadiano não permita que questões familiares sejam julgadas por tribunais arbitrais que decidam de acordo com leis religiosas.

Vinte minutos após o início da manifestação, o Procurador Geral canadiano, Michael Bryant, fez o seguinte comunicado: «ouvimos claramente os que procuram maior protecção para as mulheres. Constantemente, temos de seguir em frente para erradicar a discriminação, proteger os vulneráveis e promover a equidade… Somos guiados pelos valores e direitos constantes na nossa Carta de Direitos e Liberdades. Asseguraremos que a lei da nação não seja comprometida no Ontário, que a arbitração que use um conjunto de regras ou leis discriminadoras das mulheres, em questões de família, não será vinculativa».

Esperemos que, em nome da Democracia, este seja um sinal que o governo canadiano recue na intenção de permitir que os muçulmanos recorram à Sharia para regular questões como o divórcio e a regulação do poder paternal.

O segundo protesto internacional contra a instituição de tribunais da Sharia no Canadá também se realizou em Ottawa, Victoria, na Alemanha, nos Países Baixos e na Suécia.

10 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Devido perdão

Na sequência do discurso de Anselmo Borges, Teresa Martinho Toldy, professora universitária e teóloga, disse ontem, no congresso Deus no Século XXI e o Futuro do Cristianismo, que discurso actual do catolicismo sobre as mulheres é pautado «mais por omissões do que por afirmações danosas», tendo ficado a faltar a inclusão das mulheres nos pedidos de perdão feitos pelo Papa João Paulo II.

Referindo-se ao discurso da ICAR no passado, citou Geoffroy de Vendôme (século XI), que dizia mal desse «sexo no qual não existe nem temor, nem bondade, nem amizade e que deve ser mais temido quando é amado do que quando é odiado». Segundo a teóloga, actualmente esse discurso é feito mais de «declarações mitigadas do que explícitas» de condenação das mulheres e «frequentemente» transfere «as afirmações negativas sobre as mulheres para as reservas face aos movimentos feministas».

Sobre o acesso das mulheres ao sacerdócio, Teresa Martinho Toldy diz que se ele reproduzir o modelo actual do sacerdócio masculino, «não vale a pena». Para além disso, a Igreja tem que decidir o que é mais importante: se garantir a celebração da eucaristia ou perpetuar a masculinidade do sacerdócio. «Se Deus é masculino, então o homem é Deus; se entendermos que ontologicamente Deus é pai, então não há lugar para as mulheres na Igreja», afirmou ainda.

A professora terminou referindo a figura de Maria Madalena, «metáfora» do modo da Igreja olhar as mulheres: de «apóstola dos apóstolos», como era considerada nos primeiros séculos, Madalena passou a ser, em virtudes de leituras bíblicas deturpadas, uma prostituta que precisa de ser redimida.

É pena que teólogos como Teresa Martinho Toldy e Anselmo Borges, que até têm pontos de vista equilibrados e sensatos, sejam uma minoria na hierarquia da ICAR e que, mais cedo ou mais tarde, sejam considerados párias pelos seus pares conservadores.

9 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Padre revolucionário

Anselmo Borges, padre, teólogo e professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, propôs, na abertura do congresso sobre o futuro do cristianismo, «uma nova atitude» a adoptar pela Igreja em relação a temas como a contracepção ou o aborto, de dar «guarida» aos direitos humanos também no seu interior, de descentralizar as suas estruturas de decisão e participação e de dialogar com uma Europa «onde cresce a indiferença».

«Não se pode continuar a falar de Adão e Eva ou do pecado original como se não houvesse Darwin e a evolução», é preciso colocar em diálogo a razão e a fé, como se deve «dar atenção a uma educação para a autonomia moral responsável, concretamente no domínio sexual e conjugal». Neste último ponto, Anselmo Borges exemplificou com a contracepção, o aborto, «cuja descriminalização não significa aprovação e, ainda menos, recomendação» e com «a situação dos católicos divorciados que voltam a casar e querem dignamente participar nos sacramentos».

O professor espera que «a promoção dos direitos humanos no interior da Igreja, o que implica», nomeadamente, «pôr termo à discriminação da mulher» e salvaguardar a «liberdade de investigação e ensino».

O primeiro desafio, anterior a todos os outros, é a questão de Deus, que deve ser discutida por crentes e não-crentes. Não tanto «por causa de Deus como por causa do homem». O padre questiona: «O que mudaria na vida de cada um se Deus existisse mesmo ou se, pelo contrário, se pudesse demonstrar que não há Deus? O que é que se quer dizer quando se diz que se acredita em Deus? O que é que se quer dizer quando se diz que não se acredita em Deus?»

Com estes pontos de vista progressistas, é possível que, mais cedo ou mais tarde, Anselmo Borges seja convidado a manter as suas opiniões para si.

9 de Setembro, 2005 Mariana de Oliveira

Sharia canadiana

O Ontário, no Canadá, prepara-se para a instituição de tribunais arbitrais com base na Sharia com competência para dirimirem questões familiares, como o divórcio e a regulação do poder paternal.

Segundo o «Judeóscope», os apoiantes desta iniciativa são a «inteligentsia» liberal e sensata do país. E a comunicação social canadiana apelidam os opositores dos tribunais da Sharia de cruzados e anunciadores do Apocalipse. Pelo contrário, Fatima Houda-Pépin, deputada pelo Québec – que rejeitou unanimemente esta iniciativa -, avisou a Assembleia Nacional que «a aplicação da Sharia no Canadá faz parte da mesma estratégia que pretende isolar a comunidade muçulmana por forma a submetê-la a uma visão arcaica do Islão».

Syed Mumtaz Ali, promotor do projecto, entende que o Islão providencia um conjunto de leis a que todos os muçulmanos devem obedecer. Quanto aos que escolherem seguir a lei do Canadá, serão considerados apóstatas… o que implica a pena de morte, de acordo com a Sharia. Mumtaz Ali espera que a Carta de Direitos e Liberdades do Canadiana considere a punição de muçulmanos apóstatas.

Nenhum Estado de Direito Democrático pode permitir que, dentro do seu ordenamento jurídico, vigore um outro ordenamento jurídico, diferente do daquele que foi legitimado pelo Povo, e que tenha por base o confessionalismo. A introdução de tribunais que aplicam a lei de qualquer religião é uma quebra do princípio da igualdade e do princípio da laicidade. Já para não falar que é uma «lei» que impõe comportamentos muito interesantes para as mulheres, como a importância das tarefas domésticas, um código de vestuário estrito e a sua submissão aos homens, tudo acompanhado de uma vasta gama de penas para os prevaricadores.

Para mais informações, podem consultar a página da Campanha Internacional Contra o Tribunal da Sharia no Canadá.