23 de Fevereiro, 2011 Ludwig Krippahl
Bright
O termo bright, para referir uma pessoa com «uma visão naturalista do mundo […] livre de elementos sobrenaturais e místicos»(1), foi proposto em 2003 como um designador mais positivo para aqueles que costumavam ser apelidados de ateus, descrentes, incréus, agnósticos, desalmados, desdeusados ou o que calhasse. Infelizmente, há muita gente, como o Bernardo Motta, que percebe mal o termo. Ou faz por isso. «Alguns ateus, mais atrevidos, dão um salto em frente, e auto-intitulam-se “brights”. A ideia aqui é simples: o ateu é o tipo inteligente. O crente é burro.»(2)
O termo bright foi pensado para substituir “ateu” mas não coincide com este, porque a categoria que “ateu” refere é confusa e faz pouco sentido. “Ateu” é uma invenção dos crentes, para quem o seu deus preferido é o mais-que-tudo e, por isso, quem não tenha um é uma espécie de estropiado espiritual. Mas olhando, de forma imparcial, para as diferenças entre alguém como eu e um muçulmano, evangélico, católico ou judeu, vemos que o padrão é sempre o mesmo. Quaisquer dois concordam que quase todas as crenças acerca dos deuses são falsas, e discordam apenas da verdade de uma fracção pequena do total. Por isso, distinguir crentes e ateus com base na opinião acerca dos deuses faz pouco sentido.
E engana, porque faz pensar que o ateu é alguém que parte do princípio de que não há deuses, tal como cada crente parte do princípio de que o seu deus existe e, com base nessa premissa, procura amá-lo, louvá-lo e ter relações sexuais apenas como e quando ele aprova. É outro erro. A minha convicção de que não há deuses é como a minha convicção de que não há fadas e de que a força da gravidade decai com o quadrado da distância. Não são premissas fundamentais. São conclusões às quais cheguei depois de ter ponderado, imparcialmente, as alternativas e os dados de que disponho.
É essa atitude que bright tenta capturar. A atitude de averiguar os factos às claras, à luz da razão e do conhecimento, em vez de baralhar tudo à sombra de esoterismos de bolso ou superstições bolorentas.
É verdade que há aqui uma conotação com inteligência. Mas não como o Bernardo julga. O crente vê a sua crença como parte da sua identidade, e o seu abandono como uma traição imperdoável. Para muitas religiões, a apostasia é pior que violar criancinhas. Literalmente. Mas para alguém como eu, crer, não crer, descrer, pensar duas vezes e afins são opiniões. Há umas mais ajuizadas do que outras, mas qualquer pessoa pode ter uma num dia e mudá-la no dia seguinte.
Por isso, a conotação de bright com inteligência não se refere ao que a pessoa é mas sim às suas atitudes em casos particulares. Por exemplo, se me dizem que o criador de todo o universo encarnou como homem na Palestina, há dois mil anos, para se deixar matar pelos romanos, perdoar-me pecados que eu nem cometi, e que agora se pode transformar bolachas no seu corpo sem que as bolachas deixem de ser bolachas, parece-me claro que a atitude mais sensata é duvidar. No mínimo.
Mas isto não quer dizer que quem enfie este barrete seja burro. Mesmo a pessoa mais inteligente já foi uma criança ingénua, e todos sentimos pressões sociais, emocionais e familiares. Além disso, a inteligência não é como a cor dos olhos ou os dedos dos pés. Tem dias. Às vezes não percebemos bem no que nos metemos, outras vezes vemos as coisas com mais clareza. Mais brightly, por assim dizer.
Dito isto, e apesar de achar que bright é um termo melhor que “ateu”, este último tem a vantagem de uma longa tradição e, seja como for, prefiro esclarecer as minhas ideias em vez de pavonear o rótulo. O que me importa é o que penso, e não a categoria onde me enfiam. E este é outro ponto importante que me separa de crentes como o Bernardo, cujo catolicismo determina as suas opiniões em vez destas determinarem o ismo em que se põe: «não há católicos progressistas. Nem há católicos conservadores. Há católicos. Ponto final. E depois há católicos com problemas de identidade (ah, se os há!).» É como mandar os bois seguir a carroça…
1- www.the-brights.net
2- Bernardo Motta, 22-2-2011, O ocaso do ateísmo filosófico
3- Bernadro Motta, 9-8-2009, Progressistas e Conservadores
Em simultâneo no Que Treta!