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João Vasco Gama

9 de Junho, 2011 João Vasco Gama

Hipocrisia?

Nas cerimónias religiosas cristãs é comum fazer leituras do evangelho. Curiosamente, é raro que os clérigos escolham como apropriada a leitura seguinte:

«E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.

Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai a quem ninguém vê; e o teu Pai, que vê em segredo, recompensar-te-á.

E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.»

Mateus 6:5-7

Vem isto a propósito do relato emocionado que o utilizador do youtube DarkMatter2525 fez a respeito de algo que se passou no liceu de Bastrop, nos EUA:

18 de Fevereiro, 2011 João Vasco Gama

Fontes fidedignas, e Evangelhos – III

No primeiro texto a este respeito concluí que, para que um conjunto de relatos mereça muita confiança em relação à descrição de um ou mais eventos, estes devem corresponder às seguintes condições:

-serem feitos por quem observou o(s) evento(s)
-serem recentes face ao(s) evento(s) descrito(s)
-serem feitos por parte desinteressada
-serem de fontes independentes entre si
-serem consistentes

No texto anterior abordei a posição da generalidade dos académicos que estudam este assunto face ao cumprimento, ou não, das primeiras duas condições. Concluí afirmando que a maioria dos académicos acredita que os evangelhos não foram escritos por quem observou os eventos, e a quase totalidade acredita que os evangelhos a que temos acesso foram redigidos décadas depois dos eventos neles descritos.

Basta que uma condição entre várias não se cumpra para que a conjunção delas fique por cumprir. Ainda assim, pretendo analisar neste texto se os evangelhos verificam as duas condições seguintes – serem da autoria de parte desinteressada, e serem de fontes independentes entre si.

Independência das Fontes

Tanto quanto se sabe, os evangelhos emergem da comunidade cristã, que, apesar da seperação geográfica e da informalidade da organização inicial, mantém um grau de união no que diz respeito aos ritos, às crenças, aos valores, que o concílio de Jerusalém procura consolidar. Esta origem, por si, é suficiente para rejeitar a independência destas fontes umas face às outras.

Acrescente-se que, no que diz respeito à origem dos evangelhos segundo S. Lucas e segundo S. Mateus, a maioria dos académicos subscreve a hipótese das duas fontes, segundo a qual os mesmos teriam sido baseados no evangelho segundo S. Marcos e num hipotético documento Q ao qual não temos acesso. Outros subscrevem a hipótese das quatro fontes, onde novamente os evangelho segundo S. Lucas e S. Mateus teriam sido baseados no evangelho segundo S. Marcos, no documento Q, e ainda em outros dois documentos aos quais não temos acesso. No que diz respeito ao evangelho segundo S. João, poucos disputam que o seu autor teve acesso aos restantes evangelhos.

É assim claro que os quatro evangelhos não constituem várias fontes independentes.

Autoria desinteressada

Creio que poucos disputarão o incumprimento desta condição. Ela acontece a dois níveis. Em primeiro lugar, mesmo que os evangelhistas tivessem procurado aferir e descrever os factos de forma independente e desinteressada, ser-nos-ia sempre impossível garantir que o tivessem conseguido. Aliás, são os crentes cristãos os primeiros a laudar a componente transformadora e radical da «Fé em Cristo», e o seu impacto emocional profundo.

Em segundo lugar, nem sequer era essa a intenção dos autores dos evangelhos. Estes foram escritos não com o propósito de efectuar uma descrição desinteressada dos factos ocorridos, mas sim de apelar à conversão dos povos à «Fé em Cristo». Nesse sentido, dada a autoria e o propósito, os evangelhos não se limitam a não cumprir esta condição – eles estão o mais longe possível do seu cumprimento.

13 de Janeiro, 2011 João Vasco Gama

Fontes fidedignas, e Evangelhos – II

No texto anterior a conclusão foi que para que um conjunto de relatos mereça muita confiança em relação à descrição de um ou mais eventos, os relatos devem corresponder às seguintes condições:

-serem feitos por quem observou o(s) evento(s)
-serem recentes face ao(s) evento(s) descrito(s)
-serem feitos por parte desinteressada
-serem de fontes independentes entre si
-serem consistentes

Quem discorda desta conclusão deve discuti-la no texto anterior. Eu vou discutir se os Evangelhos correspondem a estas características, em particular se os evangelhos foram escritos por quem observou o evento, e se são recentes face aos eventos descritos.

Note-se que, caso fosse possível concluir que os evangelhos tinham sido escritos pelas testemunhas oculares dos eventos relatados pouco depois dos mesmos terem ocorrido, isso não implicaria que os mesmos fossem fidedignos. Faltaria ainda verificar que verificariam as restantes condições enumeradas.

É preciso dizer que aferir, ou saber se é impossível fazê-lo, os autores dos diferentes evangelhos, e a data de escrita dos mesmos não é um assunto trivial. É necessário um grande estudo, dedicação e bases para conhecer os factos que permitem tirar as melhores conclusões a esse respeito, e ser capaz de os interpretar de forma cientificamente adequada. Como não sou um historiador nem escrevo para um público de historiadores, opto por expor as conclusões que a generalidade dos especialistas no assunto tiraram a partir dos dados a que têm acesso.

Evangelho segundo Marcos
O evangelho em si é anónimo (o autor não revelou a sua identidade), mas a tradição cristã inicial atribuiu este evangelho a S. Marcos, que se teria baseado no testemunho de S. Pedro. A opinião da maioria dos académicos é que a tradição está errada, e a autoria deste evangelho é desconhecida. Esta opinião é baseada na linguagem em que o texto foi escrito (grego, num estilo muito erudito; ao invés do aramaico comum que seria de esperar) e na heterogeneidade das fontes que usou. Ainda assim, há vários académicos que consideram a tradição cristã inicial credível.
Já no que diz respeito à data do evangelho, existe consenso entre os especialistas: terá sido escrito perto do ano 70 d.C., na Síria. A maioria dos académicos acredita que este foi o primeiro dos evangelhos conhecidos. Ele terá sido escrito várias décadas depois dos eventos que relata.

Evangelho segundo Mateus
O evangelho em si é anónimo (o autor não revelou a sua identidade), mas a tradição cristã inicial atribuiu este evangelho a S. Mateus, o cobrador de impostos que se teria tornado discípulo de Jesus. A opinião da maioria dos académicos é que a tradição está errada, e a autoria deste evangelho terá pertencido a um judeu-cristão que o teria escrito no início do século primeiro, originalmente em grego (e não uma tradução do aramaico ou hebraico). Outros académicos acreditam que a tradição não está errada, e que, tendo sido S. Mateus um cobrador de impostos, faria pouco sentido atribuir-lhe erroneamente a autoria de um evangelho.
Embora exista discordância quanto a qual dos dois evangelhos, Marcos ou Mateus, terá sido escrito primeiro, sendo a opinião maioritária a de que Marcos precede Mateus, a data da escrita deste evangelho é colocada entre 70 d.C. e 110 d.C. Uma minoria de académicos acredita que o evangelho pode ter sido escrito a partir de 63 d.C., novamente várias décadas depois dos eventos que relata.

Evangelho segundo Lucas
O evangelho em si é anónimo (o autor não revelou a sua identidade), mas a tradição cristã inicial atribuiu este evangelho a S. Lucas, um companheiro de S. Paulo. Este autor terá sido, na opinião generalizada, o autor dos «Actos dos Apóstolos».
O autor, quem quer que fosse, tinha uma educação muito superior à da generalidade da população, era muito viajado e muito bem relacionado, a forma como escrevia (grego) revelava uma erudição elevadíssima. Os académicos dividem-se entre os que acreditam que a tradição não está errada, e os que acreditam que o autor deste evangelho teria sido um cristão gentio anónimo. Entre os que acreditam nesta última possibilidade existe quem acredite que o autor teria tido acesso a testemunhas oculares dos eventos descritos, e os que acreditam que tal não terá sido o caso. Aquilo que é comum a estas três possibilidades é que o autor não terá sido, ele próprio, testemunha dos eventos que descreve.
A generalidade dos académicos acredita que este evangelho terá sido escrito entre 80 d.C. e 90. d.C., mas alguns acreditam que pode ter sido escrito entre 60 d.C. e 65. d.C., em qualquer dos casos décadas depois dos eventos descritos no evangelho.

Evangelho segundo João
O evangelho em si é anónimo (o autor não revelou a sua identidade), mas a tradição cristã inicial atribuiu este evangelho a S. João, alegadamente o “discípulo amado” de Jesus. A opinião da maioria dos académicos é que a tradição está errada, e a autoria deste evangelho é desconhecida. Esta opinião é baseada no facto de S. João ter sido, tanto quanto se sabe, analfabeto, ao invés de fluente em filosofia helenística como a escrita deste evangelho – novamente escrito em grego com um estilo revelando erudição – exigiria. Uma minoria de académicos disputa esta alegação fazendo notar que a tradição não surgiu subitamente, mas ao invés existiria uma continuidade tal que poderia indiciar que, se S. João não tivesse escrito o evangelho, te-lo-ia influenciado de forma decisiva.
A generalidade dos académicos acredita que o evangelho terá sido escrito entre 90 d.C e 100 d.C. Uma minoria de académicos acredita que a ausência de referências à destruição do templo de Jerusalém será indício de que a data da escrita do evangelho possa ser pouco anterior a 70 d.C. Em qualquer dos casos décadas depois dos eventos descritos no evangelho.

Evangelhos não-canónicos
O consenso generalizado é de que não foram escritos por testemunhas directas dos eventos descritos, e décadas depois dos mesmos terem ocorrido.

Conclusões:
A opinião maioritária entre os académicos é a de que os diferentes evangelhos não foram escritos por quem observou directamente os eventos descritos. Alguns académicos sérios podem contestar esta afirmação no que diz respeito a alguns dos evangelhos, mas a generalidade dos especialistas considera que as evidências são suficientes para afirmar que a hipótese mais provável é que os evangelhos tenham sido escritos por anónimos que terão relatado aquilo que lhes contaram.
Aquilo que imediatamente descarta os evangelhos como fontes de confiança em relação aos eventos neles descritos, é o facto de, de acordo com todos os académicos sérios, nenhum deles ter sido escrito e compilado menos de dez anos depois dos eventos descritos; pelo contrário, todos os evangelhos terão sido escritos várias décadas depois dos eventos que relatam.

E se porventura os evangelhos tivessem sido escritos por testemunhas directas dos eventos ocorridos, pouco depois dos mesmos terem lugar? Será que os poderíamos considerar fontes fidedignas? Para isso teremos de aferir se cumprem as restantes condições, que é o que farei no próximo texto sobre este assunto.

11 de Janeiro, 2011 João Vasco Gama

Fontes fidedignas, e Evangelhos – I

Um historiador geralmente não tem acesso directo aos factos históricos. Ele tenta, a partir dos diferentes indícios, estabelecer as hipóteses mais prováveis que com eles são compatíveis. Consoante a abundância e fiabilidade dos diferentes indícios, o historiador pode ter mais ou menos confiança numa determinada hipótese.

Por exemplo, podemos ter muita confiança que António Oliveira Salazar nasceu muito perto de Santa Comba Dão. Podemos ter muita confiança que Napoleão Bonaparte mandou invadir Portugal. Podemos ter muita confiança que Júlio César foi assassinado no Senado.

O que nos faz ter muita confiança num determinado facto histórico, seja ele qual for?

Uma condição necessária é a existência de muitos relatos consistentes contemporâneos com o evento. Esta condição é necessária, mas insuficiente para atribuir à ocorrência do evento uma confiança muito elevada.

Um relato, por si, pode consistir numa descrição adequada daquilo que se passou, mas pode também consistir numa descrição distorcida ou falsa, seja a distorção ou falsidade devida a equívoco, mentira deliberada, ou algo de ambos.

O que é que pode condicionar a confiança que se deve depositar num relato?
Em primeiro lugar, saber se o autor teve acesso directo ao que relata, ou se relata algo que outros lhe contaram.
Em segundo lugar, saber se o autor relata o evento pouco depois de ter acontecido, ou muito depois.
Em terceiro lugar, aferir se o autor é parte desinteressada, a nível material ou emocional, nos eventos que descreve.

O que é que pode condicionar a confiança que se deve depositar num conjunto de relatos que descrevem um mesmo evento?
Em primeiro lugar se cada um dos relatos é independente dos outros.
Em segundo lugar se são consistentes entre si.

É verdade que uma consistência excessiva entre dois relatos pode também ser um indício da fabricação dos mesmos. Se duas testemunhas em tribunal relatam um acidente com exactamente as mesmas palavras, será razoável suspeitar de concertação entre ambas. É natural que ambas expliquem o que viveram em termos diferentes, ou mesmo que ocorra um equívoco de pormenor aqui e ali e que portanto os relatos honestos de ambas as testemunhas tenham inconsistências ligeiras.
Mas se quatro ou cinco testemunhas relatam o evento com inconsistências muito significativas entre as versões, é natural que se tenha pouca confiança no testemunho de cada uma delas, pelas contradições que tem com os restantes. Neste sentido, inconsistências relevantes entre as fontes é algo que deve diminuir a nossa confiança nestas.

Resumindo, para que um conjunto de relatos mereça muita confiança em relação à descrição de um ou mais eventos, os relatos devem corresponder às seguintes condições:

-serem feitos por quem observou o(s) evento(s)
-serem recentes face ao(s) evento(s) descrito(s)
-serem feitos por parte desinteressada
-serem de fontes independentes entre si
-serem consistentes

Em que ponto estamos no que diz respeito aos evangelhos?
Vou explorar este assunto no meu próximo texto.

8 de Janeiro, 2011 João Vasco Gama

Uma relação pessoal com Jesus Cristo

Se várias pessoas alegam conhecer uma terceira, mas não existe nenhum acordo em relação às características fundamentais desta, é razoável desconfiar da validade dessas alegações. Este vídeo explora, de forma satírica, essa questão:

4 de Janeiro, 2011 João Vasco Gama

Mudar de opinião

Uma pessoa de mente aberta deve condicionar a sua opinião às evidências e aos factos.

Quando acreditamos que um facto é verdadeiro sabemos que essa crença poderia ser alterada perante evidências em contrário.

Este princípio deve aplicar-se a tudo, e eu aplico-o também à minha crença de que Deus não existe. Existem várias coisas que, a acontecerem, fariam mudar a minha opinião a respeito da existência de Deus. Mesmo do Deus cristão.

Jesus podia aparecer, como teria aparecido aos discípulos, mostrar as chagas e tudo o mais. Ou poderia aparecer na ONU e fazer milagres que seriam escrutinados por todo o mundo. A oração poderia ser capaz de fazer crescer braços e pernas naqueles que as perderam, ou pelo menos nos mais devotos entre eles. Ou numa mesma noite toda a gente, em todo o mundo, poderia ser visitada por um anjo que esclarecesse qual a forma mais correcta de interpretar a Bíblia, evitando assim tantos equívocos entre aqueles que querem seguir o caminho de Jesus. Enfim, as possibilidades são imensas.

E um cristão? E outro crente religioso não cristão? Que factos ou acontecimentos o fariam concluir que afinal Deus não existe?
Se não existirem nenhuns, então a pessoa não tem a mente aberta em relação a esta crença.

18 de Dezembro, 2010 João Vasco Gama

Os ultra-ortodoxos e os incêndios em Israel

Recentemente morreram 42 pessoas em resultado de incêndios florestais que têm devastado extensos terrenos em Israel, encontrando-se os bombeiros assoberbados pela dimensão do desafio e pela falta de meios para lhe fazer face.
Foi portanto com surpresa que viram o ministro da Administração Interna recusar a oferta de viaturas de combate aos fogos por parte de uma instituição de caridade que decidiu doá-los.
A razão? O facto de se tratar da «International Fellowship of Christians and Jews», uma instituição cristã, o que levanta a mais profunda suspeição por parte do partido ultra-ortodoxo do ministro em questão.
Mais detalhes aqui, via Vento Sueste.
22 de Novembro, 2010 João Vasco Gama

Crédito a quem o crédito é devido

Se de facto o Papa alterou a sua posição em relação ao preservativo, mesmo que poucos milímetros, fazendo com que a posição institucional da Igreja Católica seja mais aberta a este respeito, está de parabéns.

É bem verdade que a posição da Igreja a este respeito continua a ser, a meu ver, absurda e anacrónica. Mas, a confirmarem-se estas notícias, menos absurda e anacrónica que antes, e por isso está de parabéns pela evolução no sentido positivo.