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11 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. « (…) é precisamente porque não fomos criados por um Deus com um determinado propósito que a nossa vida pode ter sentido. Se tivéssemos sido criados por Deus com um propósito qualquer, seríamos como crianças que foram geradas pelos seus pais exclusivamente para combater num exército, por exemplo, ou para trabalhar na fábrica da família. Por mais importante que essas coisas sejam, tais crianças estariam a ser tratadas como meros meios e não como fins. Claro que isso dá um propósito à sua vida; mas é o tipo errado de propósito. É o tipo de propósito que não dá qualquer valor intrínseco à sua vida. Se fomos criados por Deus com um propósito qualquer em vista, somos como essas crianças: esse propósito não dá qualquer sentido à nossa vida.»Criado de propósito para quê?», no De Rerum Natura)
  2. «Eu não sabia, mas um leitor do blogue informou-me que o criacionismo já anda a ser ensinado na Universidade de Coimbra há algum tempo. No manual “Direito Internacional, Do paradigma clássico ao Pós-11 de Setembro” (…) da autoria do Doutor Jónatas Machado, que é usado obrigatoriamente na cadeira de Direito Internacional Público e Europeu do segundo ano da licenciatura em Direito (…) encontra-se logo à entrada uma apologia do criacionismo contendo comentários como (vão “ipsis verbis”):

    (…) “estou farto desta homobiologia homem-macaco”

    (…) “a teoria do intelligent design é a maior conquista intelectual dos últimos 200 anos”

    (…) Será que a universidade permite que do alto de uma cátedra alguém faça proselitismo religioso? Podem os alunos de uma universidade laica ser evangelizados em vez de ensinados?» («Cátedra ou púlpito?», no De Rerum Natura)

  3. «(…) continuando a “limpeza” que esta Polónia tem impunemente levado a cabo, com particular obsessão pelos homossexuais, o governo de Varsóvia decidiu que, por não se conformar com a “mera” expulsão e punição dos homossexuais no ensino, se deverá caminhar no sentido de um tendencial afastamento dos homossexuais dos empregos da função pública, estando já em curso a apresentação de uma lista inicial oficial de proibições.

    Enfim…eu não sei se já tinha dito isto, mas se alguém por aí estiver farto desta Polónia que, sejamos claros(!), desonra a suposta união de valores humanos que é a UE, pode começar por encher a caixa de e-mail do Embaixador da Polónia em Lisboa com a sua indignação mailto:[email protected]» («e a novela polaca continua…», no Devaneios Desintéricos)

9 de Abril, 2007 jvasco

Fé a sério?

A Sofia e o Joel são católicos e baptizaram ontem o pequeno Pedro, que tem 18 meses.

Neste momento, o Joel está no trabalho, e a Sofia está em casa, sentada num canto da sala a falar ao telefone. O Pedro brinca com os seus brinquedos no outro canto da sala. A certa altura pousa os brinquedos e tem vontade de pôr a língua na ficha eléctrica.

O primeiro instinto de Sofia, ao ver o que está prestes a acontecer, é dar um berro e correr para salvar o seu filho.

Mas se ela o ama, ela vai querer o melhor para ele. A verdade é que Sofia acredita mesmo que esta vida não é nada a comparar com a plenitude da vida eterna. Que se Pedro morrer agora, é certo que ele encontrará a felicidade no Paraíso e será feliz para todo o sempre.
Acredita que pelo contrário, se ela o salvar, Pedro crescerá e terá muitas oportunidades de ceder à tentação, conhecer o pecado mas não o arrependimento, rejeitar Jesus, ou não ser forte na Fé. Se ela o salvar, existem boas hipóteses de que Pedro acabe por conhecer o sofrimento eterno do Inferno.

Se Sofia quer o melhor para Pedro, ela aproveitará a oportunidade dada por Deus: se não fizer nada, é certo que Pedro conhecerá a vida eterna ao lado de Jesus. Se salvar Pedro, arrisca que este acabe por encontrar o eterno sofrimento do Inferno.
Sofia opta por deixá-lo morrer.

Claro que todos os católicos hoje achariam horrível a atitude de Sofia. Achariam, tal como eu, abominável, quase indesculpável. Mas ao contrário de mim, não teriam qualquer boa razão para sustentar tal posição. Sofia fez aquilo que, aos olhos de qualquer crente cristão coerente, deveria ser, de longe, o melhor para Pedro.
Só faz sentido achar horrível a atitude de Sofia caso não se esteja lá muito certo dessa conversa da vida eterna, Inferno e quejandos…

A verdade é que a esmagadora maioria dos crentes comporta-se como se não acreditasse a sério naquilo que diz acreditar.
Se uma pessoa acreditasse realmente que é nesta vida que se decide se a eternidade vai ser passada no Paraíso ou no Inferno, estaria em pânico a ler a Bíblia, o Corão, os textos importantes de todas as religiões, para decidir qual é que é certa, visto que dessa decisão depende o futuro – a eternidade! – da sua alma.

Se uma pessoa acreditasse realmente que é nesta vida que se decide se Deus permite a sua entrada no paraíso, iria ler a palavra de Deus (a Bíblia, se fosse cristã) como se disso dependessse a sua vida. Como se disso dependesse mais que a sua vida. Iria descobrir que Jesus pede que abandone tudo para O seguir. Tudo. As riquezas, a família, os amigos – Jesus diz que quem não estiver disposto a abandonar tudo não conhecerá a vida eterna. E qualquer pessoa que acreditasse realmente nisto, abandonaria tudo de imediato – quem arriscaria uma eternidade no Inferno pelo conforto de faltar uma vez que fosse à missa? Quem deixaria de passar fins de semana na prisão a confortar os prisioneiros, ou nos lares a acompanhar os enfermos, como pede Jesus? Quem toleraria os homossexuais, desobedecendo a Deus? Quem gastaria em luxos desnecessários em vez de dar aos pobres? Quem teria relações sexuais antes do casamento? Que mulher deixaria de ser submissa e obediente ao seu marido? Quem trabalharia nos dias consagrados a Deus (como os Domingos)? Quem toleraria quem trabalhasse? Quem toleraria outras religiões e ídolos?

Ninguém teria uma vida normal. Pelo contrário, todos viveriam como os mais fundamentalistas. Esses são os únicos que agem como se acreditassem a sério nessas patranhas do Céu e do Inferno. Esses são os únicos que poderiam compreender Sofia.

O mal de se andar a contar essas patranhas é que, ao contrário daquilo que felizmente acontece em quase toda a sociedade ocidental desenvolvida, as pessoas poderão chegar mesmo a acreditar.
E como podemos observar por muito do mundo islâmico, ou pelos mais fundamentalistas que andam por cá, isso não é nada desejável…

Mas se hoje poucos agem como se acreditassem nesses disparates – e ainda bem! – a verdade é que nem sempre foi assim. As cruzadas, a inquisição, a caça às bruxas, a apologia do obscurantismo, o poder absoluto de um governante que tem a benção do clero, tudo isso é fácil de entender se concebermos uma sociedade que acredita realmente em tais crendices.
Não podemos deixar que o clero ganhe o poder que já teve. Temos de ser claros: o Céu e o Inferno são invenções humanas. É aqui, nesta vida, que temos de construír um mundo melhor. É aqui, nesta vida – a única que existe, que devemos ser felizes.

6 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «Mas comparem as duas Páscoas. Numa Deus comete atrocidades, por culpa Dele o Faraó não pode libertar os Judeus, e no fim mata os filhos inocentes de uma data de gente. Na outra os homens cometem atrocidades, Deus é um primogénito inocente, e por culpa dos homens é torturado e morto na cruz. Em ambas mata-se carneiros.

    Parecem contraditórias, mas une-as algo profundo, algo que define a religião Judaico-Cristã. O Amor. Não parece amor, mas o Amor Divino não é como o amor humano. O Amor que chacinou os primogénitos do Egipto não foi o amor dos namorados. O Amor que condena ao inferno quem não acreditar em torturar inocentes para redimir os culpados não é o amor que os pais sentem pelos filhos.»Páscoas Felizes», no Que Treta!)

  2. «Concordo que conhecimento e fé são distintos, mas não que se complementem. O bife e as batatas fritas complementam-se. Ou a flauta e o violino, ou as calças e a camisola. A fé e o conhecimento são o gato e o rato. Ou se separam, ou há chatice. Tanto uma como outro pretende legitimar que se aceite algo como verdade, mas muitas vezes indicam precisamente o contrário. O conhecimento diz que num sistema que não troca energia com o exterior a entropia não diminui. A fé diz que há um deus que, se quiser, faz com que a entropia diminua num sistema isolado. Isto não é complementaridade. É contradição. Ou se rejeita o conhecimento acreditando que isto é possível, ou se rejeita a fé como uma hipótese refutada. Este é apenas um exemplo entre muitos. Em geral, ou se tem fé, ou se compreende. Não há complementaridade. Quem tem o bife, quer batatas, mas ninguém precisa de ter fé naquilo que já compreende…» («Fé e Conhecimento», no Que Treta!)
  3. «Os piedosos irmãos Kaczynski decidiram promover um discurso abertamente anti-semita, ao mesmo tempo que planeiam «proibir» a homossexualidade e impedir os homossexuais de trabalhar na função pública (tendo mesmo já começado pelo ensino)[…]

    Ainda no âmbito da sua «Revolução Moral», os católicos gémeos anunciaram que o divórcio será terminantemente proibido e será novamente equacionada toda a legislação que possa conduzir à igualdade entre o homem e a mulher.[…]

    Finalmente, e como se não bastasse, e ao mesmo tempo que se tornou obrigatório o ensino da religião católica em todas as escolas do país, foi decidido que nas aulas de ciências, e a par do evolucionismo, fosse ensinado também o «criacionismo», proclamado como um teoria científica perfeitamente válida.» («Dois Conceitos Inseparáveis», no Random Precision)

26 de Março, 2007 jvasco

O cristianismo é uma mitologia?

Quando comparo a religião cristã às religiões do passado, algumas pessoas sentem que a comparação é patética. «É absurdo comparar o cristianismo a mitologias», é uma objecção com que me vou deparando com frequência.

Se eu responder com uma pergunta, estou certo que não me será respondida. A pergunta resume-se a uma palavra: «Porquê?».

A verdade é que os crentes das religiões antigas (os gregos com o seu Zeus, Poseidon, Afrodite e por aí; os romanos com Júpiter, Neptuno, Vénus; os egípcios com Isis, Hórus, Seth, Amon-Rá; os escandinavos com Odin, Thor, etc…) não eram atrasados mentais. Não eram inferiores. Não eram limitados.

Não.

Eles simplesmente acreditavam.
Acreditavam nos seus pais. Acreditavam nos seus sacerdotes. Acreditavam nos textos antigos que tinham ao seu dispor, relatando as aparições e proezas dos seus Deuses. Acreditavam por vezes naqueles que diziam ter testemunhado milagres, ou falado com os Deuses.
E alguns sentiam. Sentiam vividamente a presença destes Deuses.

Era isto que os levava a acreditar em Amon-Rá, ou em Zeus, ou Júpiter, ou Odin, ou tantos outros.
Foi isto que levou tantos povos da terra a acreditar em tantos Deuses diferentes.

Se tais crenças são assim tão absurdas, teremos de concluír que estas são razões insuficientes para se estar certo que Deus existe. Insuficientes para se estar certo que é exactamente aquele que os nossos pais adoram, aquele a quem os sacerdotes que nos rodeiam prestam culto.

Mas o cristianismo não apresenta nenhuma razão adicional.
Vejo-o assim indistinguível de qualquer outra religião. Se estas crenças são absurdas, terei de ser claro: o cristianismo (ou islamismo, ou judaísmo, ou hinduísmo, ou tantas outras) não é menos.

21 de Março, 2007 jvasco

Portanto, deixa cá ver…

Deus criou-nos à Sua imagem e semelhança. Bem, tirando pequenos pormenores como a omnisciência, a omnipresença, omnipotência, trindade (ou seja: espécie de simbiose metafísica com outros dois seres que também somos nós), e perfeição, mais a diferença de desconhecermos o Bem e o Mal e sermos mortais.

Também criou a serpente que foi tentar a sua criação humana. Apesar das Suas capacidades de presciência, ficou revoltado após verificar que a sua criação escolheu desobedecer (não Lhe terá ocorrido que os seres humanos nem sequer poderiam supor que a desobedeciência ao Criador era má antes de conhecerem o Bem e o Mal).

O resto já se sabe: na sua Infinita Justiça castigou os seres humanos que Lhe desobedeceram e todos os seus descendentes.

Mais tarde, talvez por achar que uma eternidade de sofrimento atroz era um pouco excessivo para nos castigar pela desobediência dos nossos ascendentes, e porque é um Deus de Amor Infinito, decidiu enviar o seu filho para ser torturado. A ideia era que com o sofrimento deste inocente Deus pudesse perdoar as faltas dos culpados – o que podermos julgar injusto, mas isso apenas mostra que não compreendemos a Sua Justiça, o que mostra que é Infinita, pois nós não compreendemos o Infinito.

Claro que a palavra de Jesus só terá chegado a uma parcela reduzida da humanidade, mas os missionários vão fazendo com que chegue mais longe, pois não se pode ser feliz sem Cristo (por isso é que não existe felicidade a não ser nos países cristãos: os hindús, budistas, confucionistas, taoístas, ateus e agnósticos em geral são uns infelizes; por isso é que as igrejas são os lugares mais felizes das cidades).

Enquanto os missionários não chegam não é certo se as pessoas vão parando ao Inferno quando morrem (azar o delas!), ou se apenas correm esse risco depois dos missionários lhes anunciarem Cristo e elas O rejeitarem (o que devia fazer os missionários pensar duas vezes antes de oferecer a alguém o risco de uma eterninidade de sofrimento atroz).

Enquanto isso fica por esclarecer em que medida é que os terramotos, tsunamis e vulcões, criação de Deus como tudo o resto, se encaixam no seu plano de Amor Infinito para nós. Mas o importante é não questionar, pois é uma arrogância pensar que a nossa compreensão limitada pode sequer vislumbrar as intenções do Deus de Amor e Justiça Infinitas. O importante é não questionar. Acreditar. Sem pensar.

E há sempre o conforto de verificar que os Mormones e os Cientologistas acreditam em coisas ainda mais absurdas.

16 de Março, 2007 jvasco

De Rerum Natura

«O poeta latino Tito Lucrécio Caro, que viveu no século I a.C., escreveu um único livro: o poema De Rerum Natura. Nele defende a teoria atomista (Demócrito já tinha dito antes «Tudo no mundo é átomos e espaço vazio») mas fala, além de coisas da física e da química, de muitas outras coisas: biologia, psicologia, filosofia, etc.

O blog que partilha o título com o poema de Lucrécio fala também de várias coisas do mundo, procurando expor a sua natureza. Parte da realidade do mundo (o nosso mundo, feito de átomos e espaço vazio) para discutir o empreendimento humano da descoberta do mundo, que é a ciência, e as profundas implicações que essa descoberta tem para a nossa vida no mundo.»

É este o manifesto que introduz um excelente blogue de divulgação científica. Ao divulgar a ciência, ao encorajar o espírito crítico, e ao desmistificar alguns mitos urbanos, não poderia deixar de aconselhar vivamente a leitura habitual deste blogue.

14 de Março, 2007 jvasco

Resposta a algumas críticas

Faz três dias que coloquei neste bolgue uma tradução de um video em que alegava que a Bíblia é repulsiva.
As respostas que obtive em ambos os casos, quando não se limitaram ao simples insulto ou à crítica vazia, parecem ter sido semelhantes aquelas que o autor recebeu. Daí a sua concepção de um video tão adequado para lhes responder.
A todos os que se indignaram ou responderam quando coloquei os videos referidos, aconselho vivamente que vejam este:

14 de Março, 2007 jvasco

E o mistério dos mafaguinhos.

[Um leitor] pediu-me para explicar porque é que a vida não é um mistério. Tentei fazê-lo no último texto: «vida» é uma categoria arbitrária, com critérios flexíveis que aplicamos de forma diferente a coisas diferentes. Tal como o grande, o pequeno, o liso, ou o aborrecido, a vida não é um fenómeno que tenha que ser explicado. É mais uma das formas como classificamos as coisas.

[Esse leitor] não gostou da explicação, mas não explicou porquê. Pior ainda, não esclareceu o que queria dizer com «vida» nem identificou o mistério que queria explicado. É esta a fonte dos mistérios de muitos crentes.

Espiritual. Sobrenatural. Sagrado. Divino. Ou usar palavras com maiúscula. Toda a gente tem uma ideia do que é a verdade, por isso falam da Verdade, que é para não se perceber exactamente o que é. Os mistérios da crença assentam na ambiguidade de termos que não são definidos. Sendo incompreensíveis, não admira que sejam misteriosos.

É o mistério dos mafaguinhos. É apenas o mistério de não se saber de que raio se está a falar. Se fizessem um esforço para definir os termos dariam o primeiro passo para substituir o mistério por compreensão. Mas talvez seja esse o problema… é mais fácil venerar o misterioso que o compreendido.

——————————–[Ludwig Krippahl]