Loading

jvasco

30 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «A teologia é de facto complexa. Dá voltas e voltas, mói e remói até responder «porque sim» em quinhentas páginas de argumento tão confuso que o leitor nem sabe o que lhe bateu. E diz que este testemunho é especial por ser revelado. Vejamos então a revelação. O conceito é simples: Deus fala com os homens. Por vezes, raramente, até com as mulheres. Moisés tem um problema com o faraó, Deus explica o que fazer. Moisés precisa de leis, Deus dita e Moisés escreve. Simples.

    Mas levanta problemas, Porquê ir revelando? O sensato seria dotar-nos logo à partida de tudo o que precisamos para cumprir o Seu plano, mas de vez em quando Deus tem que dar umas dicas. Segundo explica a Enciclopédia Católica isto não é mau planeamento. É generosidade divina. Quanto menos revelar, mais sensato é. Quanto mais revelar, mais generoso é. Este tipo é mesmo excepcional… O papel da teologia é inventar desculpas eruditas, complexas, e difíceis de compreender. Quando questionados escondem a careca com a erudição complexa e incompreensível.

    Outro problema é distinguir a «verdadeira revelação». É estranho que seja problema, porque um ser omnipotente e omnisciente não devia deixar dúvidas. Talvez seja generosidade. […]

    Sabemos que a mãe do morto que ressuscitou era virgem porque o Testemunho é Revelado. E sabemos que o Testemunho é Revelado porque está de acordo com o que já sabíamos, que a mãe do morto que ressuscitou era virgem. Preservam-se assim os tipos e a continuidade dos princípios, de acordo com o critério mais fundamental da teologia: o sim porque sim.»(«Testemunho incompreendido.», no Que Treta!)

  2. «”Expliquem-me o Amor”. Antigamente Deus manifestava-se na trovoada e na lepra. Hoje estas são descargas eléctricas e micobactérias, e é superstição acreditar que provêem directamente de Deus. Aquilo que se compreende só pode ter uma ligação vaga e ténue a Deus, mais por abstracção teológica que por fé a valer.

    Como a sensação de amar é ainda misteriosa parece razoável dizer que Deus é Amor.[…]

    E a evidência refuta cabalmente o dualismo. O álcool no sangue baralha os pensamentos. Lesões, AVCs, ou doença de Alzheimer tiram-nos memórias, traços de personalidade, ou mesmo a fala. Não é razoável que uma mente eterna e imaterial seja afectada desta forma, ou que Deus lhe destrua partes sempre que um vaso sanguíneo se rompe no cérebro.» («Mente e fisiologia, parte 1: o dualismo.», no Que Treta!)

  3. «Os seres humanos erram. Pior do que isso, ficam cegos ao erro por causa da autoridade. Uma afirmação dita por quem detém autoridade num dado assunto é mais facilmente aceite do que a mesma afirmação dita por um desconhecido. Ora, isto levanta um problema: as pessoas, pelo facto de deterem mais autoridade, poderão abusar dela e impedir o progresso. Até porque podem usar a sua autoridade de forma deslocada, para falar do que realmente não sabem nem se deram ao trabalho de estudar cuidadosamente, limitando-se a dar largas aos seus preconceitos favoritos. Além disso, as melhores ideias muitas vezes vêm de pessoas que não detêm autoridade na área — mas que ganham autoridade precisamente por terem tido ideias muito boas.

    Logo, qualquer actividade intelectual séria tem de ter mecanismos que façam duas coisas: corrijam erros e neutralizem ou enfraqueçam a autoridade deslocada. Encontre-se uma prática intelectual que desconheça estes dois mecanismos e será sinal seguro de que é uma fraude.» («A autoridade do erro», no De Rerum Natura)

25 de Abril, 2007 jvasco

Miscelânea de notícias (25/4/2007)

  1. O Exército norte-americano anunciou esta quarta-feira ter morto um importante chefe do grupo terrorista Al-Qaeda no Iraque, suspeito de ter treinado jovens de 12 anos para perpetrarem ataques suicidas com carros-bomba.
    A invasão do Iraque foi um erro que em muito favoreceu a Al-Qaeda, tal como muitos previram, mas cada vitória contra esta pérfida organização deve ser celebrada. Mais uma vitória contra o fundamentalismo islâmico!
  2. Cidade do México aprova a descriminalização do aborto. Na capital do segundo país do mundo com mais católicos, a Igreja foi derrotada.
  3. Ayann Hirsi Ali participou numa conferência na Pensilvânia, numa universidade na cidade de Johnstown, sob o tema da liberdade religiosa. Um imã chamado Fouad El Bayly ameaçou-a de morte, mas, 4 dias depois da ameaça, continua impune.
  4. Em Aveiro, o antigo estúdio de cinema 2002 foi comprado pela Igreja Universal do Reino de Deus, que ali instalou desde ontem um «centro de ajuda espiritual.
    A IURD vai consolidando o seu «rebanho».
24 de Abril, 2007 jvasco

Querem melhor prova que esta?

Joel e Augusto estão na esquadra. São suspeitos de homicídio, e cada um deles presta depoimento, desconhecendo as declarações do outro. A PJ acredita que são cúmplices e espera que o interrogatório lance luz sobre os acontecimentos passados.

Filipe Soares está encarregado de dirigir a investigação deste caso. Como profissional experiente sabe perfeitamente o seguinte: se porventura os depoimentos de Joel e Augusto não contiverem qualquer incoerência; se cada um deles responder sempre da mesma forma a cada pergunta que é colocada; se nenhum dos pormenores de algo que se lembram for ligeiramente diferente; se cada detalhe é perfeitamente compatível, então é provável que tenham combinado juntos qual a história que iriam contar. Em princípio terão verificado todas as questões, procurando evitar qualquer ponta solta, tentando não deixar nada ao acaso.

Mas não é isso que acontece.
Joel diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era ele. Que estavam a beber cerveja, que o jogo estava entediante, e a conversa amena. Que não havia nada para comer.
Augusto diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era Joel. Que comeram piza até ficarem ambos muitos cheios, e que estiveram sempre a beber coca-cola. O jogo estava entediante e a conversa amena.

Filipe Soares continua a sua investigação. São reunidas as provas e indícios e Joel e Augusto, que não confessaram qualquer crime, vão a Tribunal.

O advogado de defesa diz que uma das maiores provas da inocência de Joel e Augusto são as contradições entre ambas as versões. Diz que se as versões fossem combinadas, coincidiriam em todos os pormenores.

O que é que o juiz achará disto?
O que é que o leitor acharia?

Fraca defesa aquela que recorre a tão tolo argumento.
Então não há centenas de criminosos cúmplices que se contradizem nos seus depoimentos? Depoimentos que se contradizem atestam a inocência de quem quer que seja?

Na verdade o advogado de defesa do Joel e do Augusto, ou tem um fraco conhecimento de lógica, ou espera que o juiz o tenha. Ele não sabe que quando A implica B, isso não quer dizer que a negação de A implique a negação de B.

Vou dar um exemplo: «se eu estou a saltar, eu estou vivo» não quer dizer que «se eu não estou a saltar, eu estou morto».

Da mesma forma: «se o Joel e o Augusto têm depoimentos compatíveis ao mais pequeno pormenor, então provavelmente são culpados» não quer dizer que «se o Joel e o Augusto têm depoimentos com várias contradições (grosseiras?), então são inocentes».

Agora parece claro que o argumento do advogado de defesa do Joel e do Augusto é pateta. Pior, é absurdo. É indigno de uma defesa sólida.
Dá a impressão que não existem bons argumentos para defender o Augusto e o Joel das evidências contra eles, e que por isso é necessário recorrer a estas falácias tão descaradas.
E isto é verdade quer as contradições entre Joel e Augusto sejam muitas e graves, quer sejam pequenas e pouco importantes. Em nenhum caso provam a inocência de ambos.

Suponho que o leitor não discordou até este ponto do texto.
Agora diga-me, que devo eu pensar quando volto a ouvir, repetidamente, alguns cristãos afirmarem que «uma das maiores provas que o Novo Testamento é verdadeiro é a existência de algumas contradições nos Evangelhos»?

24 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «[O fim do limbo cria] um dilema doloroso aos pais católicos. Abortar o feto garante-lhe a salvação, mas deixar a criança nascer expõe-na à possibilidade de pecar e de ser condenada ao sofrimento eterno. Eterno. Porque, a menos que uns bispos mudem outra regra qualquer, quem vai para o inferno nunca mais de lá sai.

    Mas os pais que optem pela única forma segura e legal de garantir o paraíso aos seus filhos serão condenados ao inferno. O que será pior? Sofrer eternamente sabendo que todos os filhos estão no paraíso, ou estar no paraíso sabendo que, para lá chegar, pode ter condenado os filhos ao sofrimento eterno?

    Quanto mais aprendo sobre religião mais me agrada o ateísmo.»(«Crianças mortas suspiram de alívio.», no Que Treta!)

  2. «- Pois, mas curiosamente a energia contida em toda a matéria do universo é compensada pela energia negativa do campo gravitico que essa matéria gera. Somando todas as parcelas, o total de energia no universo é zero. A hipótese mais plausível e mais bem suportada é que este nada se expandiu como consequência de uma flutuação quântica, como previsto pelo principio de incerteza.

    – Ora aí está! Foi Deus quem causou essa flutuação quântica.

    – Não pode. Este tipo de acontecimento não tem causa. O conceito de causalidade nem se aplica.

    – Não tem causa. Muito bem. Mas, mesmo assim, foi Deus quem o causou!» («Um diálogo.», no Que Treta!)

  3. «Em mais uma das suas imperdíveis crónicas da 2ª feira, João César das Neves, num esmerado exercício de auto-vitimização em que é useiro e vezeiro, fala-nos de um “racismo”, dirigido à crença, que grassa na sociedade de hoje; fala-nos de uma Igreja contra a qual existe “desconfiança latente” e “severidade”.

    Provavelmente por habitar em paragens muito longínquas, ou numa cave insonorizada com água potável e conservas para uma vida inteira, JCN ignora que vive numa sociedade que não só não discrimina os crentes, não só não dá mostras de severidade para com a Igreja, mas que, pelo contrário, a trata com uma benevolência que roça, por vezes, a subserviência.

    Pode até dar-se o caso de JCN ter ouvido falar de um país, chamado “Portugal”, no qual a perseguição aos crentes não prima pela ferocidade: a Igreja tem direito a transmissão televisiva das eucaristias, a mensagem de Natal do patriarca, a emissões especiais por ocasião do aniversário da cidadã Lúcia de Jesus dos Santos, a uma Universidade, e, até há bem pouco tempo, a presença no protocolo do Estado.» («BRANDA SEVERIDADE», no umblogsobrekleist)

20 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «Mas da filosofia à ciência o processo é contínuo, e já foi repetido em muitos domínios. «De que é feita a matéria?» era uma pergunta filosófica até se compreender o suficiente para formular hipóteses testáveis e, eventualmente, um modelo científico bem fundamentado. Há séculos que andamos nisto, avançando mais nuns domínios que noutros. E cada avanço levanta mais perguntas que é preciso compreender, e, uma vez compreendidas, tentar responder. Perguntas filosóficas que se transformam em perguntas científicas que dão respostas científicas e levantam novas perguntas filosóficas.

    Nem a filosofia pode vencer a ciência nem a ciência vencer a filosofia. São ambas parte do mesmo processo de compreensão. Mas o [leitor] tem razão em se preocupar com a religião, que sempre foi a roda quadrada desta carroça. A religião assume que já sabe as respostas e nem sequer gosta de perguntas. Enquanto as outras se ajudavam e avançavam a religião ficou na mesma, cada vez mais isolada da realidade.»Ciência, Filosofia e Religião.», no Que Treta!)

  2. «Na realidade, Tyson aponta que não há nada em comum entre religião e ciência e que a inspecção da História revela uma guerra entre ambas como explicado no livro que já referi, «A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom», do historiador e ex-presidente da Universidade de Cornell (uma das mais prestigiadas universidades do mundo, que incluiu Carl Sagan no seu corpo docente) Andrew D. White.

    Para além disso, a ciência assenta em verificação experimental e a religião assenta na fé, que por definição dispensa qualquer tipo de comprovação, pelo que as duas abordagens ao conhecimento são completamente irreconciliáveis. E considerando que ao longo de boa parte da História da humanidade se tentou arduamente aproximar ambas parece pouco provável que a conciliação alguma vez aconteça» («O perímetro da ignorância», no De Rerum Natura)

  3. «John Edward é, sem dúvida, o mais famoso «psíquico» da actualidade.
    Até a TV Cabo (se bem me lembro no «People & Arts»), já se rendeu aos «encantos» deste burlão, que se tornou multi-milionário a fazer crer às pessoas que comunica com o «mundo dos mortos» e que lhes transmite mensagens de familiares e amigos que estão «do outro lado».
    E que não hesita em explorar despudoradamente os sentimentos das pessoas para lograr os seus únicos intentos: enriquecer como um nababo.»
    O Sucesso dos Aldrabões», no Random Precision)
19 de Abril, 2007 jvasco

Muito antes do holocausto…

«A 19 de Abril surge outro acontecimento mais grave. Dois dias antes, alguém teria visto, na capela do convento de São Domingos, estrelas douradas que saíam a brilhar de um crucifixo embutido em cristal. Logo que a novidade é conhecida, centenas de pessoas, muitas delas mulheres, juntam-se na capela. Entre os que vêem contemplar o prodígio há cristãos-novos [judeus recentemente convertidos ao cristianismo]. Um deles manifesta a sua opinião: a cruz, um simples pedaço de madeira, não poderia ter realizado o prodígio. O homem é imediatamente espancado e arrastado para o exterior, acabando por ser morto no adro da igreja. E o seu corpo despedaçado – assim como o de um seu irmão que tentara defendê-lo – é imediatamente queimado pela populaça.

O massacre que se segue não é espontâneo. É organizado e dirigido pelos frades dominicanos. Do alto do púlpito, um deles lança violentas diatribes contra os judeus. Aos gritos de «Heresia! Heresia! Destruí esse povo abominável!», outros frades apelam à morte, e precipitam-se para a rua empunhando crucifixos. Os resultados não se fazem esperar. Centenas de pessoas espalham-se pelas ruas de Lisboa e matam todos os cristãos-novos – homens, mulheres e crianças – que têm a desdita de lhes aparecer à frente. Alguns deles são decapitados, morrendo outros a golpes de punhal. Os bebés de colo são agrarrados pelos pés e esmagam-lhes a cabeça contra a parede.

A esta primeira onda de violência sucede-se uma acção mais organizada. Grupos de sessenta a cem pessoas, sempre encorajados pelos frades dominicanos, entregam-se a uma verdadeira caça ao homem. Casa após casa, sótão após sótão, a cidade é passada a pente fino e entregue ao zelo da populaça. Arrancados das enxovias, os presos das cadeias são atirados vivos para a fogueira que arde diante da capela de São Domingos, sendo também degolados todos aqueles que, aterrados pelos gritos da multidão, procuraram refúgio nas igrejas. […]

O massacre dura cerca de uma semana. Embora os cristãos-novos estejam já praticamente exterminados, o número de mortes continua a crescer, uma vez que outros grupos de pessoas passam a ser vítimas da histeria colectiva. Simples rivalidades pessoais entre vizinhos levam-nos a acusar-se mutuamente de judaísmo. O simples facto de alguém ter «ar de judeu», ter negociado com cristãos-novos ou ter sido visto na sua companhia é suficiente para ser entregue à vindicta popular.

Este espisódio sangrento da história de Lisboa transforma-se, pouco a pouco, em insurreição. A 21 de Abril, o governador que também abandonara a cidade, estabelece conversações com os chefes do movimento. […] Quanto aos Dominicanos, são intimados a restabelecer a paz nos espíritos.

Porém, a ameaça de represálias não impressiona a hierarquia religiosa, […]. A cidade está à beira da guerra civil. Os massacres alastram-se e estendem-se às aldeias e lugarejos dos arredores.»

«História de Lisboa», Dejanirah Couto, Gotica 2000 Sociedade Editora e Livreira Lda, Braga, 2003

16 de Abril, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «O pensamento científico não parte deste ou daquele pressuposto para depois aceitar as suas consequências. Isso é o que faz o pensamento religioso: aceita, por exemplo, que um determinado livro tradicional, registo escrito de tradições orais anteriores, emana directamente de Deus – e raciocina a partir daí. Na ciência interroga-se tudo. Na religião aceita-se por fé mitos fundadores – que um homem nasceu de uma virgem, que esse homem depois de morto ressuscitou, no caso do cristianismo – cuja veracidade não pode ser colocada em causa sem se ser considerado blasfemo e contra a ortodoxia. Filosofar e fazer ciência é ser heterodoxo, interrogar e pôr tudo em causa. Dar respostas fechadas, que confortam os crentes, é o que faz a religião. São atitudes muito diferentes.» («Os pressupostos», no De Rerum Natura)
  2. «É assim que sabemos que os Blin existem. Podemos conceber algo tão Blin que nada pode ser concebido que seja mais Blin. Ora se esse algo não existisse, poderíamos conceber algo idêntico mas existente, e que, por existir, seria mais Blin que o Blin que não existe. Daqui se prova, a priori, que os Blin existem. É uma prova irrefutável por duas razões. Por não estar dependente do conhecimento empírico, que sabemos ser sempre falível, e por ser tão obscura e confusa que ninguém a pode refutar.» («A Blinologia do Supra-Empírico», no Que Treta!)
  3. «Bento XVI aceita com relutância a teoria da evolução, que diz que todas as espécies modernas surgiram por um processo natural, cego, sem propósito. Ao mesmo tempo diz que há outra dimensão da razão em que foi exactamente o contrário. É tão absurdo como aceitar a astronomia moderna e defender que, noutra dimensão da razão, a Terra está no centro do universo, é plana, e assenta em quatro elefantes e uma tartaruga.

    Não há várias dimensões da razão. Há apenas a necessidade de alguns de arranjar um cantinho onde esconder as suas superstições das evidências que as refutam. E isso não é razão; é precisamente o contrário.» («Dimensões da Razão.», no Que Treta!)

16 de Abril, 2007 jvasco

O Rei vai nu

Todos conhecem a história: dois indivíduos fazendo-se passar por alfaiates prometem ao Rei criar o fato mais extraordinário alguma vez visto. O fato é tão belo que os tolos serão incapazes de o ver. Os alfaiates alegam necessitar de ouro, prata, diamantes e outras joias para produzir o fato, mas trabalham sem usar qualquer material. Os conselheiros do Rei ou membros do governo que os vêem a trabalhar sem usar qualquer tecido ou material, têm medo de passar por tolos por não ver tecido nenhum. Alguns deles mentem deliberadamente dizendo que o vestido é deslumbrante; enquanto outros se enganam a si próprios e começam a imaginar as belas cores e formas do fato, tomando-as como reais.
Quando os indivíduos apresentam ao Rei o fato, afirmando estar completo, o Rei também não vê nada. Mas por medo de parecer tolo diante de toda a sua corte que via o fato com clareza, afirma vê-lo e considerá-lo extraordinariamente belo.
O Rei decide então desfilar na rua com o alegado fato vestido. Ninguém quer reconhecer que está a ver o Rei nu, pois sabe que isso será visto como uma limitação da sua parte. Uma criancinha não liga a este problema e diz clarmente que o Rei vai nu.

No conto de Hans Christian Andersen as pessoas reconhecem então o óbvio: tinham sido enganadas – a criança tem razão.
Mas logo da primeira vez que ouvi esta história sempre achei esta última parte muito pouco plausível. Ainda me lembro, quando era eu próprio uma criança, de perguntar «mas então porque é que eles não pensam apenas que a criança é tola?»

A verdade é que quem protege uma crença ao ponto de imaginar um fato que não existe não vai reconsiderar apenas porque uma criança não partilha de tal crença – a explicação dada pelos alfaiates seria mais do que suficiente para que o episódio não constituisse qualquer problema.
Aquilo que me pareceria plausível, face a tal situação, é que todos aqueles que alegassem ver o fato do Rei o continuassem a fazer. Rir-se-iam um pouco das limitações da criança e o Rei continuaria o seu caminho – nu.

Nem o facto dos conselheiros e ministros verem cores e formas diferentes no fato tinha desmotivado a crença geral na beleza do mesmo. Não seria aquela criança que o faria.

E até tenho um bom exemplo: a religião.
O clero alega que existe um Deus que responde às orações, mas tudo indica que nenhum Deus responde a qualquer prece. Todos os efeitos que as pessoas alegam advir das orações poderiam acontecer sem as mesmas, e não acontecem com mais frequência com quem reza.
A verdade é essa: o cancro não poupa mais os crentes do que os ateus, nem nenhuma doença conhecida. Na verdade já se sabe que rezar por um doente não tem qualquer efeito na probabilidade deste se curar.
O mundo e a vida tem coisas maravilhosas e coisas terríveis, e para todas elas uma explicação natural mais convincente que qualquer explicação religiosa.

No entanto, mesmo que alguns ateus digam «estão a ver coisas que não existem e a enriquecer o clero inutilmente» – muitas pessoas encaram isso apenas como uma limitação dos ateus, que não conseguem ter acesso à «dimensão espiritual».

É como a limitação da criancinha que não conseguia ver o fato que não existia…

12 de Abril, 2007 jvasco

A Revolução Moral

O Presidente polaco, Lech Kaczynski, e o Primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, ambos conhecidos pela sua extrema religiosidade e pelo seu enorme fervor católico, começaram já a levar a cabo iniciativas legislativas e políticas para impôr os seus valores morais a todos os cidadãos.

Além de promoverem um discurso abertamente anti-semita, de proibirem qualquer forma de união de facto entre pessoas do mesmo sexo, de anunciarem a proibição do divórcio, de alterarem os currículos escolares para que o criacionismo fosse ensinado nas aulas, os irmãos procuram agora impedir os homossexuais de trabalhar na função pública, estando já em curso a apresentação de uma lista inicial oficial de proibições.

Perante esta situação creio que faz sentido aderir à exortação feita no blogue Devaneios Desintéricos, e expor claramente o seguinte protesto:

«Exmo Sr Embaixador da Polónia,

Ciente do árduo percurso do Povo do seu país rumo a uma Democracia expurgada de totalitarismos como os que historicamente se abateram sobre a Polónia, é com genuína inquietação que assisto à implementação de medidas governativas tendentes a instaurar um clima de desrespeito pelos mais basilares Direitos Humanos. As soluções propugnadas pelo executivo de Varsóvia, ao terem como consequência o desrespeito pela liberdade de não prossecução de um dado credo, a perseguição de minorias sexuais e modelos familiares atípicos, assim como as sugestões vindas a público de uma proibição total do aborto ou, por outro lado, a apologia da pena de morte feita por alguns membros do Executivo que representa, traduzem uma divergência inaceitável com os valores que assumimos comuns nesta União Europeia.

Ciente que o Povo polaco, como outrora, saberá levantar-se contra a instauração da intolerância e do desrespeito pela dignidade humana, junto de vós lavro o presente protesto.»

Vou encaminhar este protesto para o embaixador da Polónia, e convido todos os leitores a fazer o mesmo. Convido também todos os blogues a aderir à iniciativa.