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17 de Maio, 2007 jvasco

Pensamento Veleitário III – A mente e o cérebro

«O mistério do sentir está a tornar-se menos misterioso»
António Damásio

No artigo anterior escrevi que existem hoje bons indícios de que a vida acaba com a morte.
Acrescento agora: hoje temos bons indícios que a vida acaba com a morte cerebral.

Porque hoje sabemos que a mente tem origem no cérebro.

Hoje sabemos que um paciente a quem é cortado o corpo caloso desenvolve duas consciências independentes. Até há casos em que uma delas acredita em Deus e outra não.

Hoje sabemos que as memórias, recordações, capacidades intelectuais, surgem da ligação entre neurónios. Sabemos que lesões destroem recordações e também podem afectar a personalidade, os valores, as capacidades intelectuais do indivíduo que as sofre.

Hoje começamos a conhecer os mecanismos que sustentam a mente: actividade eléctrica, química, biológica. Hoje começamos a compreender porque é que algumas subtâncias têm o efeito que têm no nosso comportamento.

Se a nossa consciência surge de uma determinada actividade cerebral, temos aí um forte indício de que ela não poderá ocorrer após o cérebro estar incapaz de manter essa actividade.

A ideia de uma alma imortal é popular, mas pouco clara. O que é a «alma» ao certo? O que é que ela tem que possa ser chamado «nosso»?

Será que a alma tem a personalidade do dono? Ela aprende? Evolui? Pode ser virtuosa? E pérfida?

A ideia de uma alma que não mantém as memórias do indivíduo não é muito apelativa para muita gente. Lá se vai o pensamento veleitário para muitos que querem encontrar os queridos e familiares no Paraíso – e uma alma sem memória não tem muito de «nossa», visto que tanto daquilo que somos está relacionado com a memória e as recordações.

Mas uma alma que mantém as nossas memórias levanta outras questões. Se eu aprendi francês e me esqueci, a minha alma também se esqueceu? Se não, a sua personalidade será diferente da minha, visto que a minha personalidade está intimamente relacionada com o acesso que tenho às diferentes memórias – se me lembro mais facilmente da sensação de um trauma de infância ou de um conselho de um amigo pode determinar se sou mais inflexivelmente justo ou mais compreensivo numa determinada situação, só para dar um exemplo.

Mas se a alma se esquece daquilo que eu me esqueço, então a alma de alguém com Alzheimer também terá sido afectada pela doença. A verdade é que não existe nenhuma fronteira definida entre as memórias perdidas naturalmente e aquelas que são perdidas devido a tais doenças, é todo um contínuo de intensidade com que se dá um mesmo processo fisiológico.

E mesmo sem falar na memória, a verdade é que todos os cérebros podem ser situados algures algures num continuum de patologia. Ou existem almas com Alzheimer, ou então as nossas almas terão personalidades muito diferentes das nossas. Faz sentido culpá-las pelo que nós fizemos, se a nossa personalidade tem propensão para fazer coisas diferentes daquilo que a nossa alma faria?

Os indícios da ciência hoje são claros. A vida acaba com a morte.

A nossa tendência para o erro intelectual do pensamento veleitário ainda não permitiu a muitos reconhecer isto com clareza. Mas temos tempo. A religião sustenta-se em vários erros cognitivos (o efeito manada, a ilusão de controlo, etc…) mas a ciência já foi destruindo vários, e este vai ser só mais um.

17 de Maio, 2007 jvasco

Pensamento Veleitário II – A vida eterna

Uma vez compreendida a tendência humana para o pensamento veleitário, é fácil compreender porque é que, ao longo da história, tantas culturas (mas não todas!), de tantas formas tão diferentes (reencarnação, ressurreição carnal, ressurreição espiritual, etc…) vieram a desenvolver formas de crença na vida eterna.

Até aos últimos séculos, a compreensão das leis da natureza era muito primitiva. A compreensão do funcionamento do nosso organismo também. Com tanto desconhecimento, não havia grandes indícios contra ou a favor da vida eterna.

Mas, devido ao instinto de sobrevivência de que a selecção natural nos dotou, os seres humanos não querem morrer. Assim sendo, acham a possibilidade de existência da vida eterna mais desejável que a possibilidade oposta.

Não seria de esperar outra coisa senão que a crença na vida eterna se espalhasse.

Crer com convicção na vida eterna era obviamente um erro. Esse erro não impediu que se desenvolvessem os mecanismos sociais que tornaram qualquer dúvida em relação a tal convicção como algo merecedor de rejeição social. Os adeptos do Falagoas não gostariam que alguém lhes viesse dizer que o Retreneu ia vencer a partida, mais por não gostarem de encarar tal facto do que por o considerar absurdo.

No entanto, acreditar convictamente na hipótese oposta talvez fosse igualmente um errado: a verdade é que o funcionamento do mundo era tão desconhecido, que a vida eterna poderia facilmente ser compatível com o conhecimento adquirido até à altura.

Hoje isso não se sucede.

Hoje temos indícios muito fortes de que não existe outra vida depois desta.

17 de Maio, 2007 jvasco

Pensamento Veleitário I – Tomando os desejos por realidades

O Futebol Clube do Retreneu e o Falagoas Futebol Clube são duas equipas desportivas que têm tido igual desempenho. Um corrector de apostas independente diria que no grande jogo que se aproxima a probabilidade de empatarem é de um terço. A probabilidade de qualquer uma das equipas ganhar também é um terço.

O leitor não espera que os respectivos sócios e adeptos o reconheçam. Certamente que os adeptos do Retreneu dirão, principalmente em público, que não esperam vencer por menos de dois ou três golos de diferença. Os adeptos do Falagoas deixarão bem claro que considerariam o empate um péssimo resultado, estando confiantes numa vitória folgada, e sonhando com um cinco a zero.

Isto é o que dizem, porque cada um destes adeptos tem mais dúvidas do que aquilo que reconhece em público. Ainda assim, a verdade é que, quer os adeptos do Falagoas, quer os adeptos do Retreneu, consideram a vitória do seu clube mais provável do que a respectiva derrota.

Trata-se do pensamento veleitário: tomar os desejos por realidades. Errar é humano, e existe uma série de enviesamentos cognitivos que caracterizam muitas decisões e avaliações erradas que fazemos. O pensamento veleitário corresponde a deixar que a avaliação daquilo que é mais provável seja influenciada pela desejabilidade das possibilidades e não apenas pela plausibilidade destas.

Ou seja: o adepto do Falagoas tende a achar que é mais provável que o Falagoas do que acharia de outra forma, porque gostaria que o Falagoas ganhasse. Mas o quanto ele gostaria que o Falagoas ganhasse não torna mais provável a vitória desta equipa.

Existem vários estudos que comprovam esta tendência nos seres humanos. Este efeito foi também denominado «efeito de valência».

14 de Maio, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «O cérebro serve para o animal se orientar e prosperar no seu ambiente. Nisto não somos excepção, mas o nosso ambiente é peculiar. O nosso cérebro serve-nos para prosperar em sociedades complexas, e é uma máquina de processar intenções, parentescos, favores, amizades, inimizades, direitos, obrigações…

    Com cem mil milhões de neurónios dedicados a identificar quem e para quê não é de admirar que esta espécie seja tão religiosa. Tudo julgamos ser obra de Alguém. E, é claro, o Grande Chefe tem que ter mulher, filhos, ajudantes e subordinados. Religião é projectar no universo a estrutura social que construímos aqui à nossa escala microscópica. E o nosso cérebro especializou-se nestas hierarquias […]

    Ajudas o meu filho e eu ando cinquenta quilómetros a pé, ou coisa do género. Se Maria tem esses poderes e se é em Fátima que os manifesta, vale a pena tentar. Deus é demasiado vago e distante para estas coisas.

    Hoje celebra-se um exemplo da maior treta na religião. […] As pessoas relacionam-se com o universo como se relacionam entre si. Pedindo, oferecendo, bajulando, sacrificando-se, ajudando, trocando favores e amizades. É o que fazemos melhor. Quem não disse já uns palavrões ao computador ou nunca pediu desculpa ao cão se o pisou? A verdadeira religião, a religião dos crentes, é ligar-se dessa forma a tudo o que os rodeia.[…]

    É triste que milhões de pessoas levem tanto a sério as fantasias de uma criança. Mas o relato que bispos e papas teceram à volta deste acidente sociológicoo é que é uma Treta de se lhe tirar o chapéu.»Treta da semana: Nossa Senhora de Fátima.», no Que Treta!)

  2. «Entre os presentes nessa data estava um dos mais destacados dirigentes do movimento católico, Domingos Pinto Coelho. Este advogado e proprietário miguelista, fundador e candidato pelo primeiro ensaio de partido católico em Portugal (em 1901), publica na primeira página do principal diário católico- A Ordem- um testemunho em que afirma peremptoriamente que está convencido que se presenciou não um milagre do Sol, mas um fenómeno natural:[…] Ora precisamente essa analogia de circunstâncias proporcionou-se-nos ontem. (…) Vimos as mesmas sucessões de cores, o mesmo investimento rotativo, etc.” E daí concluiu: “Eliminado pois o único facto extraordinário, que fica? (…) As afirmações de três crianças e nada mais. É muito pouco» («O “FENÓMENO FÁTIMA”: os primeiros cinquenta anos de Fátima- 2», no História e Ciência)
  3. «Na segunda parte, resolveu dedicar-se às previsões e à futurologia. E lá entendeu por bem prever que a Guerra acabava nesse ano de 1917 e que os soldados portugueses já estariam de volta ao solo pátrio pelo Natal.
    O pior foi que a I Guerra Mundial, a tal guerra de 1914-18 acabou, tal como o próprio nome indica, no ano de 1918.
    Então não querem lá ver que a mãe de Deus se enganou, coitada?
    »
    Diz que é uma espécie de religião monoteísta…», no Random Precision)
11 de Maio, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «Muitos preferem a humanidade criada pelo artifício de vontade alheia em vez de algo que evoluiu pelos seus atributos. Alegam que a maravilha da natureza testemunha a magnificência do seu deus, mas a maravilha não lhes chega. O Homem tem que ser melhor ainda. Tem que ter coisas que nem esse deus conseguiu incluir na natureza. E isso parece-me uma grande treta.

    Por um lado, subestimam a natureza. O Homem não pode ser só átomos porque átomos são incapazes de pensar, sentir e ter vontade. A diversidade de comportamentos humanos refuta a nossa natureza biológica. Mas a diversidade é característica do ser biológico. Quem os tem sabe que até cães e gatos são indivíduos distintos e com personalidade. Aprendem, adaptam-se ao ambiente em que vivem, reagem, interagem, e agem por vontade própria. […]

    Cada organismo é uma complexa interacção dos seus átomos e dos átomos que o rodeiam. Um átomo sozinho faz pouca coisa, mas com átomos a interagir há fotossíntese, o voo das aves, o sonar dos morcegos, alcateias de lobos. Há vida. Até recentemente, por ignorância, insistia-se que a matéria nunca poderia ser viva. Afinal, um átomo não é vivo. Pois um átomo também não é molhado e a água é. Um sistema complexo de átomos pode ser vivo. Agora é a vez de negar à matéria a liberdade, a ética e a consciência. Outra vez por ignorância. […]

    O Homem é um mamífero esperto, mas com ilusões de grandeza. Tem um cérebro enorme, linguagem e capacidades que os outros animais não têm. Mas é normal na natureza que os organismos se especializem. Outros há que vêem, correm, nadam, mordem ou ouvem melhor que nós. E se a matéria faz tudo o que os outros animais fazem pode muito bem fazer o que nós fazemos.»Treta da semana: à imagem de Deus.», no Que Treta!)

  2. «Como escreveu o Carlos, “Ciência em palco significa trazer a ciência para diante dos nossos olhos, para o palco das nossas atenções, fazê-la passar para a sociedade. É, portanto, uma forma, uma das melhores formas, de fazer cultura científica.”

    Eu acrescentaria que ciência em palco é uma forma privilegiada de unir as duas culturas, de abrir as portas da comunicação que urge escancarar para que a ciência permeie a sociedade, seja discutida em mesas de café e, como consequência, obste ao proliferar de obscurantismos sortidos.» («Darwin e o canto dos canários cegos», no De Rerum Natura)

  3. «Depois, para simbolizar o quanto ela tinha desonrado a religião yezidi por namorar com um rapaz sunita e, por isso, por ter ofendido também toda a sua família, os homens rasgaram-lhe as roupas à força e despiram-na completamente.
    Nas imagens seguintes vê-se a menina deitada no chão, já completamente nua, rodeada por um mar de sangue, com cabeça esmagada, a sua cara de menina inocente já irremediavelmente desfigurada pelas pedras.
    Já não grita..
    »(«Adeus, Du’a!», no Random Precision)
9 de Maio, 2007 jvasco

Vem aí um meteorito? – II

Não existem boas razões para acreditar que venha um meteorito em direcção a minha casa, e por isso não fujo de casa.

E também não existem boas razões para acreditar em Deus.
E ainda menos existiriam para acreditar num Deus que nos julgasse.
Mas pior que tudo, não existem boas razões para acreditar que ele nos julgaria desta forma ou daquela. Nenhuma boa razão para acreditar que ele penalizaria a descrença e beneficiaria a Fé.

Parece-me insensato confiar no clero para nos dizer quais os planos de Deus para nós, mais ainda quando são os primeiros a admitir os erros de outros clérigos (quer os das outras religiões; quer os das outras Igrejas da sua religião; quer os do passado da sua Igreja; quer os de outras correntes teológicas na sua Igreja) na interpretação dos planos divinos. Parece insensato confiar na autoridade de instituições que só têm a ganhar com a confiança cega e acrítica do seus fiéis.

Parece-me insensato confiar nos relatos de milagres feitos antigamente. Há relatos antigos de sereias e lobisomens, e tendemos a descartar esses. Há relatos antigos do aparecimento de Isis, Thor e Zeus, e tendemos a descartar esses. Também há relatos da Virgem Maria, mas porque é que ela se tornou mais tímida quando surgiram câmaras de filmar, máquinas fotográficas, e meios sofisticados de verificação independente?

A IURD e outras Igrejas Evangélicas mais pequenas apresentam curas milagrosas aos molhos, mas muitos crentes cristãos acham que isso é fraude. Se não fosse, Isso implicaria que Deus é mais atento aos crentes da IURD que aos católicos. Mas se a fraude é tão fácil, porquê acreditar em relatos escritos de tempos em que a verificação da fraude era muito mais difícil? Se tantos crentes entendem a facilidade com que tanta gente é hoje enganada pela IURD, como é que não concebem equívocos desse tipo há cerca de 2000 anos atrás?

Na verdade não existe nenhuma boa razão para acreditar que os cristãos estão mais certos que os islâmicos. Se tívessemos nascido na Arábia Saudita quase todos seríamos islâmicos. No entanto, o Corão diz que quem acreditar na Santíssima Trindade arderá no Inferno.
Eles alegam que as profecias da Bíblia são falsas, que muitas ficaram por cumprir, e outras revelaram-se engodos; mas que as do Corão se realizaram todas. Claro que os cristãos discordarão, mas a discutir estas coisas quem acredita em Nostradamus poderá argumentar tanto quanto qualquer outro crente religioso. Em terreno igualmente sólido estará quem acreditar nas previsões do Zodíaco.

Mas há mais do que estas religiões. Há religiões aos molhos, com muito pouco em comum. O Hinduísmo, a maior religião a seguir ao Islamismo, é politeísta e acredita na reencarnação. Temos os Mormones, temos a Cientologia, temos o Judaísmo, temos o Umbanda, o Candomblé, temos o Druidismo, temos o Satanismo (se bem que algumas versões do satanismo não sejam religiosas, de acordo com os seus seguidores), temos a religião Wicca, temos o Siquismo, temos toda uma miríade de que só referi uma pequena parte, e ainda poderíamos falar nas religiões do passado. Não têm nada em comum. Para fazermos aquilo que está certo numa religião, estamos certamente a fazer aquilo que está errado noutra.

Muitos crentes de cada uma delas sentem que estão certos, e alguns até podem relatar episódios milagrosos. Mas se acreditarmos nuns, temos de ver outros tantos como gente falsa ou equivocada. O pior é não existir qualquer critério razoável para escolher um grupo em deterimento de outro. Quase toda a gente escolhe em função dos seus pais e familiares, local de nascimento ou residência, o que mostra que os critérios não andam famosos.

Mas é possível conhecer melhor o mundo e a mente humana. Entender a diversidade de religiões como mais um resultado esperado de um mundo sem Deus. Perceber a diversidade da vida como mais uma consequência da selecção natural. Encarar o mal do mundo como um desafio, que nos cabe a nós humanos, sozinhos e livres, encarar, para melhor viver em conjunto (e sem conflitos por causa de superstições).

Não é preciso referir os 20 000 sacrifícios anuais ao Deus Quetzalcóatl dos Astecas para mostrar que a religião não tem ajudado nessa tarefa. Talvez nem baste lembrar que o pior da inquisição e da caça às bruxas nem foram os milhares de torturados e queimados na fogueira, mas sim o atraso intelectual, económico, cultural e científico que esse obscurantismo provocou. É preciso mostrar repetidamente que as sociedades com maior número de descrentes são aquelas em que existe menor número de asassínios por mil habitantes, aquelas em que existe maior apoio aos desfavorecidos e assistência social.

Quando entendermos que é tão fácil ser felizes e decentes sem religião, quando entendermos quão frágeis são as alegações e mentiras do clero, deixamos de ter razões para temer o meteorito.
Poderemos viver a nossa vida.

9 de Maio, 2007 jvasco

Vem aí um meteorito? – I

Estou em casa a escrever este texto.

Talvez seja pouco sensato da minha parte. Pode ser que venha aí um meteorito, em direcção à minha casa.

Se o meteorito for do tamanho de um frigorífico, eu posso morrer por ter ficado cá em casa. A verdade é que nada impede que assim seja. Vamos analisar as minhas possibilidades: eu posso ficar cá em casa como se nada fosse, ou sair para a rua a correr.
Se o meteorito não vier a caminho, é quase irrelevante a escolha que faço, pelo menos se eu comparar com a hipótese oposta: se o meteorito vier a caminho e eu optar por ficar, é provável que morra; se tiver fugido, sobreviverei.

E sejamos claros: nada impede que o meteorito venha nesta direcção. Nada impede que esteja prestes a chegar. A ciência não prova ou demonstra que esse meteorito não vem a caminho. Pode realmente acontecer.

Parece só existir uma coisa sensata a fazer: fugir já de minha casa.

Mas calma! Nada garante que o meteorito vai acertar na minha casa. Pode ser precisamente por saír de casa que o meteorito me acerta. Para qualquer sítio onde vá, existe sempre a possibilidade de um meteorito suficientemente grande acabar comigo. Claro que quanto maiores forem, mais difícil é que não tenham sido detectados, mas em última análise nunca se sabe.

Mas não há razão para pânico. Não há qualquer garantia de que não esteja um meteorito prestes a acertar na minha casa, é certo. Mas seria uma hipótese tão extraordinária que não seria sensato agir em função dela se não tivesse boas razões para acreditar. Além disso, só faria sentido fugir se tivesse razões fortes para crer que o meteorito iria acertar na minha casa e não noutro lugar. De outra forma, a fuga seria fútil, pois não me traria melhores hipóteses de sobreviver.

É por estas razões que o leitor que lê estas palavras não desatou já a fugir, com medo que um meteorito estivesse a viajar na sua direcção. Foi sensato da sua parte. Desatar a fugir seria uma opção menos sábia.

7 de Maio, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «E o amor é involuntário. Não amamos quando, como, ou quem escolhemos. É mais um mecanismo que nos compele a agir, muitas vezes contra a vontade consciente. É absurdo que um ser omnipotente seja compelido, mas sem compulsão não é amor. Se Deus tem completa liberdade de escolher quando e como ama nunca saberá o que é amar. E se não tem essa liberdade não é Deus.

    É claro que os crentes dirão que o amor de Deus é completamente diferente do nosso. Vão usar letras maiúsculas, chamar-lhe Amor Divino, e dizer que está para além do que podemos compreender. Mas então sejam honestos. Digam que Deus é X e que não fazem a mínima ideia do que estão a falar. O amor sabemos como é. E é coisa de humanos, não de deuses.[…]

    A Terra não se importa se sofremos ou prosperamos. A chuva não cai onde precisamos. Este universo é cem mil vezes mais velho que a humanidade. Nenhum planeta notou quando aparecemos. Nenhuma galáxia se importa com o que nos acontece. E nenhuma estrela vai dar pela nossa falta quando fundir o carbono e azoto de que somos feitos em elementos mais pesados.

    Este universo não se importa. Não se preocupa. Não ama, não odeia, não perdoa nem vinga. Nem sente. Simplesmente é. Se existe deus, não é amor. É uma infinita indiferença.»Mente e fisiologia, parte 5: Deus é Amor?», no Que Treta!)

  2. «Quem se entrega à procura racional de verdades parece retirar imensa satisfação do próprio acto de investigar: levantar hipóteses, explorar possibilidades, descobrir objecções, refinar teorias, fazer observações cuidadosas, deter-se em pormenores fundamentais. Pelo contrário, quem sente maior atracção por uma ou outra forma de tradições sapienciais — seja a New Age, a astrologia, a religião ou o ocultismo — parece não ter qualquer gosto nas actividades referidas, retirando antes a sua satisfação da posse da certeza inabalável, da sensação de que se alcançou uma Verdade fundamental que agora resta aplicar e reinterpretar, para se poder ir à vida, entretanto vivencialmente transformada pela Verdade.» («A emoção da omnisciência», no De Rerum Natura)
  3. «Apesar da hierarquia da Igreja Católica de Roma não se perder de amores pela Revolução de Abril, – nem ser de uso, comemorar a Revolução dos Cravos nas igrejas — o seu mais alto representante em Portugal, Cardeal Patriarca, foi convidado a assistir à cerimónia oficial que teve lugar na Assembleia da República.

    Ora acontece que, ao longo do século XX, a Hierarquia Católica, com raríssimas excepções, apenas mostrou simpatia e apoiou o golpe militar de 28 de Maio de 1926, tendo aderido às soluções orgânicas que o Estado Novo encontrou para lhe devolver a influência que perdera com a Revolução Republicana.

    Ao enviar uma carta, pedindo o esclarecimento sobre o critério que levou ao convite deste chefe religioso, a Associação República & Laicidade, fez o que muitos de nós gostaríamos de ter feito.»(«Milagres (3)», no PUXAPALAVRA)

4 de Maio, 2007 jvasco

Ateísmo na Blogosfera

  1. «Acreditar em algo com base na fé é acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a sua verdade. Ao caracterizar a fé, S. Tomás de Aquino (1225-1274) contrastou-a com a mera crença sem conhecimento, por um lado, e com o conhecimento, por outro. A fé é semelhante à mera crença sem conhecimento porque em ambos os casos não há razões que estabeleçam a verdade daquilo que acreditamos. Mas a fé é também semelhante ao conhecimento porque envolve uma convicção muito forte da nossa parte.

    Por exemplo, só podemos acreditar que o Futebol Clube do Porto ganhou o jogo com base na fé se não soubermos que isso aconteceu. Se soubermos que ganhou é porque temos provas disso e, portanto, não podemos ter fé.(«O que é a fé?», no De Rerum Natura)

  2. «As relíquias sangrentas mais comuns têm origem na Idade Média, época em que imperava o lucrativo negócio de venda de relíquias, em que abundavam prepúcios, cordões umbilicais, bocados da cruz, pregos da dita e demais recuerdos cristológicos para além de um gigantesco mercado de souvenirs anatómicos de santos, mártires e afins.

    Por exemplo, a igreja do castelo de Wittenberg, onde Lutero – que denunciou o comércio de relíquias no Traité Des Reliques – pregou as suas 95 teses tinha… 19013 relíquias (!). Do espólio de Wittenberg constavam vários frascos com leite da Virgem, palha da manjedoura onde a lenda coloca o nascimento de Cristo e mesmo um dos «inocentes» massacrados (sem registo histórico) por Herodes! […]

    Estes «bloody miracles» são fáceis de confirmar como fraudes centenárias bastando para isso que a Igreja de Roma ceda as supostas relíquias para análise, algo que me parece muito pouco provável. De facto, a Igreja considera […] não existirem problemas morais “na continuação de um erro que foi transmitido em boa fé por muitos séculos» («Bloody Miracles», no De Rerum Natura)

  3. «Mas poucos saberão que um dos pais do método científico e por conseguinte um dos precursores da ciência moderna é português, Garcia d’Orta.[…]

    Garcia de Orta permanece na Índia porque os seus receios se tinham entretanto concretizado e a Inquisição tinha sido estabelecida em Portugal […] lestamente deu início à expectável perseguição de cristãos novos e demais hereges, que atingiu duramente a família do cientista português. […]

    Em 28 de Outubro de 1568, uns meses depois da morte do irmão, Catarina d’Orta foi presa pela Inquisição, condenada à morte pela fogueira, sentença executada em 25 de Outubro de 1569. Mas a Inquisição não estava satisfeita. Num auto-de-fé de 4 de Dezembro de 1580, Garcia d’Orta foi condenado post-mortem por judaísmo, os seus restos mortais foram exumados e os seus ossos queimados na fogueira.»(«Garcia d’Orta», no De Rerum Natura)

2 de Maio, 2007 jvasco

Miscelânea de notícias (2/5/2007)

  1. Juan José Daboub, uma figura chave do Banco Mundial, com alegadas ligações à Opus Dei, foi acusado anteontem de sabotar as políticas de apoio à saúde feminina. Terá ordenado a eliminação de objectivos e políticas relacionadas com o planeamento familiar. Em particular que fossem removidas referências à saúde reprodutiva do programa de assistência a Madagáscar.
    O planeamento familiar é fulcral para o desenvolvimento, para a saúde e liberdade dos cidadãos, mas algumas superstições e tabus agravam dramas económicos, sociais e culturais.
  2. O Parlamento Europeu aprovou uma resolução criticando políticos e líderes religiosos for «comentários discriminatórios» sobre homossexuais, e alegadamente «fermentarem o ódio e a violência».
    Uma mensagem para a Polónia, certamente…
    Bem sabemos que a homofobia tem boa fundamentação teológica, mas chega de deixar que tais superstições atrapalhem a construção de uma sociedade mais tolerante.
  3. «Em pose de estado [Alberto João Jardim], coloca-se ao lado dos autarcas locais, que também ouvem a música. A banda termina e todos se dirigem para o local de inauguração. Há um palanque, negro, sem qualquer inscrição. Discursa o padre. Bem, depende do padre. Pode realizar uma pequena comunicação ou uma curta missa, com direito a leitura litúrgica participada e muitos rituais cristãos. Benze o local. […] São assim as inaugurações ao estilo Alberto João Jardim. E não só agora, mas durante todo o ano, durante todos os anos dos seus 30 anos de exercício como Presidente do Governo Regional da Madeira»
    É triste esta promiscuidade entre a religião e a política, principalmente quando se entende a importância da separação entre Estado e Igreja. Mas pior é mesmo ver o Bispo a fazer campanha política contra certos segmentos do eleitorado, como acontece de vez em quando…
  4. Na Tailândia, activistas islâmicos matam uma criança de três anos. O mesmo grupo terá sido responsável pela recente morte de um professor de 67 anos no passado sábado, e por vários feridos. Desde 2004 terão morrido cerca de 2100 pessoas devido a este conflito.
    Tanto quanto sei, a religião não terá tido um papel central neste conflito em particular, mas certamente que a sua influência não é irrelevante. O dogmatismo não é conhecido por facilitar negociações…