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14 de Agosto, 2004 jvasco

Reflexões filosóficas de Schrödinger

Schrödinger deu um contributo gigantesco à Física por, entre outras coisas, ter sido o autor da equação homónima, a qual é fundamental para a mecânica quântica.

Mas a sua obra não se limitou à Física. Acabei agora de ler dois livros que vivamente aconselho: «A Natureza e os Gregos» e «Ciência e Humanismo». Fazem parte da colecção Perfil – História das Ideias e do Pensamento, que pertence às edições 70. O primeiro livro é sobre a relação entre o pensamento filosófico e científico dos Gregos, o segundo é sobre as consequências epistemológicas da mecânica quântica, sobre o impacto da Ciência na Filosofia, sobre o impacto mútuo que as ideias de um campo têm no outro.

A última das questões que aborda é, em concreto, sobre se o indeterminismo consequente da mecânica quântica vem (ou não) salvar o livre arbítrio, o qual não existiria num Universo determinista.

A questão em si é extremamente interessante e profunda e, além central no debate filosófico, também o é num debate religioso sério. Schrödinger, aliás, não foi alheio a essa questão, e também se pronunciou sobre a «crise da causalidade» que S. Agostinho, anterior à mecânica quântica, teve de enfrentar:

«Tal como se sabe, a grande dificuldade de S. Agostinho foi precisamente esta: sendo Deus Omnisciente e Todo-Poderoso, não posso fazer nada sem que Ele o saiba e o deseje – não só que o consinta, mas que o determine. Como é que, então, posso ser responsável pelo que faço? Suponho que a atitude religiosa para com esta forma da questão terá de ser a seguinte: nesta situação estamos perante um mistério profundo no qual não podemos penetrar, mas certamente não devemos tentar resolver através da negação da responsabilidade. Acho que não devemos tentar, ou será melhor que não tentemos, porque senão falharemos deploravelmente. O sentimento de responsabilidade é congénito, ninguém o pode pôr de lado.»

10 de Agosto, 2004 jvasco

A Morte

Porque é que os Ateus não acreditam na vida após a morte?

Por correio electrónico recebi de um membro da nossa lista de discussão(ver no site www.ateismo.net a respeito desta lista) chamado Alexandre um texto que responde na perfeição a essa pergunta. Com a autorização dele, aqui reproduzo esse texto (mantendo a versão do português em que é escrita):

Sabe, se eu queimar um lenço de papel, ele também nunca mais vai voltar. Mas eu sei perfeitamente o que é que lhe aconteceu. A combustão do lenço

provocou uma reorganização dos átomos que constituíam o lenço de papel.

Esses átomos associaram-se a oxigénio para formar gazes diversos que se vão dispersar na atmosfera, enquanto que outros formam cinzas que se acumulam no chão. Não há nada de misterioso nisto, e bem sei que o lenço nunca mais voltará.

Agora você, ou a voz que está dentro de sua cabeça é produzida pelo seu

cérebro. Quando você morre, o seu cérebro desintegra-se (apodrece, é

incinerado, etc). A voz dentro da sua cabeça desaparece porque o cérebro que a produzia desapareceu. Não vai voltar porque os átomos que constituíam o

cérebro estão dispersos.

Uma vez mais não há nada de misterioso nisto, e não é de espantar que

ninguém tenha voltado da morte para contar a experiência.

Talvez você não acredite que a sua voz na cabeça é produzida pelo seu

cérebro. No entanto, a investigação científica mostra isso mesmo. Pode-se

alterar a voz usando drogas que agem sobre o cérebro (pode-se por exemplo

criar um estado depressivo profundo simplesmente com administração de certas drogas). Também se pode danificar a sua voz interior danificando o cérebro. Eu posso acabar com a sua fala se lhe tirar as cordas vocais. Mas se lhe tirar certas partes do cérebro, você não poderá sequer “imaginar” falar. A sua voz interior será muda.

Portanto não há a meu ver grande mistério no que acontece quando uma pessoa morre. É como o lenço que se queima, ou a planta que seca, etc. Deixa de existir, ponto final. Na realidade o problema vem da dificuldade de imaginarmos a nossa não-existência. Desde que damos por nós, existimos. Nunca tivemos experiência de outra coisa, e não sabemos como imaginar a nossa não-existência. Um pouco como tentar imaginar o infinito ou um volume de cinco dimensões. Sabemos como é, não é nada de misterioso, mas não o podemos conceber.

9 de Agosto, 2004 jvasco

Notícias sobre o conflito religioso mais mediático

O conflito de origem religiosa (principalmente, mas não só) mais mediático da actualidade é sem dívida o conflito Israelo-Palestiniano.

Claro que recentemente, com os ataques Islâmicos às Igrejas Cristãs no Iraque, alguma atenção foi desviada deste conflito, mas ele continua a dominar as notícias como tem acontecido nos últimos anos.

Será que se vai agravar? Será que Sharon continuará a desrespeitar o direito internacional, na sua ânsia de dominar integralmente a “terra prometida”?

Esta notícia do DN indicia que sim.

Será que se vai atenuar? Será que os Israelitas, compreendendo que com os fundamentalistas religiosos no poder a economia e as finanças ruem, a segurança degrada-se, os direitos civis são atacados e o bem estar social torna-se escasso, começam a colocar seriamente em questão as políticas de Sharon?

Esta notícia do Público indicia que sim, que o debate começa a dar lugar à letargia.

Nota: Devo fazer notar que as minhas críticas relativas ao governo de Sharon, à influência do fundamentalismo religioso de que padece, e ao incumprimento, por parte de Israel, do direito internacional NÃO são acompanhadas por qualquer simpatia face às formas de luta Palestinianas, estas também dominadas pelo fundamentalismo religioso.

Os movimentos terroristas que tentam libertar a Palestina merecem o meu mais profundo repúdio, pelos inocentes que matam, e pela ineficiência da sua luta. Os moderados de ambos os lados, aqueles que querem a paz, são as verdadeiras vítimas do fundamentalismo religioso que prolifera entre ambos os povos.

1 de Agosto, 2004 jvasco

Entrevista recente a Dawkins

Num inquérito de uma revista britânica sobre os “100 maiores intelectuais”, Dawkins, biolólogo de referência e ateu incontornável, atingiu recentemente o topo. Em si a notícia não tem grande interesse: estas classificações de “100 maiores intelectuais” (tal como outras do género) estão mais relacionadas com a projecção mediática do que com o trabalho desenvolvido.

O que há de interessante nesta notícia, é que a BBC aproveitou para fazer, a propósito, mais uma entrevista a Dawkins. Tal como os restantes textos dele, vale a pena ler esta entrevista.

29 de Julho, 2004 jvasco

Uma vida sem sentido?

Quando ocorrem tentativas de conversão por parte de alguns crentes, um argumento que é o usado recorrentemente é o seguinte: «Então qual é o sentido da vida? Não é triste uma vida sem sentido, sofrendo as injustiças e o sofrimento terrestre, para depois morrer como um mero animal? Não é triste viver a acreditar apenas no vazio incontornável da morte?»

A mim impressiona-me que alguém use estas perguntas (ou suas variações) como argumento. Para mim é tão óbvio que o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, que nunca me passaria pela cabeça argumentar assim com um cristão: «tu acreditas num Deus que, segundo a Bíblia, vai enviar a esmagadora maioria da humanidade para o Inferno, um lugar de sofrimento angustiante e eterno?». Quando muito poderia argumentar que isso não seria muito próprio de um Deus misericordioso.

Uma vez que (repito) o grau de agradabilidade de uma hipótese é completamente irrelevante para o grau de plausibilidade desta, nós devemos ver a realidade como ela é, e não como gostaríamos que ela fosse. E a discussão poderia estar encerrada por aqui. Mas não está.

Acontece que a minha forma de encarar a realidade e a vida, apesar de não necessitar de se suportar em ilusões baratas, superstições gratuitas e negações primárias, realiza-me tanto ou mais como o mito do paraíso realiza os crentes.

E isto é algo que os ateus não costumam afirmar (porque encerram a discussão nas considerações acima), mas deviam fazê-lo, para esclarecer muita gente que não compreende isso.

É que, mesmo tendo noção da realidade, nada me impede de sonhar. Desde que, claro, saiba distinguir o sonho da realidade. Todo o sentimento de ligação com o infinito, de transcendentalidade, de pertença a algo maior pode estar presente num ateu. O ateu pode sonhar com um mundo melhor, e não com o paraíso celeste. O ateu pode sonhar com o eco da sua obra através da eternidade, ao invés da imortalidade duma alminha; o ateu pode querer fazer o bem, sem ter de crer numa recompensa numa outra vida que não existe.

Os seres humanos eram (e ainda são) animais, e o sentimento religioso surge, tal como uma série de instintos primários – a agressividade, o medo, a ganância, etc. – por questões de selecção natural. Importa compreender e dominar esses instintos.

Tal como o instinto da agressividade pode dar belos resultados no desporto, sob a forma de camaradagem, competitividade, emoção, sem ter de recorrer à guerra a que esse sentimento naturalmente conduz, também o instinto religioso pode conduzir a um sentimento de pertença a algo maior, a uma preocupação com as gerações seguintes, sem ter de cair na religião, na superstição, na crendice primária.

Eu gosto de sonhar, e gosto de usar o sonho para moldar a realidade, tornando-a melhor. Confundir o sonho com a realidade não é um bom método para o fazer, e a história mostrou que pode ter consequências muito desagradáveis.

25 de Julho, 2004 jvasco

Cosmologia

Einstein deu várias contribuições para a Física.

Uma das mais importantes foi a teoria da Relatividade Geral. Esta teoria aplica-se fundamentalmente no campo da cosmologia, onde é essencial para que compreendamos a história e funcionamento do Universo numa larga escala.

Algures na teoria Einstein chegou à conclusão de que, pelas suas contas, o Universo estaria a expandir-se a uma velocidade constante. Como lhe parecia “natural” que o Universo estivesse parado, Einstein criou um “força” que era dada por uma constante cosmológica, calculada por forma a que o Universo estivesse parado em equilíbrio.

Mais tarde, quando Hubble descobriu o “desvio para vermelho” e se constatou que o Universo estava de facto em expansão, da forma que estaria se a constante gravitacional não existisse, Einstein chamou à sua imposição da constante que havia calculado “o maior erro da sua carreira”.

É assim que a Física deve funcionar: os dados experimentais são soberanos. Aquilo que nos parece “natural” pode não o ser. A natureza não tem de corresponder aos nossos preconceitos e desejos.

Na altura em que se chegou à conclusão de que a constante gravitacional seria nula, os dados obtidos não eram tão abundantes, e eram relativamente imprecisos. Recentemente, com mais dados, mais capacidade de cálculo, maior precisão, sabe-se que o nosso Universo se expande aceleradamente: cada dia mais rápido. Desta forma existe uma constante gravitacional não nula: tem até sinal contrário ao que Einstein lhe deu.

A Cosmologia é um campo do conhecimento interessante, que ainda terá muito a dizer sobre os mistérios que nos fascinam a todos. Será que o derradeiro mistério da Criação está ao nosso alcance? É possível… mas não durante os próximos milénios, parece-me.

22 de Julho, 2004 jvasco

O nosso símbolo

Texto da página www.ateismo.net:

Criado em 1963 pela American Atheists, este é um logotipo internacional simbolizando o ateísmo. Um símbolo da ciência, da abstração do pensamento e um símbolo da universalidade, o átomo foi escolhido por ter sido uma redescoberta da ciência contemporânea, com origens nos pensadores gregos da antiguidade. Assim, o passado da humanidade, o presente que nós construímos, e o futuro que nos reserva estão presentes neste símbolo.

O átomo era, na altura em que o símbolo foi concebido, a partícula mais pequena da matéria. Ao mesmo tempo, o átomo está presente em todo o universo. É a partícula de um elemento, e a propriedade desse mesmo. É a unidade e a totalidade.

Uma das órbitas do átomo é aberta, para dizer que apesar de continuarmos na nossa jornada pela busca do conhecimento e da verdade, não temos ainda todas as respostas. A própria órbita vertical aberta representa a letra «A» de «ateísmo», e ao centro da mesma está a inicial do país que hospeda a associação ateísta, neste caso adoptado pelo Ateísmo.net com sede em Portugal.

Vejam isto e muito mais na página-mãe deste diário (a partir do qual ele surgiu).

21 de Julho, 2004 jvasco

Para que serve este blogue?

Algures nos comentários, o Ricardo Alves deu a resposta perfeita:

“Para propagar o espírito crítico e o cepticismo, combatendo a superstição e o dogmatismo.

Para promover a laicidade do Estado, defendendo que as leis civis sejam decididas democraticamente e não por imposição de lóbis clericais ou outros.

Para trabalhar pela emancipação individual, contra as peias que dificultam o pensamento.”


Fica esclarecido.

21 de Julho, 2004 jvasco

O Satanismo é uma Religião?

De acordo com o Dicionário Livre, há vários tipos de satanismo na nossa sociedade (quem diria…):

-Satânicos revoltosos, revoltando-se contra o cristianismo na sociedade moderna, com a visão tradicional cristã do satanismo.

-Satânicos filosóficos, também conhecidos por satânicos modernos, que não adoram Satã ou qualquer demónio, mas ao invés procuram inspiração nos vários deuses “negros” e mitos, ou no arquétipo de Satã. A auto-divinização surge nalguns membros deste movimento.

-Satânicos religiosos, também conhecidos por satânicos tradicionais, que acreditam num “Principe das Trevas” (um nome mais genérico que Satã), que adoram, e de acordo com o qual vivem as suas vidas.

  No que respeita ao primeiro e ao terceiro tipo, estamos conversados: são religiões com as suas mitologias e as suas crendices. São religiões mais inofensivas do que o cristianismo, mas só mesmo devido à sua menor dimensão. 

No que respeita ao segundo tipo, é uma estranha mistura entre uma perspectiva filosófica e um conjunto de rituais simbólicos e esotéricos. Quando li em mais pormenor a perspectiva filosófica, considerei-a um pouco bizarra, e, mesmo tendo concordado com alguns pontos, discordei de muitos outros. Mas coloca-se a questão: será este satanismo uma filosofia (bizarra, mas) ateia, ou será uma forma de religião? Este debate também decorreu na Sociedade Terra Redonda (servidor com problemas no momento em que escrevo), e foi muito animado. Foi inconclusivo. Quem considera, como eu, que a descrença numa entidade superior e na metafísica caracteriza um ateu, considera qualquer satanismo uma religião. Considera que um satânico nunca será ateu. Quem considera que o ateísmo é apenas a descrença numa entidade superior, considerará que estes satânicos também são ateus.

18 de Julho, 2004 jvasco

Mas o que é que isso interessa?

Se Deus não existe, porquê debater a sua existência?

Se Deus não existe, porquê perder tempo a falar sobre ele e sobre as diferentes religiões e igrejas?

Para que é que servem as páginas e textos sobre ateísmo?

Para que é que serve este blogue? 

Penso que quem tenha uma postura racional, por muito convencido que esteja de uma determinada opinião, está sempre disposto a ouvir a oposta e a debatê-la. Não vê isso como uma fragilidade sua, mas sim como uma força: sabe que se a sua opinião está correcta, os seus argumentos são bons, por isso não há que temer confrontá-los. Sabe que se eventualmente descobrir que uma opinião sua estava errada, isso só vai tornar as suas opiniões melhores com o tempo.

Muitos ateus defendem esta postura racional, e notam que o ateísmo tem tudo a ver com ela. Por outro lado verificam que quanto mais debatem sobre o tema do ateísmo (quer com crentes, agnósticos ou outros ateus), mais completa e coerente fica a sua forma de ver o Universo (e Deus tende a parecer cada vez mais implausível, quanto mais se entende o funcionamento do Universo…).

Mas existe uma outra razão que é mais importante e mobiliza ainda mais ateus para este debate: muitos ateus não gostam da ideia de serem agentes passsivos do mundo em que vivem. Sabendo que não existe nenhuma divindade que vá oferecer o Paraíso para quem passar a vida em fervorosas orações, sabemos que o paraíso só passará de um sonho se o construirmos nós – temos de intervir na sociedade e no mundo, tornando-os melhores.

E para intervirmos, não podemos ignorar o que se passa à nossa volta. Como eu disse algures nos comentários recentes: se um indivíduo ateu quer construir um mundo melhor, “então não pode ser alheio às igrejas e às superstições: quando a OMS acusa a igreja católica de estar a agravar um genocídio; quando o islamismo motiva a Al-Quaeda, quando os bispos espanhóis estão contra a possibilidade de existirem casamentos entre homossexuais em Espanha; quando um milhão de pessoas é condenada pela cultura hindu a trabalhar removendo fezes de latrinas, o impacto da crença em Deus no mundo que o rodeia é inquestionável. Se essa crença é uma mentira ou não, é uma questão importante que pode e deve ser debatida.”