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8 de Novembro, 2004 jvasco

Baptizar ou não baptizar, eis a questão

Deverão os pais ateus, agnósticos ou cristãos baptizar os filhos? A opção que tomarem deve depender a da fé que têm? Devem dar a opção aos filhos? A partir de que idade deverão estes estar aptos a optar em consciência?

Actualmente, na generalidade, os pais cristãos baptizam os filhos pouco depois do nascimento, e os pais não-crentes não o fazem, preferindo esperar que os filhos tomem uma decisão a esse respeito.

A decisão dos cristãos costuma ser justificada recorrendo ao seguinte argumento: caso o filho acabe por escolher afastar-se da fé, não terá perdido coisa alguma em ter passado por um ritual ao qual não atribui qualquer significado espiritual.

A decisão dos não-crentes pode encontrar diferentes justificações (gosto muito das que são expressas neste texto), mas baseia-se, em geral, no respeito pelas decisões que os filhos queiram vir a tomar.

Em relação à atitude dos cristãos, o argumento que apresentam para justificar a sua opção não é mau de todo… Mas não é inteiramente correcto: sucede-se que a Igreja, para fins estatísticos, considera como «parte do rebanho» todos aqueles que se baptizaram, mesmo um não-crente que tenha sido baptizado em bébé contra a sua vontade.

Existe uma forma de dar a volta a isso, é possível desbaptizarmo-nos. Mas creio que a maioria daqueles que foram baptizados e deixaram de crer simplesmente não está para isso. Por essa razão, considero que seria mais honesto que as diferentes igrejas cristãs deixassem de considerar como crentes todos aqueles que se baptizaram. As respostas nos censos, com todas as suas limitações, são indicador muito mais fiável do número de crentes.

De resto, colocam-se algumas questões aos pais não-crentes: imaginemos que o filho se quer baptizar. Os pais deverão permitir que o filho o faça assim que o quiser, ou deverão esperar que ele tenha determinada idade, para que tenha plena consciência da sua decisão? Que idade é essa? A questão também se complica se pensarmos nos rituais de iniciação de outras religiões. Nesse caso a decisão pode ter efeitos práticos mais visíveis, e ser irreversível. A circuncisão é tolerada na nossa cultura, mas a excisão já nos parece bárbara de mais (embora se pratique nos bairros degradados de Amadora e Oeiras, por exemplo).

Muitas religiões encorajam os pais a tomarem estas decisões pelos filhos, mesmo quando os filhos, caso deixem de ser crentes, não possam simplesmente ignorar as consequências dos ritos de iniciação, ou lamentá-las profundamente. A lei portuguesa concede auto-determinação religiosa aos 16 anos. Será demasiado cedo ou demasiado tarde?

PS: Não esqueçamos que há religiões que não aceitam a apostasia e que a punem com a morte…

4 de Novembro, 2004 jvasco

Parasitas da Religião

Será que os ateus precisam de estar sempre a falar da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR)? Da religião? Será que não são parasitas da religião, no sentido em que tanto daquilo que escrevem e dizem gira á volta dela?

A resposta às duas primeiras questões é negativa. A maioria dos ateus não quer saber da ICAR, não pensa no assunto, lembra-se que é ateu quando isso vem a propósito, mas vive a sua vida ignorando as questões religiosas. Por enquanto isso é possível nas sociedades ocidentais, que não sendo completamente laicas, são-no em comparação com as sociedades de outros países menos desenvolvidos.

Esse não é o nosso caso. Nós, naquilo que escrevemos, falamos bastante sobre religião. Isso é porque, além de ateus, somos críticos em relação aos abusos da religião, ao fundamentalismo, à promiscuidade entre as instituições religiosas e o Estado, à superstição em geral, aos ataques ao laicismo e à liberdade. A defesa do ateísmo por si encontra aqui um espaço que gosto de aproveitar. Mas a denúncia e crítica em relação às religiões tem neste blogue toda a pertinência, já que, não sendo um espaço religioso, elas podem fazer-se com toda a liberdade.

Tornar-nos-á essa atitude «parasitas da religião»? Parece-me que a própria pergunta é um disparate. Denunciar os abusos de uma instituição, referindo-a por consequência, reflecte um desejo de mudar a sociedade, e apenas isso. Quem combateu o nazismo era necessariamente um parasita do nazismo? Quem combate o crime, a fraude fiscal, a pobreza, é parasita destes males? Quem combate a ditadura ou a opressão, o racismo, o obscurantismo, será legitimamente considerado parasita da entidade que critica pelas vezes que a refere? Os ecologistas poderão ser considerados «parasitas da poluição» pelo facto de se preocuparem tanto com ela?

Eu não estou a comparar os abusos religiosos aos males referidos, se bem que em certas zonas do globo, e mesmo cá, em certas alturas da história, alguns deles sejam bem comparáveis. Nem sequer dedico à denúncia dos abusos religiosos o esforço que outros dedicaram a combater males mais graves. Mas a ideia de que o facto de alguém se preocupar negativamente com uma entidade significar que a pessoa é «dependente» dessa entidade é uma ideia patética, mas infelizmente comum.

Este Diário é lido por crentes, agnósticos e ateus. Parece-me que a forma mais saudável, da parte dos primeiros, de reagir às denúncias que fazemos, é acompanhar a nossa indignação e distanciar a sua crença dessa situação em concreto. Eu sou livre de discordar: de poder pensar que os abusos decorrem mais facilmente em instituições baseadas naquilo que considero ser superstições, do que noutras instituições com o mesmo poder e importância, com outras formas de controlo. Mas sei que se mais crentes reagissem dessa forma, certamente haveria menos abusos para denunciar. Alguns dos crentes que conheci pessoalmente, com quem tive oportunidade de conversar ocasionalmente, ou que nos visitam, reagem dessa forma que considero louvável. Outros não.

3 de Novembro, 2004 jvasco

Bush ganhou…

Havia duas opções: um católico para quem a sua fé era muito importante, e um metodista que acreditava seguir o plano que Deus tinha para si.

A diferença é que Kerry, o católico, não era fundamentalista religioso, não conquistou o poder à custa dos fundamentalistas religiosos, iria respeitar a separação de poderes, e seria o melhor caminho para que as leis dos EUA respeitassem uma constituição laica.

Bush, o metodista vencedor, é o líder ideal para que esta nação tão poderosa caminhe para o obscurantismo. Também é o líder ideal para promover o ódio e o fundamentalismo islâmico em várias nações e culturas.

Como cidadão do mundo, lamento o que se passou.

26 de Outubro, 2004 jvasco

Foi em Maio, na Índia

Já se passaram alguns meses desde que a democracia mais populosa do mundo foi a votos. O partido de Sónia Gandhi (Congresso Nacional Indiano) ganhou as eleições com uma vitória expressiva. Sónia Gandhi renunciou ao cargo de primeira-ministra e Manmohan Singh assumiu o governo.

Porque é que relembro estes factos num blogue ateísta? Porque esta vitória foi importante para a causa do laicismo; da tolerância religiosa; para diminuir o risco de uma guerra que poderia chegar ao confronto nuclear, baseada em grande medida em motivos religiosos; para evitar que o sistema de castas (abordado neste artigo) continue a manter vivos os mecanismos de discriminação e intolerância; para que a superstição não continue a criar situações desumanas e intoleráveis.

É importante que não nos esqueçamos de que não são apenas as superstições cristãs e islâmicas que têm o seu lado obscurantista.

16 de Outubro, 2004 jvasco

Dúvidas Ateístas

O ateu é aquele que não acredita em Deus (ou Deuses), ou é aquele que não acredita em Deus (ou Deuses) nem no sobrenatural?

Certamente que a esmagadora maioria daqueles que não acreditam em Deuses também não acreditam no sobrenatural (partem do princípio que, existindo fenómenos que não sejam explicáveis pela ciência actual, são à mesma fenómenos naturais explicáveis porventura pela ciência do amanhã). Certamente que faço parte desse grupo.

Mas isso não quer dizer que me seja fácil responder a esta pergunta, que tenho verificado dividir ateus e as pessoas em geral (nas raras ocasiões em que se debruçam sobre o assunto).

Qual a vossa opinão? Participem no sistema de comentários, ou, melhor ainda, no fórum.

15 de Outubro, 2004 jvasco

Os ateus não acreditam em NADA?

Tenho discutido com um número razoável de pessoas (algumas delas ateias) que consideram que ser ateu «a sério» é não acreditar em nada. Nem na Felicidade, nem no Bem, nem no Amor.

Na maior parte dos casos esta ideia não vem associada a qualquer argumento: é apenas uma impressão que se tem de que o ateu «a sério» é alguém tão cétpico que não poderá acreditar nem nada que pareça pouco «científico». No entanto, recentemente tive contacto com um argumento que defendia esta ideia: sem Deus, não haveria qualquer ser ou referência sobrenatural para criar os valores referidos como valores absolutos. A Felicidade, o Bem ou o Amor seriam apenas ilusões, tal como a religião, para manter o poder vigente.

Não concordo, de todo, com esta forma de pensar. Devo dizer que acredito no Bem, na Felicidade e no Amor. Posso saber que o Amor não é algo de sobrenatural, mas sim um conjunto de reacções físico-químicas no meu cérebro (e saber isso nem decorre do meu ateísmo, mas sim do meu materialismo – há ateus que não partilham desta perspectiva), mas isso não lhe tira importância: quando vivo o amor, não estou naturalmente a pensar nessas reacções naturais, estou a agir condicionado por elas e fazer os mesmos filmes que todos fazem. Por isso, sei que existe, e que mexe com as pessoas.

O Bem também não corresponde à obediência a um conjunto de tábuas da lei absolutas, mas isso não quer dizer que não exista. A Palmira já analisou neste espaço o problema da ética, e é dessa problemática que decorre aquilo a que chamamos o Bem.

A Felicidade também não é nada de sobrenatural: surge devido à selecção natural. Mas existe e quero lutar por ela.

A religião surgiu por muitas razões, porque respondia com ilusões agradáveis a muitos anseios humanos, porque dava explicações fáceis a muitos mistérios naturais, etc. O facto de ser um meio adicional para manter e justificar a autoridade do poder vigente pode ter feito com que se espalhasse mais rápido em muitos casos, mas suponho que não foi delineada com esse objectivo. Por ser um conjunto de superstições distingue-se, e bem, destes valores em que acredito.

Um ateu é alguém que não acredita em Deus, nem no sobrenatural. É só isto. Assim sendo, qualquer pessoa que não acredite que a Felicidade, Amor e Bem decorram de Deus, pode acreditar nestes conceitos e ser um «ateu a sério».

Por fim respondi ao argumento, mas não à sensação. É difícil explicar com um texto porque é que acreditar na Ciência e na racionalidade não implica ser frio e vazio de emoções. É uma sensação muito errada que muita gente tem. Não há texto que explique isso. Posso ir repetindo esta ideia, artigo após artigo, e vou fazendo-o. Mas creio que enquanto quem assim sente não conhecer pessoalmente algum apaixonado pela Ciência e puder verificar que não está perante um ser frio e desumano, esta sensação não irá mudar.

14 de Outubro, 2004 jvasco

O que é a ICAR?

Algumas das pessoas que espreitam este blogue não sabem a que é que nos referimos quando falamos na ICAR.

A ICAR é a Igreja Católica Apostólica Romana, mais conhecida em Portugal por «Igreja Católica» (embora essa denominação seja insuficiente pois inclui a Igreja Ortodoxa).

14 de Outubro, 2004 jvasco

A importância que damos

Alguns amigos meus, uns ateus, outros agnósticos, outros crentes, têm reagido com surpresa à minha participação neste blogue. Embora eu não dedique muito tempo a escrever para aqui, aquele tempo que passo parece-lhes excessivo. Não estarei eu a dar muita importância à religião? Se eu não acredito em Deus, por que dou tanta importância a estas questões? Será que não posso «deixar em paz» as religiões e dedicar-me a outros assuntos?

O que se passa, é que a religião tem mesmo importância. Não fui eu que escolhi que tivesse sido e seja uma causa significativa de grande número de guerras; não fui eu que escolhi que estivesse na origem da inquisição e das cruzadas; não fui eu que escolhi que sistematicamente mine as políticas de planeamento familiar e sustente políticas sexistas e homofóbicas; não fui eu que escolhi que seja um importante factor na escolha do próximo presidente dos EUA; não fui eu que escolhi nada disso.

A religião tem importância no mundo em que vivemos, e a importância que lhe dou é um mero reflexo de me importar (bastante) com o que se passa à minha volta.

Tal como quem se indigna com a injustiça, a corrupção, o crime ou a miséria sabe que vários factores estão interligados, por me preocupar com o mundo que me rodeia, preocupo-me com o papel que as superstições têm no mundo actual, provocando muitas vezes guerras e ódio ou sabotando o desenvolvimento.

É importante que sejam as teocracias (como o Irão, por exemplo) a evoluir para uma sociedade laica, e não as sociedades laicas a regredirem no sentido do fundamentalismo. É por isso importante que ateus, agnósticos, e até os crentes, vigiem as religiões, os abusos, as injustiças.

12 de Outubro, 2004 jvasco

Quem são os Deuses dos ateus?

Uma das críticas mais curiosas que se fazem aos ateus em geral é a de se quererem substituir aos Deuses.

Numa primeira análise, a crítica parece patética. Os ateus não acreditam em Deuses, não poderiam querer substituir-se a estes. A única justificação para uma crítica tão despropositada seria a falta de argumentos de quem se sente incomodado com a nossa posição. Estas considerações poderão ser válidas se a crítica fôr feita a certos ateus.

Mas em relação a outros ateus (nos quais me incluo), considero que a crítica faz sentido. A questão que se coloca é se deve ser ou não considerada uma crítica. Passo a explicar:

Os Deuses não existem. Tal como as outras personagens mitológicas, são fruto da imaginação humana. Os Deuses garantiriam os desejos intrinsecamente humanos: imortalidade (sim, a selecção natural criou o instinto de sobrevivência que se consubstancia num desejo de imortalidade); o Paraíso; a Justiça Final; a atenção total, absoluta, e amor de um ser Perfeito, Omnipotente.

Só que as pessoas podem inventar seres e sonhar com uma vida eterna que não existe, ou então, em vez de confundirem a realidade com os seus desejos, trabalharem para mudar a realidade de acordo com os seus desejos, construindo um mundo melhor.

Queremos o Paraíso? Construamo-lo. Construamos um mundo sem miséria, combatamos a doença com a medicina, construamos um mundo sem guerras, construamos um mundo melhor. «Brincar aos Deuses» assim é uma brincadeira mais séria e construtiva que qualquer Religião.

A estes ateus, a estes que querem construir um mundo melhor passo após passo, a estes que não querem ficar de braços cruzados, a estes que não esperam passivamente que os seus desejos se tornem realidade, trabalhando para os concretizar, a estes ateus faz sentido que lhes digam «vocês querem substituir-se aos Deuses». É caso para responder: «de alguma forma, é verdade, e ainda bem».

PS- Já tinha ouvido várias vezes esta crítica. A última vez que a li foi no sistema de comentários deste blogue, em relação ao artigo «Mitologia sim, mitomania não». Respondi de imediato à crítica, e considerei posteriormente que deveria publicar uma resposta a esta crítica como artigo do blogue (por ser uma crítica relativamente comum). Desta forma algum texto deste artigo é copiado dessa resposta.