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5 de Janeiro, 2005 jvasco

O paradoxo do livre arbítrio

Existem dois tipos de crentes: os que acreditam no livre arbítrio, e aqueles que não acreditam.

Os segundos são uma minoria que se depara com um problema teológico básico. Se tudo acontece “porque Deus assim quis”, então as pessoas pecam “porque Deus assim quis”. Isso é uma evidente contradição com a ideia de que um Deus “infinitamente justo” as condenará ao Inferno se pecarem.

Mas praticamente todos os crentes que conheço acreditam no livre arbítrio.

No entanto, esta crença está em profunda contradição com a de um Deus criador, omnipotente e omnisciente.

Uma vez que a maioria dos crentes acredita nestas quatro coisas (livre arbítrio, omnipotência divina, omnisciência divina, criação divina) interessa mostrar onde está a contradição entre elas.

Para o fazer vou dar um exemplo através de uma interpretação literal do episódio da criação relatado no Génesis. Depois vou fazer a analogia entre este raciocínio e a forma como os crentes acreditam que Deus criou o Universo.

Deus criou o Paraíso e criou Adão, com livre arbítrio.

Perante a tentação da serpente, Adão é posto à prova, perante uma decisão: a de comer ou não comer a maçã.

A questão que aqui se coloca é que a decisão de Adão depende de quem ele é, e Deus já a pode ter previsto.

Se Adão é como é, ele vai optar por comer a maçã, e Deus já o sabia.

Se Adão fosse diferente, ele poderia optar por não comer.

Mas foi Deus que criou Adão. Foi Deus que, ao decidir com que personalidade queria criar Adão, decidiu qual das opções Adão tomaria.

No momento em que Deus criou Adão, ele poderia escolher diferentes personalidades para Adão, mas a cada uma delas saberia (devido à sua omnisciência) que decisão perante a maçã, Adão tomaria.

No momento em que Deus decidiu a personalidade que daria a Adão, Deus fez a escolha que Adão faria.

Desta forma, Adão apenas fez aquilo que Deus quis.

E tendo em conta que tudo aquilo que se passou foi consequência da criação, foi Deus que decidiu tudo.

Ele sabia que criar o Universo de uma determinada forma implicaria tudo aquilo que se passou, e, assim sendo, foi tudo decisão dele.

Se esquecermos o episódio do Génesis, que é tomado por muitos crentes como uma mera metáfora (e porque aquilo que estou a dizer se aplica a qualquer religião que acredite nos quatro pontos referidos e não apenas ao Cristianismo), o raciocínio exposto pode manter-se.

Deus criou o Universo, e ao fazê-lo estabeleceu condições iniciais que depois evoluiram.

A evolução consequente pode ter sido determinista ou indeterminista.

Se foi determinista, Deus, ao criar o Universo que criou, foi o único responsável e culpado por tudo o que se passou.

Se foi indeterminista, temos um espaço para o acaso, mas se admitirmos a omnipotência de Deus, o acaso também será da sua responsabilidade, mesmo que por inacção.

Assim sendo, não faz sentido acreditar no livre arbítrio E num Deus criador

omnisciente e omnipotente.

Por fim, devo dizer que eu ACREDITO no livre arbítrio.

Isto porque não tenho nenhum Deus criador omnipotente para culpar pelos meus actos: apenas a pessoa que sou (que ninguém escolheu), o acaso (em relação ao qual não posso responsabilizar ninguém, sequer por omissão), e as leis físicas (novamente, ninguém as escolheu).

29 de Dezembro, 2004 jvasco

A maioria dos crentes

Sou da opinão que a generalidade dos crentes não são pessoas transcendentais.

Sou da opinião que a generalidade dos crentes não gosta lá muito de pensar em religião (evita a missa, a não ser para casamentos e funerais), e que pensa pouco sobre Deus, sobre o mistério da criação, sobre aquilo que Deus é.

A generalidade dos crentes na nossa sociedade, creio eu, não tem uma ideia muito concreta sobre aquilo que é Deus, nem deixa que a sua religião influencie muito o seu dia-a-dia.

A generalidade dos crentes não quer ter muitas dúvidas ou pensar muito sobre porque é que o Universo é como é: aprenderam dos pais que Deus existe, e têm dele uma ideia vaga de velho barbudo e bondoso, que criou o Universo e que castiga os adúlteros e criminosos.

A ideia que têm do Universo, por ser tão vaga e tão pouco questionada, parece fazer sentido.

Eles preferem não falar de religião. Respeitam as opções religiosas dos outros, claro! E conversas sobre religião só trazem discussões que não levam a nada…

Além disso, não querem questionar aquilo em que acreditam, nem experimentar a incerteza de mudar radicalmente a forma de ver o mundo.

Muitos são crentes para não terem de duvidar nem se questionar como faziam quando tinham 9 anos.

Muitos são crentes para não terem de duvidar nem se questionar, nunca mais.

23 de Dezembro, 2004 jvasco

ENA3 – como decorreu

Devo ser franco: não começou bem. Eu e alguns amigos meus chegámos com mais de uma hora de atraso, o que atrasou o almoço de toda a gente.

Mas o agradável ambiente (e comida), cedo fez esquecer essa questão (espero…).

Seguiu-se o debate, o qual começou com o anúncio, por parte de um dos incritos que era meu amigo, de que ele era católico. Perguntou se a sua presença incomodava algum dos presentes, os quais apenas manifestaram preocupação que o evento incomodasse a sua pessoa.

Resolvida esta questão, falou-se muito sobre a futura Associação Ateísta Portuguesa (AAP), sobre como já estão resolvidas algumas questões logísticas que nos impediam de avançar (morada para a sede, etc…); sobre qual o valor da quota mínima a ser cobrada; sobre as actividades a ser desenvolvidas pela associação; sobre os estatutos, os objectivos, a inclusão de agnósticos que queiram pertencer; o símbolo; a existência de cartão; algumas pessoas a contactar; a criação de uma rede de informação e denúncia; e muitas outras questões.

No fim, com um sentimento de que a AAP será imparável, tirámos todos uma foto de grupo. Cá está ela:

20 de Dezembro, 2004 jvasco

Porque é que Deus criou Satanás?

De acordo com a mitologia judaico-cristã, Deus criou o homem «à sua imagem e semelhança». Eu sempre considerei esta afirmação deliciosa: o que é que nós, meros mortais, temos de semelhante com um ser etéreo, eterno, omnisciente, omnipresente, omnipotente e perfeito?

Em particular, achava curiosa essa afirmação, visto que os anjos haviam sido criados antes dos homens. Em que é que os homens seriam mais parecidos com Deus do que os anjos? Os anjos são etéreos, assexuados, e podem aceder ao mundo espiritual, tendo uma série de poderes negados aos humanos. Que caracterítica faria dos homens seres mais parecidos com Deus do que os anjos?

A única resposta que até agora um crente me deu foi a seguinte: o livre arbítrio.

Há, no entanto, um pequeno problema com essa resposta: o Diabo. Consta da mesma mitologia que o Diabo era na verdade o anjo mais fantástico, o qual, no seu orgulho, decidiu revoltar-se. A legião de anjos que decidiram segui-lo tornou-se uma legião de demónios, e o Diabo passou a reinar no Inferno.

Enfim… parece claro que a falta de livre-arbítrio dos anjos é totalmente incoerente com esta história.



Mas esta personagem – Satanás – levanta outras questões teológicas. Para mim, a mais significativa é esta: sabendo Deus (omnisciente) que ao criar aquele anjo, ele causaria mal, dor e sofrimento aos homens, porque o criou? Não poderia o homem ter livre arbítrio longe das tentações alegadamente enviesadas de Satã?

As respostas que podem ser dadas a esta questão serão as habituais: abordam a nossa incapacidade de entender certas questões que desafiam a nossa «lógica limitada» (o que reforça a ideia de que temos pouco em comum com o ser que nos criou «à sua imagem e semelhança»), abordam este ou aquele paradoxo teológico, mostram que o edifício da Fé não é abalado por estas questões menores.

A mitologia judaico-cristã e a lógica nunca se deram bem. Não é por acaso que toda essa mitologia encara como fonte de todo o mal que se sucedeu à humanidade o «fruto do conhecimento».

16 de Dezembro, 2004 jvasco

Assistência Espiritual e Religiosa – um esclarecimento

Não somos, naturalmente, contra a presença de clérigos nos hospitais para quem pretender «assistência espiritual».

Somos contra, isso sim, que a sua presença seja paga pelo estado – um estado que se pretende laico.

Cada um tem direito a acreditar nas superstições que quiser, e se um doente pretender ter a companhia de um sacerdote, para se sentir melhor, ele que a tenha.

Desde que o doente pague os serviços do sacerdote ou este, numa atitude que eu até consideraria louvável, os ofereça. Mas não faz sentido nenhum que o estado intervenha nesta questão religiosa, em clara contradição com o princípio de separação de poderes, em clara descriminação de outras religiões, em clara descriminação dos ateus, agnósticos e não-crentes em geral, e, em minha opinião, num desperdício evitável dos dinheiros públicos.

29 de Novembro, 2004 jvasco

O Papa é Darth Vader

Foi através do meu irmão que soube da existência deste culto.

Não sei ao certo qual a dimensão do mesmo, mas sei que ultrapassa a mera «brincadeira de internet», havendo verdadeiros devotos e crentes.

A ideia geral é a seguinte: Jah, o fundador, é na verdade Jesus Cristo, reencarnado. Veio novamente à terra para espalhar a palavra de Deus e redimir os pecadores, espalhando os 12 mandamentos. Vem revelar-nos a Verdade: Hitler era o anti-cristo; Colombo não descobriu a América; o Papa é Darth Vader, líder do império do mal (pois a saga “A Guerra das Estrelas” não foi escrita por George Lucas, mas telepaticamente transmitida para que este preparasse a humanidade para a segunda vinda de Cristo); o desrespeito aos sábios ensinamentos do Corão é responsável pelo flagelo das drogas, criminalidade e depressões; os extraterrestres visitam-nos regularmente, e o próprio Jesus é extraterrestre; os Celtas são na verdade um povo Israelita; os rituais pagãos são mágicos e sagrados; a reencarnação é um facto; e os Iluminatti andam aí a querer criar a nova ordem mundial, onde o sofrimento e a injustiça são a palavra de ordem.

Repito: não é uma brincadeira.

É realmente um sistema de crença que consegue unificar quase todo o fenómeno religioso, nas suas mais diferentes vertentes e manifestações.

Aqui se pode analisar o fenómeno da crença e do crente, de uma forma autêntica, pura.

28 de Novembro, 2004 jvasco

Conselhos de leitura

A propósito da questão do criacionismo, pertinentemente trazida pela Palmira, aproveito para aconselhar um artigo curioso da autoria de um membro do fórum (Leonardo Vasconcelos), que aborda algumas questões relativas aos novos desenvolvimentos na gereralização da teoria da selecção natural.

E já que aconselho leituras, não será de mais sugerir uma espreitadela ao blogue do Banqueiro Anarquista, onde o Francisco Burnay (co-autor, comigo, desse blogue) escreveu um artigo interessante chamado (des)Apologia teológica.

Quanto à actualidade, sugiro dois artigos do público: Confrarias e Madrassas disputam a fé dos Moçambicanos, sobre o aumento da influência do islamismo em Moçambique, e Os Fundamentalistas Semeiam o Fruto nos Jovens, uma entrevista sobre esse mesmo assunto.

Ainda sobre o islamismo, vale a pena ler o artigo de opinião no Diário de Notícias, de M. Youssuf Adamgy, que fala sobre o assassinato de Theo Van Gogh.

Boas leituras!

9 de Novembro, 2004 jvasco

Espiral de violência?

Espero bem que esta notícia do público sobre uma resposta, sob a forma de uma bomba, ao assassínio de Theo van Gogh, não signifique o início de uma escalada de violência.

Se as motivações religiosas do assassínio eram claras, e foram aqui veementemente condenadas, as motivações deste atentado, religiosas ou não, merecem também o nosso repúdio.

Duvido que a violência se alastre incontornavelmente, e que situações destas se voltem a repetir na Holanda a curto-prazo. Mas se estiver enganado, e em vez disso as tensões culturais e sociais se agravarem (como muitos receiam) ao ponto destes eventos terem sido apenas o início, não será a primeira vez que a causa dessa violência pode ser atribuída ao fanatismo religioso.

9 de Novembro, 2004 jvasco

A navalha de Occam

Kepler descobriu que os planetas circulavam em volta do Sol com órbitas elípticas. A terra não era o centro do mundo, e as órbitas não eram esferas perfeitas. Ele conseguiu isso através dos dados de Thyco Brahe, os mais precisos da época. Mas ele podia ter concluído outras coisas, ele podia ter concebido um modelo muito mais complexo, do ponto de vista matemático, no qual a terra fosse o centro do Universo, e que fosse coerente com os dados.

Em termos epistemológicos, hoje ainda podemos conceber a possibilidade de criar um modelo no qual a terra está no centro do Universo, o qual seja coerente com todos os dados experimentais até agora obtidos. De forma mais extrema, podemos supor que todos os corpos se movimentam ao acaso e que a força da gravidade foi uma gigantesca coincidência que se verificou até hoje, e que, curiosamente, se continua a verificar.

Epistemologicamente, no extremo, não podemos contradizer essa teoria, considerando-a falsa. Então porque é que essas parvoices são descartadas? Pelo princípio da navalha de Occam.

Entre duas teorias coerentes com a totalidade dos dados experimentais (obtidos no passado, ou que possam ser obtidos por experimentação acessível), escolhemos a mais simples, a que necessita de menos suposições e menos coincidências. É um princípio razoável e racional.

E, ao longo da história da ciência, tem-se mostrado muito útil e certeiro.

Podemos sempre supor que possa existir um Deus que é coerente com a sua ausência de manifestação até hoje.

Mas eu, enquanto não descobrir dados incoerentes com a hipótese mais simples (a sua inexistência) vou escolhê-la como a minha «hipótese de trabalho» ou seja, aquilo em que acredito.

Tal como em relação à existência da força da gravidade e demais leis físicas.

8 de Novembro, 2004 jvasco

Sobre o Mal…

«Se o mal é a ausência de Deus, então Deus não é omnipresente»

As religiões podem ter explicações simples e acessíveis para o mal. Mas essas explicações encorajam uma visão maniqueista e unidimensional do mal, visão essa que pode, em si, causar mal.

Esta página intitulada «à procura do mal» aborda precisamente esse problema. Mostra como as concepções do mal foram evoluindo com a história do pensamento, para acabar por mostrar como podem afectar a justiça e a aplicação da lei. Aconselho vivamente!