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26 de Junho, 2005 jvasco

A Recta e a Fada dos dentes


Uma recta existe?
Sou da opinião que sim.
Claro que não existe nenhum objecto material que se prolongue pelo infinito de todo o universo, com comprimento infinito mas área e volume nulos.
Mas existe como conceito, como concepção.

A Fada dos dentes existe?
Tudo indica que não.
Existe como conceito, mas discutir a existência do «conceito de Fada dos dentes» é diferente de discutir a existência da Fada dos dentes.

Pelo contrário, discutir a existência da recta é discutir a existência e validade dessa concepção.
De forma análoga, não faz sentido concluir que Deus existe pela simples razão de que existe o respectivo conceito.

Para muitos leitores, este texto pode parecer extremamente disparatado. É óbvio que a existência do «conceito de Deus» não torna Deus real, sob pena de termos de considerar que Zeus e Osiris existem e estão de boa saúde. No entanto é um argumento recorrente, que vai sendo repetido por alguns religiosos.

19 de Junho, 2005 jvasco

Diário Ateísta e política

O Diário Ateísta não é, nem pretende ser, um blogue que advoga qualquer tipo de ideologia política.
O envolvimento do DA na política deve limitar-se à defesa da liberdade religiosa, do princípio da laicidade, da defesa de ideias que estejam relacionadas com o ateísmo.

O Diário Ateísta não é de direita nem de esquerda.

Os autores do Diário Ateísta têm diferentes sensibilidades políticas: existem autores de direita, existem autores de esquerda, existem autores mais moderados, existem autores mais radicais.

É óbvio que a ideologia pessoal de cada autor pode ser destrinçada por aquilo que escreve, principalmente se escrever muito, e se, na sua forma de escrever, a respectiva sensibilidade pessoal tiver mais tendência a tornar-se patente.

Assim sendo, os leitores do DA até podem descobrir as diferentes sensibilidades políticas nos diferentes autores. No entanto, ninguém no DA pretende propagandear nenhuma ideia política.

O ateísmo não tem cor política – nunca será de mais repeti-lo.

18 de Junho, 2005 jvasco

Teocracia iraniana em alta

Nas eleições presidenciais do Irão havia três candidatos favoritos, dos quais dois passariam à segunda volta se nenhum deles conseguisse mais de 50% dos votos. Um reformador, um conservador, e um ultra-conservador.
Com a palavra «conservador» não me refiro ao termo que usamos na política europeia, mas sim ao facto de defenderem as instituições e a manutenção da teocracia islâmica, ou até o seu reforço.

Hoje foi um dia triste para a liberdade religiosa e para o povo iraniano, pois os apurados para a segunda volta foram Akbar Hachemi Rafsanjani e Mahmud Ahmadinezhad: o conservador e o ultra-conservador.

A Teocracia no Irão é para continuar…

18 de Junho, 2005 jvasco

O Reino dos Céus

Tal como o «Código da Vinci», o filme «O Reino dos Céus» também é uma obra massificada que feriu muitas susceptibilidades cristãs.
Vi este filme pouco depois de ter estreado.

Centrado no século XII, e na época das cruzadas, «O Reino dos Céus» conta a história de um simples ferreiro que se torna cavaleiro e herói, salvando a população de Jerusalém de uma pilhagem que poderia ser devastadora.

Antes de ver o filme, sabia que o realizador era o Ridley Scott (não é propriamente um dos meus realizadores favoritos), que a temática era medieval (umas das minhas temáticas favoritas) e que era uma grande produção.

Tendo visto o filme verifiquei que, não sendo propriamente um marco «na história do cinema», é um filme agradável e interessante. Recomendo que, depois de ver o filme, se veja este artigo da wikipedia ou se faça alguma pesquisa na internet, para verificar que partes do argumento do filme são fiéis à história, e que partes surgiram apenas da fértil imaginação dos argumentistas

Como vêem, as conclusões são muito semelhantes às relativas ao «Código da Vinci», mas as parecenças não terminam aí…

E sobre o ateísmo?
O filme está muito longe de ser uma perspectiva ateia sobre o que nos rodeia. O filme parece imerso num apelo à espiritualidade, e embora não ataque directamente qualquer posição mais materialista ou racionalista, entendemos facilmente que os argumentistas pretendem transmitir um sentimento, de alguma forma, religioso.

No entanto, procurando opiniões sobre o filme, facilmente constatamos que muitos cristãos sentiram que o filme era um verdadeiro ataque que lhes era dirigido. Um dos casos com mais relevo terá sido o da CBN (Christian Broadcast Network), com mais de 2000 estações de rádio e 36 canais televisivos cristãos. Na página da rede que dedicaram à crítica do filme, é possível textos como este (do qual dei conta via Barnabé):

Se a Igreja se deixar enganar […] vamos voltar ao velho problema de estarmos cheios de ódio por nós mesmos; de toda a gente ter de viver em harmonia; de toda a gente ter de se esquecer das suas raízes religiosas; e temos de parar de tentar evangelizar e parar de tentar mudar os muçulmanos e temos de lhes pedir desculpas. Chegados a esse ponto vamos pelo cano abaixo e caímos nos braços de uma religião corrompida e demoníaca.» [in “Thoughts on ‘The Kingdom of Heaven’: A Discussion with Dr. Ted Baehr by Craig von Buseck”]

E porquê toda esta histeria? Porque as várias acusações (por parte de várias fontes diferentes) do filme «atacar o cristianismo»? Ser «contra a Igreja»?

A crença, por parte de vários cristãos, de que «O Código da Vinci» e «O Reino dos Céus» são ataques à Igreja, é preocupante e assustadora. Não pela susceptibilidade que revela, mas pela estreiteza de perspectivas, pelo horror à pluralidade.
Depois de ver algumas críticas furiosas a este filme, é mais fácil ter noção da quantidade de gente que considera ofensivo relembrar o passado; e da quantidade de lavagens revisionistas que por aí polulam.

5 de Junho, 2005 jvasco

Código Da Vinci

Finalmente li.

Antes de ler, sabia algumas coisas sobre esse livro: que a ICAR o tinha colocado no «índex» (muito auspicioso, tendo em conta a enorme quantidade de obras literárias de referência que lá foi parar…); que o Umberto Eco o tinha classificado como «lixo literário» (mau prenúncio, visto que tenho uma ideia muito positiva a respeito de Umberto Eco); que era um gigantesco sucesso de vendas (embora ainda longe de superar o verdadeiro best seller – a Bíblia); e que alguns amigos mo aconselharam com vivacidade.
Sabia também que o livro deveria ser lido com um olhar crítico, pois muitos dos factos «históricos» mencionados não são necessariamente verídicos.

E lendo concluí o seguinte:

a) Não é propriamente um «marco incontornável da literatura universal»

b) Também não me parece «lixo literário» – ainda para mais tendo em conta que eu até já li um livro de Paulo Coelho e de Margarida Rebelo Pinto

c) Lê-se com prazer e facilidade

d) Recomendo a quem tiver curiosidade e tempo livre

e) Recomendo cepticismo na leitura. Convém ir procurar algumas críticas que foram feitas ao livro, para não se ficar com uma ideia distorcida de alguns factos históricos.

E sobre o ateísmo?
O livro está muito longe de ser uma perspectiva ateia sobre o mundo que nos rodeia. O autor afirma-se cristão, mas, pela leitura do livro, dá a impressão de ser alguém que aprecia o esoterismo e o misticismo «new-age». O livro não contém qualquer espécie de ataque ao racionalismo ou às posições racionalistas, mas ficamos com a impressão que não estamos propriamente perante um paladino da frieza do empirismo e da lógica cartesiana…

Quanto a ataques à Igreja Católica… quase nada. E aí reside em grande parte a força da sua ameaça para a ICAR.
O livro apresenta uma perspectiva do cristianismo muito diferente daquela que decorre dos dogmas da ICAR, mas, apesar de uma crítica ou outra que qualquer pessoa razoável considerará pertinente (a dominância masculina da condução dos destinos da ICAR, por exemplo), no geral, evita em absoluto demonizar a ICAR. Pelo contrário: os personagens da ICAR são retratados como pessoas de Fé, de valores, dispostas a sacrificar-se por aquilo que acreditam, dispostas a seguirem o que consideram ser o bem; dispostas a compreenderem os seus erros e a arrependerem-se sinceramente por estes.
Com esta postura de compreensão face à ICAR, é muito mais difícil que o leitor católico demonize o livro. E se o leitor não rejeita o livro com nojo e repulsa, pode encarar as perspectivas do livro… e questionar a forma como encara a Fé.
E é o que tem acontecido: jovens nas igrejas, nos seminários, nos confessionários, na catequese, foram relatando aos sacerdotes e professores as suas dúvidas e angústias.

E a reacção foi a que conhecemos: um ódio profundo ao livro. Acusa-se o livro de falta de respeito, acusa-se o livro de «atacar a igreja», acusa-se o livro de «enganar as pessoas», acusa-se o livro de ser uma ferramenta do Diabo. Procurem. Vão encontrar todas estas acusações e muitas outras mais que nem consigo começar a imaginar. E quando lerem o livro e virem os «ataques» à ICAR, vão provavelmente desatar-se a rir.
«Aquilo» é um ataque? Quer dizer que um crente não pode sequer conceber essas possibilidades? Não pode sequer ser sujeito àquelas dúvidas? Não pode sequer pôr isto ou aquilo em questão?

Quando a ICAR proibiu aos seus fiéis a leitura do «Código da Vinci» eu entendi isso como um sintoma de que não evoluíram tanto quanto deviam com os tempos, no sentido de conviver com a liberdade de pensamento. Agora que li o livro entendo que nem sequer «sabia da missa a metade».

26 de Maio, 2005 jvasco

Era só o que mais faltava!

Muitos católicos estão contra algum pensamento pós-moderno, contra o esoterismo e as tendências «new-age».
Eu como céptico, como alguém que acredita no método científico e na racionalidade como meios para procurar as melhores descrições do mundo que nos rodeia, considero que a superstição esotérica não é a melhor forma de conhecermos a realidade.

Mas acho um absurdo quando alguns crentes (como César das Neves no seu último artigo de opinião) tentam pôr a ciência e o catolicismo do mesmo lado contra o esoterismo.
Nem pensar!

A igreja Católica não é, sob nenhuma perspectiva racionalista ou científica, superior a qualquer outra religião pagã, qualquer religião existente, ou qualquer conjunto de crenças mágicas e espirituais, para todos os efeitos.
A igreja Católica compete no mesmo espaço que outras religiões e superstições: no espaço daqueles que crêm que a ciência nunca poderá explicar tudo; no espaço daqueles que crêm que a racionalidade humana é insuficiente para compreender o mundo que nos rodeia; no espaço daqueles que crêem que a fábula e o dogma são mais válidos que o espírito crítico e a dúvida.

Os católicos podem rir-se com desprezo (e muitas vezes o fazem) daqueles que têm crenças menos ortodoxas, mais fetichistas ou panteístas, ou menos socialmente comuns. Mas que tolo desprezo esse! Mas que patético desprezo esse. Não há qualquer critério razoável, qualquer critério lógico, qualquer critério que não raie o ridículo, para considerar as crenças católicas superiores às outras.
Apenas na força dos números sentem um escudo que os permite classificar de «tolices» e «crendices» todo o tipo de crenças esotéricas, quando as crenças deles não são em nada menos fantásticas.

Poucas coisas existem tão absurdas como a postura de grande parte dos católicos face às crenças pagãs.
Quão incoerente e injustificado é o desprezo que sentem e o paternalismo com que reagem.

E, por favor, não tenham o desplante de se querer associar ao racionalismo e espírito científico para tentar esmagar os vossos rivais. Tornar-se-ia patética a forma como facilmente tentam descredibilizar os valores da razão e da racionalidade quando querem afirmar o vosso poder. Exemplos disso não faltam.

22 de Maio, 2005 jvasco

Religião e obscurantismo III

Já tinha abordado por duas vezes a relação peculiar que por vezes ocorre entre religião e obscurantismo (ver Religião e obscurantismo I e Religião e obscurantismo II).
Esta notícia sobre a proibição do ensino da teoria da selecção natural no Kansas fez-me voltar a pensar nesse assunto, principalmente quando li este trecho da notícia: «para fazer desaparecer a teoria da evolução, as escolas vão ser desencorajadas a ensinar botânica, anatomia e fisiologia».

Torna-se curioso, porque ainda hoje tive acesso a esta referência: uma obra bastante completa sobre a constante batalha que ocorreu ao longo da história ocidental entre teologia cristã e ciência. Dêem uma espreitadela!

21 de Maio, 2005 jvasco

O Afixe, o Bernardo e nós

Nos últimos dias ocorreu uma troca de mensagens entre alguns autores do blogue Afixe e o Carlos Esperança. Independentemente da resposta que sei que ele não deixará de dar, gostaria de partilhar a minha perspectiva sobre tudo isto.

O Bernardo, um dos autores do Afixe, escreveu um artigo no qual acusava o Carlos de «vender a mentira». O artigo era um conjunto de insultos paternalistas, sem qualquer tipo de argumento: o Bernardo dizia que «qualquer estudante de história do 1º ano» poderia refutar facilmente o Carlos, embora pelos vistos ele não se desse ao trabalho de o fazer. Numa troca de comentários subsequente, o Bernardo veio a admitir que não havia qualquer erro nos factos a que o Carlos aludia. Considerava que a opinião deste é que era ilegítima: as Igrejas não tendiam a apoiar as ditaduras que lhes ofereciam o respectibvo quinhão de poder.

Para mim ambas as opiniões, a do Bernardo e do Carlos merecem o seu quinhão de respeito. E mesmo sabendo que o Bernardo tem opiniões com as quais tanto discordo (acreditar em teses que afirmam que a inquisição não foi «tão má como a pintam» – recomendou publicamente esta referência de um revisionismo que muitos classificariam de criminoso – tal como as cruzadas; acreditar que a selecção natural é uma teroria errada, e que apenas o criacionismo explica o começo da vida; acreditar que a teocracia é uma forma de organizar o poder tão legítima como a democracia, etc…) respeito sempre aquilo que escreve e pensa: leio com atenção, e tento ter o máximo de abertura de espírito.

O Bernardo não é, para nós, um autor qualquer. Foi dos primeiros a descobrir o nosso blogue, foi dos primeiros a criticar os nossos artigos. Conhecemo-lo desde o início. Eu gostei das discusões travadas, e sei que me deram algum ânimo para continuar a escrever.

Quando o Bernardo começou a falar de nós no Afixe, comecei a ler esse blogue com regularidade. Acabei por gostar do estilo e prosa de vários autores. O João Garcez, o João Pedro Costa, a Isabel, a Emiéle são, penso eu, os meus favoritos. Lamento por isso, que o Afixe seja um blogue que apenas se refere ao «Diário Ateísta» com uma opinião negativa a nosso respeito.

Será merecido? Não creio.

PS- A referência que o Bernardo apresentou a propósito da inquisição encontra-se agora indisponível. Pode ser que o próprio nos indique onde encontrar novamente a mesma informação noutro local.

20 de Maio, 2005 jvasco

Vamos supor…

Vamos supor que, numa determinada mitologia religiosa, se poderia provar logicamente (por A+B) que o mítico Deus seria extremamente cruel.

Vamos supor que, de acordo com a mesma mitologia, esse Deus poderia castigar quem sequer pensasse que ele é cruel com sofrimento eterno.


o resto da imagem
Imagem gentilmente cedida pelo Luís Miguel e João Félix, a quem agradeço

Não seria normal que quem acreditasse nessa mitolgia tivesse tendência a não querer encarar o raciocínio a partir do qual se provaria a crueldade desse tal Deus?

Não seria normal que quem acreditasse nessa mitologia reagisse a tal raciocínio com respostas evasivas ou refutações assentes em falácias?

Não seria normal que, esgotadas, por força das circunstâncias, as refutações falaciosas, ou as evasões descaradas, os crentes dessa mitologia apelassem para a trancendentalidade, princípio segundo o qual a lógica humana valeria pouco para entender tais questões?

Enfim…
Não existindo Deus, o mundo deveria ser exactamente como é. O mundo, as pessoas, as crenças, os argumentos dos crentes.

14 de Maio, 2005 jvasco

Judeus ateus

Foi com alguma surpresa que li na wikipedia que, de acordo com vários movimentos judeus modernos, é possível um indivíduo praticar o judaísmo enquanto fé e tradição, sendo no entanto ateu ou agnóstico.

De acordo com a wkipedia, o Reconstrucionismo é um significativo movimento judaico caracterizado por:

-crença que a autonomia pessoal deve ser mais importante que a tradição e leis Judaicas, mas que qualquer acção deve tomar em consideração o consenso geral

-uma atitude positiva face à cultura moderna

-a crença que as formas de estudo tradicionais dos rabis, tal como os métodos académicos modernos e o estudo crítico dos textos, são ambas maneiras válidas de se aprender sobre e através dos textos religiosos judeus.

-um método não-fundamentalista de se ensinar os princípios de fé judaicos, tal como a crença de que os judeus não têm de aceitar todos ou qualquer destes princípios

-a rejeição da crença que os judeus são o povo escolhido, tal como a rejeição dos milagres e do teísmo

No fundo é um movimento baseado na cultura e tradição judaicas, um movimento judeu. Mas não deixa de ser também um movimento ateu.