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27 de Dezembro, 2005 jvasco

O Perigo do Intelecto

«O crente Cristão é uma pessoa simples: os Bispos deveriam proteger esta gente simples contra o poder dos Intelectuais»

Esta afirmação foi feita por Ratzinger em 31 de Dezembro de 1979, no contexto da defesa da acção contra Küng.

Originalmente li-a na Visão, mas o jornal Expresso também a referiu. O resto da imprensa nacional, como é hábito, faz de toda a informação que possa desagradar à Igreja um tabu, e mal referiu esta afirmação cheia de interesse para se entender como pensa o novo Papa. No que respeita ao circuito mediático português foram principalmente os blogues (como o Barnabé, por exemplo) que divulgaram essa informação.

Alguma imprensa internacional (mesmo católica) referiu essa pérola. Encontrei facilmente esta notícia e esta.

No livro Papa Bento XVI: uma Biografia de Joseph Ratzinger (de John L., Jr. Allen) pode ser lida essa afirmação na página 130 da versão em inglês. Nunca espreitei a versão portuguesa, mas deve estar lá perto.

15 de Dezembro, 2005 jvasco

Já chega de vitimização

Não quero que chegue o dia em que alguém seja perseguido por ser crente em Portugal. Na China isso tem acontecido e foi denunciado pelos autores deste blogue (o Carlos Esperança). Felizmente é delirante pensar que possa acontecer em Portugal (se bem que a atitude de parte da Igreja Católica face à IURD e outras igrejas evangélicas torne o cenário menos absurdo).

A perseguição religiosa é intolerável. Todos os autores deste blogue consideram que a perseguição religiosa é intolerável.

Quando nos batemos pela laicidade e certos crentes agitam os fantasmas da perseguição religiosa e do medo de serem perseguidos por serem cristãos, não tomo isso como um delírio absurdo qualquer. Sinto-me insultado com esse constante receio. Não tenho nada contra alguém por ser crente (de todo!), mas espero dos crentes a atitude recíproca. Quando argumento, por exemplo, sobre a retirada dos crucifixos nas escolas, espero argumentos sobre os crucifixos. Não espero fantasias acerca dos autores deste blogue feitos inquisidores. Nunca tive vocação para isso.

Tenho repetido isto até à exaustão nos comentários. Pelos vistos tem sido insuficiente…

9 de Dezembro, 2005 jvasco

2+2=5

6 de Dezembro, 2005 jvasco

Uma questão de motivação

Quem segue assiduamente este diário pode ter notado que já não escrevo há vários meses. Isto tem uma razão de ser: estou no ano final da minha licenciatura, e quis concentrar todo o meu esforço nas questões académicas (na verdade tenho continuado a contribuir para o Pipismo, mas isso exige realmente muito pouco tempo).

Nunca tive como motivação o ataque aos católicos ou aos religiosos em geral. Já aqui esclareci que tenho grandes amigos católicos, familiares que estimo católicos, e grandes amigos de religiões não-cristãs. Não pretendo atacar as crenças das pessoas, e nunca tive essa vontade ao escrever aqui, como julgo que a generalidade dos autores deste blogue não tem. Tenho pena que qualquer afirmação ateísta seja vista como um ataque por alguns religiosos, mas é precisamente esse estado de coisas que gostaria de mudar.
Na verdade, lamento que exista um tabu no que respeita à religião: em vez de se discutir esses temas com frontalidade e sem preconceitos, existe um enorme medo que argumentos, afirmações e informações ofendam os católicos. Por essa razão, quando a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) de Timor prendeu portugueses em casa do Bispo, molestando-os fisicamente por considerar que não eram católicos, como forma de uma grande pressão popular de obrigar o governo a manter obrigatórias as aulas de religião e moral (coisa que qualquer católico razoável em Portugal deveria condenar), os jornais e televisões portuguesas trataram esse tema como uma nota de rodapé, sem lhe darem a atenção que merece.

Este bloqueio informativo sempre foi, para mim, uma das maiores razões de existir deste site. A igreja não pode ser criticada, alguns crentes vêm isso como um ataque, e ficam muito revoltados. Assim, não importa se seria justo criticá-la, se realmente a ICAR esteve mal ou não, o que importa é que da ICAR não se diga mal. Lamento por estes crentes, e por aquilo que estão a construir. Um grande amigo meu católico disse que gostava do DA, porque os podres da ICAR deviam ser atacados e denunciados, e que os católicos só tinham a ganhar com isso. Se os católicos em geral pensassem como ele, aposto que os autores do DA teriam muito mais trabalho para encontrar material…

De uma forma ou de outra, eu, ao longo dos últimos meses, fui constantemente privilegiando outros usos para o meu tempo que não a publicação de artigos aqui. Até que ontem fui ver os comentários ao artigo da Palmira. «Como é possível? Como é possível que estas pessoas sintam tanta raiva? Como é possível que se sintam tão ofendidas por a Palmira escrever sobre factos históricos? Como é possível que queiram tanto sacudir a história para baixo do tapete, que se enchem com tanto ódio por quem não o faz?»
Comentário sarcásticos do tipo «Se a inquisição tivesse acabado com todos os ateus vocês não estavam aqui…» assustam-me. A sério.

A solução para este problema não é ter medo de ofender esta gente, como os jornais e as televisões cobardemente fazem. As pessoas não têm nada que se ofender por se lembrarem factos ou por se defenderem opiniões legítimas. A solução para este problema é mostrar que o seu ódio não nos desmotiva, que continuamos a dizer o que pensamos. E por isso dedico este post a todos os católicos que nos odeiam. Só vocês me deram motivação para escrever ao fim destes meses.

5 de Setembro, 2005 jvasco

Turquia e Religião – II

Na Turquia, praticamente toda a população é islâmica.

As mesquitas estão por todo o lado (tal como as igrejas por cá), e cinco vezes por dia ouvem-se os sons do chamamento às orações, ouvindo-se também adicionalmente uma «despedida ao Sol» cada vez que este se esconde.

No entanto, analogamente ao que se passa por cá, a frequência das mesquitas às sextas-feiras é de cerca de 20%, e menos do que essa quantidade de pessoas reza nos 5 chamamentos diários. O álcool, que as interpretações mais literalistas do Alcorão consideram tão proibido como o porco, é consumido da mesma forma que cá. Nas zonas mais desenvolvidas e ricas da Turquia a religião, até há bem pouco tempo, não afectava mais a vida das pessoas do que cá.

No entanto, isso está em risco de mudar. Um dos principais partidos da Turquia foi recentemente dividido, e o sistema eleitoral turco, que é pouco favorável aos pequenos partidos, levou a que o «Partido da Justiça e Desenvolvimento», um partido religioso (moderado) chegasse ao poder. Esse partido autorizou algo que antes não se sucedia: grupos religiosos (cujo financiamento se suspeita provir da Arábia Saudita) oferecem bolsas de estudo às raparigas mais pobres, desde que estas usem o lenço à volta da cara conforme estes grupos consideram aceitável. O resultado está à vista: o lenço era apenas usado por senhoras mais idosas, principalmente do campo (aliás de forma similar aquilo que se passa em Portugal), mas é agora também usado por um número significativo de raparigas jovens. Algumas não o usam para receber as referidas bolsas, mas para mostrar apoio ao partido do governo. De uma forma ou de outra, trata-se de uma tendência recente que deixa muitos turcos desconfortáveis com a situação. Ainda assim, tanto quanto vi, a maioria das raparigas jovens não usa lenço.

Alguns turcos identificam esta situação como uma «invasão árabe». Consideram que existe um receio de que a Turquia seja tomada como um «exemplo de sucesso» em que a laicidade pode coexistir com o Islamismo, e que os grupos religiosos islâmicos mais fundamentalistas estão a fazer tudo para que tal não se verifique.

2 de Setembro, 2005 jvasco

A Turquia e a Religião – I

Mustafá Kemal Ataturk é uma personagem central na história da Turquia. Aluno brilhante e fora de série, acabou por seguir a carreira militar onde registou um historial de vitórias épicas (durante a primeira guerra mundial) que lhe valeu uma rápida ascensão aos postos mais avançados de comando. Depois da Turquia saír da primeira guerra mundial ocupada por tropas britânicas, francesas, russas, italianas e gregas, Ataturk liderou uma revolta que triunfou sobre as tropas ocupantes e sobre a oposição interna fiel ao Sultão do império Otomano.

Ao acabar com o império Otomano, Ataturk fundou a República da Turquia, concorrendo e ganhando nas primeiras eleições que foram realizadas. Ataturk implementou então uma série de reformas com o objectivo de modernizar e laicizar o país. Foi implementado o alfabeto latino (anteriormente era usado o alfabeto árabe) e o calendário gregoriano, e foi dada uma grande prioridade à separação entre a igreja e o estado: a poligamia foi ilegalizada; procurou dar-se iguais oportunidades às mulheres no acesso ao emprego e educação; considerou-se vital que a lei civíl não fosse determinada pela religião islâmica. Como resultado destas reformas, o analfabetismo caiu drasticamente.

Ataturk acreditava firmente na liberdade religiosa, mas isso não o impediu de declarar: «Não tenho religião, e às vezes até desejava que fossem todas parar ao fundo do mar. […]. Os Turcos aprenderão os princípios da democracia, os ditames da verdade e os ensinamentos da ciência. A superstição tem de morrer. Deixem-os adorar e rezar à vontade: cada homem pode seguir a sua consciência, desde que tal não atente contra a liberdade de outros».

Hoje, tal como então, a herança de Ataturk está sob ataque. A Turquia é o mais laico dos países islâmicos, mas ainda há muito a fazer para que o estado seja realmente laico. Na Turquia, o astear de uma bandeira ou o uso de símbolos e fotografias que relembrem Ataturk não corresponde necessariamente a nacionalismo ou culto da personalidade: estes símbolos significam a crença nos princípios da separação entre a igreja e o estado, e a esperança de que a Turquia constitua um exemplo para outros países de maioria islâmica.

16 de Agosto, 2005 jvasco

Somos todos irmãos

Deve fazer cerca de 7 anos que isto aconteceu. Era 29 de Julho e um amigo meu fazia anos.
Eu era ateu há muito pouco tempo, mas este meu amigo já o era há uns anitos, e a maioria dos amigos dele que estavam presentes, também. No entanto, uma amiga dele não só era católica como até fazia parte do coro da igreja. Depois do jantar, algures num bar agradável, falou-se de tudo: política, física, criação do universo e… religião. Por estar em minoria, e talvez por ser insegura, por mais que se falasse no ateísmo, a rapariga não discutiu nada: permaneceu sempre muito calada. Até que o aniversariante, ao ver os olhares dela de aprovação em relação a tudo o que era dito, e sabendo da realidade, lá lhe disse: «Mas tu não és católica?». Ao que ela respondeu:

-Sou católica, sim, mas eu também tenho muitas dúvidas. Por exemplo: Jesus diz que somos todos irmãos, mas depois condena o incesto. Como é que será possível depois as pessoas terem filhos?

Conhecendo a peça, é possível saber que não se tratava de nenhuma ironia refinada. Depois de lhe explicarmos que o «somos todos irmãos» era uma alegoria, e que não era por aí que a fé cristã falhava, pudemos voltar alegremente à nossa conversa.

27 de Julho, 2005 jvasco

Crimes atribuídos às religiões e ao ateísmo

O argumento é recorrente: se é verdade que as cruzadas, a inquisição, o terrorismo religioso, a caça às bruxas e outras que tais implicaram muitas mortes, também é verdade que houve várias mortes provocadas por regimes políticos que eram ateus(quase sempre comunistas).

O argumento é tão recorrente quanto disparatado.

A razão é óbvia: a esmagadora maioria das mortes provocadas por tais regimes, não o foram em nome do ateísmo. Foram-no em nome de um regime, que, por acaso, até era ateu.

Se nós considerássemos essas mortes como imputáveis ao ateísmo, às mortes imputáveis à religião não nos poderíamos limitar a contabilizar as referidas: qualquer morte, ao longo da história, imputável a um regime que afirmasse uma determinada religião seria imputável a essa religião. Isto quer dizer que todas as mortes políticas até há pouco mais de cem anos seriam imputáveis à religião!
Não me passa pela cabeça culpar o cristianismo por todas as mortes que os reis cristãos provocaram – e isto corresponde a muitas mortes na Europa! – e nesse sentido não faz sentido imputar ao ateísmo as mortes provocadas por facínoras que até eram ateus.

Mas é diferente atribuir ao cristianismo as mortes provocadas por reis cristãos – mortes provocadas devido aos interesses do monarca a quem acontecia ser cristão – e as mortes ocorridas na inquisição, nas cruzadas, na caça às bruxas ou no terrorismo religioso – assassínios cometidos em nome da região.

Aqui é que a porca torce o rabo, e os crentes não o podem negar: não existiram (que se saiba) assassínios em massa em nome do ateísmo.

Em resumo: ocorreram muitos crimes e assassínios pela parte de regimes afectos a uma religião, tal como ocorreram muitos crimes e assassínios pela parte de regimes ateus, e é ridículo imputar quer os primeiros à religião, quer os segundos ao ateísmo.
Por outro lado, ocorreram muitos crimes e assassínios em nome da religião, mas quase nenhuns em nome do ateísmo. Isto é algo que o ateísmo tem a seu favor.

25 de Julho, 2005 jvasco

A prova que ainda nos falta apresentarem

De entre as várias «provas» que os crentes nos vão apresentando, de entre as várias «provas» que os grandes teólogos foram escrevendo ao longo da história às quais temos tido acesso, não há uma que não seja um conjunto de falácias gritantes, um mero jogo de palavras, ou, na melhor das hipóteses, nenhuma destas, mas ainda assim refutável (por se assentar numa falácia subtil e não em várias grosseiras, por exemplo).

No entanto, ainda nunca me tinha sido apresentada esta brilhante «prova» da existência de Deus, portanto aqui fica ela:

Hipótese: Deus existe

Prova:
1- Se a prova existe, a hipótese é verdadeira.
2- A prova existe: é a que está a ser lida.

De 1 e 2 se conclui que Deus existe.
QED

Devo dizer que esta «prova» é mais sólida do que muitas das outras que me têm sido apresentadas.

PS- A ideia não é minha