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30 de Janeiro, 2007 jvasco

A Igreja e a promoção da castidade

D. José Policarpo considera que a castidade surge como uma «vivência generosa e responsável da própria sexualidade».
Tudo bem, é a opinião dele. Eu tendo a não julgar a vida sexual alheia, desde que consentida entre os maiores envolvidos, e percebo perfeitamente que alguém teça estas considerações a respeito de qualquer forma de viver a sexualidade, desde as mais comuns na nossa sociedade, às menos comuns. Heterossexualidade, homossexualidade, sado-masoquismo, castidade, enfim… não me parece que se possa dizer que uma destas formas de viver a sexualidade é superior às outras, e que qualquer uma delas mereça algum desrespeito.

É por isso que gosto de viver numa sociedade que é extremamente tolerante para com a castidade, mesmo por opção do próprio. Não existem muitos casos de pessoas discriminadas, ou no acesso ao emprego, ou de qualquer outra forma tão injusta e flagrante, por decidirem optar pela castidade. É certo que é anti-natural, mas nunca dei qualquer espécie de valor a esse critério.

O que é certo é que todos os que optam pela castidade devem ser respeitados pela sua opção, e nós devemos entender que é uma opção que só a eles diz respeito. Nem condescendência, nem paternalismos, nem esforços para os fazer «mudar»! A castidade é uma opção tão legítima quanto qualquer outra.

No entanto, sou um pouco contra que se tente orientar o sistema educativo para promover esta opção em particular: «educação sexual é necessária mas deve apontar para a castidade»?? Não deve apontar para nada!

Não deve apontar para a homossexualidade, não deve apontar para o sado-masoquismo, não deve apontar para a castidade, não deve apontar para a heterossexualidade, não deve apontar para nada a não ser para uma escolha livre. A não ser para conhecer os riscos e a forma de se proteger deles. A não ser para conhecer o mundo que nos rodeia, e para ser responsável na opção que tiver sido tomada livremente.

20 de Janeiro, 2007 jvasco

Porque tenciono votar SIM

No próximo referendo é possível um ateu votar não (tal como um crente votar sim). Pessoalmente já defendia o sim desde antes do referendo anterior, mas cheguei a ponderar o voto em branco tendo em conta alguns argumentos e factos apresentados pelo Ludwig Krippahl (um ateu que vai votar não).

Após alguma reflexão pessoal, alguma procura, alguma análise dos diferentes argumentos cheguei à conclusão que vou votar sim. Há muitas razões válidas que o sim apresenta e que certamente levei em conta. Mas há duas razões que foram decisivas, as quais passo a apresentar:

a) Passo a citar parcialmente um artigo do Blasfémias, escrito pelo João Miranda, que traduz algo que acredito mas que nunca verbalizei de forma tão adequada:

«Portanto, vamos supor que o feto é uma pessoa, isto é, que se entende que tem os mesmos direitos que um recém nascido. Não se segue imediatamente que deve haver uma lei que penaliza o aborto. Uma lei para ser lei para além de ser justa tem que respeitar outros critérios. Um dos critérios mais importantes é que não pode ser uma farsa. E para não ser uma farsa tem que ser aplicável.

O problema da actual lei é que ela é uma farsa por diversos motivos:

1. É desrespeitada pela generalidade da população que conta, isto é, se uma mulher precisar de fazer um aborto a sua última preocupação é a lei. A lei dificulta a logística, mas não é suficientemente eficaz para impedir o aborto.

2. Existe uma quase unanimidade de que a lei não deve ser cumprida. Nem sequer os defensores do NÃO têm coragem para afirmar que as mulheres que fazem abortos devem ir presas. Pelo contrário, os defensores do NÃO fazem questão de lembrar, seguindo uma estratégia estranha para os seus interesses, que a actual lei não é cumprida e ainda bem. Pois se é bom que a actual lei não seja cumprida, suponho que também seja bom que seja revogada.

3. A lei só não seria uma farsa se o estado fosse omnisciente e omnipotente. Se soubesse a cada momento o que se passa no útero de cada mulher, talvez colocando sensores ou espiando as listas de compras das mulheres ou os respectivos caixotes do lixo. Ou talvez se colocasse agentes infiltrados nas clínicas de Badajoz ou se fizesse ecografias na fronteira do Caia.

A lei que existe é um meio ineficaz de protecção da vida do feto. Os problemas da lei não são meros problemas de incompetência sanável. O problema da lei é que ela pressupõe uma sociedade e um estado que não existem (felizmente). Nem a sociedade acha os abortos graves ao ponto de colaborar na implementação da lei, nem o estado tem capacidade para vigiar o que se passa nos úteros das mulheres. A penalização do aborto é claramente uma ferramenta inadequada para proteger os fetos do aborto e por isso o facto de o feto ser uma pessoa não implica que deva ser protegida pela lei. Só implicaria se a lei protegesse a generalidade dos fetos, o que não é o caso.»

b) Na sociedade em que vivemos, parece-me melhor não nascer – nunca chegar a ser um ser consciente, que sente dor e sofrimento – do que nascer filho de uma mãe que não nos deseja: que nos teria abortado se o pudesse e que carregou o sofrimentos de nos ter durante 9 meses, e assim o continuará a fazer.

Acredito que para se ser mãe não basta conceber. É preciso amar o seu filho, é preciso ter a capacidade de lhe dar uma vida com alguma estabilidade, é preciso poder propiciar-lhe um futuro com esperança.

Uma mãe que, podendo abortar, não o faz, é uma boa candidata.
Uma mãe que porventura não abortou apenas porque era ilegal vai possivelmente arruinar a sua vida e a do filho.

Será que a lei funciona? Será que há menos abortos por ser ilegal abortar?
Actualmente penso que se tal for verdade, essas crianças não estão a ser protegidas: estão a nascer no mundo sem a garantia de uma mãe que as ame, com poucas condições para serem criados e serem pessoas estáveis, e equilibradas.

19 de Janeiro, 2007 jvasco

10 perguntas para cristãos

A primeira pergunta deveria suscitar uma reflexão profunda em muitos crentes…

16 de Janeiro, 2007 jvasco

Hereditariedade

«O uso comum deste termo difere bastante do seu uso técnico, e no livro «Genetic Entropy: The Mystery of the Geneome» Sanford tira proveito desta diferença para enganar o leitor. Sanford afirma que, como a hereditariedade do sucesso reprodutivo (fitness) é quase nula, é evidente que a selecção natural não pode ter contribuído para a evolução nem pode impedir a degeneração do genoma. Este tipo de erro, comum entre os criacionistas, é normalmente explicável por simples ignorância. A maioria dos criacionistas que ataca a teoria da evolução não sabe o que diz. Mas Sanford sabe, e neste caso é claro que está a enganar o leitor. Vou começar mais atrás para tentar explicar porquê.

Não faz sentido perguntar, como muitas vezes se faz, se uma característica provém dos genes ou do ambiente. Sem o ambiente adequado os genes não fazem nada, e sem genes não há ambiente que nos valha. É tão absurdo como perguntar se a música vem do violino ou do violinista. O que faz sentido é procurar as causas da diversidade de uma característica. Se tivermos cem violinos e cem violinistas, podemos testar diferentes combinações de violino e violinista, e determinar se as diferenças na qualidade da musica se devem mais a diferenças entre violinistas ou violinos.

A hereditariedade, em genética, é a fracção da diversidade de uma característica que pode ser explicada pela diversidade genética da população. Por exemplo, a cor da pele. Numa população geneticamente uniforme (e.g. uma aldeia do interior) quase todos terão os mesmos genes e as diferenças serão principalmente devido a factores não hereditários, como idade, exposição ao sol, ou uso de protector solar. Nesta população a hereditariedade da cor da pele é muito pequena. Numa população geneticamente diversa (e.g. Lisboa) é o contrário, pois a maior parte da diversidade desta característica deve-se à diversidade de genes que a influenciam.

A cor da pele, dos olhos, e do cabelo são exemplos de características com uma grande diversidade genética na nossa espécie. Não sendo cruciais para a nossa sobrevivência e reprodução, genes diferentes coexistem facilmente na mesma população. No outro extremo somos geneticamente uniformes. Genes que controlem a formação de órgãos vitais ou qualquer característica com grande impacto no sucesso reprodutivo são filtrados pela selecção natural, reduzindo a diversidade genética. Ter o cabelo mais claro ou mais escuro é indiferente, mas o fígado tem mesmo que funcionar desta maneira, e não nos safamos com genes que façam um fígado diferente.

Sanford diz que a baixa hereditariedade do sucesso reprodutivo demonstra que a selecção natural não funciona. É exactamente o contrário (como ele certamente sabe). A hereditariedade desta característica é pequena porque a selecção natural eliminou quase toda a diversidade genética que causava diferenças no sucesso reprodutivo. Isto demonstra que a selecção natural é um mecanismo poderoso na evolução. E demonstra que ou Sanford conseguiu o lugar de professor associado em Cornell sem perceber nada de genética ou está a tentar enganar os leitores.»

——————————–[Ludwig Krippahl]

14 de Janeiro, 2007 jvasco

O Mapa e o Território

«Um mapa é um bom exemplo de um modelo que não se confunde com a realidade. Sabemos que a estrada verdadeira não é um traço encarnado. Um círculo preto representa uma vila, não é a vila que simboliza o círculo preto. Acima de tudo percebemos que o mapa que serve para representar as coisas e não é a paisagem que serve para pôr no mapa.

Noutros casos há mais confusão. Na astrologia, por exemplo, Júpiter simboliza o pai e é o «significador» dos filhos, da educação, da fama. Mas Júpiter é Júpiter. O que simboliza e significa são símbolos, como as palavras com que criamos o modelo. Os astrólogos baralham-se; olham para a paisagem e julgam que simboliza o mapa, quando é o contrário. Os criacionistas também gostam deste tipo de confusão. A metáfora do ADN como linguagem, com letras e palavras, confunde a molécula com os símbolos que usamos para a representar. Mas é o modelo que representa a realidade, e não a realidade que simboliza o modelo.

Mesmo na tradição Cristã menos fundamentalista há uma confusão semelhante. No início era o Verbo, ou seja, o modelo, e a realidade foi criada a partir deste. Colocar o modelo antes da realidade cria dificuldades desnecessárias. Primeiro, exige duas realidades diferentes: uma realidade que observamos, a criação, e outra que não podemos compreender nem observar, o criador. Mas postular algo que nem se observa nem se compreende é pura perda de tempo.

Dá também a ideia que o universo é governado por leis, quando as leis da natureza são descrições e não regras a cumprir. Na verdade, muitas descrevem a ausência de regras. A energia é conservada no tempo porque nenhuma regra especifica um momento especial para contar o tempo (simetria de translação no tempo). A entropia aumenta porque nenhuma regra distingue estados que tenham a mesma energia (são igualmente prováveis). A mecânica quântica descreve muitos fenómenos que não têm uma causa, que simplesmente acontecem com uma certa probabilidade.

Esta confusão do modelo com a realidade leva também a ver o universo como instrumental, como parte de um plano e para um propósito, tal como um cenário ou um mapa. Mas não há razão para crer isso. Os modelos e os mapas servem para compreendermos e representarmos coisas. Os modelos são concebidos com (mais ou menos) inteligência, e para um propósito. Mas o mapa não é o território, e não se pode inferir propósito e concepção inteligente naquilo que modelamos apenas por ser o modelo assim concebido.»

——————————–[Ludwig Krippahl]

12 de Janeiro, 2007 jvasco

Agnosticismo: possível, mas difícil

«Todos somos agnósticos em relação a alguma coisa. E podemos ser agnósticos em relação a tudo. O que determina o agnosticismo é a confiança que exigimos para aceitar algo como verdadeiro. Como não há certezas, e como podemos exigir o nível de confiança que quisermos, não há nada que possa escapar ao agnosticismo.

Imaginem que temos resultados que indicam que o chocolate faz bem ao coração, com uma confiança de 80%, e que o tabaco faz mal aos pulmões, com uma confiança de 95%. Se decidirmos aceitar como verdadeiro apenas aquilo em que se tenha mais que 99% de confiança, somos agnósticos em relação a ambos. Se pomos a fasquia nos 90% aceitamos apenas os malefícios do tabaco, e se somos pouco exigentes podemos acreditar em ambas as proposições.

Mas é incoerente aceitar que o chocolate faz bem e permanecer agnóstico acerca dos malefícios do tabaco, pois isso só com duas fasquias diferentes. Mesmo sem valores concretos, isto é válido: não é coerente rejeitar uma hipótese mais bem fundamentada quando aceitamos uma com menos fundamento. Esse é o problema dos que são agnósticos em relação a deuses e coisas sobrenaturais.

A teoria da relatividade é talvez a teoria mais bem fundamentada que temos hoje. Não deve haver algo que se saiba com mais confiança que ser impossível levar uma laranja da Terra a Marte em menos de um minuto (contado na Terra). Mas podemos ser agnósticos em relação a um deus omnipotente que possa pegar numa laranja e leva-la para Marte a uma velocidade superior à da luz. Basta exigir ainda mais evidência que aquela que apoia a teoria da relatividade.

O problema é a micose. Temos muita confiança que o clotrimazol ajuda a curar infecções por fungos, mas muito menos confiança na sua eficácia que temos na teoria da relatividade. Um agnóstico coerente não pode aceitar o conselho do médico se rejeita as conclusões de Einstein. Uma escapatória comum é que um ser sobrenatural não está sujeito à teoria de Einstein, mas isto revela um mal entendido. A teoria da relatividade não obriga; descreve. E o que descreve é ser impossível acelerar laranjas para além da velocidade da luz, seja quem for que as empurre. Não há excepções para seres que se intitulem sobrenaturais, nem evidências que indiquem que um ser sobrenatural seja imune à relatividade. Nem resolve a micose. O agnóstico coerente terá que considerar como pelo menos igualmente provável um fungo sobrenatural escapar ao clotrimazol. Isto não permite que se rejeite a relatividade e se aceite os antibióticos com coerência.

Regra simples para avaliar a coerência de um agnóstico: observem-no por uns momentos. Se não se coçar, ou é incoerente ou teve muita sorte.»

——————————–[Ludwig Krippahl]

11 de Janeiro, 2007 jvasco

Ciência e Sobrenatural

«Por azelhice minha não reparei que o Santiago tinha criticado o meu post sobre as alegadas limitações naturalistas da ciência. Peço desculpa pela falha, e vou aqui responder às criticas, que desde já agradeço.

Eu proponho duas coisas. Primeiro, que não importa para a análise científica de um fenómeno se o chamamos de natural ou sobrenatural. Segundo, que o conhecimento científico moderno é naturalista porque não há nada de sobrenatural no universo em que vivemos.

Vou começar pelo segundo, que o Santiago criticou desta forma:

«O meu agnosticismo militante impede-me de aceitar sem um pio a peremptória afirmação de o Universo não ter sido equipado com “acessórios” sobrenaturais (como é que ele sabe? Foi algum “ser sobrenatural” que lhe garantiu a sua própria não existência?)»

O agnosticismo é irrefutável, pois podemos decidir exigir sempre mais evidência. O que é difícil é fazê-lo com coerência, mas disso falarei noutra altura.

No século XVII o químico alemão Georg Ernst Stahl propôs que as substâncias combustíveis contém flogisto, que se libertava para o ar durante a queima e que era absorvido pelas plantas. Lavoisier acabou por demostrar que era ao contrário, que era o oxigénio que se ligava ao combustível e não o flogisto que se libertava. Mas antes da ideia do flogisto ser consensualmente rejeitada houve quem propusesse que o flogisto tinha massa negativa, para explicar porque a queima de algumas substâncias fazia aumentar a sua massa. Parece-me que já era uma hipótese bem próxima do sobrenatural. A lepra, as tempestades, a origem da vida e das espécies, e muitos outros fenómenos já foram rotulados de sobrenatural enquanto não foram compreendidos. Hoje em dia tudo o que observamos e compreendemos aparenta ser natural. O sobrenatural foi, e é, sempre o que nunca se observou (deuses e espíritos invisíveis) ou o que não se compreendeu. Não posso rebater o agnosticismo do Santiago se ele exige certezas absolutas, mas a tendência é clara e a preponderância da evidência reunida até agora favorece a hipótese de não haver acessórios sobrenaturais neste universo.

A outra questão é se a ciência como método pode avaliar hipóteses acerca do sobrenatural. Eu dei o exemplo de dois modelos para a fertilidade do solo, um baseado na química e outro na influência de espíritos ou deuses, e propus que se comparasse os modelos numa experiência controlada: fertilizantes químicos de um lado, rezas do outro, e ver o que produzia mais. A objecção do Santiago parece-me estranha:

«Não me parece particularmente feliz ir buscar o exemplo de uma actividade puramente tecnológica (a agricultura) para argumentar que devemos preferir a explicação científica por ser a mais bem sucedida.»

Não vou comentar a implicação que devemos preferir, como explicação, a explicação menos bem sucedida. O importante aqui é que a ciência, como método, consiste em compreender um fenómeno através de modelos desse fenómeno. Para cada modelo deduzimos consequências, comparamo-las com o que observamos do fenómeno, e seleccionamos os modelos mais adequados ao que observamos. É praticamente inevitável que um modelo adequado permita alguma aplicação prática, tecnológica, desse conhecimento, daí ser estranha a objecção do Santiago. Mas não preciso ficar-me pela agricultura. Qualquer modelo que faça previsões acerca dum fenómeno observável pode ser testado desta forma, seja natural ou sobrenatural. Talvez o Santiago possa dar um exemplo de um modelo sobrenatural que faça previsões concretas mas que não se possa testar.

O problema é a ideia comum que a ciência lida com a natureza. Não é verdade. A ciência lida com modelos: ideias, hipóteses, teorias, especulação. São esses que a ciência constrói, rejeita, repara, compara, aperfeiçoa. Como os modelos são sempre modelos de algo, é necessário observar algum aspecto desse algo para obter os modelos mais adequados. Mas esse algo basta que seja observável. Se é natural não natural é indiferente.

O que está para além da ciência é aquilo que não se pode observar (como criar modelos disso?) ou modelos que não se consegue ligar a nada (mas para que servem esses?). Mas talvez seja isso que quer dizer a palavra sobrenatural: modelos incompreensíveis de coisas que nunca se observa.»

——————————–[Ludwig Krippahl]