«No outro post (aqui) escrevi que a informação numa sequência de elementos, por exemplo uma molécula de ADN, é determinada pelo número de tipos diferentes de elementos e pelo número de elementos na sequência. Isto é verdade para especificar sequências em geral.
Mas se queremos transmitir uma sequência em particular podemos reduzir a quantidade de informação. Por exemplo, o número e, base dos logaritmos naturais, é uma dízima infinita não periódica: 2.718281828459… Mas pode ser especificado como (imagem tirada da wikipedia)
No outro extremo podemos imaginar uma sequência infinita aleatória. Esta só pode ser codificada com uma quantidade infinita de informação, porque não se pode codificar aquela sequência aleatória de forma mais concisa.
Isto revela o antagonismo entre especificidade e informação. Algo que possa ser especificado de forma concisa pode ser codificado com pouca informação, e algo que tem mais informação não pode ser especificado de forma tão concisa. Daí o contra-senso na exigência criacionista. Citando Jónatas Machado:
«O melhor que os evolucionistas conseguem é dizer que a complexidade especificada contida no DNA surge por mutações aleatórias e selecção natural.[…]
As mutações benéficas são raras, não são seleccionáveis e não acrescentam informação complexa e especificada ao genoma.»
Quanto mais especificado menos informação. Por isso é claro que as mutações não podem ao mesmo tempo aumentar a especificidade e a informação. As mutações acrescentam informação precisamente por serem aleatórias e não específicas. O que aumenta a especificidade é a selecção natural, que o faz à custa de reduzir informação eliminando preferencialmente as variantes com menor desempenho na luta pela reprodução.
O problema não está na teoria da evolução, mas na contradição que é o conceito criacionista de informação especificada.
Para saber mais sobre a constante e»
——————————–[Ludwig Krippahl]
Depois de uma noite de sono já estou capaz de abordar isto de uma forma mais séria. E merece, porque ilustra um erro comum de raciocínio, ao qual todos devemos estar atentos.
Imaginem: A Carolina tem 30 anos, é inteligente, extrovertida, e independente. Formou-se em filosofia, sempre se preocupou com questões de justiça social e discriminação e, enquanto estudante, participou em manifestações contra a guerra. Qual destas duas afirmações vos parece mais plausível:
A- A Carolina trabalha ao balcão de um banco.
B- A Carolina trabalha ao balcão de um banco e assume-se como feminista.
A maioria das pessoas escolhe B, mas é fácil ver que está errado. Se B é verdade então A é verdade também, pois B é a conjunção de A com o feminismo assumido. É mais provável que A seja verdade, e por isso A é mais plausível. Esta é a falácia da conjunção: atribuir maior probabilidade à conjunção de proposições que a uma delas (1).
O raciocínio que Jónatas Machado apresentou é outro exemplo:
A- Deus criou Adão e Eva por milagre.
B- Deus criou Adão e Eva por milagre e usou uma costela de Adão para criar Eva.
A conjunção não pode ser mais plausível que uma das proposições isoladamente. É polémico se isto é sempre um raciocínio falacioso ou simplesmente uma interpretação diferente da noção de probabilidade, mas é fácil ver que não se justifica aceitar uma afirmação extraordinária apenas por se apresentar em conjunto com uma mais plausível. Quem não acredita que eu faço milagres não deve mudar de opinião apenas porque acrescento «e gosto de chocolate».
——————————–[Ludwig Krippahl]
Não devia escrever a esta hora. Devia fazê-lo só com calma para poder rever bem o texto antes de publicar. Mas temo que não vá conseguir dormir se não mandar já isto. Aqui está o comentário do Jónatas Machado:
«E, para informação do Ludwig Krippahl, deve dizer-se que Adão recuperou a sua costela. É verdade. O Ludwig devia saber que em caso de acidentes os cirurgiões recorrem todos os dias às costelas para retirar osso (v.g. para reconstrução facial) porque sabem que, mantendo intacto o periosteum, o osso da costela volta a crescer. Essa técnica foi descoverta há poucas décadas. No entanto, Deus utilizou-a para criar Eva, garantindo desse modo que em toda a família humana corre o mesmo sangue. O facto de Deus ter utilizado uma técnica que os modernos cirurgiões utilizam diariamente desde há algumas décadas só atesta a plausibilidade do relato do Génesis.»
Ora bem. Deus pega num pedaço de barro, faz um milagre, e aparece Adão. Manda-lhe um sono profundo, tira-lhe uma costela, e enche o buraco de carne. Duma costelita faz Eva que, presume-se, teria mais que meio palmo de estatura. Outro milagre. Mas perfeitamente plausível porque a costela regenera.
Coitado do Adão. Se Deus escolheu a costela porque a costela regenera sozinha, então fez estes milagres todos mas deixou o desgraçado com dores até recuperar. E se o curou por milagre lá se vai a plausibilidade toda, visto não ser essa uma «técnica que os modernos cirurgiões utilizam diariamente».
E se lá estivesse escrito úmero ou clavícula em vez de costela, será que os evangélicos já iam pensar que era fantasia?
E como é que sabem se Deus removeu o periosteum ou não, e se a costela regenerou? Essa parte não vem na Bíblia.
Há coisas que é o melhor é mesmo acreditar. Se tentamos compreender só dá dor de cabeça. Vou-me é deitar. Boa noite.
——————————–[Ludwig Krippahl]
O Jónatas Machado comentou aqui que:
«O Ludwig Krippahl continua a tentar defender o indefensável, em momento algum explicando a alegada origem casual do DNA ou o modo como a informação genética é acrescentada ao genoma através de mutações e selecção natural. As primeiras, esmagadoramente deletérias, deterioram o genoma, como se de erros de software se tratasse»
Vamos lá então tratar disso. Primeiro, aproveito a analogia para mencionar a programação genética, iniciada por Holland em 1975. A abordagem é aplicar os mecanismos da evolução biológica a programas de computador. Gera-se aleatoriamente uma população de programas, recombina-se fragmentos ao acaso, introduzem-se mutações aleatórias, e põe-se tudo a competir no desempenho de uma tarefa. E funciona. Neste momento há 36 casos em que algoritmos gerados desta forma têm um desempenho ao nível dos algoritmos concebidos por programadores inteligentes. 21 destes duplicam métodos já patenteados e dois geraram métodos novos patenteáveis. E isto com umas dúzias de pessoas em trinta anos. Imaginem os resultados com todos os organismos do planeta a trabalhar nisto durante quatro mil milhões de anos.
O Jónatas dirá que os algoritmos que fazem as mutações e simulam a evolução são programados por humanos inteligentes, e estes também interpretam os resultados. É verdade, a analogia é fraca. Mas é a sua e mesmo assim funciona muito bem. Por mim, continuo a insistir que é errado ver o ADN como uma linguagem, ou programas de computador, ou planos de montagem, ou qualquer coisa que sugira inteligência. O ADN é uma molécula que reage com outras moléculas. Tem tanto de inteligente como a água ou o ovo cozido.
Mas isto hoje é sobre informação, outra palavra que engana. Considerem a frase «Ser ou não ser» Duas pessoas copiam esta frase, e escrevem «Ser ou não cer». À partida diríamos que se perdeu informação. Uma das pessoas era um aluno pouco atento lá se foi um bocado de informação. Mas a outra pessoa era um espião experiente. Usou o erro ortográfico cuidadosamente colocado para informar o seu contacto do local onde deixar os planos secretos que roubou. Um enorme ganho de informação.
Que raio… a mesma alteração num caso perde informação e noutro ganha. Evidentemente, não estamos a capturar bem o conceito de informação. Este problema já Shannon resolveu em 1948, mas resultados tão recentes não estão ainda difundidos entre os criacionistas:
«Frequentemente as mensagens têm significado, ou seja, referem-se ou estão correlacionadas com algum sistema com certas entidades físicas e conceptuais. Estes aspectos da comunicação são irrelevantes […] O aspecto significativo é que a mensagem em questão é uma seleccionada de um conjunto de mensagens possíveis»
[tradução minha]
A quantidade de informação contida numa mensagem é independente do significado que lhe damos. Depende apenas do que temos que especificar. Por exemplo, queremos transmitir um número com 6 dígitos. Há um milhão de combinações possíveis, por isso temos que transmitir informação tal que permita especificar uma de um milhão de possibilidades: 20 bits de informação. Não interessa para que vão servir os 6 dígitos.
Assim a informação de uma sequência é o número de possíveis sequências daquele comprimento com aqueles elementos. No caso do ADN há sempre 4 tipos de elementos, e a quantidade de informação é unicamente função do comprimento da molécula. Quanto mais ADN mais informação está contida na sequência. Isto quer vá controlar o desenvolvimento embrionário dum golfinho quer vá servir de pisa-papéis. Não interessa a função, como não interessa o significado da mensagem. Informação é apenas o necessário para especificar a sequência.
Assim é fácil ver como as mutações aumentam a informação. Ao introduzir sequências novas na população aumentam a informação contida na população (a evolução funciona com populações). E ao duplicar trechos duma sequência aumentam o seu tamanho, aumentando a informação nessa sequência. Duplicação seguida de outras mutações dá origem a trechos diferentes, e cada vez mais informação. No ADN isto funciona bem porque não são palavras nem frases. Enquanto uma palavra mutante provavelmente deixa de ser palavra, uma proteína mutante é tão proteína como qualquer outra, e se reage de forma diferente pode bem ser isso que o organismo precisa. E mesmo em software isto funciona.
Mais informação sobre programação genética:
http://www.genetic-programming.org/
http://en.wikipedia.org/wiki/Genetic_programming
——————————–[Ludwig Krippahl]
Já andava um tanto esquecido, mas ainda me lembrava de umas coisitas.
Wow! You are awesome! You are a true Biblical scholar, not just a hearer but a personal reader! The books, the characters, the events, the verses – you know it all! You are fantastic!
Realmente, a Bíblia é uma das obras de ficção que mais influência teve na nossa cultura, mesmo tendo menos qualidade literária que tantas outras.
Um espermatozóide está quase a alcançar o óvulo. Neste momento, dão-vos esta escolha: querem que ele fecunde ou preferem evitar que isso aconteça?
Se responderem que preferem evitar que isso aconteça, estão a matar alguém?
Se acreditam no argumento do «ser potencial» terão de responder que sim. Terão de responder que o futuro previsível de uma solução é que uma criança nasça, e no outro caso isso não se sucederá.
Mas aí, sejam coerentes: lembrem-se que o futuro «previsível» de uma mulher ir para freira é que não terá filhos, o que corresponde à morte dos filhos que previsivelmente teria se tivesse optado por outro futuro. Lembrem-se que o planeamento familiar mata imensos seres que previsivelmente nasceriam caso não se tivesse acesso aos métodos contraceptivos.
Sejam contra o preservativo e a pílula como a igreja, mas sejam também contra a castidade e abominem a abstinência. Lembrem-se que as mulheres que optaram por ter menos de 10 filhos provavelmente estão a matar seres humanos potenciais, e vejam sempre como eticamente incorrecto que as pessoas não se esforcem para ter o máximo número de filhos que podem. Construam um mundo superpovoado e cheio de incubadoras – as mulheres.
Sei que qualquer pessoa decente e civilizada sente repulsa por esta visão, e mesmo os defensores do não que usam o argumento do «ser potencial» não acreditam nisto.
Eles acreditam que existe uma diferença entre o momento antes do espermatozóide fecundar o óvulo, e depois.
A partir daí, acreditam que já existe um ser humano. A grande diferença, dizem, é o ADN.
Deixem-me dizer-vos: o ADN não define um ser humano.
Deixem-me repetir-vos: o ADN não define um ser humano.
O ser humano não está no ADN. O nosso «eu» não está no ADN.
Existe um argumento simples e ilustrativo: os gémeos verdadeiros têm o mesmo ADN.
São a mesma pessoa? Não.
Não existe uma pessoa sem cérebro.
Peço ao leitor que faça a seguinte experiência imaginária: o leitor está num hospital apetrechado com tecnologia do século XXX, um órgão vital seu está em perigo, se não for substituído, o seu corpo vai morrer. Ao seu lado está outro indivíduo – chamemos-lhe Augusto. Foi envenedado, e embora no hospital possam salvar um órgão deste paciente, o corpo do Augusto está condenado a perecer. Assim sendo, a equipa do hospital opta por trocar o orgão do leitor em perigo pelo orgão do Augusto que podem salvar.
Se trocarem o coração, apenas vai existir um sobrevivente: o leitor.
A mesma coisa para os pulmões, os rins, o fígado, quase qualquer órgão.
Mas se trocarem o cérebro, não é o leitor quem sobrevive. É o Augusto que fica com um novo corpo.
A pessoa está no cérebro, e o embrião não tem qualquer neurónio formado. Não tem actividade cerebral.
Não, o embrião não é uma pessoa.
E se para mim me parece cruel e desumano obrigar uma mulher a suportar uma gravidez que não deseja, eu não posso aceitar o argumento de que isso é feito para salvar alguém: ninguém está a ser salvo, só um mito e uma ilusão.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.