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6 de Março, 2007 jvasco

Coincidências.

Num comentário ao post anterior, o leitor «kota» escreveu que «houve de facto ajudas por parte de pessoas ditas videntes ou lá o que quiserem chamar. É pouco provável que sejam meras coincidências.»

Pouco quanto? A probabilidade é uma medida que é muitas vezes difícil de estimar de uma forma intuitiva. Imaginem que num grupo de pessoas há duas que fazem anos no mesmo dia. Tentem estimar o tamanho do grupo para o qual a probabilidade de isso acontecer é igual à de não acontecer (50%).

Muitas pessoas apontam para um número à volta de 360, os dias do ano, ou 180, a metade. Mas na realidade com um grupo de 23 pessoas a probabilidade de haver pelo menos duas com aniversários coincidentes é superior a 50%. Com 60 pessoas a probabilidade é de 99%. O cálculo está explicado na Wikipédia, e é fácil perceber porque é assim se consideramos que num grupo de 23 pessoas há 506 pares diferentes. Mas a estimativa intuitiva é completamente errada. O nosso cérebro não evoluiu para fazer facilmente este tipo de cálculo.

Outra dificuldade é a nossa tendência de dar mais importância ao que é mais saliente. Um bom exemplo são as “estranhas” semelhanças entre Kennedy e Linclon. Eleitos para o congresso em 1946 e 1846, presidentes em 1960 e 1860, ambos assassinados à sexta feira, e assim por diante. Parece demais para ser coincidência, mas é difícil de estimarmos o número imenso de coisas que ficaram de fora por serem diferentes (o nome da sogra, a padaria que frequentavam, a marca da bicicleta que tinham em criança, etc.), e o número de possíveis combinações de presidentes onde procurar semelhanças. Basta num grande número de acontecimentos há certamente alguns que são extremamente raros, mas por pura coincidência. Afinal, por muito difícil que seja para qualquer pessoa ganhar o Euromilhões, não é difícil que alguém ganhe.

Finalmente, a falácia comum da falsa dicotomia: se não é laranja, então tem que ser maçã. Isto leva a conclusões injustificadas só porque «não pode ser coincidência». Por exemplo, quando o Sol está na casa de Capricórnio há muito mais acidentes rodoviários. Isto não é coincidência, no sentido de ser por acaso, pois a diferença é estatisticamente significativa. Mas não tem nada a ver com a astrologia. O signo do Capricórnio inclui o Natal e o Ano Novo, e é o maior número de condutores embriagados que faz aumentar os acidentes.

Em suma, se alguém vos diz que não pode ser coincidência por isso qualquer coisa, o mais certo é estar errado em ambas. Provavelmente é coincidência e, mesmo que não fosse, não queria dizer nada.

——————————–[Ludwig Krippahl]

5 de Março, 2007 jvasco

Quem tem medo do Papão?

É comum ouvir como sendo um forte indício a respeito da existência de Deus, que a crença nele é transversal a todas as culturas. Que Deus é o supremo bem, o infinito, o amor, a paz, a liberdade, a perfeição, o criador, o todo; e que como diferentes culturas em diferentes contextos geográficos históricos e culturais, de diferentes maneiras, encontram uma forma de adorar este ser através de diferentes mitologias que originam diferentes religiões, então seria bizarro que tal ser não existisse. Como explicar que, de tantas formas diferentes, Deus – nas suas diferentes manifestações – tenha sempre acabado por ser adorado em qualquer comunidade?

Em primeiro lugar, devo dizer que essa observação é falsa, e revela um grande desconhecimento a respeito do mundo que nos rodeia. Os deuses das diferentes culturas do passado e do presente estiveram longe de representar todos a paz, a perfeição, o bem, o infinito, etc… Desde os deuses da guerra que surgiram facilmente em diferentes culturas (no panteão grego e romano, no panteão escandinavo, etc…), até às imperfeições e defeitos humanos que vários deuses tinham, passando pelas suas limitações e finitude do seu poder, parece que todas as características atribuídas a Deus podem ser facilmente demonstradas não transversais.
Isto para não falar nas várias comunidades e perspectivas que nem sequer consideram a existência de deuses: seria forçado falar num Deus do budismo ou taoismo, mas ainda mais disparatado falar num Deus do confucionismo. E no entanto, várias comunidades aderiram a estas formas de pensar.

Mas sou da opinião que, mesmo que verdadeira, tal observação provaria algo diferente.
A figura do Papão é transversal a várias culturas (não todas), se bem que com diferentes nomes, e diferentes pormenores em relação à forma de agir. O ponto central é o mesmo: é bom que as crianças se portem bem, ou o Papão pode castigá-las.
Isso não quer dizer que a figura do Papão exista, ou tenha algo de verdadeiro, quer apenas dizer algo mais simples: que em diferentes culturas e contextos históricos, os pais das crianças estão dispostos a inventar uma figura que não existe para velar pelo seu comportamento. É fácil e expectável que várias culturas criem vários «Papões» visto que essa necessidade é transversal.
Algumas culturas podem responder a essas necessidades de outras formas, mas não existe nada de sobrenatural na forma como os diferentes «Papões» vão surgindo aqui e ali.

A necessidade de explicação para a chuva, o sol, ou a criação também é transversal, e o medo da morte também. Isso não tem nada de sobrenatural, e também é perfeitamente natural que diferentes culturas acabem por criar mitos que dão respostas a essas questões.

As crianças crescem e deixam de acreditar no Papão. Nós já vimos que os mitos da religião falham nas explicações que deram e dão para os mistérios da natureza, e que é a ciência que os vai desvendando. Estamos a crescer e temos de enfrentar o nosso medo da morte, conhecer bem o mundo que nos rodeia – sem mentiras e ilusões – para melhor o transformar num lugar melhor. Começa a não fazer sentido continuar a acreditar no Papão.

5 de Março, 2007 jvasco

Vida para além da treta.

Em 2003, os conhecidos videntes americanos Sylvia Browne e James Van Praagh contactaram o espírito de Shawn Hornbeck, um rapaz de 11 anos que tinha desaparecido no ano anterior. Sylvia Browne disse aos pais que ele já não estava entre nós, que o corpo estava enterrado numa floresta, que foi raptado por um homem alto de pele escura, com um carro azul. Os pais da criança também foram ao programa de televisão de Van Praagh, que disse que o corpo poderia estar escondido num vagão, e que o rapaz tinha sido morto por alguém que trabalhava com comboios.

No passado dia 12 a polícia encontrou Shawn e prendeu Michael Devlin. Devlin foi acusado de rapto. É branco, gordo, e na altura conduzia uma carrinha branca. Exactamente como Sylvia Browne descreveu, só que não. Também não consta que tenha algo a ver com comboios. E o miúdo, felizmente, está muito bem de saúde para quem esteve enterrado numa floresta com o corpo escondido num vagão.

A nossa sociedade aceita que se faça dinheiro a enganar pessoas desesperadas, e por muito que esta gente falhe encontra sempre alguém que, por dor ou desespero, não está capaz de se defender da burla. Como se respeita mais crenças que pessoas, basta o burlão alegar que acredita para poder burlar à vontade.

——————————–[Ludwig Krippahl]

4 de Março, 2007 jvasco

Socorro!

Tudo começa esta manhã quando me enviam um artigo de opinião acerca da rubrica de astrologia no Praça da Alegria, um programa da RTP-1. É triste que os nossos impostos e a taxa de radiodifusão sirvam para pagar a uma astróloga para fazer publicidade ao seu negócio. Mas isso é história para outro dia.

Ponho-me a mudar de canal à procura do tal programa, a ver se apanho a astróloga (Cristina Candeias). Mas ao passar pela TVI ouço «comunicam telepaticamente», e fico a ver o que é. O Goucha está a entrevistar uma senhora da Fundação Casa Índigo, que tem ar de entendida (não entendida em nada de específico, mas entendida no geral), e que explica que as crianças índigo aprendem a falar mais tarde que as outras porque comunicam telepaticamente com os pais. Uma vez na escola, e de um momento para o outro, passam a falar normalmente. Não esclarece o que fazem à telepatia. Entretanto uma rapariga desenha a aura do Goucha e, analisando as cores, adivinha detalhes tão específicos e únicos da sua personalidade como: é determinado e dá valor às relações afectivas, ou coisa assim.

Há pouco fui ver o site da tal fundação (aqui), um projecto «destinado ao estudo esclarecimento e desenvolvimento de actividades com crianças índigo, crianças cristal, jovens índigo, jovens cristal e outros». Gostei especialmente do «e outros». Afinal, não vamos fechar possibilidades. Se já há os índigo e os cristal, quem sabe o que virá no futuro. Se surgirem jovens lima-limão ou frutóchocolate também serão bem vindos.

Segue-se uma data de tretas. As «actividades extracurriculares criativas, artísticas e harmoniosas» parecem inofensivas, mas eu é que não me arriscava a «Sintonizar a atenção, fomentar o auto conhecimento e controlo, através do equilíbrio dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo». Isso deve doer…

Mas a nata da nata, a cereja do bolo, a pérola na ostra, é isto que está no fundo da página, na lista de actividades:

«Auto-consciência Índigo (Grupos de Auto Ajuda)»

Mas o que raio será um grupo de auto-ajuda? Um grupo onde cada um se ajuda a si mesmo? A página não esclarece, mas seguindo a ligação vejo que com um «investimento» de uns meros 70e por mês os miúdos têm o direito de partilhar «afirmações positivas», alinham-lhes os chacras, e ainda têm uma iniciação de Reiki MultiDimensional («Cura Galáctica, Universal e MultiDimensional»). Só que o Reiki é outro investimento de 70e, este com 20% pago em adiantado.

Moral da história: se virem um disparate na TV, deixem estar. Se se põem a ver onde acaba às quatro da madrugada ainda estão a recuperar do trauma, e vão se deitar com aquela sensação de quem desconfia que já não está no Kansas…

PS: Agora é que reparei que este é o meu 100º post. Até calhou bem. Mais treta que isto era difícil…

——————————–[Ludwig Krippahl]

3 de Março, 2007 jvasco

Ciência e Religião.

O professor Dom Mário Neto volta a contribuir para este blog, após o texto que aqui publicou anonimamente Introdução à Blinologia. No texto que se segue, Dom Mário Neto aprofunda alguns aspectos da Blinologia e disserta sobre o aparente conflito entre a ciência e o revelatum Blínico.

A filosofia natural e o estudo do Sagrado foram inseparáveis durante quase toda a história da humanidade. O conhecimento prático da natureza auxiliava o ritual religioso, desde o cálculo do calendário e dos dias de celebração à construção dos templos. E apesar da filosofia especulativa apresentar algumas hipóteses contrárias ao cânon religioso, até recentemente não eram suportadas por evidências concretas, pelo que os doutos blinólogos tinham liberdade de escolher as doutrinas filosóficas de acordo com as Escrituras. O mérito de filósofos como Platão, Epicuro, Aristóteles ou São Jacinto da Carrasqueira era medido pela concordância com a Palavra dos Blin, ou mesmo com a Frase e o Parágrafo.

No período áureo da escolástica blínica, esta visão de uma relação intima entre Natureza e Escritura levou mesmo à formulação duma noção basilar da blinologia: «A verdade não contradiz a verdade». Alguns críticos acusam-na de ser trivial e inútil, mas esta ideia rapidamente se espalhou pela cultura Europeia, sendo até adoptada por outra religião em voga nessa altura. E, no estudo do Sagrado, muitas vezes o que parece óbvio é profundamente misterioso, como atestam as famosas palavras do imperador Jin Tai aos missionários: «Se essa bolacha é Deus eu sou o rei da China».

Mas nos últimos séculos a experiência prática gradualmente se fundiu com a filosofia especulativa, gerando o que conhecemos hoje como ciência, o que levantou problemas à ideia de uma Revelação única de todos os aspectos da Criação. O relato da origem do mundo na Blínia Sagrada, «No início os Blin criaram a papa de aveia e a Terra», era interpretado literalmente, e a cosmologia blínica descrevia a Terra como flutuando num imenso mar de papa de aveia. Mas, no século XII, Barnabé da Eritreia relatou experiências, com vários tipos de rocha e receitas de papa, que demonstravam a impossibilidade física de tal interpretação. Foi executado em 1198 por heresia, e o Barnabismo foi perseguido com alguma violência, mas a Igreja Blínica sempre foi célere em admitir os seus erros. Mal passados oito séculos e Barnabé foi perdoado e, em parte por estar extinto mas em parte pelo progresso doutrinal da Igreja, o Barnabismo já não é um culto perseguido.

O trabalho de grandes cientistas, de Barnabé a Heisenberg e Einstein, mostrou à Igreja Blínica que temos que considerar verdades a níveis diferentes, se bem que a verdade nunca contradiga a verdade, mesmo que se contradigam. Parte do revelatum blínico está contido no universo em si. Treze mil e quinhentos milhões de anos, incontáveis estrelas e planetas, uma imensidão inimaginável de processos todos organizados de acordo com princípios regulares. Sem ambiguidades, sem margem para interpretações subjectivas, e onde tudo é desvendado objectivamente, sem considerar credo, raça, ou cultura. A compreensão deste universo duplicou a esperança média de vida, permite-nos comunicar instantaneamente com qualquer pessoa e mesmo explorar outros planetas.

No entanto, este universo comporta-se como se não existissem Blins, como se não tivesse sido criado por uma inteligência superior. Pior ainda, toda a ciência moderna indica que o universo não pode ter sido criado, que surgiu por um acontecimento quântico que não pode ter causa. Como sabemos que a verdade não contradiz a verdade, e como sabemos que os Blins criaram o universo, é evidente que o estudo do universo em si não pode revelar toda a verdade. Temos por isso que separar dois tipos diferentes de verdade. Isto é revelado a todos os que estudam o Sagrado, mesmo os que desconhecem o verdadeiro caminho dos Blins e seguem outras religiões. Dou aqui como exemplo as palavras de Joseph Ratzinger, líder religioso de um culto semi-monoteísta (os três deuses principais vivem como um só numa espécie de simbiose metafísica):

«Uma resposta já foi trabalhada há algum tempo, à medida que a visão científica do mundo ia gradualmente cristalizando[…]. Diz que a Bíblia não é um livro de ciência natural, nem é esse o seu objectivo. É um livro religioso, e consequentemente não é possível obter dele informação científico-natural.»
[tradução minha]

Evidentemente, isto não pode ser tudo. Como reconhece o próprio Ratzinger, e todas as religiões em geral, não basta separar o conhecimento da natureza do conhecimento espiritual. Há que juntá-los de novo numa síntese que abarque quer a nossa natureza física quer o aspecto blínico da nossa existência. Temos assim que considerar uma hierarquia de verdades. No nível inferior temos todo o universo, milhares de milhões de anos de imensidão, e toda a ciência e tecnologia que permite a nossa vida e sociedade moderna. No nível superior, a Blínia Sagrada, compilação da tradição oral de uma tribo do deserto e que, ao contrário de outras compilações de tradições orais de outras tribos do deserto, nos mostra a Verdade e todo o mistério do Sagrado.

——————————–[Ludwig Krippahl]

2 de Março, 2007 jvasco

Carros, astrologia, e muita treta.

No Diário de Notícias de ontem [7 de Janeiro] veio noticiado que:

«As companhias de seguros estão a estudar a possibilidade de os signos dos condutores determinarem a forma como conduzem.»

E citam Lee Romanov, que fez um estudo em 100,000 condutores:

«”Fiquei absolutamente chocado. Agora, para mim, é muito menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco”, diz Romanov.»

Em primeiro lugar podemos ver a excelência jornalística desta reportagem na tradução de «shocked» para «chocado». Se forem à pagina onde a autora publicita o livro até podem ver uma foto que deixa poucas dúvidas quanto ao seu sexo (aqui). Será que o jornalista nem foi ver o site? Também pode ser culpa do editor, mas certamente não é culpa do editor afirmar que as companhias de seguros estão por trás disto. A autora é dona de um site (InsuranceHotline.com) que dá informações acerca de preços de seguros, e não de uma seguradora, e este «estudo» faz parte do livro que está a vender, intitulado «Car Carma».

Também podemos julgar a magnitude do efeito pela afirmação reveladora: «menos significativo um condutor mudar de código postal do que pertencer a alguns signos do Zodíaco». Para quem pensava que mudar de código postal era uma das principais causas de acidente rodoviário isto deve ser preocupante. Os restantes não terão razão para alarme.

Como escreve o Luis Grave Rodrigues (no Random Precision), é muito improvável que os 100,000 condutores se distribuam de forma exactamente igual pelos 12 signos. Seria importante aqui saber qual a significância estatística destes resultados. Isto, é claro, se fosse coisa para levar a sério. Segundo consta (nos comentários a esta notícia), isto é tudo uma brincadeira da autora para vender o livro:

«The references to astrology are meant to tickle the fancy and Lee had a great time writing this book, purely for your enjoyment.»

Resumindo, a dona de um site sobre preços de seguros escreve um livro que, a gozar, liga a astrologia aos acidentes, e um jornal de grande tiragem em Portugal relata que as companhias de seguros andam a estudar astrologia.

Exactamente:

Que treta!

——————————–[Ludwig Krippahl]

1 de Março, 2007 jvasco

Entropia e Criacionismo

A segunda lei da termodinâmica é uma das favoritas do criacionismo. A desordem aumenta, tudo se degrada. É a degeneração, a depravação, a desgraça completa. Desde o Dilúvio que não havia nada tão bom. E se a desordem aumenta constantemente, então no inicio teve que ser tudo criado de forma ordenada, ou seja por um deus.

Logo há partida este modelo tem problemas. Precipitam-se a concluir que é o deus deles, que se tornou homem, morreu na cruz, ressuscitou, ditou os dez mandamentos, e assim por diante, o que é muita coisa para apoiar na segunda lei da termodinâmica. Pior, não resolve nada. Se é impossível diminuir a entropia num sistema isolado, tanto faz se o sistema isolado é Universo ou se é Universo+Deus. Esta «solução» é a versão intelectual de varrer o lixo para debaixo do tapete.

E não passa de um mal entendido. Mas vou começar por explicar o que é a entropia. Se não houver fraude, todos os números da lotaria saem com mesma probabilidade. É tão fácil (ou difícil) ganhar com o 13624 que com o 22222. Mas se considerarmos conjuntos de números já pode haver diferenças. Por exemplo, a probabilidade de ser seleccionado um número com todos os dígitos iguais (dez possibilidades) é três mil vezes menor que a de um número com todos os dígitos diferentes (10*9*8*7*6 possibilidades). É aqui que surge a entropia. Se agitamos um punhado de moedas numa caixa de sapatos, todas as configurações exactas (aquela moeda exactamente assim, aquela outra neste sítio, etc) têm a mesma probabilidade. Mas há muito mais configurações no conjunto das «desordenadas» que no conjunto das «arrumadas no meio da caixa», por isso o mais certo é que as moedas fiquem numa das configurações desordenadas.

Agitamos a caixa até estar tudo o mais desordenado possível. Chegámos ao máximo de entropia deste sistema. Agora a caixa aumenta de tamanho mas as moedas continuam onde estão, desarrumadas no meio da caixa. A desordem é a mesma (as moedas não mexeram), mas o máximo de entropia aumentou porque agora podemos desarrumar ainda mais o sistema espalhando as moedas pela caixa maior. É isto que se passa no nosso universo. A singularidade inicial estava no máximo de entropia para o seu tamanho, mas como o espaço-tempo se expandiu imenso o limite máximo de entropia aumentou, permitindo que a desordem continuasse a aumentar até hoje, e por muito tempo no futuro.

A ciência moderna diz-nos que o universo começou no máximo de desordem. Isto não só torna o criador inteligente desnecessário como torna impossível que ele tenha feito o que quer que seja para influenciar o processo. Depois de varrer o lixo para debaixo do tapete aproveitam para dar um tiro no pé.

——————————–[Ludwig Krippahl]

28 de Fevereiro, 2007 jvasco

Energia e Criacionismo

«Neste post vou-me aventurar num tema no qual não estou muito à vontade, e peço já desculpa por qualquer calinada. Mas o Jónatas Machado apontou a conservação da energia como evidência contra a teoria da evolução e a favor da sua fé criacionista, e é precisamente o contrário.

Na mecânica Newtoniana, e num espaço-tempo plano, podemos considerar o sistema como invariante a translações no tempo; ou seja, não interessa quando contamos o instante 0. A consequência disso é a conservação de energia, com energia sendo um valor com uma dimensão (um escalar). Daqui tiramos a tal regra simples que a variação da quantidade de energia num sistema é igual à energia que entra menos a que sai, porque nenhuma é criada nem destruída.

Temos duas formas de calcular isto. Podemos somar a energia que passa por toda a superfície do sistema, ou somar a variação de energia de cada volume infinitésimo dentro do nosso sistema. Se considerarmos os nosso sistema partido em volumes minúsculos, a energia que sai de um entra nos vizinhos, excepto para os que estão na fronteira do sistema e trocam energia com o exterior. A integração de variações em volumes infinitésimos dá assim o mesmo valor que o total de energia que atravessa a superfície. Num sistema isolado não entra nem sai energia, e a variação total é zero.

Com a relatividade isto complica-se. Num espaço-tempo curvo não podemos separar a coordenada do tempo da mesma maneira, e o que é conservado é um vector com quatro dimensões (momento e energia). Os detalhes da matemática ultrapassam-me, mas o resultado, trocado por miúdos, é que agora as duas formas de calcular a variação total de energia do sistema dão valores diferente: somar a energia que passa por toda a superfície não dá o mesmo que somar as variações em volumes infinitésimos porque não estamos a somar valores escalares mas sim vectores definidos em pontos diferentes do espaço-tempo.

Normalmente podemos ignorar a relatividade, e usar a formulação simplificada da conservação de energia. Na evolução e em toda a biologia a variação de energia de um sistema é sempre a diferença entre a que entra e a que sai, quer seja a Terra toda quer seja uma bactéria. Mas na cosmologia é preciso complicar a matemática para modelar o universo em expansão, e a conservação não se reduz a uma frase simples como a de Jónatas Machado:

«Os evolucionistas deveriam compreender que o seu sistema é um “non starter”, na medida em que a lei da conservação da energia afirma que em todos os processos os componentes que entram são equivalentes aos que saem»

Aqui na Terra todos os seres vivos persistem e evoluem à custa do Sol, que fornece energia de sobra para alimentar estes processos. No universo como um todo não se aplica a versão simplificada da lei da conservação de energia. Quando aplicamos correctamente as leis que conhecemos vemos que a expansão do nosso universo pode gerar todas as partículas de que tudo é feito. Não há contradição entre a cosmologia, a evolução, e a conservação de energia, desde que aplicada correctamente. Como alternativa à cosmologia e evolução, Jónatas Machado propõe:

«Criar algo a partir do nada é impossível. E no entanto, nós aqui estamos.[…] Isso é inteiramente consistente com a ideia de que Deus criou o Universo, numa semana de Criação muito especial e absolutamente singular»

Os criacionistas rejeitam a evolução por considerar que é impossível. Rejeitar o impossível é boa ideia, e neste caso é apenas um erro (não é impossível). Mas o passo seguinte é absurdo, pois defendem a criação ex nihilo precisamente por ser impossível. E não é só o criacionismo fundamentalista que sofre desta incoerência. Um dos principais argumentos para a existência de um deus criador sempre foi a necessidade aparente de uma primeira causa, e os teólogos apoiavam-se na filosofia natural por indicar que todo o efeito teria causa. Hoje em dia sabemos que não é assim. Ao nível sub-atómico muitos efeitos nem podem ter causa. O mesmo raciocínio que justificava inferir um deus criador até ao século XX obriga agora a rejeitar essa hipótese. Não só é desnecessário como é aparentemente impossível que um deus tenha criado o universo.»

——————————–[Ludwig Krippahl]