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12 de Março, 2007 jvasco

Humor Criacionista.

O humor criacionista deixa muito a desejar, desde a banda desenhada do fundamentalista Jack Chick à «hilariante» animação flash do julgamento de Dover, que continua infantil mesmo sem os sons de flatulência que tinha originalmente.

Mas esta rábula nem seria má, se não fosse durar dez vezes mais que o necessário. E se não fosse um vídeo a gozar com um programa de rádio (design inteligente, certamente…):

O Dawkins está bem imitado, e tem uma certa graça de inicio. Se não tiverem paciência de ouvir, o Dr. Terry Tommyrot defende que Dawkins não existe, que não se pode acreditar que ele exista só porque vem como autor dos livros, e que os livros se formaram naturalmente por rearranjo das letras, num processo natural e não guiado pela inteligência.

Mas o que tem piada é que os criacionistas não percebem a ironia desta rábula.

Ninguém duvida que os autores das histórias da bíblia existiram. O problema é o personagem principal, que cria o mundo em sete dias, faz dilúvios e chover sapos, entre muitas outras façanhas. Os criacionistas confundem o Stan Lee com o Homem Aranha…

E é óbvio que um livro é um objecto criado com inteligência. Não há outra forma evidente de fazer as folhas, encadernar, escrever as palavras. Mas uma mosca é diferente. Para fazer uma mosca basta duas moscas e poucos dias, e não é preciso inteligência nenhuma (são moscas, afinal).

Nem faz sentido perguntar quem fez a primeira mosca. Moscas são seres que herdam certas características dos pais, como um Português herdou estas palavras e expressões dos seus pais. Ninguém inventou a mosca tal como ninguém inventou a língua Portuguesa. Por duplicação, herança, e acumulação de pequenas variações, coisas como línguas e espécies vão se formando umas a partir das outras, e todas a partir de antepassados longínquos muito mais simples.

Esta rábula demonstra o contrário do que os criacionistas gostariam. Que lá porque alguém escreve um livro não quer dizer que o que está escrito seja a Verdade. E que as coisas criadas com inteligência e propósito são bem diferentes das que surgem por duplicação e acumulação de modificações.

——————————–[Ludwig Krippahl]

11 de Março, 2007 jvasco

A tradução possível

Já tinha colocado neste espaço um pequeno video a respeito do quanto a Bíblia é repulsiva. O video era narrado em inglês, mas recentemente foi traduzido para português (do Brasil). A tradução poderia estar melhor, mas já é uma ajuda simpática para divulgar esta mensagem:

11 de Março, 2007 jvasco

Ao Acaso (parte 3 de 3).

Olhos, patas, asas, flores, antenas, cílios. Estas coisas não surgiram por acaso, e é por isso que queremos explicar como surgiram. Se fosse por acaso arrumava-se o assunto com um «olha, calhou». Antes de Darwin dizia-se que um deus tinha criado isto tudo, mas esta explicação deixava de fora o mais importante: como? Darwin e Wallace explicaram como.

Considerem os vossos antepassados. Pais, avós, bisavós, e assim por diante. Todos tiveram pelo menos um filho, sem excepção. E não foi por acaso, pois só tendo filhos é que se pode ser antepassado. Este é o poder da selecção natural como explicação. Porque é que tanta gente tem a capacidade de ter filhos? Porque herdamos características dos nossos antepassados, e todos os nossos antepassados tinham esta capacidade.

Então porque é que alguns não conseguem ter filhos? Isso já é por acaso. Ou seja, é por factores que não conseguimos incluir nesta explicação. Então a selecção natural não explica tudo, dirão os criacionistas. Pois claro que não, mas isso é bom sinal. Contrastem com o criacionismo. Porque é que a maioria consegue ter filhos? Porque um deus quis. E porque é que alguns não conseguem? Porque o mesmo deus quis. Isto nem é explicação. Mais vale dizer que sim porque sim, e poupar umas palavras.

Que os antepassados tiveram filhos não é muito informativo, mas outras características seguem o mesmo padrão. Os nossos antepassados foram mais saudáveis que a média nas suas gerações, e também por selecção natural. Era mais difícil ser antepassado quem nascia cego, surdo, sem braços, hemofílico, diabético, e tantas outras coisas. Os nossos antepassados que viveram expostos a certas doenças ou condições agrestes eram, em média, mas resistentes a estas adversidades que os seus contemporâneos. Nos tempos em que a inteligência era uma vantagem, os nossos antepassados eram, em média, mais inteligentes que outros das suas gerações.

Para cada antepassado o acaso teve um papel importante. Não é certo que o mais saudável ou mais inteligente se conseguisse reproduzir. Mas como vimos nas outras partes desta mini série, quando o número é grande muito do acaso se torna certeza. E nós tivemos muitos antepassados. Foi assim que Darwin explicou como surgiu o que ajuda a sobreviver o suficiente para ter filhos.

Mas ainda sobra muita coisa. Os nossos antepassados provavelmente tinham, em média, tantos pelos nas sobrancelhas como os seus contemporâneos e os olhos da mesma cor que os dos seus vizinhos. A nível molecular, onde muitas diferenças não trazem consequências, foi puro acaso se esta ou aquela variante de um gene ficou num antepassado. Ironicamente, e apesar do título da obra de Darwin, o acaso é um dos factores principais na origem das espécies. Populações isoladas vão acumulando diferenças por acaso. Numa é este gene que se espalha, noutra é outro que não dá qualquer vantagem mas que por sorte se propagou mais. Com o passar dos tempos as diferenças acumulam-se e os cruzamentos tornam-se menos férteis, estéreis, e eventualmente impossíveis.

Como o óleo na água e o sistema imunitário, também a evolução é um misto de acaso e de factores que a impelem numa direcção. O acaso introduz variantes, faz populações divergir, separa espécies, cria, inova. Para melhor e para pior, conforme calhe. Mas para ser antepassado também conta ter mais daquilo que é preciso para se reproduzir. Pode ser um corpo mais esguio ou mais parecido com uma rocha. Pode ser um veneno mais forte ou mais resistência a venenos. Pode ser uma barba rija ou uma cara macia. Fosse o que fosse, se dava vantagem os nossos antepassados tinham-no a mais que os outros.

É isto que explica porque há trezentas e cinquenta mil espécies de escaravelho. É isto que explica asas, patas, e olhos. É isto que explica porque somos tão diferentes em certas coisas e tão parecidos noutras. É isto que explica os fósseis, as árvores filogenéticas, a resistência aos antibióticos, a anemia falciforme, e inúmeros outros detalhes, desde a biologia molecular à ecologia. É uma teoria complexa, enorme, e sempre a mudar conforme aprendemos mais e temos mais para explicar. E neste momento não há nada que lhe chegue perto a explicar tudo isto.

——————————–[Ludwig Krippahl]

10 de Março, 2007 jvasco

Ao Acaso (parte 2 de 3).

Diariamente somos atacados por bactérias, fungos, vírus, e outros parasitas. Nos últimos séculos começamos a compreender estes inimigos, combatendo-os com medidas (mais ou menos) inteligentes. Lavar as mãos, esgotos fechados debaixo do solo, agua desinfectada, vacinas, antibióticos, e assim por diante. Mas durante milhões de anos os nossos antepassados sobreviveram a estes perigos sem sequer saber o que eram, graças ao sistema imunitário. O mais interessante destas defesa são os linfócitos, os soldados do sistema adaptativo. Reagem especificamente a cada invasor e guardam memória das doenças que tivemos para reagir mais prontamente quando esses microorganismos voltarem a atacar.

Antes de continuar, pensem: como é que este sistema consegue atacar inúmeros agressores diferentes, sem atacar outras células do corpo humano, e sem qualquer inteligência? Impossível? Por acaso não é.

Todos os dias o nosso corpo cria centenas de milhões de glóbulos brancos (linfócitos) do tipo B. Durante a sua maturação, estas células baralham aleatoriamente o ADN que codifica proteínas (anticorpos) que vão ficar à superfície da célula. Assim, cada célula tem um tipo diferente de anticorpos, gerado ao acaso, e atacará tudo o que encaixe nos seus anticorpos. Mas uma arma apontada ao acaso é um perigo. Por isso estas células ficam retidas durante uns tempos na medula óssea e no timo, onde encontram muitas células e proteínas do corpo. Se os seus anticorpos se ligam a alguma coisa nesta fase a célula B suicida-se. Nove em cada dez morrem desta maneira, à nascença, evitando que sejamos destruídos pelo nosso sistema imunitário. Sem inteligência, apenas por processos bioquímicos de selecção.

Mesmo assim sobrevivem muitas, e a massa total de linfócitos que temos é semelhante á massa do cérebro ou do fígado. São muitas, muitas células, com muitos anticorpos feitos ao acaso. Nesta multidão é quase certo que haja a defesa para qualquer micróbio que aqui entre. É só questão de esperar que, por acaso, um dos invasores esbarre contra a célula certa. E com números tão grandes o acaso torna-se previsível.

Quando uma célula B encontra um alvo que encaixa nos seus anticorpos, começa a reproduzir-se. Cria muitas células parecidas, quase com o mesmo tipo de anticorpos. Parecidas porque já não baralha o ADN, mas não são iguais porque outros mecanismos induzem mutações nos genes dos anticorpos. Isto cria uma população de células B ligeiramente diferentes. Umas serão menos eficazes, mas outras serão ainda mais eficazes que a original. E estas vão se reproduzir mais, criando células potencialmente ainda mais eficazes.

Sem inteligência, há um grandes desperdício. 90% destas células têm que ser eliminadas à nascença, e a vasta maioria das restantes morre ao fim de uns dias sem qualquer utilidade. Tudo isto para que o acaso gere a ínfima minoria que nos salva a vida todos os dias. E nem sempre funciona bem. Diabetes, lupus, reumatismo, muitas doenças devem-se a erros neste processo que fazem o sistema imunitário atacar as células do corpo. Sem inteligência, também não distingue um invasor perigoso duma proteína de amendoim ou de um grão de pólen, e a reacção pode ser fatal para quem é alérgico.

Com inteligência faz-se melhor. Mesmo com uma compreensão limitada, nós já fazemos antibióticos que atacam apenas bactérias e não amendoins, sabemos treinar o sistema imunitário com vacinas, e conseguimos remediar cada vez melhor os erros deste sistema cego. Um ser omnisciente nunca criaria um sistema tão ineficiente. O extraordinário deste sistema é como a combinação de acaso, características herdadas e selecção criou uma solução milhões de anos antes de alguma inteligência compreender o problema.

——————————–[Ludwig Krippahl]

9 de Março, 2007 jvasco

90 chicotadas!

É excelente que exista uma verdadeira separação entre a Igreja e o Estado. Ainda temos de continuar a caminhar nesse sentido.

Mas quando vejo os mais clericalistas a tentar caminhar no sentido oposto, lembro-me que as teocracias dão nisto.

Uma mulher saudita será punida com 90 chicotada por ter cometido o crime de «estar sozinha com um homem não relacionado com ela». Foi violada, tentou suicidar-se e não conseguiu. Depois foi julgada e a sentença foi agora conhecida.

9 de Março, 2007 jvasco

Ao Acaso (parte 1 de 3).

Muitos criticam a teoria da evolução dizendo que o acaso não pode explicar a formação das espécies. Isto revela o maior problema para a teoria da evolução: a ideia que não é preciso perceber nada do assunto para poder criticar.

Nesta mini-série vou falar do acaso em processos físicos, químicos, e biológicos. No último episódio pretendo mostrar que a evolução é muito mais que o acaso, mas nos primeiros dois veremos que mesmo o acaso é capaz de muita coisa quando lidamos com o número de moléculas e átomos que há em sistemas macroscópicos.

Um pneu, por exemplo. Lá dentro há moléculas a deslocar-se aleatoriamente e a bater contra as paredes da câmara de ar. Mas com 10,000,000,000,000,000,000,000 moléculas, o acaso do movimento de cada uma torna-se numa pressão constante, regulável, e extremamente previsível.

Um fenómeno mais interessante é a gota de sumo ou de óleo a cair num copo de água. A gota de sumo é quase só água, e as moléculas da gota rapidamente se espalham pelo copo. Por acaso. Há muito mais configurações possíveis para as moléculas quando estão espalhadas do que há quando estão juntinhas numa gota. Se uma configuração é seleccionada ao acaso, o mais certo é cair no grupo das «espalhadas» que no grupo das «juntinhas em gota».

Curiosamente, passa-se o mesmo com a gota de óleo. Mais ou menos. As moléculas de água são como a cabeça do Rato Mickey, com um oxigénio na cara e átomos de hidrogénio nas orelhas. Como o oxigénio atrai mais os electrões, essa parte da molécula é negativa, cada hidrogénio tem uma carga positiva, e os átomos de hidrogénio estão mal presos. Podemos ver um copo de água como um grande número de átomos de oxigénio a roubar átomos de hidrogénio uns aos outros, como miúdos a lutar pelos brinquedos.

Uma molécula de água rodeada por outras moléculas de água pode-se orientar de muitas maneiras diferentes para interagir desta forma com as suas congéneres. Mas se está encostada a uma molécula do óleo, para esse lado já não se pode virar. Uma molécula de óleo restringe as possibilidades às moléculas de água que a rodeiam.

Se por um lado há mais configurações possíveis com as moléculas de óleo espalhadas pelo copo do que com as moléculas de óleo juntas numa gota, por outro lado as moléculas de óleo espalhadas reduzem as configurações possíveis das moléculas de água. O resultado é que há mais configurações acessíveis às moléculas todas com o óleo todo junto numa gota do que com o óleo espalhado pelo copo. Seleccionando aleatoriamente uma configuração o mais certo é calhar numa das «juntinhas em gota».

É o acaso com um cheirinho de interacções que regula todo o metabolismo, a formação de membranas celulares, a regulação dos genes, e tudo isso. Até a cozedura do ovo é principalmente por acaso. Quando aquecemos o ovo damos às moléculas a energia que precisam para aceder outras configurações. Como há muito mais configurações na categoria «ovo cozido» que na categoria «ovo cru», quando arrefece, e por acaso, vai acabar cozido. Tal como o acaso do pneu, são acasos extremamente previsíveis.

——————————–[Ludwig Krippahl]

8 de Março, 2007 jvasco

Calculem…

Pelos comentários que recebi (aqui e em privado) parece que não ficou claro porque é que a dificuldade de calcular a estrutura de uma proteína é irrelevante para o argumento criacionista. A proposta criacionista é que se uma célula produz proteínas com formas que nem um supercomputador consegue calcular, então os seres vivos só podem ter sido criados por um ser inteligente e omnipotente.

Este tema interessa-me porque trabalho em modelação, e sei bem o que custa calcular estas coisas. Sei também que a dificuldade de cálculo não tem nada a ver com ser vivo ou não, e que a proposta criacionista é treta.

Imaginem que estão na Lua e atiram uma pedra. A trajectória da pedra é fácil de calcular porque o sistema é simples: uma pedra, aceleração constante (a gravidade da lua), e uma velocidade e posição inicial. É uma parábola, e pronto. Mas se fazem o mesmo na Terra num dia de vendaval estão tramados. A resistência do ar, o vento variável, a pedra com forma irregular a rodar em relação ao vento, e lá se foi a parábola ou qualquer hipótese de resolver o sistema de forma simples.

A alternativa chama-se integração numérica, mas é mais simples de compreender que de pronunciar. Se conseguirmos parar o tempo e medir naquele instante a velocidade e posição da pedra e a velocidade do vento, conseguimos calcular a força que o vento exerce sobre a pedra, e quanto é que essa força vai alterar a velocidade (e direcção) da pedra. Se andarmos um instante de cada vez podemos fazer isto a cada passo e calcular a trajectória da pedra até cair no chão.

A vantagem é que quanto mais pequeno for o passo maior é a precisão. A desvantagem é que quanto mais pequeno for o passo mais passos temos que calcular. Mas com uma pedra e um computador bom se calhar o cálculo acaba antes da pedra cair.

Se em vez da pedra atirarem um balde de areia, o caso muda de figura. O cálculo é o mesmo, mas enquanto que a areia do balde vai toda ao mesmo tempo, o desgraçado do computador tem que calcular um grãozinho de cada vez, passo a passo, e já vocês acabaram de varrer a areia verdadeira ainda a virtual não saiu do balde.

A estrutura das proteínas é difícil de calcular porque são milhares de átomos a interagir de formas complexas. Mas isto não é uma característica única dos seres vivos, nem indicativo de origem milagrosa. Também é preciso muito poder de computação para cálculos de aerodinâmica, para simular reacções nucleares, para prever o estado do tempo e alterações climáticas, e muitas outras coisas.

E se é preciso um deus para explicar uma proteína, o que será preciso para explicar um deus?

——————————–[Ludwig Krippahl]

7 de Março, 2007 jvasco

Se não pode ser julgado, não lhe chames bom

Já apresentei neste blogue alguns artigos sobre o paradoxo do mal (I, II, III, IV e V), e obtive várias respostas curiosas a respeito deste assunto.

Uma das respostas defende que «Deus não pode ser julgado pelos nossos padrões de moralidade». É uma afirmação que oiço ser repetida, com a qual muitos crentes concordam.

Mas se os crentes acreditassem num Deus que não pudesse ser julgado pelos nossos padrões de moralidade, então não faria sentido dizer que ele é bom. É que dizer que Deus é bom é precisamente julgar Deus pelos nossos padrões de moralidade.

Um Deus que não pode ser julgado por tais padrões não pode ser considerado bom nem mau.

7 de Março, 2007 jvasco

O que as proteínas nos dizem.

Agradeço mais uma vez ao Jónatas Machado, desta feita pela referência ao artigo criacionista «Did God create life? Ask a protein». Interessa-me porque trabalho em modelação de interacção e estrutura de proteínas, e não pelo artigo em si, que sofre de defeitos comuns da literatura “cientifica” criacionista. Rebate hipóteses há muito descartadas pela comunidade científica e usa uma analogia enganosa: a IBM montou um supercomputador para prever como uma proteína se forma, e o cálculo pode demorar um ano, mas a célula faz uma proteína em menos de um segundo.

E daí? Eu dou um salto no ar em menos de um segundo, mas se me pedirem para calcular os parâmetros de um modelo matemático que descreve a trajectória de todos os meus ossos, a força em todos os músculos, a aceleração, a pressão nas articulações e assim, nem um ano me chega. E eu sou mais esperto que uma célula – essa nem se safa com o 2+2. Mas em vez de dissecar o artigo vou vos contar o que as proteínas respondem à pergunta dos criacionistas. Vou começar do início.

Uma proteína é uma molécula com milhares de átomos, produzida ligando moléculas mais pequenas (aminoácidos) numa sequência determinada pelo gene. Conforme a «lombriga» vai crescendo, vai se enrolando numa forma complexa que depende da interacção dos diferentes aminoácidos na sequência. Vou ilustrar com a mioglobina, uma proteína com 153 aminoácidos que armazena Oxigénio nos músculos dos animais. A figura 1 mostra a estrutura da mioglobina de humano, foca, e tartaruga.


Figura 1 (clique para ver maior)

A laranja marquei os aminoácidos que são diferentes da mioglobina humana. A foca tem 25 e a tartaruga tem 48 aminoácidos diferentes da nossa mioglobina. No entanto têm todas a mesma estrutura. Isto é surpreendente porque sabemos, por experiência, que a estrutura é muito sensível aos aminoácidos na sequência. Se mudamos um aminoácido muitas vezes a estrutura é preservada. Mas se mudarmos mesmo que uma meia dúzia o mais certo é estragar tudo. 48 aminoácidos é um terço da mioglobina – é surpreendente que um designer inteligente mude um aminoácido em cada três quando quer que a proteína fique exactamente na mesma.

Do design inteligente de sistemas complexos, como máquinas ou seres vivos, esperamos uniformização de partes. Se comprarem móveis no IKEA vêem que há alguns tipos de ferragens e cavilhas que servem para todo o mobiliário. A primeira coisa que as proteínas nos dizem é que, se a vida foi criada com alguma inteligência, foi por vários criadores, provavelmente em comité.

Mas nem isso. Mesmo num design por comité, o criacionismo prevê que a foca fique algures entre nós e a tartaruga. Pelas diferenças, 25 para a foca e 48 para a tartaruga, a foca devia ficar sensivelmente a meio. Mas a figura 2 mostra que não conseguimos encaixar a foca assim. É que entre a mioglobina da foca e da tartaruga há também 48 diferenças.


Figura 2

Para um criador omnipotente tudo é possível. Podia ter feito as coisas exactamente assim. Mas podia ter feito de outra maneira, e por isso como explicação não serve. Não há nada no design inteligente que nos leve a concluir que é assim que as proteínas deviam ser. Antes pelo contrário; esperávamos que fosse de outra maneira.

Felizmente, temos uma teoria muito melhor. Há muitas gerações havia uma população de organismos com uma mioglobina. Quase todos nasciam com a mioglobina igual à dos pais, mas de vez em quando, por um erro acidental, um nascia com um aminoácido diferente. Se essa mutação afectava a estrutura da mioglobina provavelmente o desgraçado morria logo, porque a mioglobina já funcionava bem e não havia muito que se pudesse mudar. Mas se a mutação não afectasse nada o organismo vivia, reproduzia-se, e passava a sequência diferente aos seus descendentes.

Partes desta população foram se isolando, mudando independentemente, e dando origem a novas espécies. Ao longo do tempo foram-se acumulando as tais mutações neutras, que não mudavam a estrutura da mioglobina. E como eram aleatórias eram diferentes em linhagens diferentes. Hoje em dia temos uma árvore de família como a da figura 3.


Figura 3

Nós e a foca partilhamos um antepassado mais recente, por isso somos mais parecidos, mas a tartaruga está equidistante de ambos, partilhando connosco e com a foca um antepassado mais antigo. Os humanos e as focas são primos mais próximos, e a tartaruga um primo afastado dos dois.

Isto é válido para a milhares de proteínas e milhares de espécies. Estas árvores de família aparecem todas as vezes que olhamos para as proteínas de espécies diferentes, e são coerentes entre si. Quando perguntamos às proteínas se foi um deus que criou a vida, a resposta é clara: «Não, que disparate.»

Detalhes técnicos:
As estruturas estão disponíveis no Protein Data Bank. Usei a 2MM1 para a mioglobina humana, 1MBS para a de foca, e 1LHS para a de tartaruga. A estrutura da mioglobina humana é um mutante, com a Cisteína 110 substituida por Alanina, mas contei com isso para as diferenças (se não dava 24 em vez de 25 comparando com a foca, o que também não era muito importante). Para os bonecos e as contagens usei o meu software favorito de modelação molecular: Chemera, acrescentando umas linhas de código para facilitar mudar as cores dos aminoácidos diferentes sem ter que os seleccionar um a um. As fotos foram tiradas da net, e não encontrei uma decente de tartaruga marinha, por isso foi mesmo esta da sua prima direita.

——————————–[Ludwig Krippahl]