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João Monteiro

13 de Outubro, 2020 João Monteiro

E o sol (não) dançou

As conhecidas aparições de Fátima, segundo os crentes, tiveram lugar nessa cidade no ano de 1917, começando a 13 de Maio e culminando a 13 de Outubro, data que hoje se assinala.

Uma história longa, e que merece ser analisada em momento oportuno, só pode ser compreendida à luz do contexto da época: um período de escassez de recursos, fome, miséria, analfabetismo, guerra e de tumulto político que opunha a Igreja Católica ao Regime Republicano. Este é o cenário em que o suposto milagre alegadamente teve lugar.

Mas não é do passado que hoje quero falar, mas do presente. Num dia em que os peregrinos se encontram em Fátima (este ano de modo mais contido do que em anos anteriores devido à situação pandémica que vivemos), o que os move é o fenómeno que acreditam ter acontecido naquele local, em particular o movimento do sol, que alguns contemporâneos descreveram como uma dança ou um bailado. A crença neste fenómeno é algo que sempre me fez muita confusão. Primeiro, pelo argumento utilizado de que todas as pessoas que estiveram no local presenciaram o fenómeno, algo que é desmentido consultando a imprensa e documentos da época. Em segundo lugar porque revela ou iliteracia científica ou que nunca pensaram a sério no acontecimento. O sol não gira em torno da Terra (é apenas um movimento aparente), mas é o nosso planeta que se movimenta em torno do sol, logo este não se poderia ter movimentado, dançado ou bailado. Se isso fosse verdade, como nos recorda Richard Dawkins no seu livro “A desilusão de Deus”, então o fenómeno seria observado noutros locais do país ou mesmo noutros países. Se tal fenómeno não foi registado em mais nenhum local, o mesmo não terá acontecido, por motivos óbvios.

Normalmente atribui-se como explicação uma alucinação coletiva, eu prefiro sugerir que se trata do fenómeno que sucede quando ficamos ofuscados. Lúcia pedira às pessoas para olharem para o céu após a chuva e enquanto as nuvens se dissipavam e o sol despontava no céu. É crível que após um momento de pouca luz e ao olhar diretamente para o sol se fique encadeado e, quando se muda o olhar noutra direção, o sol parece perseguir o nosso campo de visão e daí o “bailar” do sol.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
5 de Outubro, 2020 João Monteiro

O ateísmo e a República

Mensagem do Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, a propósito do 110º aniversário da Implantação da República.

Sendo o ateísmo a ausência de crença em deus, então pressupõe-se que, em teoria, o ateísmo seja uma postura filosófica independente do regime político. Quero com isto dizer que uma pessoa pode ser ateísta independentemente de ser republicana ou monárquica, de esquerda ou de direita política.

Contudo, sabemos que, na prática, por motivos históricos, sociais e fenómenos de grupo, em Portugal, a direita e a monarquia encontram-se mais próximas da religião cristã. Por a crença, ou a ausência da mesma, ser uma postura individual, há exceções ao que mencionei (como ateus de direita e comunistas cristãos, por exemplo).

Olhado para a história do nosso país, e estando nós a celebrar hoje, a 5 de Outubro, os 110 anos da Implantação da República, gostaria de recordar brevemente a importância do movimento republicano para a discussão religiosa.

Um dos argumentos que justificava o elevado nível de crendice no final do século XIX, durante a monarquia liberal, era atribuído à elevada taxa de analfabetismo do povo e ao controlo social pelo clero nos meios rurais. Por isso, os republicanos insistiam na instrução popular, com a criação de escolas, recorrendo à propaganda ou até mesmo à criação de associações para esse fim. Recordamos por exemplo o papel da Liga de Instrução Popular ou da Sociedade Promotora de Escolas – detentora da Escola-Oficina Nº1, em Lisboa.

Mas não bastava aprender, pretendia-se que as pessoas deixassem de ser súbditos e passassem a ser vistos como cidadãos, com liberdade de pensar e agir por si mesmos, sem condicionalismos externos. A este respeito, relembro a importância da Associação para o Livre Pensamento.

Para combater o poder e contrariar o discurso do clero na sociedade, foram várias as vozes que se levantaram e várias mãos que escreveram denunciando o poder e as incongruências da Igreja enquanto instituição, a maioria deles republicanos apelidados de anticlericais.

110 anos depois da Implantação da República, constatamos que somos hoje herdeiros deste espírito republicano, defendendo ainda hoje a instrução, criticando o que está mal nas religiões, defendendo a laicidade e o livre-pensamento e sem esquecer os valores republicanos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que esperamos que orientem a sociedade em direção a um mundo mais justo e solidário.

15 de Setembro, 2020 João Monteiro

Sobre a importância do ensino da cidadania

O início deste mês ficou marcado pela notícia de um manifesto intitulado “Em defesa das liberdades de educação”, subscrito por cerca de 100 personalidades do mundo político, económico e religioso, que apelava, após um conjunto de considerandos jurídicos, a que a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento respeitasse “o direito dos progenitores a escolherem o género de educação a dar aos filhos”, assim como “o direito de objeção de consciência quanto à frequência da referida disciplina”. Por outras palavras, pedia-se que a disciplina passasse de carácter obrigatório a facultativo, por motivos de objeção de consciência.

Na origem deste manifesto está o facto de um casal de Vila Nova de Famalicão – Artur Mesquita Guimarães e a sua mulher – ter recusado que dois dos seus filhos participassem na referida disciplina obrigatória, por considerarem que o programa era ideológico e doutrinário.

Acontece que ao olhar para o programa da referida disciplina não vemos nenhum tema que seja polémico. Entre alguns dos temas possíveis de abordar, a título ilustrativo, encontra-se a igualdade de género, a sexualidade, o ambiente, a segurança rodoviária, a literacia financeira ou os Direitos Humanos. Será o problema a igualdade de género, em que se abordam os direitos iguais entre homens e mulheres? Ou será a sexualidade, que já é abordada na disciplina de ciências naturais, a propósito do sistema reprodutor?

Os considerandos jurídicos apresentados no início do Manifesto funcionam apenas como argumento de aparente autoridade legal, pois são inconsequentes, uma vez que o que os artigos mencionados referem, e bem, é o direito da família a educar os descendentes, acontece que esse direito não está aqui em causa, nem a ser alvo de ataque. A família continua a poder educar os filhos em casa ou a procurar um estabelecimento de ensino privado de acordo com a sua orientação filosófica ou religiosa, o que não podem é escolher que partes do currículo escolar são lecionadas.

Mesmo que os pais não gostem dos temas, não há qualquer tentativa de doutrinação, uma vez que o que a disciplina propõe é que os alunos reflitam sobre o conteúdo e apresentem os seus próprios argumentos. O objetivo será preparar o aluno para a vida em sociedade levando-os a refletir sobre conceitos como igualdade, tolerância, respeito pela diferença e fornecer ferramentas para que os alunos compreendam o mundo do trabalho assim como as instituições e a participação na vida democrática, de modo a que possam ser cidadãos em pleno e terem um papel ativo e racional enquanto adultos.

Parece que por detrás desta movimentação está uma questão ideológica e doutrinária de Artur Mesquita Guimarães e da sua mulher – aquilo que acusam a escola e o Ministério da Educação de promover. Artur Mesquita Guimarães, em entrevistas anteriores, assume-se como conservador e é membro da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. Estas lutas ideológicas de Artur não são de agora, uma vez que no passado já se mobilizara contra o ensino de educação sexual nas escolas, foi contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contra a despenalização da morte assistida. O advogado que o apoiou juridicamente é o João Pacheco Amorim do Partido Pela Vida (PPV), partido que se pretende aliar ao Chega. Assim se compreende que o que está em causa é mais uma movimentação política do que um real interesse pela educação das crianças. Aliás, ao contrário do que fora veiculado, o Ministério da Educação está empenhado em resolver a situação sem prejuízo nem penalização para os alunos, como já explicou João Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Educação.

Vivemos tempos conturbados de intolerância e de desrespeito para com os outros, de atropelos aos direitos humanos, de inação relativamente aos problemas ambientais e de sucessivas crises económicas e financeiras que aumentam as desigualdades sociais. Neste quadro, a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento, que visa a preparação dos jovens para uma intervenção informada na sociedade, através da reflexão, debate e exposição de ideias, revela-se da maior importância para a construção de uma realidade mais igualitária, justa, tolerante, ecológica, participativa e humanista. Assim, esta disciplina deve continuar obrigatória e a ser defendida por todos nós.

10 de Setembro, 2020 João Monteiro

Padre racista nega comunhão a fiel negra?

A possível verdade à luz dos factos.

Autor: Vítor Oliveira

Antes de começar, quero deixar isto claro. Não apoio nem simpatizo com acções racistas. Negar a humanidade ao próximo por conta da sua herança genética ou cultural é algo que considero obsceno, desprezível, vil e que vai contra os meus princípios humanistas.

Não estou com este texto a negar que exista realmente um problema estrutural na sociedade (e inerentemente na Igreja Católica) que deve ser resolvido, através da (re)educação social. Qualquer acusação de racismo contra mim por ter escrito estas palavras é infundada de razão. A minha intenção é educar as pessoas no sentido de as mesmas não efetuarem juízos precipitados face a esta ou a outras situações similares, no futuro.

Aparece recorrentemente este vídeo nos círculos ateístas, onde supostamente um padre, por impulso racista, nega a comunhão na boca a uma mulher negra. Acredito que a ignorância das práticas do catolicismo pode ser a principal responsável pela crença de que tal evento aconteceu sob moldes discriminatórios. Eu, agora ateu, mas ex católico e relativamente informado em relação às práticas cerimoniais da Igreja Católica, sinto-me na necessidade de tentar explicar o que possivelmente aqui aconteceu.

Vemos no vídeo que o padre dá a comunhão na boca de duas mulheres caucasianas e quando a mulher negra aparece, o mesmo a dá na mão. Sem contexto, é fácil determinar que se tratou de um evento de expressão racista. Com o devido contexto, nem tanto.

Quando fiz a primeira comunhão, no longínquo ano de 1996, tive uma sessão de formação com a catequista e com o padre, onde os mesmos ensinaram o que era a comunhão, o porquê de a mesma ser feita e quais os procedimentos para comungar.

Vou abreviar os factos relativamente a este acto. Quando os católicos recebem a comunhão, podem fazê-lo de duas formas. Na boca é a forma mais tradicional e aquela a que todos estamos habituados, por ver a mesma acontecer na televisão ou mesmo ao vivo. Depois, temos a menos usual que é a comunhão na mão.

Para receber a comunhão na mão, o fiel deve apresentar-se com as mãos estendidas, a esquerda sobre a direita. Este é o gesto, sob forma de comunicação não verbal, que se faz quando se deseja que isso assim aconteça e é essa mesmo que podemos ver neste vídeo.

As duas mulheres caucasianas que receberam a comunhão na boca tinham as mãos recolhidas e a sua linguagem corporal dizia ao padre que era assim que queriam receber a mesma. A mulher negra quando se aproximou do altar tinha as mãos esticadas, a esquerda sobre a direita, pelo que o padre, muito certamente, entendeu que a mesma queria receber a hóstia na mão.

A mulher ao receber a hóstia diz “amém” e enquanto profere as palavras, o padre avança para depositar a mesma nas suas mãos. Quando a hóstia está perto de aterrar nas mãos da fiel, a mesma tem a boca aberta para receber a consagração. Foi tudo, aparentemente, um mal entendido. A linguagem corporal da mulher não estava de acordo com o seu desejo, que eram o de receber a eucaristia na boca. Foi tudo um mal entendido, como quando estendemos a mão para receber um troco e o dinheiro é colocado no balcão pelo funcionário. E isto é mais comum do que se possa achar, já servi ao balcão e era recorrente que tal acontecesse.

Portanto, creio que à luz destes conhecimentos e através da vossa análise ao vídeo, vocês mesmos podem verificar que o que digo faz sentido. Que estou a negar que o padre é racista? Bom, quanto a isso, não sei. Esta minha análise está feita a partir do princípio da presunção da inocência, não tenho provas de que o padre seja racista, logo não o posso afirmar. Apliquei também a técnica da Navalha de Ockham, que diz que “a explicação mais simples é preferível do que uma mais complexa”. E a explicação, à luz do que se aprendeu agora relativamente ao acto de comungar, parece ser simples. Foi tudo um mal entendido.

Fonte do video:
https://www.facebook.com/ATLBlackStar/videos/1143646612483340

Fonte de como comungar com a mão:
https://pt.aleteia.org/2018/04/18/qual-e-o-jeito-certo-de-comungar-na-mao/

5 de Setembro, 2020 João Monteiro

Entidades Públicas e celebrações religiosas

Ontem partilhei aqui a notícia de que o bispo do Funchal, durante uma festividade em Agosto, atribuía a ausência de óbitos na Madeira à Nossa Senhora do Monte, padroeira da região, e apontei as várias falácias utilizadas pelo clérigo. Acontece que o evento em que o bispo interveio merece ser criticado por outra razão: a presença de Entidades Públicas numa celebração de cariz religioso.

Segundo a notícia do Observador, o evento “teve a presença do representante da República, Ireneu Barreto, do presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues, do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, e do presidente da Câmara Municipal do Funchal, Miguel Gouveia entre outras entidades civis e militares”.

Vivemos num Estado laico, em que há separação da Igreja e Estado. Assim, não deveriam ter estado presentes estas entidades públicas em representação oficial numa iniciativa religiosa. Em eventos deste tipo, podem estar presentes forças de segurança apenas no exercício da sua função, ou os detentores de cargos públicos a título individual e não oficial. E mais uma vez, apenas uma religião é beneficiada com estas representações.

Imagem de lininha_bs por Pixabay

4 de Setembro, 2020 João Monteiro

Intercessão de Nossa Senhora do Monte?

No mês passado, a 15 de Agosto, teve lugar a festa de Nossa Senhora do Monte, na Madeira. Durante a celebração, Nuno Brás, bispo do Funchal, atribuiu a ausência de óbitos causados por COVID-19 na Madeira à intercessão de Nossa Senhora do Monte, padroeira da região. O bispo fizera um apelo à referida santa durante uma oração e, “por uma questão de fé”, a santa teria intercedido. [1] Será esta uma prova de intervenção divina? Não, como veremos.

Os crentes acreditam no bispo enquanto autoridade, mas os cépticos e ateus colocam em questão a história e compreendem o que está em causa. A narrativa do bispo assenta na falácia conhecida como “post hoc, ergo propter hoc”, que significa “depois disso, logo por causa disso”. Por outras palavras, depois do bispo ter feito o pedido durante a oração verificou-se a persistência na ausência de óbitos, pelo que concluiu que tal se deveu à reza, atribuindo uma causalidade onde ela não existe. O bispo sabe disso e sabe que a qualquer altura a situação pode mudar, por isso mais à frente afirma: “poderá acontecer que, nos tempos futuros, sucedam mortes ou uma qualquer outra desgraça causada ainda por esta pandemia que teima em não desaparecer”. Então, podemos questionarmos sobre qual o significado da intenção divina caso surjam óbitos na região: quer dizer que a santa deixou de ouvir? Quer dizer que a fé do bispo e da população diminuiu ou se extinguiu? Quer dizer que outras “forças” superiores à da santa terão actuado? Quer dizer que a santa abandonou a sua população? Tantas perguntas.

O bispo também diz que é “importante agradecer as graças recebidas no controlo da pandemia”, como se as forças celestiais tivessem tido qualquer influência. Nós, ateus, afirmamos que se deveria agradecer aos médicos, enfermeiros e restantes profissionais de saúde, assim como aos cientistas pelo empenho no combate à doença, assim como também à própria população por ter seguido responsavelmente os cuidados de saúde.

O bispo recorre ainda a outra falácia, a do Cherry Picking, conhecida como escolha de dados, uma vez que ao mencionar o número nulo de óbitos escondeu os 130 infetados na região (números de Agosto). Se a santa pode evitar mortes, porque não evitou que as pessoas ficassem doentes? A resposta é porque a santa não tem poder de ação, pelo facto de ser uma entidade que não é real.

É que nem as mortes da sua população ela consegue evitar, como nos lembra um evento trágico passado. Na mesma celebração, mas a 15 de Agosto de 2017, um carvalho centenário abateu-se sobre as pessoas que aguardavam a passagem do cortejo religioso, originando 13 mortos e cinco dezenas de feridos.

Outros exemplos poderiam ser dados para demonstrar a ausência de qualquer intervenção espiritual. Fica a pergunta: acreditam mesmo que anjos, santos ou deuses podem intervir? Se sim, porque não fazem “sempre”? Porquê tanto sofrimento humano quando se acredita existir um grande e benévolo poder divino? Os crentes responderão que os mistérios de deus são insondáveis ou porque existe o livre-arbítrio. Para nós, essas respostas demonstram resignação e acomodação. A nossa resposta é porque essas entidades só existem na nossa imaginação, resultado de criação humana.

Imagem de Geraldine Dukes por Pixabay

Fonte da notícia:

[1] – https://observador.pt/2020/08/15/covid-19-bispo-atribui-inexistencia-de-obitos-na-madeira-a-nossa-senhora-do-monte/

2 de Setembro, 2020 João Monteiro

Fora da religião não pode haver moral ou carácter?

Autor: Vítor Oliveira

Faz dois meses que o pastor evangélico Dante Gedel, da Califórnia, “recebeu de Deus” um Ferrari F355 Spider Giallo (1). Justificou a aquisição da máquina de 90 mil euros com as palavras, “Toda a minha vida foi assim! Eu desapego-me do que Deus me dá e ele dá mais. Que culpa tenho eu que Deus me abençoe tanto e que ele seja fiel às suas promessas”. Realmente, um verdadeiro inferno, Dante. Aparecem coisas assim do nada, sem que uma pessoa esteja à espera. A chatice que dá depois tentar arranjar lugar para guardar as coisas na garagem da mansão de luxo em que vive, enquanto o pobre que lhe paga o dízimo para que Deus lhe dê saúde continua doente. Será falta de fé ou será que Deus não olha por todos de forma igual? Ah, os mistérios do plano divino são realmente insondáveis!

No Brasil, o pastor que batizou Bolsonaro no rio Jordão foi preso (2) por cumplicidade no desvio de dinheiro público destinado à saúde. Há-de tudo “acabar em pizza” se Deus quiser, pois o mesmo protege a quem lhe é fiel.

Tivemos também uma menina que sofreu violência sexual durante 4 anos por parte do tio e possivelmente de outros membros da família.  (3) Ficou grávida. O Tribunal Federal sentenciou que a mesma poderia realizar um aborto, o que provocou um tumulto imenso nos grupos cristãos pró-vida que exigiram que a criança de 10 anos levasse a gravidez a termo, o que seria trágico para a mesma. Ela contraiu diabetes gestacional e corria perigo de vida caso a gravidez prosseguisse. Parece que o direito à vida das crianças não existe depois que as mesmas saem do útero materno. Esses mesmos grupos divulgaram informações pessoais da criança, do hospital onde estava, dos médicos que realizaram o aborto. Muitos, nas redes sociais, exigiram a cabeça do médico numa bandeja. É bom ver que as velhas boas histórias bíblicas continuam a dar ideias tão fantásticas às pessoas.

Entretanto e continuando na mesma notícia, o padre Ramiro José Perotto, em comentários nas redes sociais, disse que “Você acredita que a menina é inocente? Acredita em Papai Noel também? 6 anos, por 4 anos e não disse nada. Claro que estava gostando. Por favor kkkk, gosta de dar, então assuma as consequências”. (4) Por mais incrível que pareça, o que mais me choca nestas palavras é o facto de o mesmo não acreditar no Pai Natal.

Será que é boa altura para pedir desculpas pelo meu sarcasmo antes de continuar? Não… O humor negro ajuda-me a enfrentar de cabeça o pior que há no ser humano.

Entretanto, no nosso querido Portugal, o padre António Teixeira é suspeito de ter desviado 420 mil euros, conseguidos das esmolas dos fiéis e da venda de 20 peças de arte sacra sem conhecimento da paróquia, para assim adquirir 19 automóveis. A ser verdadeira esta acusação, aqui se vê que o Deus católico não é tão providencial quanto o Deus evangélico. (5)

E agora o caso mais bizarro. Sim, leram bem.

O pastor Anderson do Carmo de Souza, residente no estado do Rio de Janeiro foi, segundo a investigação criminal que ainda está a decorrer, morto a mandato da sua esposa, (6) a deputada federal e também pastora Flordelis de Souza. Quem participou do assassinato foram os 7 filhos do casal, uma neta do mesmo e dois cúmplices. Tentaram envenenar Anderson seis vezes com arsénico desde 2018, mas o mesmo sobreviveu a todos esses atentados à sua vida, levando-me a suspeitar de que ele se trata na realidade de Rasputin reencarnado. A única coisa que o parou foi o envenenamento por chumbo, administrado sob a forma de trinta balas. Veio a descobrir-se durante as investigações que alguns dos filhos (a família era composta por mais de 50 filhos, sendo a maioria adotivos) tinham sexo com os pais. A família funcionava também como uma “organização criminosa”, segundo o delegado Allan Duarte, responsável pela investigação. É um caso denso, de contornos negros e macabros. (7) Porque é que Flordelis matou o marido? Bom, citando o jornal El País, “segundo o promotor Sérgio Lopes Pereira, numa troca de mensagens com um dos filhos, Flordelis diz que não poderia se separar do marido por questões religiosas, e, portanto, segundo o promotor, decidiu matá-lo: “Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus”.” (8)

Mas porque razão estou eu a escrever isto? Como exemplo prático para vocês mostrarem aquelas pessoas que vos afirmam que fora da religião não se pode possuir moral ou caráter. Mostrem-lhes estes exemplos e depois perguntem “Onde está a moral? Onde está o carácter? Onde está o teu Deus, agora?”

Imagem de congerdesign por Pixabay

1- https://www.1news.com.br/noticia/609496/curiosidades/pastor-da-assembleia-compra-ferrari-de-r-600-mil-e-diz-que-e-um-presente-de-deus-27062020

2- https://veja.abril.com.br/blog/radar/pastor-preso-por-desvios-na-saude-batizou-bolsonaro-no-rio-jordao/?fbclid=IwAR0mO1pTSyQebSmDT7pMnUsX93IvH0jY-MlszzNycL86vi-c6Nw1mwvFqec

3-
https://www.dn.pt/mundo/menina-de-10-anos-gravida-apos-violacao-faz-aborto-e-e-chamada-de-assassina–12529178.html?fbclid=IwAR2uDUm1CBT_bnxgSKmz-vxDFK8cXkn2Bawmje-lg2kNfnxMpXK09lJv9zo

4-
https://www.reportermt.com.br/policia/igreja-catolica-afasta-padre-de-mt-que-disse-que-menina-estuprada-gosta-de-dar/119847?fbclid=IwAR3mmVPph99oisC-O6wn7HU2L6GePv5p-dqwu2dHaPipY1TJXzDcGkvcVlI

5-
https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/padre-de-lisboa-usou-esmolas-de-fieis-para-comprar-19-carros?fbclid=IwAR2sQ7h1db2SpvplcFtH3i7QwAOJpno3SlZ0uK2aiQ8mSviKsLDaQXYKRws

6-
https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Anderson_do_Carmo#O_assassinato

7-
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/31/flordelis-e-anderson-tinham-relacoes-sexuais-com-filhos-diz-pessoa-que-viveu-com-o-casal.ghtml

8-
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-24/os-planos-de-flordelis-para-matar-o-marido-e-nao-escandalizar-o-nome-de-deus-segundo-os-investigadores.html

7 de Agosto, 2020 João Monteiro

A mulher mais odiada da América

Está disponível na Netflix o filme “A mulher mais odiada na América” – no original, “Most hated woman in America”. Baseado em acontecimentos reais, o filme centra-se no desaparecimento de Madalyn Murray O’Hair, a fundadora da associação American Atheists. A história do desaparecimento é acompanhada de recuos temporais que contam a origem da organização.

Assista ao trailer aqui:

5 de Agosto, 2020 João Monteiro

Igreja quis processo bilionário contra a Netflix

No final do ano passado, a produtora Porta dos Fundos apresentou, na Netflix, o seu especial de Natal intitulado “A primeira tentação de Cristo”. Esse episódio humorístico apresentava um Jesus Cristo que regressava a casa após ter estado 40 dias no deserto, onde fora tentado de várias maneiras por Lúcifer. Para o receber, a sua família preparara-lhe uma festa surpresa e decidira contar a verdade sobre a sua origem. O que viria a gerar grande polémica, não só no Brasil mas também a nível internacional foi o facto de Jesus ser representado como gay, a sua mãe Maria como uma mulher promíscua e os apóstolos como um grupo de alcoólicos.

Assista ao trailer aqui:

A polémica:

Este foi o episódio mais polémico da equipa brasileira da Porta dos Fundos, tendo originado uma grande mobilização da sociedade civil: uma petição online recolhera 280 mil assinaturas para que a Netflix removesse o programa da sua plataforma; o programa mereceu críticas de políticos brasileiros; após queixa apresentada por um grupo cristão por ofender a liberdade religiosa, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ordenou a retirada do programa do ar no Brasil por “cautela, para acalmar os ânimos”; contudo, a anterior decisão viria a ser revista, posteriormente, pelo Supremo Tribunal Federal alegando o direito à liberdade de expressão: “…dizendo que não se deve descuidar do respeito à fé cristã, mas não pode se supor que uma sátira humorística tenha o poder de abalar a fé que existe há 2 mil anos.”; a sede da Porta dos Fundos foi atacada com cocktails molotov e incendiada, levando a equipa a procurar um novo edifício; entre outros.   

Um processo caricato:

Mas de todas as iniciativas, uma foi notícia pelo caricato da situação.

Anselmo Ferreira de Melo da Costa, simultaneamente presidente da Igreja Templo Planeta do Senhor e advogado do processo, alegou sentir-se desrespeitado na sua fé cristã por ver representado um Jesus Cristo homossexual pelo que pediu uma indemnização de 1 bilião de reais à Netflix e à produtora Porta dos Fundos. Além disso, pediu que se retirasse o programa do ar.

Contudo o processo terminou apenas ao fim de seis meses e sem que a Netflix ou a Porta dos Fundos tivessem sido notificadas da sua existência. Acontece que o Templo desistiu porque a juíza não lhe deu o direito da “Justiça gratuita”, como o requerente pretendia para não gastar dinheiro. Além disso, como pedia o bilião de reais, as custas foram elevadas, no valor de 82mil reais, valor que pode duplicar caso queira recorrer. Se a Netflix e a Porta dos Fundos tivessem sido notificadas, o Templo ainda teria de pagar os honorários dos advogados dessas empresas, aumentando ainda mais as custas na justiça.

A isto há que acrescentar vários erros processuais, como a troca dos títulos dos episódios em causa, a legitimidade da igreja receber a indeminização, a justificação do elevado valor pedido e a recusa em entregar os balancetes contabilísticos da Igreja – este último elemento esteve na base da recusa da aceitação da “Justiça gratuita”.

Quanto à retirada do programa do ar, o Supremo Tribunal Federal já recusara num outro processo, alegando o direito à liberdade de expressão (ver acima).

Não deixa de ser irónico que o pastor que deveria instruir o seu rebanho a perseguir os valores espirituais e a abandonar as riquezas terrenas, tenha sido o mesmo a deixar-se levar pela avareza de perseguir valores bilionários. Mas como diz o conhecimento popular “Deus escreve direito por linhas tortas”, e este pastor em vez de arrecadar fortuna teve de pagar as custas.

Fonte: Igreja queria lucrar 1 Bilião de reais.  

4 de Agosto, 2020 João Monteiro

Carta ao Provedor da RTP contra crítica evangélica

Exmo. Sr. Provedor da RTP, Jorge Wemans,

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP), que representa ateus, agnósticos, livres-pensadores e humanistas, recebeu este fim-de-semana dezenas de queixas e reclamações sobre um segmento televisivo do programa “A Fé dos Homens” que passou na RTP2, a 31 de Julho de 2020. O segmento televisivo mencionado surgiu em “A Luz das Nações”, da responsabilidade da Aliança Evangélica Portuguesa, em que a apresentadora Sara Narciso anunciava as “super histórias da Bíblia”. O referido episódio pode ser visionado aqui: https://www.rtp.pt/play/p50/e486504/a-fe-dos-homens?

As queixas de desagrado que recebemos, e que agora partilhamos com o senhor Provedor da RTP para análise, dizem respeito aos primeiros minutos do programa em que a Sara Narciso diz, e cito:

“A pergunta que hoje tenho para vos fazer, para começar, hum, é a seguinte… vocês conhecem alguém, muito chato, que se porte assim muito mal, rebelde e que não queira saber nada, nada, nada, de Deus? Há pessoas assim, meias tortas, não é?”

Os nossos associados e os espectadores do programa que representamos sentiram-se incomodados, desagradados e até insultados com as sugestões e as implicações do excerto acima reproduzido. O que a declaração sugere é que aqueles que não querem saber nada de Deus são muito chatos, portam-se mal, são rebeldes e são pessoas “meias tortas” que só se poderão “endireitar” com a ajuda de Jesus. Consideramos este retrato uma caricatura falsa e infeliz do que é alguém que não quer saber nada de Deus. No argumento presentes duas falácias: a falácia do espantalho, em que se cria uma caricatura com a qual é fácil de antagonizar para depois atacar e apresentar uma solução (a salvação cristã), e a falácia da generalização em que pretende retratar as pessoas que não acreditam com base num mesmo estereótipo. Na realidade, as pessoas que não querem saber de Deus são pessoas normais com feitios muito distintos entre si.

As implicações da mensagem passada na televisão pública é a polarização da sociedade, criando uma narrativa “nós contra eles”, ou seja, cristãos evangélicos bons contra os descrentes mal-comportados e rebeldes, que precisam de uma correção superior (de um Jesus que os ajudaria a endireitar). Esta visão enganadora e paternalista assume que os descrentes são uns coitadinhos, perdidos, sem autonomia até vir o auxílio evangélico. Nada mais errado e que refutamos acerrimamente. Além disso, a mensagem promove um comportamento de intolerância para com aqueles que não seguem a opção evangélica, o que é particularmente mais grave quando nos lembramos que o público-alvo são as crianças, que assimilam estas ideias e mais tarde poderão desenvolver comportamentos análogos. Por tudo o que foi exposto, esta mensagem merece total repúdio por parte da nossa Associação.

A Associação Ateísta Portuguesa gostaria de ver passada a mensagem de um mundo tolerante e igualitário em que todos, independentemente da sua etnia, género, condição social ou crença, sejam vistos e tratados como igual. É para isso que trabalhamos.

Com os melhores cumprimentos,

João Monteiro, pela Associação Ateísta Portuguesa

Imagem do programa em questão