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João Monteiro

13 de Maio, 2021 João Monteiro

Aparições em Fátima?

Chega a esta altura e não há como fugir ao tema. 13 de Maio marca o início das alegadas aparições da “Nossa Senhora” aos três pastorinhos. Estas crianças viriam a ser visitadas todos os meses, sempre no dia 13, até Outubro, quando se terá dado o suposto “milagre” do sol.

Embora tenha crescido num ambiente culturalmente católico, havia histórias e tradições que não conseguia aceitar. Esta é uma delas e por várias incoerências na descrição da situação: a mulher aparece apenas a três crianças e não adultos; uma das crianças vê, ouve e fala, a segunda só ouve e vê e a terceira só vê a mulher; se pretende trazer uma mensagem porque é que a leva só a alguns, pois se tem capacidade de aparecer e vontade de disseminar uma mensagem deveria aparecer a mais pessoas (isto é comum a diversas aparições religiosas); as contradições entre as versões das crianças; a perseguição da própria igreja numa fase inicial e a apropriação e aproveitamento da situação por parte da mesma entidade numa fase posterior; o contexto familiar e social da época que ajuda a compreender a obsessão das crianças com este tema; entre outros fatores. Já para não falar da improbabilidade de todo o fenómeno “milagroso” do 13 de Outubro. Mas isto será tema para outro texto futuro.

Custa-me a compreender que no século XXI, com a quantidade de informação disponível e com a quantidade de plataformas digitais que permitem o livre debate e troca de ideias, haja milhares de pessoas (talvez milhões, se considerarmos um contexto internacional) que ainda acreditam nesta história. Que as pessoas acreditem em Deus, eu ainda aceito a questão da Fé como resposta, mas neste caso trata-se de uma questão de bom senso e de implausibilidade. E quanto mais se lê sobre o assunto (inclusive fontes favoráveis e apologistas das aparições), mais dúvidas surgem sobre a possibilidade de tal relato ter mesmo acontecido.

Tenho esperança que, com o tempo, as pessoas se vão apercebendo da fragilidade dos argumentos desta história e que percebam que, atualmente, o fenómeno de Fátima mais não é do que uma máquina de fazer dinheiro – apenas e só – à custa dos que crêem. É este tipo de aproveitamento de pessoas que foram educadas a acreditar e de pessoas que peregrinam por estarem fragilizadas ou em desespero, que condeno.

Por estas razões, para mim, esta não é uma data de celebração.

30 de Abril, 2021 João Monteiro

Padre e Freiras escravizam e agridem jovens vulneráveis

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos.

OS ANTECEDENTES DESTE CASO

Em 2015, o jornal Público já noticiara que um Padre e quatro freiras da “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”, uma comunidade católica ultraconservadora que habitava num convento em Requião, Vila Nova de Famalicão, foram acusados de agressão e escravidão. Por essa altura descobre-se que, na realidade, as freiras não são bem freiras (porque nunca fizeram votos à Igreja Católica), que o convento não é um convento (porque não está sob alçada da CIRP – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal) nem uma Ordem Religiosa liderada por um padre. Quando muito, pode-se considerar um Centro Espiritual. É também dado a conhecer que a instituição acolhia jovens raparigas vulneráveis, a quem posteriormente agrediam verbal, psicológica e fisicamente e ainda as forçavam a trabalhar na instituição sem qualquer remuneração e em clima de terror e de humilhação. Para além dos castigos físicos, as vítimas eram por vezes impedidas de comer e contactar com a família. Esta situação ocorreu entre 1985 e 2015. Perante vários anos de maus-tratos, uma das vítimas desenvolveu um estado depressivo profundo e, não conseguindo fugir do local, suicidou-se atirando-se para um tanque. Pouco depois outras vítimas conseguiram apresentar queixa junto das autoridades, ficando a Polícia Judiciária a investigar o caso.

PADRE E FALSAS FREIRAS EM TRIBUNAL

O padre e as falsas freiras estão acusados de nove crimes de escravidão – crime punível entre 5 e 15 anos de prisão. Conforme noticia a edição do jornal Público de ontem, a falsa freira governanta “admite chapadas” às noviças, mas diz que “amava todas”. Convenhamos que é uma estranha forma de demonstrar amor através da violência física, verbal e psicológica.

Ainda a mesma freira chamou as noviças de “porcas e mentirosas, que não gostavam de trabalhar e não sabiam fazer nada. Chegou a referir-se a elas como “esse tipo de gente”. “Eu amava-as as todas e ainda as amo”, disse”. Ainda segundo a arguida, “admitiu que o convento tem regras e que ali havia mesmo um chicote que as noviças poderiam usar para se autoflagelarem. “Havia isso, se elas quisessem. Mas elas não o faziam porque não tinham a garra e a generosidade suficientes para isso, não eram capazes”, apontou”.

COMO TUDO ACONTECEU

Para compreender como tudo alegadamente aconteceu, nada melhor que ler a notícia do jornal Público de 2019. Toda a história é um caso claro de manipulação psicológica. De modo resumido, os arguidos procuravam jovens de origens “humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensão a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”. Após vista à instituição, convenciam-nas que tinham sido “escolhidas por Deus” e, caso recusassem seguir uma vida religiosa, seriam alvo “de castigos ‘divinos’, problemas familiares, mortes na família”.

Resignadas ao seu novo papel, receando represálias a nível espiritual para si ou para os seus, acabariam por ser alvo de punição aqui mesmo na Terra, por parte daqueles que as deviam proteger. Com restrição de liberdade, com a visita condicionada de familiares, com a correspondência lida pela governanta, com os documentos pessoais na posse da instituição, com acesso limitado a cuidados médicos e sem acesso a meios de comunicação, a dependência era total.

Algumas das agressões eram realizadas com recurso a vassouras, mangueiras, chicotes, chinelos e até com a bíblia, as jornadas de trabalho poderiam chegar às 20 horas e as bofetadas eram recorrentes. As jovens chegaram a ser privadas do seu banho semanal de água fria, a permanecerem nuas no jardim e a dormirem no chão. Estes castigos viriam a deixar marcas no corpo destas mulheres e sequelas psicológicas.

A NOSSA POSIÇÃO

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos. Esperamos que as vítimas tenham acompanhamento psicológico e apoio do Estado no que for necessário. Apelamos à Igreja Católica para que também condene publicamente este tipo de ações junto do meio religioso e que denuncie todos os casos que venha a ter conhecimento. Iremos ainda promover esta nossa opinião por todos os meios ao nosso alcance.

29 de Abril, 2021 João Monteiro

Mulher Mártir

Texto de Onofre Varela.

Nawal el-Saadawi (1931-2021) acabou de nos deixar. Era egípcia, médica e escritora. Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição, e era líder da luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. 

Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista, e divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia. Na sua biografia tem um discurso semelhante ao da escritora espanhola Cristina Fallarás, aqui divulgado no último artigo. Nawall cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas são sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como são o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se activista contra tão aberrante procedimento praticado em nome de uma tradição cultural criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a vida, impedindo-a do prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, teve uma frase semelhante à de Cristina Fallarás: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida – estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”. 

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade (no Portugal de 2021) ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor! As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido do humanismo cristão) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a prévia autorização da família… o que era uma vergonha!… Em reunião caseira de machos foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou numa faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer… por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

29 de Abril, 2021 João Monteiro

Feliz 25 de Abril!

Texto publicado no Facebook, no dia 25 de Abril

A data que hoje se comemora é importante para todos os cidadãos democratas, inclusive para os ateus, agnósticos, livres-pensadores e humanistas.

Representa o fim de um regime ditatorial e a passagem para um regime democrático; o fim do lema “Deus, Pátria, Família”; o fim do autoritarismo; o fim de uma polícia política e da tortura de inocentes; o fim de uma guerra colonial que praticamente ninguém queria; o início de uma época de esperança, acrescida de uma vontade de reconstruir a sociedade; a promoção de uma cada vez maior capacitação individual; passou a dar-se prioridade ao investimento na educação, na saúde (com a criação do SNS) e na ciência; a conquista de diversos direitos, incluindo o da livre-expressão, e muito, muito mais. E ainda mais o que falta fazer.

Hoje é dia de celebrar: Viva a Democracia e viva a Liberdade!

21 de Abril, 2021 João Monteiro

Lei da separação do Estado das Igrejas

Assinala-se hoje, dia 20 de Abril, os 110 anos em que foi aprovada, por decreto, a Lei da separação do Estado das Igrejas. Entre os seus princípios destacam-se: a liberdade de consciência; a religião católica deixar de ser a religião do Estado; ninguém poder ser perseguido por motivos de religião; a república não reconhecer, não sustentar, nem subsidiar culto algum; ou ainda a proibição de realização de reuniões políticas nos lugares habitualmente destinados ao culto de qualquer religião.

A lei original estava organizada em torno dos seguintes sete capítulos:

I – Da Liberdade de consciência e de culto;
II – Das corporações e entidades encarregadas do culto;
III – Da fiscalização do culto público;
IV – Da propriedade e encargos dos edifícios;
V – Do destino dos edifícios e bens;
VI – Das pensões aos ministros da religião católicos;
VII – Disposições gerais e transitórias

E a mesma lei pode ser consultada aqui, no site da Associação República e Laicidade.

Apesar destas conquistas sociais, elas não permaneceram no tempo, tendo sido alvo de sucessivas reformas. Como sabemos, a história é feita de avanços e recuos. Hoje, a Igreja Católica tem privilégios (originados pela Concordata e outra legislação); o Estado paga a capelães dos hospitais, das forças armadas e das prisões; e as escolas públicas e universidades promovem comunhões pascais e cerimónias (como temos denunciado). Há pois muito por reivindicar, como temos vindo a fazer junto das entidades competentes, e como continuaremos a fazer.

Afonso Costa assina a Lei da separação do Estado das Igrejas.
Foto do Arquivo Municipal de Lisboa.
16 de Abril, 2021 João Monteiro

O deus que habita em nós

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

Conversando com um amigo, falávamos da diversidade de sensibilidades políticas e religiosas que unem as pessoas, mas que também as separam e muitas vezes conduzem a agressões verbais ou físicas condenáveis. Como exemplo desses procedimentos bélicos, referíamos os actos pouco dignos, até criminosos, de grupos fundamentalistas, sejam religiosos ou políticos, e mesmo claques de clubes de futebol. Todos têm a mesma matriz do ódio… só porque uns gostam de maçãs, e outros preferem pêssegos!…

Estas atitudes, sendo condenáveis, também são naturais em nós. Fazem parte da nossa característica de predador, de que a Natureza nos dotou como sistema de defesa e sobrevivência. Mas se a Natureza nos fez predadores – tal como fez o leão – também nos equipou com um cérebro de características especiais, dando-nos raciocínio, sensibilidade e inteligência… faculdades que o leão não possui. Por isso nos obrigamos a usar as nossas características de Sapiens, contrariando o mero animal que somos, usando “o deus que habita em nós”, abandonando a nossa parte animalesca que, naturalmente, faz o leão.

O meu amigo arregalou os olhos de espanto. Sabendo-me ateu, estranhou a minha referência ao “deus que habita em nós”! Compreendi o seu assombro porque o Ateísmo sempre foi vilipendiado e dele se faz, erradamente, exemplo de desvio comportamental no pior dos sentidos. Na verdade não há razão para espanto, porque os ateus (isto é: eu. Da sensibilidade de outros ateus não posso falar. Tal como há vários modos comportamentais de se ser religioso, também os há de se ser ateu). Dizia eu que os ateus criticam “a ideia da existência de um deus exterior a nós”, no aproveitamento social e económico que dessa ideia se faz, mas nunca criticam “o deus que habita em nós”… isto é, a ideia que nos levou à criação de deuses, e depois à sua depuração até chegarmos ao “Deus único” adorado por judeus, cristãos e muçulmanos.

O processo da “depuração da ideia de Deus” ainda não está concluído. O caminho que conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus, acabará por dispensar, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Judeus, reciclado pelos Cristãos (e adoptado por Maomé), que sobrou da purga do tempo. Quando refiro “o deus que há em nós”, sei que sou compreendido por quem me escuta e é crente, porque a força que ele sente na crença que alimenta no “deus que habita em si” – cujo deus, na verdade, só existe dentro da sua cabeça, e não fora dela – é característica daquela parte de nós que sublinha o facto de sermos Sapiens, diferenciando-nos de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

Só a capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo… e à criação de deuses… faz de nós uns seres especiais e superiores. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador inferior, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma… embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos, tomando conta da razão. E por esse caminho, muitas vezes ficamos em patamares inferiores aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que estes só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões… e acrescentamos a lista, tomados por uma irracionalidade e cupidez que espelha o pior da nossa condição animal… o que parece ser incongruente com a nossa capacidade de raciocinar a que chamamos inteligência… mas a verdade é que, naturalmente, somos assim!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
10 de Abril, 2021 João Monteiro

«Em Verdade Vos Digo»(*)

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

(Permitam-me duas palavras de apresentação: a amizade existente entre mim e o Trevim, desde os tempos áureos das sessões anuais de caricatura na Lousã, organizadas por Osvaldo de Sousa e José Oliveira com o apoio deste jornal, criou laços que jamais se romperam. Por convite da direcção serei, a partir de hoje, colaborador habitual com um texto de opinião na linha do que aqui publiquei no dia 11 de Fevereiro último. Sou ateu e difundo as minhas opiniões no respeito devido à opinião de quem é religioso. Embora tenhamos ideias diferentes, temos a dita de nos podermos expressar livremente, o que ficamos a dever aos heróicos militares de Abril).

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva: “Acredita em Deus?”… ao que o filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta. Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir à negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento… caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem da cabeça de quem o afirma.

O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual… mas tem personalidade e forma antropomórfica (concebeu-nos à sua semelhança). Produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, e reina num universo paralelo onde nos espera depois da morte para nos premiar com felicidade eterna ou nos condenar, também, eternamente… o que é uma maldade!

A esmagadora maioria dos crentes não contesta nem indaga as coisas da divindade. Aceita-as por certas, assim, totalmente cruas, sem livro de reclamações, defendendo-as na fé e com carácter de única e pura Verdade (com maiúscula porque divina).

À figura de Deus juntam-se as mais improváveis qualidades e capacidades, como as da omnisciência, omnipotência, omnipresença e, ainda, a mais radical de todas: a de Deus se ter criado a si próprio, já que nada existia antes de si!… Não sou eu quem o diz. A ideia faz parte da lista dos dogmas que no primeiro ponto do II capítulo intitulado “Deus o Criador”, afirma: “Tudo que existe fora de Deus foi, na sua total substância, produzido do nada por Deus”!…

Este deus, pintado desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto mentalmente são, definitivamente, não pode existir fora da cabeça de quem crê. As leis da física e da química não permitem a existência do que quer que seja com tais características e poderes. Dentro da cabeça de cada um… tudo é possível existir!… O nosso raciocínio de Ser inteligente e criativo leva-nos a navegar no reino das fantasias que ciosamente idealizamos e coleccionamos. E se nos dão paz, devemos usar… mas sempre no respeito pela ideia do não crente, já que crença e descrença são as duas faces da mesma moeda. Logo, têm o mesmíssimo valor.

(*) – Frase atribuída a Jesus Cristo, repetida dezenas de vezes nos evangelhos (incluindo a expressão Em Verdade em Verdade Vos digo, repetindo a palavra Verdade para sublinhar a veracidade do que se pretende transmitir, como, por exemplo, se faz em João: 5;24) com a pretensão de afirmar a solenidade do discurso que se lhe segue.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

20 de Março, 2021 João Monteiro

Papa discrimina uniões homossexuais

Em Outubro passado, o Papa Francisco defendeu a regulação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, através de uniões de facto para casais homossexuais, o que pareceu um distanciamento da posição tradicional da Igreja. Porém, no início desta semana o Vaticano veio dar o dito por não dito, como noticia o jornal Público. Afinal, os padres não podem aprovar uniões de casais do mesmo sexo, nem abençoar essas uniões.

Verifica-se assim que há crentes de primeira categoria e outros de segunda categoria. Uns podem casar-se, a outros é negado o sacramento católico. Não deixa de ser irónico que uma instituição que prega o amor, acabe por penalizar pessoas que escolhem amar quem bem lhes apetece.

Fico satisfeito por o casamento civil ser para todos, de modo a que qualquer pessoa se possa casar independentemente de quem escolhe para viver. Mas lamento que os homossexuais católicos não possam celebrar uma festa religiosa como gostariam, estando limitados por motivos retrógrados da Instituição que seguem. Por solidariedade a todos nessa situação, mesmo não perfilhando a mesma crença, espero que com o tempo haja mudanças.

Deixo os meus votos para que todos sejamos felizes e que continuemos a espalhar amor à nossa volta.

Imagem de Chickenonline por Pixabay
19 de Março, 2021 João Monteiro

Vacinação contra a COVID-19

Enquanto comunicador de ciência, defendo que o conhecimento científico deve ser promovido do modo mais abrangente possível e junto das mais diversas comunidades, pois o conhecimento não deve ser reservado apenas a alguns membros da sociedade.

Por vezes isto significa tentar uma aproximação com grupos que possam ter uma mundividência diferente da científica, como os meios religiosos. Defendo que esta abordagem, se fosse realizada mais frequentemente, talvez contribuísse para o aumento da literacia científica, uma vez que é habitual nesses a procura de conselhos junto de uma autoridade (padre, pastor, imã, guru, etc.). É isso que tem sido feito nos EUA, em que cientistas e profissionais de saúde têm transmitido informação científica credível aos pastores, pedindo-lhes auxílio na promoção da vacinação contra a COVID-19, principalmente junto de populações negras (porque têm razões históricas para duvidar da medicina) ou desfavorecidas (por terem menos acesso a informação). Também rabis de comunidades Sefarditas e Ashkenazi têm incentivado a população vacinar-se.

Se esta comunicação entre ciência e religião não fosse feita, eventualmente verificar-se-ia uma diminuição na taxa de vacinação ou a partilha de desinformação. Na realidade, não é nada que já não tenha acontecido. Um líder religioso iraniano defendeu que a vacina da COVID-19 tornaria as pessoas em homossexuais e o mesmo defendeu um rabi famoso, tendo ainda acrescentado a isso outras teorias da conspiração relacionadas com a Maçonaria, Illuminati e Bill Gates (só ficou a faltar o 5G). Nem a Igreja Católica escapa: um cardeal espanhol, durante a cerimónia religiosa, alegou que a vacina da COVID-19 seria feita à base de células de fetos humanos abortados. Escusado será dizer que nada disto é verdade, mas pode lançar a dúvida junto das pessoas com menos acesso a informação credível. É por situações destas, mesmo que aparentemente sejam casos isolados, que defendo que a aproximação entre ciência e religião deveria ser tentada com mais frequência.

Para terminar, e atendendo que ainda estamos a viver em contexto de pandemia, exorto os nossos leitores a ouvirem a comunidade científica e médica, a tomarem os melhores cuidados tendo em vista a saúde pública e a vacinarem-se assim que for possível.

Votos de boa saúde para todos.

Imagem de Sammy-Williams por Pixabay
18 de Março, 2021 João Monteiro

A mulher na Igreja

Texto da autoria de Onofre Varela:

A escritora e jornalista espanhola Cristina Fallarás, autora do livro El Evangelio Según Maria Magdalena (O Evangelho Segundo Maria Madalena), entrevistada pelo jornal espanhol El País (27 de Fevereiro último) diz que “não se entende a violência contra as mulheres sem a Igreja Católica”.

O seu livro não é uma biografia da personagem mais importante do Cristianismo depois de Maria, mas sim uma novela. “Quando não existe o relato [histórico] devemos criá-lo”, disse a autora. É nessa sua criação literária que se enquadra a afirmação da violência da Igreja contra as mulheres, num enredo novelístico à volta da figura de Maria Madalena e da misoginia da Igreja Católica, uma Igreja patriarcal onde as mulheres são relegadas para uma posição menor na organização do credo. 

Fallarás não quis escrever uma novela histórica, até porque não há fontes históricas fidedignas para se abordar com seriedade intelectual e científica a figura de Maria Madalena, nem, tão pouco, a de Maria, mãe de Jesus, tão venerada mas de quem, na realidade, nada se sabe! A construção dos Evangelhos não configura uma narrativa histórica, mas sim uma narrativa de fé, construída conforme o interesse do narrador. 

Curiosamente a escritora faz uma analogia interessante entre a Bíblia e os filmes de cow-boys! Diz ela que “quando comecei a lê-la dei conta de que a história, desde o princípio, não é mais do que um xadrez sem peões. À partida, não se entende, o jogo não funciona. Colocar as mulheres no relato, completa-o, dando-lhe um sentido que não tinha sem elas”. É aqui que a autora considera que os relatos bíblicos têm forma de “western”, pois, no princípio, também não considerou a mulher. Aquilo era só para homens selvagens e maus, dormindo na montanha tendo a sela por travesseiro. “No ‘western’ as únicas camas são as da cadeia e do bordel. Como relato é uma idiotice igual ao Evangelho de Paulo de Tarso, que considerava a mulher um erro”. 

A sua curiosidade por Maria Madalena tomou forma quando o papa Francisco decidiu nomeá-la apóstolo! Foi em 2016 que a Igreja resgatou aquela mulher que foi referida, durante séculos, como sendo possuída por sete demónios. A Igreja sempre a apelidou de prostituta, adúltera e pecadora. Desde Junho de 2016 Maria Madalena tem dignidade de Mulher, e o seu dia foi marcado no calendário litúrgico (22 de Julho), por mostrar “um grande amor a Cristo e ter sido tão amada por ele, devendo ser exemplo e modelo para toda a mulher na Igreja”.

Cristina Fallarás foi criada num ambiente ultra-católico, passando 17 anos em colégios religiosos femininos. “Sempre soube que havia algo de errado naquela vivência. Não houve nenhum momento em que me desse conta de que o mundo era injusto connosco […] educam-nos com um medo de que não se fala […] como se fossemos o Capuchinho Vermelho, que não é uma mulher, mas uma menina”. 

Na sua obra Fallarás espelha Maria Madalena como uma mulher culta, bissexual e rica. Com base neste possível entendimento da história de Madalena, a autora ficcionou no sentido de explorar “a origem da violência com que nos tratam”. Na Bíblia há três mulheres sexualizadas: Eva, Maria e Maria Madalena. “A primeira é tratada como sendo a culpada de todos os males da Humanidade. A segunda é virgem, perfeita, impoluta… algo inalcançável e absurdo. E a terceira… é uma puta… sem mais! Alguém a quem se usava. A mulher é um corpo que pode ser usado por todos, dizem os Evangelhos”. E conclui a autora: “tenho a raiva dentro de mim […] e qualquer mulher que não tenha a raiva dentro, não é consciente da violência que sofre em cada dia”.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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