6 de Novembro, 2007 Helder Sanches
Reflectir o meu ateísmo – Parte 2
As insuficiências do agnosticismo
Existem algumas razões para me definir como ateu e não como agnóstico. O agnosticismo, nas suas diversas interpretações, presume pelo menos um dos seguintes princípios:
- Deus é insolúvel
- Deus é irrelevante
Sobre a insolubilidade de deus
Quanto a deus ser insolúvel, parece-me que se trata de um princípio filosófico bastante razoável. Afinal, o conceito de deus (ou deuses) é movido e justificado pela fé, não pelo conhecimento. Tentar racionalizar crenças da mesma forma que se criam representações matemáticas da realidade é absurdo.
Existe, depois, uma armadilha perigosa que é procurar responder à questão de deus quando esta engloba em si própria uma variedade de personalidades e representações quase infinitas. Deus não terá sido o primeiro a sofrer de personalidade múltipla, mas é seguramente o paciente desse distúrbio mais famoso da história. Tentar argumentar racionalmente contra essa multiplicidade é, uma vez mais, infrutífero e inconsequente. A própria multiplicidade de representações encerra em si todos os argumentos de contradição, se não mesmo, de absurdo.
Resumindo, reconheço que é, de facto, impossível provar racionalmente a existência ou inexistência de qualquer deus ou deuses. Claro que teremos que colocar todos no mesmo saco: o deus de Abraão, Zeus, Osíris, Thor, Shiva ou o adorável Baco. Resta-me, portanto, a convicção de que face à ausência de demonstrações credíveis de qualquer deles, todos, sem excepção, são apenas fruto de mentes criativas impregnadas de fé.
Sobre a irrelevância de deus
Considerar a tarefa de questionar a existência de deus uma tarefa desnecessária é outra linha do pensamento agnóstico. Opinar que é irrelevante para a nossa experiência – enquanto seres vivos conscientes do mundo que nos rodeia – parece-me demasiadamente insustentável por duas razões essenciais.
Antes de mais, questões fundamentais como “o que somos?”, “porque somos?” ou até mesmo “somos?” terão respostas e significados totalmente diferentes consoante deus exista ou não. Logo, na elaboração das respostas a essas perguntas o valor da variável “deus” terá que ser sempre equacionado e poderá ter um peso determinante nas respostas obtidas.
Por outro lado, as organizações religiosas sempre tiveram – e continuam a ter – uma influência nas diversas sociedades demasiado grande para que os argumentos basilares das suas doutrinas não sejam questionados.
Assim, discordo em absoluto desta corrente agnóstica que considera de menor importância a questão de deus.
Outras considerações que descredibilizam o agnosticismo
O processo de dúvida inerente à maior parte do ideal agnóstico é, claramente, do ponto de vista filosófico, um processo eficiente. Mas, do ponto de vista prático as suas limitações são evidentes. Se não fossem seria, então, possível viver com esses princípios de dúvida em todos os aspectos da nossa vida. Não é o caso. Questionar sempre que acordamos se é o último dia de vida que temos, se a Terra vai suspender o seu movimento de rotação espontaneamente ou se seremos um alvo preciso na queda de um meteorito são também dúvidas válidas, questões insolúveis. Se vivermos em função dessas dúvidas o mais provável é sermos considerados lunáticos ou esquizofrénicos. Aplicamos, implicitamente, a probabilidade experimentada. Sabemos que a probabilidade de responder acertadamente é muito maior num caso do que noutro, de tal forma que simplesmente ignoramos a probabilidade menor – muito menor – e agimos em conformidade. Não encontro justificação possível para se agir de maneira diferente na questão de deus. Se, face aos conhecimentos adquiridos, não existe a mínima evidência de deus (qualquer deus), então porque viver em função da sua possível existência?
Finalmente, o agnosticismo comete o “pecado” da imparcialidade absoluta. Permite-se dar tanta credibilidade à possibilidade de deus como à sua impossibilidade. Por outras palavras, dá tanto crédito à fé e à crença como à ciência; estranho, pois é esta última que utiliza os mesmos processos racionais em que o próprio agnosticismo se sustenta!
Na próxima parte abordarei a separação entre o Estado e a Igreja.
Parte 1 – O que o meu ateísmo não implica
(Parte 3 – brevemente)