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Fernandes

20 de Outubro, 2009 Fernandes

Saramago e a Bíblia

A origem e a função da escrita, supunha-se, que como todas as artes, fosse um invento dos deuses. O povo analfabeto, na sua maioria, sentia uma espécie de veneração por tudo o que fosse “escrito”, por isso não era difícil fazer crer que os “livros sagrados” pelo simples facto de estarem escritos, eram ditados e inspirados pelos deuses.

Os “livros sagrados inspirados por Deus” são numerosos, toda a religião que se preze, os tem. Podemos citar: os Veda da Índia, os Ching da religião imperial chinesa, os Sidhanta do jainismo, o Tipitakam do budismo tibetano, o Tao-Tê-King dos taoistas, o Avesta do zoroastriano persa, o Corão do islamismo, o Granth dos sijs, o Ginza do mazdeísmo, o Livro dos Mortos do antigo Egípto, a Bíblia dos judeus e cristãos e os Evangelhos dos cristãos.

Existem várias bíblias: a hebraica, a grega, a católica, e muitas cristãs, que na realidade se reduzem a duas: a bíblia rabínica, que inclui a Torah oral, e a bíblia cristã, que inclui o Novo Testamento. Os exegetas afirmam que a bíblia está muito acima de qualquer outro livro sagrado, não se sabe porque razão, a não ser pela auto-complacência e intolerância judeo-cristã. Claro que a mesma opinião, têm do seu livro todas as outras religiões.

O chamado Antigo Testamento é uma selecção aleatória e fragmentada das tradições transmitidas oralmente, como canções, provérbios, oráculos, lendas, etc., escritas em hebraico, aramaico e grego. Uma boa parte do que na bíblia se anuncia como inspirado por Deus, já havia aparecido anteriormente no “Código de Hammurabi” da Babilónia, escrito aproximadamente dezoito séculos antes da Nossa Era.

A bíblia é uma colecção de diversos géneros literários, o seu pluralismo corresponde ao pluralismo da sociedade judaica da época. O término grego “biblos” fazia referência a qualquer tipo de documento escrito. Entre os judeus e os primeiros cristãos, o término – livro sagrado -, designava exclusivamente o Antigo Testamento. Os cristãos, mais tarde, utilizaram o mesmo término no plural, – bíblia -, para designar as escrituras, tanto do Antigo como do Novo Testamento.

A religião do antigo Israel, como a de todos os povos semitas da época, não era monoteísta, como se pretende fazer crer, – era politeísta. As religiões sumérias, babilónicas, egípcias e gregas, contribuíram com muitas ideias, como, o monoteísmo, a figura do profeta ou do reformador, a esperança no que “há-de vir”, a ideia da imortalidade, a ordenação da vida religiosa através de uma lei e a conseguinte conversão da religião em lei ou Torah.

O judaísmo é a lei da dupla Torah: A escrita, constituída pelo Tanak – término formado com as iniciais da Torah (Peutateuco), Nebi`im (Profetas) e Ketubim (Escritos). A oral, formada pela Misnah (legislação judia) e os Talmud (comentários à Misnah) de Jerusalém e Babilónia.

O crítico moderno, separa o Antigo Testamento, da “tradição” posterior. Considera-o um legado de uma religião do Antigo Oriente. Os textos bíblicos foram escritos separadamente, o seu conteúdo era jurídico, profético, histórico, narrativo, mítico ou sapiente, mas não eram nem se consideravam sagrados, e muito menos revelados por Deus.

Não percebo pois, o porquê de tanta polémica acerca do último livro de Saramago.

3 de Outubro, 2009 Fernandes

O Islamismo

Existem aproximadamente vinte milhões de muçulmanos na Europa. Estes representam todo o espectro de atitudes religiosas possíveis, desde a indiferença até ao fanatismo.

Os muçulmanos europeus tendem a viver agrupados em comunidades, quase sempre mal integrados, seja nos subúrbios das grandes cidades, como em França, ou em bairros abandonados pela população autóctone, como em Bruxelas ou Londres. São mais pobres, sofrem uma taxa de desemprego elevada. A maioria chegou à Europa em vagas desde a Segunda Guerra, numa altura em que estes precisavam de emprego e a Europa devastada pela guerra, precisava de mão-de-obra para a sua reconstrução. Pela primeira vez na sua história, a Europa encontra-se na difícil situação de ter que integrar uma enorme massa de imigrantes não europeus. Um desafio difícil que custa levar a bom termo.

A maioria dos muçulmanos europeus, concorda com a emancipação da mulher, com o papel que a esta cabe na sociedade, é a favor de um Islão moderado e não considera os europeus hostis ao Islão. Mas não nos enganemos, o Islão continua a ser o principal pólo identitário dos muçulmanos. A integração destas comunidades na Europa não é realmente um êxito. Apesar de milhões de muçulmanos viverem a sua vida sem causarem problemas no país de acolhimento, nem por isso se fundem na cultura que os rodeia. De nada serve ignorar o problema da integração, ele existe.

Na Europa existem dois modelos de integração, o modelo republicano francês e o comunitário britânico. O primeiro tenta integrar as identidades estrangeiras, transformando os imigrantes em franceses. O segundo aposta em preservar as identidades estrangeiras num mosaico de muçulmanos. Nenhum dos dois resulta. Sustentados por sólidas muralhas ideológicas, as tragédias recentes – o assassinato de Theo van Gogh em Amesterdam, os atentados de Londres, e os tumultos nos subúrbios franceses – derrubaram as muralhas e mostraram o fracasso de tal ideologia. Há que reconhecer: os modelos, cada um, com suas incongruências, acabaram por criar guetos. O multiculturalismo é uma gafe?

A ideologia multiculturalista é ambígua, serve para cobrir com roupagens novas o velho racismo. – Cada um em sua casa e deus na de todos… A ideologia multiculturalista parte quase sempre de uma boa intenção; peca então por ingenuidade. Não existem critérios para determinar o famoso limite de tolerância, mas, queiramos ou não, o multiculturalismo conduz ao gueto. Uma coisa é certa, estão melhor integrados os avós e os pais, do que os filhos, porque será?

A capacidade de integrar, e proporcionar a cidadania a milhões de cidadãos alienados, de criar as condições de autêntica pertença a esse princípio espiritual que é a Nação, é necessariamente geradora de frustração, de isolamento comunitário, da busca de sentido onde haja uma possibilidade de o encontrar. Nem por isso se convertem todos em fanáticos dispostos a matar, mas reúnem-se as condições para que alguns o façam. Uma integração harmoniosa não é só por si, uma garantia contra o fanatismo assassino, mas a capacidade de recrutar adeptos ficaria minorada.

Efectivamente, do trabalho de socialização que o estado se mostra incapaz de realizar, se encarrega o Islamismo. Financiado com dinheiro saudita, através dos irmãos muçulmanos, uma enorme rede de organizações, realiza um incrível trabalho de islamização profunda das comunidades muçulmanas. As mesquitas, associações, instituições caritativas e educacionais, em princípio, não são instituições terroristas. A sua estratégia a longo prazo, tem quatro objectivos bem definidos: assegurar o monopólio da representação das comunidades muçulmanas, impedir a assimilação dos muçulmanos da Europa, preservando e afirmando a sua identidade; reforçar a sua própria capacidade de influência na política nacional nos centros de decisão, e transformar paulatinamente o Islamismo numa força política decisiva na Europa.

 

27 de Setembro, 2009 Fernandes

A Fé

Se a Fé nos credos e dogmas religiosos nos fosse proposta depois da adolescência, na idade adulta, não duvido que o profuso reportório de mitos e lendas incluídas nas reelaborações teológicas que substanciam a essência da Fé religiosa, não teriam acolhimento em mentes normalmente formadas, salvo em pessoas com uma peculiar idiossincrasia. A irracionalidade desse reportório e as suas contradições, conduzem à sua recusa, pela maioria das pessoas de bom senso. A Fé adquire-se no seio da família, da tradição, e na infância da vida, quando o sujeito está sob pressão e ao mesmo tempo protecção e cuidado de um Superego manipulador.

A Fé abandona-se por influência de pessoas ou experiências vitais complexas, geralmente intensas e extensas, que exigem um dispêndio de energia psíquica considerável, tanto no plano emotivo como intelectual. As crises de Fé põem à prova o equilíbrio do Ego, como núcleo da personalidade.  A sensibilidade a inteligência e informação, um determinado nível cultural e uma vontade de discernimento, colocados acima dos preconceitos herdados, são o motor capaz de nos libertar das algemas da Fé.

A teologia das religiões reveladas costuma atribuir a Fé a um privilégio pessoal, dom ou graça. Não é por acaso. Os credos contêm tal número de fantasias e infantilidades, que só por dom ou graça, eles ganham assento no intelecto humano. Aqui a teologia fica escrava da psicologia. A tese da revelação, dom ou graça, é a racionalização da falácia conotativa, que reveste o discurso teológico. Deus existe porque o desejo, desejo-o porque o necessito. Logo, tem que existir. A sua graça revela-me essa evidência. Este é o habitual raciocínio em círculo em que assenta o pensamento religioso.

Qualquer criança aceita com complacência uma fé e não arrisca perdê-la. As cerimónias mágicas aprendidas na infância asseguram-lhe uma teofania que não consegue questionar. O adulto que desconhece a tradição, vê essa Fé como um desideratum pueril ou até, como uma brincadeira de mau gosto. As Igrejas sabem-no e por isso obstaculizam por todos os meios o debate intelectual e a informação sobre a origem e as pretensões epistemológicas dos seus credos.

A noção de deus, nas religiões monoteístas – um deus pessoal e criador -, é a mera extrapolação até ao infinito, do conjunto dos atributos finitos e contingentes do ser humano. Esta adjudicação sub specie infinitas atque aeternitatis dos atributos humanos, esbarra inevitavelmente na multitude de antinomias, que arruínam a noção de Deus, e provam a sua impossibilidade.

O inacabável debate sobre a teodiceia e a extenuante polémica de auxilliis, tão dramática como grotesca, bastam para substanciar o facto consumado do colapso do Deus infinito. Pese embora, ousassem exibir esta Divindade com barbas brancas.

 * referências: Gonzalo Ojea, Elogio ao Ateísmo.

 

 

20 de Setembro, 2009 Fernandes

Privilégios da Igreja Católica

A constante “colaboração com o Estado“, de que a Igreja Católica se serve para surripiar dinheiro aos contribuintes através de subvenções económicas, – para o culto e para o clero, centros de ensino nomeadamente universidades, construção e conservação de edifícios, entre outras onerosas minudências, a par da atribuição de competências para o ensino em escolas públicas com diplomas e habilitações só por eles reconhecidos; fazem da Igreja um parceiro lesivo para a sociedade e o próprio Estado.

As manobras para converter o ensino da Catequese nas escolas públicas (disfarçada de Religião e Moral), num procedimento favorável à Igreja, financiada com impostos dos contribuintes, constituem uma afronta e um desafio inadmissíveis em democracia. A estes privilégios, essenciais para a hegemonia da Igreja Católica, – económico e competências, – há a acrescentar o privilégio de que esta goza na oficialização dos símbolos eclesiásticos, – festas religiosas, festas militares, hospitais, variadíssimas manifestações de culto público etc. – E ainda o facto de usufruir de uma presença privilegiada e cada vez mais acentuada dos seus ministros e sua clientela nos meios de comunicação social públicos.

Na realidade os privilégios têm aumentando de modo surpreendente e até provocatório, a coberto da chamada lei da “liberdade religiosa“, que mais não é do que uma forma de dilatar a supremacia do “Ideal Católico” no espaço público. O enorme financiamento de que usufruem as escolas e centros docentes, acumulado com as enormes isenções fiscais de que a Igreja continua a gozar, discriminando injustamente os demais cidadãos, individual e colectivamente, é um insulto e uma provocação, pois fica posta em causa a “obrigação” do princípio não-confessional do Estado, espírito este, fiel ao Laicismo, que é o suporte indispensável numa sociedade democrática e pluralista.

Enquanto a Igreja Católica busca aumentar insaciavelmente, subvenções económicas através do Estado, as demais confissões religiosas usam exclusivamente as ofertas dos seus fiéis. Porque insiste a Igreja Católica em não seguir o bom exemplo das suas congéneres? A Igreja está moralmente obrigada a publicar as suas contas, um balanço completo e detalhado da exorbitante ajuda económica que recebe, e que procede dos contribuintes independentemente da ideologia destes. A grande questão é que o dinheiro que recebe do Estado, não representa nem de longe a expressão da fé dos portugueses (contribuintes). Para confirmar o que escrevo basta consultar e ver que só aproximadamente 20% dos portugueses, decide entregar à Igreja a sua cota contributiva colocando o X na casa correspondente na declaração de IRS. Mas a Igreja Católica, obriga os outros 80% da população que não concorda, a contribuir para o seu financiamento através do Estado

Uma Igreja habituada a impor por todos os meios a sua Ideologia em todas as esferas da vida pública e privada, constitui um poder e por conseguinte uma ameaça que tem que ser condicionada pelo Estado, para protecção desse mesmo Estado. A Igreja Católica está cada vez mais perigosa – Politicamente falando. O erro deste governo foi começar com cedências, subvalorizando a força estrutural e a capacidade de reacção política do Clero.

O Estado Português não tem religião oficial, – Ponto final. O Estado não pode obrigar os cidadãos deste país a financiar esta ou qualquer outra religião em particular.

13 de Setembro, 2009 Fernandes

Valores cristãos

Por falar em valores cristãos e como este fim-de-semana foi a festa (tardia) de S. Bartolomeu na minha terra, recordei: A Noite de S. Bartolomeu.

Introito: Paulo II obtivera o barrete cardinalício entregando Julia Farnese ao monstro Alexandre VI; eleito Papa, envenenou a mãe para se apoderar da sua possessão e, juntando um duplo incesto a um segundo parricídio, mandou matar uma das suas irmãs, com ciúmes dos amantes; envenenou Bosesforce, marido de Constância, sua filha, que ele tinha já corrompido. Em seguida aumenta a perseguição contra os desgraçados dos Luteranos. Seus sobrinhos tornam-se os executores da sua crueldade e ousam gabar-se publicamente, terem feito correr rios de sangue onde cavalos podiam nadar. Durante essas carnificinas o Papa entrega-se às suas monstruosas voluptuosidades com Constância, sua própria filha.

Júlio III juntando à crueldade a depravação, elege ao cardinalato um mancebo encarregado na sua casa do duplo emprego, guardar um macaco e prestar-se aos vergonhosos prazeres do Papa.

Paulo IV excita o furor do Rei de França contra os protestantes, forma com este uma aliança abominável pela destruição e devasta a Europa inteira. À sua morte, o povo cansado da violência insuportável dos Bispos de Roma e arruinado pela avidez insaciável dos padres, começa a despertar do sono letárgico em que estava sepultado, emancipa-se daquele jugo infernal e atroz, arromba os cárceres da Inquisição, larga fogo às prisões, derruba a estátua do Papa, quebra-lhe a cabeça e a mão direita, arrasta-a durante três dias pelas ruas de Roma.

Pio IV resolve despertar o fanatismo de Carlos IX e Filipe de Espanha, reúne-os em Bayonna para os convencer a exterminar os calvinistas.

Os princípios do pontificado de Gregório XIII foram assinalados pelo mais horrível de todos os crimes, o massacre de S. Bartolomeu, conspiração abominável levada a cabo por sugestão de Pio IV.

Intermezzo: À meia-noite, véspera de S. Bartolomeu, o relógio do palácio dá o sinal. Saint-Germain L`Auxerrois toca a rebate, e, ao som lúgubre dos sinos, os cristãos invadem as casas dos protestantes, degolando no seu leito as crianças e os velhos; apoderam-se das mulheres e depois de as haver ultrajado abrem-lhes as entranhas, tiram delas as suas crianças meio formadas, arrancam-lhes o coração e com uma ferocidade sem dó de que só a fé é capaz, rasgam-nas com os dentes e devoram-nas. Coisa quase inacreditável, tão horrível é a acção. Os homens pereciam pelo ferro e pelo fogo, as mulheres eram violadas antes de serem enforcadas, afogadas ou massacradas e os cadáveres manchados ainda pela luxúria daqueles algozes fanáticos. Os padres e os frades eram os próprios a degolarem aquelas vítimas inocentes; obedecendo às ordens do Pontífice de Roma.

Todavia, esses atentados como que se apagam diante da devoção que os crentes da minha terra dedicam a S. Bartolomeu! Ouve-se o sino tocar, o sino fatal! Mas não se ouvem os algozes esfaimados de sangue, fartos de fé, precipitarem-se sobre os inocentes, arrancando-os das suas camas, das suas casas, atirando-os pelas janelas sobre as lanças dos soldados, mutilando vergonhosamente aqueles corpos ensanguentados, a arrastarem os cadáveres das mulheres pelas ruas, e a esmagarem as crianças contra a calçada depois de arrancados dos berços. O massacre durou três dias em Paris e dois meses em toda a França. Historiadores apontam para quase cem mil protestantes assassinados nos estados cristãos! Depois daqueles dias sanguinários, os autores do macabro dirigem-se a Montfaucon para contemplar aqueles corpos completamente nus e horrivelmente mutilados, que ainda lutavam contra a agonia da morte.

Finale:  O ódio da Fé foi tão grande que o papa Gregório XIII fez cantar um Te Deum à Santa Maria e dirigiu uma cerimónia de Acção de Graças a São Luís, santo francês, em Roma, nos dias 5 e 8 de Setembro de 1572, para agradecer a Deus por ter permitido o massacre da Saint-Barthélemy. Numa bula do dia 11 de Setembro do mesmo ano ordenou um jubileu para obter a mesma graça da destruição dos huguenotes e o desaparecimento da heresia na França.

*Referências: Lachatre, Maurice. Os crimes dos Papas.

O monoteísmo é a forma religiosa mais propensa à realização de guerras santas. Os judeus inventaram o deus único, e o ocidente nunca mais se livrou da intolerância religiosa. – Ver padres a apelar aos valores cristãos é como ver a Cicciolina a apelar à virgindade.

7 de Setembro, 2009 Fernandes

Superstição

 

Segundo o Catecismo:

 – A superstição existe, sempre que se atribui uma importância de algum modo mágica, a certas práticas.

Pergunto se essas práticas e a sua natureza supersticiosa muda, pelo simples facto de se imputarem ou não a poderes “mágicos” ou “divinos”. Para um estudioso da fenomenologia existe comportamento supersticioso em qualquer dos casos. As práticas comportamentais de tipo “irracional”, psiquicamente patológicas, referenciam instâncias fetichistas de carácter religioso. Sucede com o que se convencionou chamar de, milagres – que segundo a Igreja só os seus são autênticos, dignos de fé e veneração. Assim, não passa de pura superstição a maior parte da prática católica, ou seja: todo o conjunto de missas, orações, relíquias, imagens milagrosas, peregrinações, aparições, etc. Não existe uma fronteira precisa entre Religião e Superstição, porque ambas têm a mesma origem, prática e objectivo, que é a busca de instâncias protectoras contra os riscos e a insegurança do dia-a-dia, e cujo horizonte se manifesta num “terror mortis” omnipresente.  É nesta fantasia da mente, que assentam todas as religiões enquanto vínculos imaginários com seres inexistentes. Neste contexto não surpreende a generalizada expressão da fé religiosa mediante “formas supersticiosas de comportamento”.

A superstição com o seu vastíssimo reportório, é uma conduta essencialmente “religiosa” que associa irracionalmente, afectos desejados a causas imaginárias. Isto sucede com todo o tipo de superstições seja dentro ou fora das Igrejas. Mesmo que no ritual supersticioso o resultado alcançado entre a soma dos êxitos e fracassos, os fracassos predominem, a “conduta supersticiosa” continuará a dominar a vida das pessoas que encontram nesta prática “um estado anímico subjectivamente gratificante”. O comportamento supersticioso repetir-se-á uma e outra vez qualquer que seja o resultado do “acto”. É impressionante que neste século voltem a florescer as condutas supersticiosas, enquanto as chamadas “confissões positivas de fé” tendem a perder aderentes.  A base da superstição é a ignorância, a compulsão psíquica e a alienação. São sintomas patológicos de uma sociedade insegura que vive numa atmosfera de “medo e angústia”.

5 de Setembro, 2009 Fernandes

Catequese na Escola

A república, cedo percebeu que sem um eficaz sistema de ensino público gratuito, jamais se poderiam eliminar os obstáculos para regenerar uma vida colectiva que garantisse os valores de liberdade e igualdade num contexto de neutralidade frente a todo o proselitismo religioso. O primeiro requisito da liberdade é a “liberdade da mente”, que só um ensino laico e igual para todos os cidadãos sem discriminações de classe ou credo pode oferecer.

Num país refém durante tantos séculos da hegemonia dos dogmas e doutrinas da Igreja Católica, a sociedade livre e democrática precisa de um sistema neutral de ensino público financiado pelo estado, inspirado nos princípios de igualdade de oportunidades, da liberdade de consciência que animam a Constituição, mas realizado por um corpo docente competente que não esteja ao serviço de nenhum credo religioso.

A Catequese – verdadeiro nome das chamadas aulas de Religião e Moral – de qualquer confissão religiosa mas particularmente entre nós, da religião católica, deve ser “custeada integralmente” pela respectiva igreja, financiada exclusivamente pelos seus próprios meios, dos fundos entregues pelos seus fiéis, sem ajuda ou subsídio de dinheiros públicos. A família que decide uma educação religiosa para os seus filhos deve custeá-la do seu bolso, pois o estado oferece uma educação laica gratuita que, como tal, não impede a sua complementação religiosa confessional através da catequese na paróquia ou em casa.

Deve garantir-se a estas Igrejas ou comunidades religiosas, a liberdade de ensinar ou doutrinar nas suas próprias escolas e centros privados, com a salvaguarda do controlo da competência técnica pelos poderes públicos, quando os seus diplomas aspirem a uma homologação formal.

Nenhuma confissão religiosa pode legitimamente considerar estas exigências um “atentado contra a liberdade de ensino” porque não o é, apesar de toda a atmosfera de intoxicação que a Igreja Católica infiltrou nas mentes dos milhares de portugueses. A Igreja insurge-se contra esta tese, que se impõe pela própria lógica, porque ela afectaria gravemente o factor da “reprodução social automática” da sua posição de hegemonia.

O argumento de que os pais têm “direito a eleger” a forma de educar os seus filhos, não afecta os princípios que enunciei. O suposto atentado ao direito dos pais, é uma estratégia que até agora tem sido muito “rentável” à Igreja Católica Apostólica Romana.

Aqui é essencial realçar que de uma posição sinceramente humanista, por cima do direito dos pais a doutrinarem os seus filhos num credo religioso e numa educação que costuma marcar as suas vidas de modo irreversível, está o “direito” dos filhos”, potencialmente desde a infância, “a poderem optar” na sua adolescência ou idade adulta, quando já possuam os instrumentos intelectuais e morais indispensáveis para uma decisão madura e livre sobre as propostas ideológicas – religiosas ou não-religiosas – que se lhes apresentem.

1 de Setembro, 2009 Fernandes

Bem de primeira necessidade

Em Paraná, Entre Rios, está prevista a construção de uma estátua de João Paulo II com 100 metros de altura, e com um custo de 1,5 milhões de dólares. O empreendimento conta com o apoio do deputado Jorge Cáceres, do governador e do Cardeal Estanislao Karlic (arcebispo emérito de Paraná). A Igreja reconhece que 40% da população vive na pobreza.

A Igreja sabe  o que é melhor para os pobres.

31 de Agosto, 2009 Fernandes

De Deus pode dizer-se tudo

De Deus pode dizer-se tudo –ad libitum- pois d`Ele nada se sabe.
A hipótese de um deus seja ele qual for, é cada dia que passa menos plausível, à luz da ciência e suas descobertas acerca da natureza e origem da vida. As velhas crenças das religiões e as metafísicas que as sustentam entraram inevitavelmente em decadência. A ciência moderna já não se ocupa de essências, espécies ou formas, mas sim de factos, experiências e dados empíricos, contribuindo assim para modificar a auto-compreensão do homem.
Deus, esse ser exterior que ensina ao homem o “sentido da criação”, é desmascarado pela actividade científica que mostra o realismo do universo e desmantela a noção “Ser”, que sustém todo o edifício especulativo religioso, dissolvendo-o paulatinamente apesar de este ainda manter a sua inércia na mentalidade ocidental.
As coisas são o que são, nem mais. Na realidade, o ser humano é que confere sentido a tudo o que existe e atribui a importância relativa ao seu processo individual e colectivo, sem necessidade de recorrer a revelações divinas, apesar de reconhecer que ainda há homens de ciência que se deixam sucumbir pelo consolo da fé.
Falar do “sentido” da criação do universo, recorrendo a um ser transcendente exterior a todo o processo científico, no contexto da realidade empírica, é uma falácia. Mas é aqui que descansa toda a verborreia dos teólogos pois como é lógico, nenhuma forma experimental conseguirá alguma vez explicar ou provar a falsidade do discurso religioso, quando este se veste de uma roupagem acerca da qual não é possível imaginar uma situação empírica observável que o contradiga.
Dizer que Deus existe e que deu um sentido ao universo, é um discurso teológico vazio, sem qualquer valor cognitivo para a ciência. Uma proposição só tem pertinência científica se puder ser refutada por dados empíricos.
Assim sendo: – De Deus pode dizer-se tudo pois acerca d`Ele nada se sabe.

28 de Agosto, 2009 Fernandes

Uma questão de liberdade

O Paganismo foi o mecanismo de que o Império Romano habilmente se dotou para ultrapassar as divergências étnicas e religiosas. O povo conquistador acolhia no seu panteão as divindades do conquistado, enriquecendo dessa maneira as suas mitologias. Só mais tarde, da recusa em prestar juramento ao Imperador e quando o cristianismo se transformou em religião oficial do estado passando de perseguida a perseguir, essa prática desapareceu.

Desde então e até aos nossos dias raras vezes a força das ideias conseguiu emancipar-se do poder religioso dominante, sendo uma das excepções o chamado Século da Luzes, cujos efeitos ainda subsistem.

Hoje porém, e numa tentativa de impor valores ditos perdidos, oferecem-nos uma visão unilateral do mundo da qual fica excluído todo e qualquer espírito crítico. Entrámos novamente num conformismo intelectual, numa tentativa de legitimar a autoridade das religiões reveladas, especialmente a denominada tradição judeo-cristã.

Alguns atribuem tal facto ao desmoronamento das ideologias laicas, com a queda do muro de Berlim.

É interessante ver os ideólogos comprometidos com o regime, adaptarem o discurso ao novo contexto, renunciando o que antes sacralizavam, inventando uma linguagem nova e uma nova moral não menos autoritária que a anterior.

Estes novos ideólogos misturam perigosamente política com religião como se a violência justificada por Deus nunca tivesse existido, como se o passado tivesse desaparecido da memória colectiva, e utilizam os horrores do nazismo e as experiências falhadas do comunismo/socialismo, assim como a violência dos últimos atentados terroristas, para Satanizar todos aqueles que não estão dispostos a abdicar da sua Liberdade de agir e pensar.