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Fernandes

17 de Agosto, 2010 Fernandes

Moralidade

“O último deus desaparecerá com o último dos homens”, escreve o filósofo francês Michel Onfray, no seu Tratado de Ateologia; acrescenta: “E com o último dos homens desaparecerão o temor, o medo, a angústia, essas máquinas de criar divindades”.

O ateísmo nasceu com a primeira religião, mas só entrou no cardápio das ideias abertamente debatidas, com o advento do iluminismo. Os ateus divergem em muitos pontos, mas há alguns consensos. Um deles é o de que a moralidade não é um exclusivo das religiões, e, portanto, um ateu pode ser ético e bom como qualquer crente ou o contrário. A favor da tese está a neurociência, cujas descobertas já provaram que até os chimpanzés têm noções morais, sentimentos de empatia e solidariedade – e não rezam nem crêem em Deus. Outro ponto em que todos os autores sobre ateísmo concordam, é que as religiões deixaram e ainda deixam, um enorme rasto de sangue atrás delas. Além dos exemplos clássicos das Cruzadas ou da expansão islâmica pela espada, há exemplos contemporâneos. Na Irlanda do Norte, protestantes lutam contra católicos. Em Caxemira, são muçulmanos contra hindus. No Sudão, cristãos contra muçulmanos, que também se confrontam na Etiópia, na Costa do Marfim, nas Filipinas… Crentes de diferentes religiões ou denominações guerreiam-se no Irão, no Iraque, no Cáucaso, no Sri Lanka, no Líbano, na Índia, no Afeganistão…

Entre os grupos populacionais a que se convencionou chamar de minorias – racial, sexual ou de género –, a minoria mais rejeitada é a religiosa, ou a anti-religiosa. Será isto uma prova da intolerância das religiões? Fará sentido rejeitar alguém apenas porque acredita noutro deus ou não acredita em deus algum? A verdade é que a sociedade ainda olha o ateu como alguém sem carácter, sem ética, “sem moral”. Segundo alguns estudos, apenas 13% da população votaria num candidato ateu. Num país cristianizado, como Portugal, em que os seus líderes religiosos elegem por patética inspiração divina, Fátima, “Altar do mundo!”; alguém que se confesse ateu é olhado de soslaio. É evidente que a moralidade nada tem que ver com a religião, assim como não é o resultado da sua ausência. Adolf Hitler (1889-1945), que planeou dizimar um povo inteiro, dizia-se religioso. Josef Stalin (1879-1953), cujas vítimas rondam os 20 milhões, dizia-se ateu.

A modernidade, com o aumento da escolarização e a crescente profissionalização de certas camadas sociais, fez com que o número de crentes diminuísse drasticamente. A resistência ao mundo da religiosidade é cada vez mais marcada pela descrença. Percebem-se aqui e ali, sinais de que a religião começa a perder aderentes. Não acabam todos ateus, é claro. Entre eles, há agnósticos, secularistas, cépticos e até quem se confesse, meio a contragosto, que foi católico, mas não tem religião, acredita em Deus, mas não é praticante.

Os “sem-religião” já são no Brasil, o terceiro maior grupo, atrás de católicos e evangélicos. Pelos dados do último censo, os sem-religião no país irmão, somavam 12,5 milhões, mais que um Portugal inteiro.

Nos Estados Unidos os sem-religião chegam aos 15%. O embate entre religiosos e os “sem-fé” ficou mais intenso depois dos atentados de 11 de Setembro. Os líderes religiosos, em vez de condenarem os atentados, afirmaram que foi uma punição de Deus por despenalizarem o aborto e a homossexualidade. A direita cristã, interlocutora de Deus, luta para que o seu rebanho não se disperse, e exerce uma considerável influência nas escolas e tribunais. E cresce um notável preconceito relativamente aos ateus de tal modo que a obsessão dos líderes religiosos é “livrarem-se” do estigma social que eles consideram ser o ateísmo.

Em Portugal, por ocasião da visita ao país do papa Bento XVI. Uma pesquisa relevou que aproximadamente 90% dos inquiridos acreditam na existência de Deus, e quase 80% acreditam que Jesus Cristo subiu ao céu depois de morrer crucificado, sendo que aproximadamente 70% acreditam que Maria deu à luz sendo virgem, e continuou virgem. Estes números revelam um Portugal crédulo e supersticioso – é lícito questionar: – Se são cada vez mais abundantes as descobertas científicas sobre a origem do universo e das espécies e a credulidade não se abala diante delas; talvez nenhuma prova científica, por mais sólida e contundente que se apresente, seja capaz de reduzir a crença e a superstição. Ajudará o facto de ainda hoje passarmos em povoados onde não existe uma biblioteca, uma farmácia ou uma escola, mas lá encontramos uma ou mais igrejas e várias capelas?

– Constato que continua a ser mais fácil abrir uma igreja do que uma mercearia.

12 de Agosto, 2010 Fernandes

Pagando com a mesma moeda

Uma casa de strip-tease no Ohio é perseguida por uma comunidade cristã que faz piquetes, exibe placas, filma quem entra no estabelecimento e coloca online, e até usa megafones, tudo para fechar o estabelecimento.

A casa de diversões, para exercer a atividade em paz, tentou processar a igreja  mas acabou por perder. Não ficaram de braços cruzados.

As strippers resolveram pagar com a mesma moeda. Protestar em frente da igreja. Elas vestem as melhores roupas de “trabalho” e acampam na frente da igreja batista, com pistolas d’água, cadeiras de praia e uma churrasqueira. Elas trazem placas alertando os fiéis sobre os falsos profetas.

 Aqui:  http://www.dispatch.com/live/content/local_news/stories/2010/08/09/of-ire-and-brimstone.html´

9 de Agosto, 2010 Fernandes

Diálogos de um ateu

– Se temos que começar, eu quero deixar clara a diferença entre fé e razão. – diz o crente.

– A igreja católica, mesmo que você não acredite, nunca esteve contra a razão. E mais, num dos seus últimos concílios, proclamou que a razão pode demonstrar a existência de deus.

– E demonstrou-o?

– Que acha?

– Que quer dizer com essa pergunta?

– Quero dizer que a teologia dos seus correlegionários, é sempre a mesma, após séculos de demonstrações, desde Anselmo a Tomás de Aquino, vem agora dar razão à razão. Não lhe parece irónico?

– Irónico porquê?

– Porque as subtilezas dos teólogos são irónicas. Primeiro, e durante séculos, quiseram demonstrar a existência de deus. Depois, como essas demonstrações não demonstraram nada, decidem afirmar que a razão pode demonstrar a existência de deus. A mim dá-me riso.

– Riso? Não sei porquê, este é um assunto sério.

– Não duvido, mas a seriedade não consiste em dizer uma e outra vez, que a razão pode demonstrar a existência de deus, senão demonstrá-la de uma vez por todas. E eu continuo à espera.

– E continuará. Você não é crente!

– Deixe a crença de lado. Estamos a falar de razão.

– A fé pode ajudar a razão.

– Já tardava… você fala como o papa reinante; nada de raciocinar, deitar mão da fé para que a razão não se extravie, ou seja; deixai o cego como está mas dai-lhe uma tocha. Melhor ainda; deixai o cego como está, mas dai-lhe um Lázaro tonsurado que o leve pelo caminho certo.

– A fé e a razão não são opostas.

– Quantas vezes ouço essa frase. Não só são opostas, como nem sequer se parecem. Não são sequer da mesma natureza. Com a razão só se pode discutir; com a fé só se pode acreditar. Não se parecem em nada. Faça o teste, tente questionar a fé, e verá como a ela desaparece. Pelo contrário, se acreditar em vez de questionar, verá que desaparece a razão.

– Também não é assim como diz.

– Já começa você com trocadilhos.

– Trocadilhos? A que se refere?

– À arte dos trocadilhos, ou a arte de dizer que sim e que não ao mesmo tempo. Arte em que a igreja se especializou, e a que chamam teologia. O simples jogo de mudar o sentido das palavras para dizerem o que queremos que digam. Até agora a razão não conseguiu demonstrar a existência de deus, mas não importa, agora trata-se de dizer que sim, que pode demonstrá-la.

– E assim é!

– Não, não é assim, porque quando tentaram demonstrar não o conseguiram, afinal de que falam? De trocadilhos, de jogos de palavras, subtilezas que nem sequer o chegam a ser, basta olhá-las como são, como mentiras autorizadas, para que desapareçam.

– Mas …

– É verdade! Que fácil seria para a igreja aceitar que santo Anselmo ou Tomás, não conseguiram provar a existência de deus. Que também não o conseguiram a partir da razão. Mas não é preciso que o aceitem ou afirmem. Está à vista.

*Ignacio Ferreras, Juan. – Diálogos del Ateo.

6 de Agosto, 2010 Fernandes

Quem está errado?

Quando eu era novo íamos à missa todos os domingos. Nunca sabia a que igreja iria. Íamos a uma diferente todas as semanas, principalmente porque o meu pai adorava ouvir música. Sempre me espantaram as semelhanças na forma como cada igreja via o amor, a bondade, a unidade. Mas também me entristecia a separação. Eu perguntava ao meu pai – porque é que há tantas igrejas diferentes? Ele respondia – porque o homem tem o hábito de pensar que ele e só ele distingue o certo e o errado, e quem não concorde, está errado!

– Quem detém a verdade sobre o certo e o errado? Você? A igreja? Os seus pais? A ciência?

As religiões começaram com ideias do tipo dualista, com Deus lá em cima e nós peões cá em baixo. Em certos aspectos, a igreja tentou controlar todas as formas de empreendimento humano. Não apenas a ciência mas também as artes. Até a ciência provar que estavam errados – e então a única solução encontrada foi fazer uma divisão. Deus e companhia ficam com o espírito; a ciência com a matéria. E não é uma ironia que tenha sido essa divisão que levou a ciência tão longe?

Já acabou o divórcio? Qual é o acordo? É um divórcio quântico? Quem é que fica com as igrejas e quem fica com os laboratórios? Quem traiu quem? Quem foi traído? A culpa é de quem?

Jeffrey Satinover disse: «existe o método científico, que é especificamente o de minimizar a influência do preconceito», vivemos num mundo estilhaçado pelas crenças onde nos tentam convencer que até as nossas acções sem significado nem propósito são julgadas por um deus, e que embora não tenham significado, o nosso passeio na eternidade depende inteiramente delas.

A religião transforma-nos em ovelhas temerosas, à espera que o julgamento nos caia em cima. Mas as religiões com a pretensão de inspiração divina, são na realidade administradas por humanos. E a triste história das guerras santas, perseguição de bruxas, queima de livros e sistema de castas para mencionar apenas algumas, não é propriamente uma imagem de “orientação divina”.

O problema das religiões é que ficaram atoladas no que é a “verdade”. A saída não é atacar as religiões mas controlá-las de modo a que a humanidade possa evoluir. Não nos livramos das guerras livrando-nos das religiões, mas condicionando a sua actuação, evitando a sua tentativa de estagnação, mostrando-lhes o outro lado da moeda – a ciência – e aprender com o que a ciência tem de fantástico. O que falta é estar disposto a errar na procura das novas soluções.

Um dos dogmas do cristianismo é a noção de que “Jesus irá salvar-me”. E de facto, não tenho qualquer esperança de o fazer eu próprio, sendo um pecador nascido do pecado e lixado logo à partida. É difícil imaginar uma ideia mais incapacitante. Se alguém me salvar sempre, nunca chego a assumir a responsabilidade de nada, é a clássica mentalidade da vítima. De facto, muitas destas ideias têm “vítima” estampado no rosto.

JZ Knight diz o seguinte: «Agradar a Deus liberta-nos do fardo de viver. Quer dizer; o facto de termos alguém a morrer pelos nossos pecados é um bocado extorsão, não? Penso que todos deveríamos ter o privilégio de viver os nossos próprios pecados e enriquecer em sabedoria e em virtude dessa experiência. Só então teremos atingido realmente a sabedoria que nos permite compreender o mundo». –  A ironia é que são esses erros, decisões ignorantes, “pecados”, que nos fazem evoluir para estados mais elevados. Não vejo como possamos crescer e tornarmo-nos seres extraordinários de outra forma.

30 de Julho, 2010 Fernandes

Monita Secreta

Os Jesuítas andam à solta! Era o que gritavam delirantemente absolutistas e liberais desde o Marquês de Pombal até à primeira República sempre que queriam identificar as causas do atraso nacional e as razões da dificuldade do país acertar o passo com o progresso.

Monita Secreta – Instruções Secretas, foi dos libelos mais significativos e mais publicitados no âmbito do larguíssimo conjunto de peças de polémica antijesuítica. Este catecismo secreto reforçou muito a aparelhagem argumentativa para o combate ao jesuitismo e a tudo o que ele representava. Quem poderia pensar , efectivamente, que um libelo redigido no início do século XVII por um obscuro pároco polaco, que se queria vingar da Companhia de Jesus, conheceria uma tal difusão até ao nosso século, e que seria traduzido em múltiplas línguas? Esse sucesso só pode ser comparado ao dos Protocolos de Sião, escritos no final do século XIX por um departamento da polícia czarista.

A “Allgemeine Deutsche Bibliothek”, revista principal da Aufklarung na Alemanha, costumava publicar recensões de obras contemporâneas relacionadas com toda a área do saber, para elucidar os seus leitores esclarecidos. Em 1738, esta revista dedica um pequeno artigo a um livro intitulado, Monita Secreta patrum Societatis Lesu nunc primum typis expressa ( Instruções secretas dos Padres de Jesus, impressas agora pela primeira vez) e a sua tradução alemã que tinha sido publicada em 1782. Este livro era extremamente raro, segundo dizia o jornalista, já que os Jesuítas compravam todos os exemplares disponíveis desta obra. Apesar da condenação episcopal e da proibição de Roma, os Monita Secreta espalham-se logo por toda a Europa. Com efeito, estas “Instruções Secretas” foram abundantemente divulgadas no período do liberalismo português.

Que diziam as instruções? 

– Para se tornarem agradáveis aos vizinhos do lugar, muito importa explicar-lhes o objectivo da Companhia prescrito na Regra, onde se diz que a companhia se dedica com empenho e dedicação à salvação do próximo.

– Ao princípio, devemos evitar a compra de propriedades; mas se comprarem algumas, bem situadas, façam-no por empréstimo em nome de amigos fiéis e secretos. E para que a nossa pobreza se veja melhor, o Provincial atribua a colégios afastados os bens que são vizinhos[…] para que os príncipes e magistrados nunca tenham conhecimento exacto dos rendimentos da Companhia.

– Devemos fazer os maiores esforços para captar a atenção e o ânimo dos príncipes e das pessoas importantes[…] a fim de que ninguém se levante contra nós.

– Para ganhar o espírito dos príncipes, será útil que os nossos, habilmente, e por terceiras pessoas, se insinuem para os representarem em embaixadas honoríficas e favoráveis nas cortes de outros príncipes ou reis […] pelo que não devem ser destinadas a essas funções senão pessoas muito zelosas e experientes do nosso Instituto.

– A experiência tem-nos mostrado quanta vantagem a Companhia tem tirado em negociar casamentos entre príncipes […] por isso sejam propostos […] amigos ou familiares dos parentes e dos amigos dos nossos.

– Devem-se tornar participantes de todos os méritos da Companhia […] todos aqueles que podem favorecer extraordinariamente a companhia, mostrando-lhes a importância desse privilégio.

– Visitem as viúvas e assim que elas mostrem alguma afeição à companhia […] que elas se ocupem em ornamentar alguma capela ou oratório […] deve-se-lhe apresentar as vantagens do estado de viuvez e os incómodos do casamento repetido […] Deverá encaminhar-se a viúva para a prática de obras meritórias.

– Para obter a disposição dos rendimentos, que uma viúva possui, em benefício da Companhia, ser-lhe-á encarecida a perfeição do estado dos santos homens, que tendo renunciado ao mundo,[…] se puseram ao serviço de Deus com grande resignação e alegria de espírito. […] mostre-se repetidas vezes àquelas que são ligadas às esmolas e a ornamentação das igrejas, que a soberana perfeição consiste em despojarem-se do amor das coisas terrenas, fazendo seus possuidores o próprio Cristo […] deve-se-lhe aconselhar e louvar o uso dos sacramentos, em especial o da Penitência […] logo que se tenha a certeza de que está decidida a ficar viúva, deve-se recomendar-lhe a vida espiritual, como foi a de Paula e Eustáquio.

– As mães, quando as filhas já forem mulherzinhas […] devem mostrar-lhes insistentemente as dificuldades que são comuns a todas no casamento […] convém que procedam sempre de modo que sobretudo as filhas […] pensem ser religiosas.

– Os nossos devem conversar amavelmente com os filhos e, se estes se mostrarem aptos para a Companhia, devem-nos introduzir oportunamente no colégio

– Não será pequena a vantagem, alimentarem-se, secretamente e com prudência, divisões entre os grandes e os príncipes.

– Deve-se, por todos os modos, persuadir o povo e os grandes, que a Companhia foi estabelecida por uma particular providência divina, de acordo com as professias do Abade Joaquim para exaltar a igreja humilhada pelos hereges.

    *Eduardo Franco, José. Vogel, Christine. – Monita Secreta. Instruções Secretas dos Jesuítas – História de um Manual Conspiracionista. – Roma Editora.
29 de Julho, 2010 Fernandes

Jesus Lava Mais Branco

– A Igreja teve lições de marketing?

– “Estamos a brincar? Quanto a lições, a Igreja só pode dá-las. As empresas mortificam os homens medindo a sua produção, enquanto nós sabemos valorizá-los. O marketing? Foi Jesus que o começou há dois mil anos”.

Monsenhor Ernesto Vecchi, – 2 de Outubro de 1997.

É extraordinário como a humanidade consegue não aprender nada com a história. Não me refiro, claro está, aos fariseus em cujo comportamento aplicam velhas regras e, mesmo que sejam inventadas outras novas, adoptam-nas fingindo hipocritamente uma fé que não possuem, mas às pessoas de boa fé, vítimas destes. Quando uma religião assenta o seu discurso no irresistível fascínio da promessa de vida para além da morte: o marketing aparece, e até o templo dos vendedores acaba por ser vendido pelos mercadores do templo.

O primeiro passo é criar uma mercadoria que esteja à disposição de todos, aliada a uma aquisição epontânea na base das próprias necessidades que se fazem emergir artificialmente. Basta fazer crer ao público alvo que tem necessidade do produto para que o ciclo de consumo, inicie o seu caminho. Se isto não é um milagre da fé, é certamente um milagre económico.

O marketing, segundo os seus autores, é uma guerra, e para alcançar sucesso é preciso criar a perturbação psicológica no público alvo. Para isso, nada melhor que o “sentido de obrigação” e o “sentido de culpa” a ele associado. A Igreja não poderia descuidar um instrumento de persuasão de tal amplitude.

De facto ainda hoje no agressivo mercado dos detergentes, tanto se usa a informação sobre as características do produto como simultaneamente se instala naqueles que ainda não o escolheram, doses maciças de “social embarrassement”, ou o sentido de culpa pela possibilidade de parecerem os mais sujos e mal cheirosos na vida social. Não se limitam a transmitir a “boa nova”, mas também difundir um sentimento de culpa para conseguir recrutar os inseguros e ignorantes.

Jesus estendeu a graça, quer a quem pecou, quer a quem ainda não pecou (nunca se sabe). Deste modo os “consumidores” dirigir-se-ão à “Marca”, seguros de poderem utilizar o crédito e de o poderem renovar através da confissão. Quem se pode queixar de um serviço assim? A “consumer satisfaction” está garantida. Milhões de pecadores só esperam ser perdoados para poderem continuar a pecar.

Para atrair clientes e fundamentar a sua “fidelização”, exigem as mais elementares regras do marketing que se adopte um símbolo.

A cruz foi o escolhido. Na época da adopção deste sinal, o mesmo “product manager” que inventou a marca estava perfeitamente consciente que aquele símbolo “era escândalo para os Judeus e loucura para os pagãos” (1 Cor 1, 23). Mas o instrumento de morte é agora reproduzido como “tradmark” transformado em jóia unissexo que se aloja entre os seios das senhoras ou pendura nos muros dos asilos e escolas. A pergunta fica: que “gadget” traríamos hoje connosco, se Jesus tivesse sido enforcado ou decapitado?

O processo de criação de uma marca, permite atribuir ao produto qualidades que não lhe pertencem. Para que estas qualidades se possam “instalar”, devem ser constante e regularmente repetidas. Garantidas por testemunhas que darão reputação e funcionam como “crédito de confiança”. Habituar a clientela a frequentar regularmente o ponto de venda, criando uma ligação emocional entre os lugar e os próprios utentes, é o sonho de qualquer estratega de marketing que a Igreja conseguiu realizar.

Com a “sagrada escritura” nascia um poderoso instrumento monodireccional e absolutista, como para nós é hoje a televisão. Adquiriram um carácter sagrado todas as palavras derivadas dela, as suas interpretações e até os seus intérpretes. “Benditos sejam aqueles que crêem mesmo não tendo visto” (Gv 20, 29). Uma estratégia infalível.

Podemos engarrafar água desta nascente escrevendo no rótulo que é natural, mas não devemos esquecer que era natural mesmo antes de ser engarrafada e distribuída segundo as estratégias de marketing. Podemos confundir os nossos semelhantes escrevendo que esta água é a água por antonomásia, ou que “sacia mais do que a água”, mas continuará a ser sempre pura e simplesmente água, duas partes de hidrogénio e uma de oxigénio, vulgarmente conhecida na natureza. Antes que a humanidade compreenda este facto tão simples, muita água deverá passar por baixo das pontes.

Fonte: Ballardini, Bruno. – Jesus Lava Mais Branco.

26 de Julho, 2010 Fernandes

Infância perdida

Quando penso na minha infância, fico impressionado pela exiguidade das recordações que tenho de meu pai. Por causa do casamento minha mãe mudara-se para longe da sua terra natal. Era “um bicho do mato” e só tinha verdadeiros contactos com o pároco da freguesia.

Estou convencido que decidiu muito cedo que seu único filho havia de ser padre. Enfeitou-me e destinou-me ao sacrifício.

Recordava-me muitas vezes a frase de Lapérine: «quando temos de escolher entre dois caminhos, devemos tomar o caminho mais duro: o medo é o sinal do dever.»

Comecei muito cedo a ter pesadelos, via-me queimado pelas chamas do Inferno, e gritava, ao que parece, como condenado. O médico tranquilizava a minha mãe dizendo-lhe que se tratava de febres de crescimento. Na realidade o pecado mortal foi a obsessão de toda a minha infância e eu confessava-me muitas vezes com medo de não ter dito tudo. Recordo-me de um texto do meu catecismo, que se intitulava: «Pelos meus pecados mereci o Inferno.» Li-o e reli-o tantas vezes que ainda o sei de cor:

«Oh! Como são terríveis as torturas dos condenados no Inferno. Estão privados para sempre da visão de Deus. Sofrem num fogo mil vezes mais ardente do que todos os fogos da terra. Ouve constantemente blasfémias, gritos de raiva e de desespero. Estão rodeados de demónios. E por quanto tempo dura este suplício atroz? dura para sempre, para sempre, dura toda a eternidade. Oh como é terrível o Inferno! E é isso que nós merecemos pelo pecado mortal. Neste momento, talvez até eu próprio tenha pecados mortais a pesar-me na consciência. Se morresse agora, seria, portanto, precipitado no Inferno. Oh meu Deus, não permitais que eu morra neste estado. Arrependo-me sinceramente de todos os meus pecados e prometo nunca mais Vos ofender.»

Minha mãe evitava qualquer gesto de ternura para comigo, porque era preciso endurecer-me. Beijava-me na testa e, em seguida, apresentava-me a sua face direita. Nunca me lembro de ter estado sentado nos seus joelhos. Só uma vez me pegou nos braços: o dia da minha primeira comunhão. No fim do almoço, o prior da freguesia anunciou que eu ia entrar para o seminário, porque tinha vocação. Jesus tinha-me dito, no íntimo do meu coração, que fosse padre.

Fiquei estupefacto e inquieto, pois nunca tinha ouvido nada disso. Mas a alegria da assistência, o sorriso e a ternura da minha mãe, o facto de ser uma vedeta que teria direito à primeira fatia do bolo, apaziguaram um pouco a minha inquietação e as minhas dúvidas. Foi assim que entrei para o seminário menor. A minha primeira impressão foi desagradável. Era um grande edifício, triste, de estilo napoleónico, com longos corredores sombrios e dormitórios enormes. Quantas vezes os percorri em forma e em silêncio, com as mãos atrás das costas, sob o olhar severo de um padre, que espreitava ao mais pequeno murmúrio. Éramos vigiados com extrema severidade e o grande receio de todo o corpo docente, era que houvesse entre nós amizades particulares. No recreio, tinhamos de brincar juntos. Se um de nós ficava de lado a reflectir ou a brincar sozinho, era imediatamente acusado de ter maus pensamentos. Quando, em vez de um só, eram dois, o caso era ainda mais grave. Era impossível ter um companheiro, um amigo, pois qualquer relação preferencial era considerada como doentia. No dormitório tínhamos de dormir com as mãos fora da roupa…

– Tens pensamentos maus?

Silêncio interrogativo da minha parte.

– Deixas divagar o teu espírito?

– Sim, às vezes isso acontece. Penso naquilo que gostaria de fazer. Gosto de trabalhos manuais. Gostava de ser carpinteiro.

– Tocas no teu corpo?

Após um silêncio que eu pressenti como ameaça, o padre mandou-me embora, dando-me por penitência rezar duas ave-marias.

 Durante todo este período trabalhei muito. Era o primeiro da turma. Isso granjeou-me alguma consideração por parte dos meus condiscípulos e dos meus superiores. Quando voltava a casa, tinha a impressão de ser um ser à parte. A minha mãe beijava-me na testa, o meu pai apertava-me a mão. Nunca cheguei a saber se ele estava de acordo com a minha vocação. Ele nunca dava a sua opinião. Durante as minhas estadas em casa, o prior da freguesia vinha visitar-nos regularmente. Interessava-se muito pelo bom resultado dos meus estudos e felicitava-me apertando-me a orelha.

Conservo a recordação de uma infância solitária; não tinha um amigo no seminário menor; não tinha um amigo quando vinha de férias. Via com nostalgia as crianças da vizinhança baterem-se entre si, correr, gritar no jardim. A minha dignidade de seminarista não me permitia participar nessas coisas. Dava grandes passeios solitários pelos campos. Por vezes meu pai acompanhava-me. Ia sempre calado a apertava-me a mão com força. Apontava com a bengala algumas flores ou arbustos e dizia-me o nome deles em latim. Nunca tivemos uma única conversa.

Quando os meus primos vinham a minha casa sentia que eles me admiravam, mas não se sentiam à vontade comigo. De quando em quando, tínhamos direito a jogar ao dominó ou à batalha naval. Para mim era um ponto de honra ganhar todas as partidas. Na verdade não tinha qualquer outro meio de exprimir a minha agressividade.

As férias grandes eram para mim uma provação particularmente penosa. Todas as manhãs ia ajudar à missa das sete e depois ajudava o sacristão a arrumar os paramentos. O sacristão era um velho militar reformado. Foi ele talvez o único juntamente com meu pai, a perceber a minha tristeza e o meu mal-estar. Depois da missa levava-me muitas vezes a sua casa, para me mostrar algum troféu que trouxera das suas campanhas. Tinha um magnífico sabre que deve ter cortado algumas cabeças. Via-me no recreio do seminário menor a cortar a cabeça dos meus condiscípulos, mas acho que nunca dos meus profesores.

Ao domingo fazia o peditório em todas as missas. No fim da função, o prior apreciava com uma olhadela o conteúdo do saco e manifestava muitas vezes o seu descontentamento: – Unhas-de-fome, no próximo domingo eu lhes direi.

Os peditórios rendiam muito mais quando vinha algum missionário pregar e pedir para as missões. Para o seminário ou para os padres idosos. A sua abundância era directamente proporcional à veemência e às imprecações do pregador.

Eu divertia-me a apreciar quais os argumentos mais rendíveis (ajuizava da rendibilidade pelo número de notas que caiam no saco). A acumulação dos bens materiais, sinal de torpeza e egoísmo e injúria feita à pobreza de Cristo, tinha um êxito nitidamente superior. Mas o mais rendível de todos era a culpabilidade e a angústia: lembro-me de um missionário, robusto e bronzeado, que tinha o dom de encher o meu saco até ao cimo. Utilizava sempre o mesmo género de argumentos: O vosso apego ao dinheiro há-de-vos perder e levar para o Inferno. Estais certos de que o adquiristes honestamente e de que não explorastes o vosso semelhante? Muitos de vós devem ter grandes pesos na consciência. Sabei repartir os vossos bens para obterdes a indulgência do Senhor.

Todas estas verificações me deixavam vagamente inquieto. Este apelo à má consciência provocavam em mim um certo mal-estar. Sentia que havia ali algo que não estava certo, mas não conseguia saber bem o quê. Conservei sempre um complexo de culpa em relação ao dinheiro, e penso que a isso não são estranhas estas diatribes ao domingo.

– Soglinac, Pierre. – A neurose cristã.

26 de Julho, 2010 Fernandes

Diálogos de um Ateu

Comprei um pequeno livro na livraria Cervantes em Salamanca. Achei-o tão divertido que decidi partilhá-lo.

Um ateu e um crente encontram-se num café. O ateu é um homem educado e com sentido de humor; o crente também mas carece de algum sentido de humor. O ateu, como acontece com a maioria dos ateus, lê bastante; o crente lê menos, mas como costumam dizer, não precisam ler, basta-lhes acreditar. Os diálogos inclinam-se a favor do ateu porque entre os crentes não é fácil encontrar uma pessoa excessivamente culta. Com hábito de leitura, talvez, mas não excessivamente culta. Porque a cultura, a ilustração e o conhecimento, derrubam a fé. Receio que se aplique o aforismo: «Reflictamos, disse o crente, e se fez ateu».

Há dezenas de teólogos, sobre tudo católicos, que gastam as suas vidas buscando provas da existência da Deus. É uma pena porque a sociedade ficaria grata se os seus trabalhos tivessem melhor fim, ou seja, um fim prático. Escritores ateus não abundam porque como se recordarão, o ateísmo nunca se constituiu em escola e muito menos em igreja ou facção. Os ateus andaram ao longo da história de um lado para o outro, sem instituição que os acolhera, quase sem pai nem mãe. De vez em quando escreviam um livro, de vez em quando eram queimados, os livros e os autores. Eram tempos difíceis que ainda se mantêm em certas latitudes.

Os crentes não queimavam só ateus, também se queimavam e matavam entre si. Vamos aos diálogos:

O ateu oferece um livro sobre ateísmo ao crente .

– Consegue demonstrar-me que Deus não existe? – pergunta o crente.

– Não tenho que demonstrar uma inexistência, pelo contrário, o que é preciso é demonstrar a existência.

– Então não acredita em Deus?

– Eu sou ateu! Você não?

– Claro que não, eu acredito em Deus, sou crente.

– Um crente!? Maravilha. É difícil encontrar um crente.

– Há muitos crentes.

– Olhe que não, há muitos que crêem que acreditam, mas não são crentes.

– Pois eu acredito em Deus.

– Então ofereço-lhe este livro, afinal foi escrito a pensar nos crentes.

– Agradeço mas não aceito.

– Não me surpreende, os crentes sempre se negam a ler livros ateus.

– Não me recuso, mas acredite não o necessito. Eu acredito em Deus.

– Atreve-se então a discutir comigo a inexistência de Deus?

– Atrevo-me a discutir sobre a existência de Deus, que não é a mesma coisa.

– Bom, então vamos discutir um livro que demonstre a existência de Deus, não a sua inexistência porque essa salta à vista a partir dos milhares de livros que foram escritos tentando provar a sua existência. Estou a falar-lhe como compreenderá, de séculos e séculos de Teologia.

– Eu não vou aqui defender os santos padres, um crente de hoje não se parece em nada com um crente de antigamente.

– Quer então dizer-me que se acabou com a proclamação de milagres, aparições, profecias e outras coisas parecidas?

– Penso que não devemos abordar factos que de alguma maneira são inexplicáveis.

– Mas se me diz que são inexplicáveis, nunca chegará a explicá-los!

– Explicar um milagre parece um contracenso.

– Não tenha dúvida que assim é. Eu nunca vi um milagre, seguramente você também não, mas mesmo que o visse, ou seja; mesmo que presenciasse um facto que escapasse ao meu raciocínio, nem por isso negaria a racionalidade.

– Negaria então o facto milagroso?

– Os factos meu caro, não podem negar-se, não são discutíveis, discutível é a sua interpretação. E os crentes, explicaram sempre o que não tem explicação, a partir da fé em Deus. Por isso, e perdoe-me que lhe diga, um crente não pode ser razoável.

– Mas eu não nego a razão. Já lhe disse que sou um crente moderno.

– Não há crentes modernos nem antigos, sempre houve crentes e descrentes, e você é um crente, ou seja; coloca-se fora da razão, e por conseguinte, fora de tempo.

– Está chamar-me atemporal!?

– Claro que sim, tal como as religiões que só subsistem por isso, porque se colocam fora de tempo.

– Bom, gostava de continuar esta conversa mas tenho pressa.

– Pois sim, outro dia será. Gosto de conversar com um crente que tenta ser razoável.

– Sou razoável, não duvide. Até à próxima, adeus.

– Dizer adeus a um ateu, é correcto. O prefixo «a» é negação, logo você vai embora e deixa-me como me encontrou, sem Deus.

*Ignacio Ferreras, Juan. – Diálogos del Ateo.

24 de Julho, 2010 Fernandes

Os prodígios de Jesus

A detenção do presumível homicida de Torres Vedras e as suas atitudes algo insanas, levou-me a pensar em Jesus. Não esse Jesus da tradição rabínica a quem se atribui o “discurso da sabedoria”, mas o outro Jesus, o mago que faz prodígios de veracidade duvidosa e escassa inteligência, com pouca ou nenhuma utilidade.

Prodígios que o mesmo “Jesus Profeta” negou ter realizado, quando afirma: «Esta gente malvada e infiel pede um sinal milagroso, mas não se lhe dará outro sinal que não seja o do profeta Jonas» – Mateus XII,39. Marcos VIII,12. Lucas XI, 29. E prodígios que nem o populacho achava convincentes, dado que João se lamenta que «apesar de Jesus ter realizado tão grandes milagres diante deles, não acreditavam nele». – João XII,37.

O primeiro milagre, das três dezenas registadas nos evangelhos canónicos, é como se sabe o da transformação da água em vinho nas bodas de Caná, contado apenas por João. Sabemos hoje que não passa de uma metáfora da primeira praga do Egipto, inventada para sugerir um paralelo entre o Jesus do Novo Testamento e Moisés do Antigo.

Além de algumas pescarias milagrosas, agradecidas evidentemente pelos pescadores, também brilhou na culinária ao multiplicar pão e peixe que da primeira vez saciaram cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, com cinco pães e dois peixes, apenas; e da segunda quatro mil, com sete pães e “alguns peixes”, sempre sem contar com as mulheres e crianças. Conseguindo uma melhor relação quantidade/preço, no primeiro milagre que no segundo. Quiçá Jesus estivesse mais cansado da segunda vez, pois nessa ocasião já tinha curado coxos, aleijados, cegos, surdos e muitos mais enfermos. – Mateus XV 32,38. Marcos VIII 1,9.

Naturalmente que as curas constituem o cavalo de batalha de qualquer um que queira atrair multidões. Entre as curas já citadas cabem ainda os leprosos, epilépticos, e endemoninhados. O qual dado o seu número podemos deduzir que a Palestina da altura não era um lugar muito saudável.

Entre estas curas, o exemplo talvez mais desconcertante seja o dos dois “endemoninhados” (ou apenas um, segundo as versões), em que Jesus não está com meias medidas, e faz entrar os demónios que os possuíam, numa vara de dois mil porcos, para logo de seguida os fazer precipitar e morrerem afogados.

Esta história é uma autêntica anedota. Com ela aprendemos que:

1º Um endemoninhado está mesmo possuído por demónios, que podem entrar e sair do corpo.

2º Jesus demonstra pouca consideração pelos animais que podiam ser facilmente salvos. Se fosse hoje, seria processado pela Associação Protectora dos Animais. Não será por acaso que depois do milagre, a gente do povoado lhe implora que se vá embora.

3º Revela escassos conhecimentos dos lugares do suposto “testemunho ocular” de Mateus, uma vez que situa o episódio na cidade de Gadara, que a mesma edição oficial reconhece estar a 12 quilómetros do lago, em vez de sensivelmente «sobre a outra margem».

Pode parecer mentira, mas é graças a estas e outras “curas” milagrosas de Jesus, que a Igreja no século XXI continua a acreditar na possibilidade de expulsar demónios através de ritos de exorcismo. Estes não são praticados apenas em películas de duvidosa qualidade cinematográfica, por padres de duvidosa saúde mental, mas até no Vaticano por Sua Santidade: a última vez foi Paulo II a 6 de Setembro de 2000, parece que sem êxito. Os exorcismos são definidos desta bonita maneira no Catecismo:

O exorcismo acontece, quando a Igreja com a sua autoridade, ordena em nome de Jesus, que uma pessoa, ou objecto, seja protegido do Maligno e salvo do seu domínio. Praticado de forma ordinária no baptismo (sic), o exorcismo solene, também chamado “grande exorcismo”, só pode ser realizado por um presbítero autorizado pelo bispo.

* Fonte: – Odifredi, Oiergiorgio. – Por que no podemos ser cristianos e menos aun catolicos.

23 de Julho, 2010 Fernandes

O Regresso de Deus

Uma das piores coisas neste mundo, é a construção de ilusões, elas conduzem ao auto-engano. Que o digam os políticos, que o digamos nós. O papa polaco e o seu mentor Joseph Ratzinger, elucidaram-nos respectivamente às “ilusões” da Igreja.

A especulação teológica ao serviço da fé pode entregar-se a todo o tipo de “jogos semânticos”, abusando da interpretação simbólica. O magistério da “infalibilidade” está aí, mas sabemos que quando tentamos passar da retórica aos factos concretos, os falsos concordismos da teologia caem por terra.

A natureza híbrida e contraditória dos dogmas eclesiásticos, permite amplas ambiguidades. Mas tanto na esfera das “definições” como das “condutas”, existem limites inultrapassáveis, – se o catolicismo não quiser desaparecer. Chega uma altura em que as decisões sobre o divórcio, contracepção, homossexualidade, onanismo, feminismo, conflitos de classes, estrutura hierárquica e outras questões mais ou menos graves se impõem, e estas não admitem ambiguidades, se se quer uma moral despida de dogmas.

Os chamados “cristão progressistas”, confrontados dia atrás dia, com os avanços da ciência – onde incluímos a investigação histórica -, foram perdendo a sua fé nos dogmas. Os mais audazes não tiveram dúvidas em reduzir a sua fé pessoal a uma mera crença num Jesus divino. Naturalmente que isto equivale a anular a especificidade do “mistério cristão” tal como foi produzido pela literatura neotestamentária – com as suas incongruências e contradições formalizadas desde o início do século II. Equivale por conseguinte a suprimir praticamente a “exclusividade” da verdade cristã. Não deve surpreender-nos portanto, que desde as dramáticas “vacilações” de Paulo VI até à tentativa de “restauração” de Paulo II; a Igreja tenha reagido violentamente contra um certo risco de dissolução.

Surgem assim os integrismos cristãos, que por razões óbvias criticam os valores da Ilustração e escolhem para inimigo o Humanismo Secular. Eles promovem e financiam correntes de pensamento que favorecem formas de autoritarismo, de emotivismo, de irracionalismo e alienação, que dissolvem os postulados da crítica racional. Tenta associar-se o “regresso de Deus” com a restauração neoconservadora de “obediência social”.

A verdade é que essas formas de pensamento têm como objectivo instalar ou reinstalar progressivamente, regimes de carácter Teocrático; com Deus e a Igreja no cume, com a tradicional concepção anti-democrática, autoritária e tradicionalista, rigidamente hierarquizada. A isto eles chamam pomposamente de; “novas formas de socialização”.

O “regresso de Deus” resulta assim, num fundamentalismo integrista que se limita a equipar a consciência íntima do explorado com os instrumentos psicológicos necessários para “forjar” uma “falsa” liberdade de consciência que lhe permita adaptar-se à ordem e disciplina estabelecida.

Um desses movimentos integrista/fundamentalista, é o Opus Dei, organização em que resultam patentes as afinidades entre o tradicionalismo integrista e a doutrina e prática social de vocação capitalista.