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14 de Fevereiro, 2005 fburnay

Lucy in the Sky with Diamonds

As actividades de campanha do PSD e do CDS foram interrompidas temporariamente devido à morte da irmã Lúcia. Disse Pedro Santana Lopes que a irmã Lúcia é, independentemente da fé de cada um, uma personagem importante na História de Portugal… Para Paulo Portas “a Irmã Lúcia é uma grande figura na história da Igreja, está no coração dos portugueses como uma grande figura religiosa e espiritual de Portugal e é uma figura ímpar do século XX português”. Já o PS promete continuar com a campanha mas interromper acções festivas, conforme anunciado pela Agência Lusa.
Talvez o delírio colectivo do qual é ícone mereça um lugar na História do catolicismo português e do combate à 1ª República mas o que é certo é que a importância da dita só tem valor para quem de facto tem fé. Note-se que 30% dos católicos portugueses não acreditam no milagre de Fátima e 50% não acreditam no 3º segredo.
Mas a alucinação pelos vistos continua…

27 de Janeiro, 2005 fburnay

A Exegese

Se há coisa que mais me confunde no mundo teológico é a autoridade interpretativa do exegeta. Os textos sagrados ou são literais, como nos querem fazer crer alguns envangelistas norte-americanos (e o assunto fica por aí, sendo ainda mais fácil a exposição da obtusidade da prática religiosa ou da mensagem textual) ou são metafóricos, necessitando nesse caso de uma interpretação “profissional”. E esse profissionalismo só é garantido, mais do que àquele que compreende o texto original e domina o latim, o grego, o árabe, o aramaico o atlante e a História, a quem pertence à religião cujo texto pretende interpretar.

A subjectividade da interpretação hermenêutica é facilmente eclipsada pelo peso do dogmatismo. Não é difícil extrair um significado sagrado de um texto contraditório, obscuro ou metafórico. O difícil é perceber o porquê de tanta exegese, tradução e interpretação se os textos continuam contraditórios, obscuros e metafóricos. Daí que as sucessivas contradições da Bíblia, por exemplo, necessitem de uma lavagem cerebral intensiva (ou ausência de espírito crítico) para poderem caber dentro das cabeças que acreditam nela, sem causar incómodo. Quando o disparate espreita aos olhos de alguém atento de nada adianta a um “leigo” criticá-lo – se é uma contradição há que conhecer o contexto, se é um erro de tradução há que conhecer a língua original, se é uma metáfora ninguém lhe garante que a percebeu, se é obscuro Deus escreve direito por linhas tortas e, ó malfadada compreensão humana, há que lembrar que os textos foram escritos por homens, falíveis e confusos. Ad hoc. Ad infinitum.

Um texto que necessite de uma exaustiva descodificação é, antes de mais, um texto complicado. Um texto que só pode ser interpretado por um grupo de pessoas escolhidas tendenciosamente sem qualquer critério senão o de que vão dizer aquilo que se pretende, é um texto de acesso restrito e a sua interpretação algo viciada. É um texto feito suspeitosa e propositadamente inacessível. E não vejo nenhum outro propósito senão o de conservar a suspeitosa importância do clero.

Para mim é simples: se tivermos espírito crítico, não precisamos do Espírito Santo.

3 de Janeiro, 2005 fburnay

Ética ateísta

Conhece, quem é obrigado ao silêncio, o poder de quem cala. Pior é que dizer mentiras não deixar alguém falar. Pior ainda é advogar o direito ao abuso para combater o abuso do direito. E aquele que pensar que nada há de mais abjecto do que obrigar os outros a ficar calados porque o nosso discurso ofende mesmo sem ser insulto, desengane-se: pior que tudo isto é castrar o valor da nossa opinião porque aquilo que ofende não se prende apenas naquilo que dizemos mas naquilo que pensamos. Não estou a falar de sociedades teocráticas, não estou a falar de cruzados, não estou a falar de ditaduras nem de déspotas sem escrúpulos. Estou a falar de pessoas comuns. Porque, ateus ou não, podemos ser todos Galileus.

O meu direito a ser ateu é e sempre foi garantido entre aqueles que conheço. Já as razões pelas quais eu sou ateu, essas, são por vezes obrigadas a ficar escondidas dos ouvidos de muitos porque são intoleráveis. O facto de eu achar que os outros, e não eu, estão enganados, não é para eles uma opinião que importa debater para perceber quem é que está errado – é arrogância que não merece ser ouvida. Aquilo a que chamamos verdade, quer a conheçamos, quer não, chega a ser para alguns uma questão de perspectiva! E, sendo para essas pessoas uma questão de perspectiva, eu estou tão errado para os outros como os outros o estão para mim, de facto. É deste tipo de pessoas que os tiranos gostam.

Que haja instituições – não interessa quais – que façam o que eu descrevi, não me causa espanto. Mas ver falar aqueles de quem gosto, sem que se apercebam, a língua dos obtusos e dos violadores de direitos humanos é simplesmente assustador. E o hediondo disto tudo é que há quem não faça a menor ideia das implicações daquilo que diz. Pode parecer exagerado mas de facto todas essas coisas, que quando explícitas causam revolta, estão também presentes na ingenuidade do cidadão comum: do polícia ao juíz, do condutor ao peão, do aluno ao professor, da criança ao adulto. É a ingenuidade que boicota a cidadania, que distorce a justiça, que se arroga ao direito de calar quem acha que deve, que relativiza o absoluto e que absolutiza o relativo, que dita o que é bom ou mau, tudo isto na maior das plenitudes de espírito e paz interior. Ela está nas cabeças dos crentes que seguem os seus líderes sem os questionar, está na boca daqueles que se manifestam nas câmaras da Assembleia da República, está nas manchetes distorcidas dos jornais, está nas aulas de professores despreocupados, está na condescendência dos intelectuais, está no “simples” acto de quem bebe e conduz!

É por isso que acho que o Ateísmo possui uma componente ética. Porque sei que, apesar da natureza humana poder ser tudo menos aquilo que eventualmente desejaríamos, se pode procurar o fulcro que torna humana a sociedade. Podemos, todos juntos, construir uma sociedade melhor. Isso é aquilo que todos queremos, não é relativo. A noção daquilo que faz da sociedade melhor, isso sim, importa debater e nunca impôr. Isto tem tudo a ver com Ateísmo. Ateísmo não de ser simplesmente ateu mas de ser ateísta, que é o que eu sou. O Ateísmo que, na sua posição descrente e laica garante um lugar para todos aqueles que amam o seu deus. Um Ateísmo que defende valores de cidadania não pode ser uma ideologia sem valores. Aqueles que acusam o Ateísmo de defender ideais que, na sua elaboração, têm a mesma estrutura que os valores dogmáticos das religiões, estão enganados. O Ateísmo, na sua elaboração ideológica, admite sempre o seu próprio questionamento e nunca impõe dogma nenhum. Não admira que por isso seja tão consonante com a Ciência, com a Democracia e com a Cidadania em particular. Não é de estranhar que surja mais naturalmente no seio de comunidades críticas, dialogantes e sem complexos. Da diferença entre desejo e fé, entre esperança ingénua e convicção crítica é que nasce o báculo da Democracia – não de ouro na mão de um mas por direito, na mão de todos.